Editorial J - Número 16 - Agosto/Setembro de 2014

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AGOSTO/SETEMBRO 2014 • NÚMERO 16 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J

Para onde vai o Rio Grande Próximo governo do Estado vai assumir o Palácio Piratini com o desafio de adaptar o seu plano às dificuldades históricas impostas pela crise nas finanças públicas. O Editorial J comparou números para entender as principais tendências relativas à oferta de serviços públicos essenciais, como educação, saúde e transportes. O cenário desanimador indica que o Rio Grande do Sul patina. PÁGINAS 6 E 7

Pedro Scott (3º sem.)

O que políticos diziam antes da disputa eleitoral

Como funciona a economia da reciclagem

Estrangeiros chegam em busca de oportunidades PÁGINAS 4 E 5

Do lixo ao lucro

Propostas cruzadas Guilherme Almeida (5º sem.)

A nova onda de migração

PÁGINA 8

PÁGINAS 10 E 11


papo de redação

Jornal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet

Nosso olhar sobre a eleição

Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Paula Puhl Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi Fabio Canatta Flávia Quadros Ivone Cassol Marcelo Träsel Marco Villalobos Rogério Fraga Tércio Saccol Vitor Necchi Alunos editores Caroline Ferraz, Guilherme Almeida, Thamíris Mondin, Thiago Valença, Victor Rypl e Yasmin Luz. Diagramação Bruno Ibaldo

Alunos Ana Maria Muller, Anahis Vargas, Annie Castro, Betina Carcuchinski, Bruna Ayres, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Camilla Pereira, Cândida Schaedler, Carolina Michaelsen, Carolina Teixeira, Carolina Zorzetto, Cássia Oliveira, Cinthia Aquino, Cláudia dos Anjos, Constance Laux, Cristiane Luckow, Daniela Flor, Douglas Abreu, Eduarda Endler Lopes, Flávia Carboni, Frederico Martins, Gabriel Gonçalves, Gabriel Raimundi, Georgia Ubatuba, Gustavo Fagundes, Guilherme Mercado, Isadora Marcante, Jéssica Moraes, Jéssica Wolf, João Paulo Dorneles, João Paulo Wandscheer, João Pedro Arroque Lopes, Jorge Sant’ana, Júlia Bernardi, Júlia de Quevedo, Júlia Silveira, Juliane Guez, Karine Flores, Kelly Moreira, Leonardo Ferri, Letícia Ferraz, Lucas de Oliveira, Lúcia Vieira, Luísa Dal Mas, Luiza Meira, Martha Menezes, Mauro Plastina, Milena Haas, Muriel Porfírio, Otávio Antunes, Paola Pasquali, Patrícia Lapuente, Pedro Henrique Tavares, Pedro Gomes, Raphael Seabra, Rafael Sobral, Raquel Baracho, Rebeca Kuhn, Roberto Kralik, Rodrigo Luz, Rodrigo Mello, Sofia Schuck, Taína Cíceri, Thiago Rocha, Vanessa Padilha, Vitor Laitano, Vitória Fonseca, William Anthony e Yanlin Costa

POR Thamíris Mondin (6º sem.)

P

ara inaugurar a cobertura multimídia do Editorial J sobre as eleições de 2014, a edição impressa de nº 16 mergulhou em dados correspondentes às principais áreas de atuação governamental do Rio Grande do Sul para compreender o cenário que será herdado pela próxima gestão, em outubro. Questões como educação, saúde, qualidade de vida, estrutura viária, desenvolvimento econômico e finanças públicas foram analisadas a partir de números divulgados entre 2002 e 2014 e alinhavadas pelas observações de especialistas de cada área. O quadro final, que mostra um Estado com dificuldades de crescimento, sufocado pela dívida pública de R$ 50,4 bilhões, está apresentado na reportagem especial das páginas 6 e 7. Ainda dentro do panorama eleitoral, a página 8 foi ilustrada com uma nuvem de palavras

FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast.

Twitter, Flickr e Facebook Por meio de perfis, notícias e imagens são compartilhadas. Pelo Twitter, no @editorialj. No Facebook, pelo facebook.com/editorialj. No Flickr, flickr.com/editorialj.

Luiza Meira (2º sem.)

CONTEÚDOS DO EDITORIAL J

montada a partir dos discursos aqui, além da sua adaptação e dos deputados estaduais e fededos mecanismos de fiscalização rais, que reúne os termos mais deste fluxo migratório, cada vez recorrentes usados em seus promais intenso no Estado. nunciamentos. O leitor encontra ainda maE no período que o Bratérias sobre a relação do sistema sil decide quem vai de reciclagem com ocupar a Presidêna economia (ps. 10 cia pelos próximos e 11) e sobre a iniquatro anos, o Ediciativa humanitária Inaugutorial J rememoque tem se tornado ramos a ra as seis décadas popular e mobilida morte daquele zado cada vez mais cobertura que é considerado adeptos: a doação multimídia o maior político da de cabelos para os história nacional que sofrem com os sobre as e o que por mais efeitos da quimioteeleições. tempo esteve no rapia no tratamento comando do país: do câncer (p. 9). Getúlio Vargas. Na Por fim, ainda na página ao lado, o ideia de uma contracapa legado e o impacto da morte do livre de todas as pré-definições estadista nos rumos da história gráficas do nosso impresso, brasileira. abrimos mão das cores que Nas páginas 4 e 5, as repórteidentificam o Editorial J e dires Bruna Zanatta, Júlia Bernarvulgamos uma galeria que torna di e Mariana Fritsh falam sobre visível os moradores de rua de o novo perfil de imigrantes que Porto Alegre, ignorados no cotiestão adotando o interior do Rio diano. Todas as fotos, feitas por Grande do Sul como destino e Guilherme Almeida, podem ser os motivos que os trouxeram até encontradas em nosso site.

+

Editorial J na TV Telejornal quinzenal, com pautas temáticas e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/ editorialj.

IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS

Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj

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No cercado da imprensa Entre agosto e setembro, o Rio Grande do Sul sedia anualmente a Expointer (Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários). A feira é ponto de visitação e lazer dos gaúchos, para além dos envolvidos com o agronegócio e a pecuária. O evento movimenta a imprensa local e desloca para Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, equipes que acompanham cada detalhe. O Editorial J esteve por lá para observar os bastidores da cobertura jornalística e a força-tarefa para reinventar, ano após ano, a maneira de contar as histórias da Expointer. Confira o resultado em: http://www.eusoufamecos.net/edito rialj/agronegocio-nas-manchetes-o-trabalho-da-imprensa-na-expointer/


história

O tiro que adiou o golpe AO DI S PA RA R C O N T RA O P RÓP RIO P E ITO, GETÚLIO VAR GAS CONTEVE A PRESSÃ O DOS QUE LUTAVA M C O N T RA S UAS ID E IAS A E MP URROU CONSPIRA ÇÃ O GOLPISTA PA RA 1 9 6 4 Reprodução/Folha da Tarde

P O R Thamíris Mondin (6º sem.)

Arquivo Nacional

E

m 2014 são rememoradas duas datas marcantes na história recente do Brasil: os 50 anos do golpe civil-militar, de 1964, e os 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. O intervalo de 10 anos entre os dois acontecimentos mais significativos do cenário político brasileiro do século XX estão, para muitos pesquisadores do período, relacionados. “Existia, mesmo antes de 1954, uma força de setores que tinham a intenção de romper com a ordem estabelecida, com uma deposição forçada. O suicídio de Getúlio foi, sim, um ato político. Só se pode dizer hoje que ele adiou o golpe porque é uma visão prospectiva, mas ele inibiu aqueles que intentavam o golpe. Esta intenção já se via antes e se viu depois, em 1961, quando foi outra vez impedida, pela legalidade”, explica o historiador e pesquisador de História Política do Brasil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Alberto Grijó. As pressões sobre o governo em crise de Getúlio não vinham só do setor militar. “Existia isso pelo lado civil também. Carlos Lacerda era um exemplo disso, de uma parcela civil que se opunha ao governo supostamente de esquerda de Vargas e desejava uma ruptura, não importando os meios”, complementa Grijó. Lacerda, político e jornalista, vociferava em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, contra Getúlio. Este periódico também teria papel importante no grupo da imprensa que apoiaria o golpe, 10 anos depois. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, Lacerda sofreu um atentado na Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, que foi atribuído ao presidente Vargas e sua guarda pessoal, agravando a crise. Depois da última reunião ministerial no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, em que havia decidido por se licenciar, Getúlio se recolheu e, poucas horas depois, na manhã de 24 de agosto de 1954, disparou contra o próprio peito, concretizando o que escrevera em sua carta-testamento: “Saio da vida para entrar na História”. Para o historiador e jornalista Juremir Machado da Silva, autor do romance histórico Getúlio, o suicídio não só adiou o golpe como mexeu também com o cenário eleitoral dos anos seguintes. “Com a morte dele e a comoção popular, mudaram os rumos das eleições seguintes. Em 1954 se elegeu Juscelino Kubitschek, com Jago na vice-presidência, muito mais próximos das ideias de Getúlio. Muito possivelmente, se

Ato extremo do presidente levou multidão às ruas para lamentar morte e fim prematuro do mandato AGOSTO/SETEMBRO DE 2014 • PÁGINA 3

Getúlio tivesse terminado aquele mandato, sairia desgastado e seus opositores assumiriam”, reflete Juremir. O partido opositor de Getúlio, a União Democrática Nacional( UDN), contava com o apoio de setores conservadores da elite, contarariados pelo populismo e as medidas sociais implementadas pelo presidente. Com forte alinhamento com a imprensa do centro do país, a UDN liderou a campanha cotra Getúlio nos meses que antedecederam sua morte. O jornalista Walter Galvani conta que, na época, se posicionava como antigetulista e percebia o protagonismo da imprensa. “Naquele ano de 1954, eu era o que se poderia chamar de um guri bobo, com recém completados 20 anosde idade, e sem nenhuma maturidade. Havíamos fundado, em Canoas, um pequeno jornal que teria o nome de Expressão. Com a influência da UDN, líamos sempre que podíamos os jornais do Rio e São Paulo e, de um modo muito especial, a Tribuna da Imprensa, de Lacerda”, lembra. A notícia da morte comoveu todo o país e, em especial, o Rio Grande do Sul. “No dia 24 de agosto, assim que a rádio Farroupilha de Porto Alegre deu a notícia, pouco depois das 8h30min, as pessoas pró e contra começaram a se juntar no centro de Canoas, onde vivíamos. E por uma questão até de definições políticas, os pró Getulio ficaram acima dos trilhos ferroviários, nas imediações da praça central, a Praça da Bandeira, e os curiosos ou opositores se juntaram na avenida Vitor Barreto. Com 300 metros de permeio”, relembra Galvani. Getúlio Vargas foi um divisor de águas na história brasileira. Governou o país entre 1930 e 1945, com o a ditadura do Estado Novo a partir de 1937, e depois voltou democraticamente na chamada “eleição carismática” de 1950, quando fez um governo de centro-esquerda. “O Brasil é um antes e outro depois dele. Ele tinha um projeto nacionalista, de incorporação de grandes setores excluídos da população, de modernização do país. E ele conseguiu, mudou o Brasil”, explica Juremir. Entre as maiores realizações dos períodos em que o país foi governado por Getúlio estão a criação da Petrobrás e a Consolidação das Leis do Trabalho. “O que ele fez, nunca antes havia sido feito. O legado histórico-social dos governos que ele capitaneou é incomparável. Ele criou um modelo de organização do Estado e de administração pública que não existia antes no Brasil”, finaliza Luiz Alberto Grijó.


migração

Refúgio chamado Brasil EM T R Ê S A N O S, O N Ú ME RO TOTAL DE RE FUGIAD OS NO PA ÍS AUMENTOU EM 8 0 0 % P O R Bruna Zanatta (4ª sem.), Júlia Bernardi (4ª sem.) e Mariana Fritsch (4ª sem.)

Pedro Scott (3º sem.)

Balla Ka (segundo da direita para esquerda) e quatro amigos vieram do Senegal para Lagoa dos Três Cantos AGOSTO/SETEMBRO DE 2014 • PÁGINA 4

B

alla Ka ainda se esforça para conseguir falar tudo o que quer em português, mas uma palavra já soa com certa facilidade: saudade. A expressão nem existe na sua língua (o dialeto wolof), mas ele sabe bem o que significa. Saudade é o aperto no peito que o acompanha desde que chegou ao Brasil, em julho do ano passado. Ele e mais quatro amigos vivem em Lagoa dos Três Cantos, pequena cidade de colonização alemã de 1,6 mil habitantes, no interior do Rio Grande do Sul, onde trabalham em um armazém de cereais. O grupo faz parte do fenômeno de imigração que se alastra pelo Estado há pelo menos dois anos. Segundo o último levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), divulgado em maio deste ano, a Região Sul do Brasil é onde mais surgiram solicitações de refúgio em 2013, chegando a 37% do total, contra os 29% do total de solicitações da Sudeste. O Estado de São Paulo lidera em número de solicitantes, seguido por Paraná, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que aparece em quarto lugar, com 9,3% dos casos. Ao todo, vivem hoje no Brasil cerca de 6,5 mil refugiados, de mais de 80 nacionalidades diferentes, segundo dados atualizados pelo ACNUR em julho. Pela convenção de Genebra de 1951, é refugiada “toda pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo”. Definições mais amplas passaram a considerar como refugiadas as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. Balla e seus amigos são do Senegal, país da costa ocidental da África, que está atualmente em um confronto civil conhecido como Conflito de Casamança, travado entre governo e forças separatistas da região ao sul do país. Com isso, milhares de senegaleses deixaram o país em busca de oportunidades e melhoria nas condições de vida. O dinheiro enviado por eles acabou se transformando em fonte determinante na receita do país. Devido ao aspecto violento do conflito, os senegaleses precisam da proteção do país em que chegam, garantida com o visto de refugiado, que assegura também a permissão de trabalho com carteira assinada. O Senegal é


Pedro Scott (3º sem.) o segundo país em número de refugiados no tência eficiente e facilidade para conseguir o Brasil, perdendo apenas para Bangladesh. protocolo de refugiado. Uma vez no Brasil, A maioria dos solicitantes de refúgio vem os migrantes têm um prazo de 30 dias para de países da Ásia, da África e da América do contatar a Polícia Federal e abrir o processo Sul. Em Bangladesh, o agravante é a superde pedido de refúgio. Na ocasião, recebem o população. O país é um pouco maior do que protocolo que garante sua permanência legal o estado brasileiro do Amapá, mas o número no país até que o pedido seja analisado pelo de habitantes é 220 vezes maior. Conare. Entre 2010 e 2013, o número de pedidos Hoje, além do movimento habitual na de refúgio no Brasil aumentou delegacia da Polícia Federal, em 800% (de 566 em 2010 dezenas de estrangeiros espepara 5.256 em 2013). O goverram por algum tipo de assisno brasileiro é hoje, entre os tência. A estrutura de atendiO Brasil países emergentes, o principal mento na Polícia Federal de é conhecidoador de recursos financeiros Caxias do Sul foi ampliada, e à agência da ONU para refugiaos funcionários têm procurado como dos. Segundo o representante do se informar sobre a língua país do ACNUR no Brasil, Andrés falada por esses migrantes que Ramirez, o país sempre teve chegam. O ACNUR também acolhedor.” um papel pioneiro na proteção realiza treinamentos dos ageninternacional dos refugiados. tes públicos, junto do Conare. Andrés Ramirez “O Brasil é internacionalmente Um estudo da Pontifícia reconhecido como um país acoUniversidade Católica de Minhas lhedor”, ressalta. Para ele, o auGerais (PUC-MG), divulgado em mento se deve ao grande número de conflitos maio, constatou que Caxias do Sul é a quinta no planeta (Primavera Árabe, conflitos mais cidade no Brasil em número de refugiados antigos como a Guerra do Afeganistão e do haitianos, que têm direito a um tipo especial Iraque e a guerra civil na Síria, por exemplo) de visto, o humanitário. Portanto, não estão o que faz com que as pessoas saiam dos seus qualificados como refugiados. Para Ramirez, países, pois a própria vida estava em risco. a preferência pelo interior se deve ao nível Outro fator importante é que o país está de desenvolvimento de municípios como cada vez mais presente no cenário mundial Caxias do Sul e Passo Fundo, mesmo que e, segundo o Banco Mundial, já é a sétima não sejam grandes cidades. “Eles tentam economia do mundo. Essa é a razão pela arrumar emprego em grandes centros, mas qual Balla trocou seu país pelo interior do também procuram opções diferentes, até Rio Grande do Sul. “Brasil é país emergente, porque muitos vêm de lugares pequenos e sabíamos que encontraríamos emprego”, não estão acostumados com grandes solos conta. urbanos”, explica. O agricultor Nelson Kussler, na sua propriedade no interior de Ibirubá, no noroeste do Estado, deu oportunidade para dois refuRamirez avalia a legislação brasileira giados encontraram a chance de mudar de como uma das mais eficientes do mundo no vida. Aliou Salane é do Senegal, e Barri Alf, tratamento de refugiados. Aqui, o refugiado de Guiné Bissau, país africano de história tem acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) política marcada por golpes e que aparece e conquista o direito de frequentar as escolas entre os principais solicitantes de refúgio. públicas de ensino Fundamental e Médio. No começo, a língua foi uma adversidade Também pode obter documentos como Cara ser superada na relação de trabalho, e a teira de Trabalho e Previdência Social e CPF. comunicação se resolvia com gestos simples. Para sair do território nacional, o refugiado Aliou estava há uma semana no Brasil quanprecisa de autorização do Conare. Caso condo foi contratado para trabalhar na granja. trário, pode perder sua condição de protegido O trabalho não era bem o que ele esperava pelo Estado brasileiro. encontrar. “Imaginava que iria trabalhar na Sediar a Copa do Mundo em 2014 e as cidade, mas gosto daqui”, conta. O caráter Olimpíadas em 2016 também atraiu muitos rotineiro da vida no campo, porém, logo foi desses refugiados, que acreditaram nas ofercaptado pelos dois. Hoje, quando ouvem tas de empregos em potencial, uma palavra que ainda não ocasionada pelos megaevenconhecem, eles repetem e anoVivem tos. Outros, aproveitaram os tam do jeito deles. “Eles têm jogos da Copa para ingressar muito interesse em aprender. hoje no como torcedores e pedir reE já aprenderam muita coisa”, país cerca fúgio no Brasil. Em junho, garante Kussler. durante o Mundial, Caxias do No dia a dia da fazenda, de 6,5 mil Sul, na região serrana, foi toeles tiram leite, cuidam da refugiados, mada por centenas de ganeses alimentação dos animais e da que entraram no Brasil com o limpeza do galpão. Moram no de mais de visto de turista concedido pela alojamento da propriedade e 80 nações. embaixada brasileira em Acra, mantêm uma relação tranquila capital do país. Em apenas com os demais empregados. É 13 dias, o número de ganeses ali também que eles fazem todas chegou a 327, saturando a esas refeições. “Na África, comíamos trutura de atendimento e assistência. uma vez no dia”, lembra Barri Alf, que traSegundo Vinícius Possamai Della, delebalhou como camelô no Rio de Janeiro antes gado da Polícia Federal de Caxias do Sul resde vir para o Rio Grande do Sul. ponsável pelo setor de imigração, não existe Todos os dias, Aliou e Barri Alf sobem o investigação sobre alguém ou algum grupo morro atrás do sinal de telefone e ligam para que estaria trazendo esses migrantes. Ele asa família. E todos os meses, ao receberem o socia o fenômeno às condições favoráveis que salário, vão a Passo Fundo a fim de enviar a os migrantes encontram ao chegar à cidade, maior parte da quantia para suas famílias, como promessas de emprego, rede de assisque permanecem nos países de origem.

Balla Ka veio em busca de vida melhor: “Brasil é emergente”

MP fiscaliza a migração Como o trabalho é fator fundamental Defensoria Pública do Estado e da Comisna permanência deste contingente no são de Direitos Humanos da Assembleia Brasil, o tema merece a atenção do MinisLegislativa. A investigação não constatério Público do Trabalho no Rio Grande tou irregularidades. “O resultado dessas do Sul (MPT-RS), que atua na defesa dos investigações é variável, sendo que, por direitos trabalhistas. Segundo a procuvezes, a denúncia não se confirma, e em radora do Trabalho e coordenadora de outras, buscou-se a solução dos probleAtuação em 1º grau de Jurisdição do MPT mas encontrados”, afirma. em Porto Alegre, Patrícia A expectativa do ACNUR Sanfelici, o órgão conta hoje é de que, para 2014, 12 mil com um grupo de trabalho novos pedidos de refúgio sesobre migração, que se reújam atendidos. No dia 30 de Na Áfrine periodicamente a fim de julho, o Conare aprovou um ca, comíadiscutir questões relativas número histórico de pedidos aos migrantes. Além disso, de refúgio: 680 migrantes mos uma julga supostas irregularidade foram reconhecidos na ocavez ao senvolvendo esses trabalhasião, mais do que o total de dores. Casos de estrangeiros reconhecidos em todo o ano dia.” trabalhando em condições passado. Desses, 532 são de precárias são algumas das nacionalidade síria. O país Barri Alf questões já analisadas. vive uma guerra civil que já A entidade acompanha forçou quase metade da sua de maneira especial os haipopulação a sair de casa. Ao todo, tianos que chegam ao Estado. Em 2012, 3 milhões de sírios estão refugiados em o MPT-RS abriu inquérito para invespaíses vizinhos. tigar o caso de um grupo de haitianos No fim do ano, o Brasil sediará o enque teria sido demitido de uma empresa contro Cartagena +30, com a pretensão em Igrejinha, no Vale do Paranhana. Na de consolidar e ampliar as conquistas da ocasião, o trabalho foi realizado em condeclaração assinada em 1984 na cidade junto com a comissão interinstitucional, colombiana de Cartagena das Índias, formada por representantes do MPT, da marco para o trabalho humanitário da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), da América Latina e no Caribe.

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eleições 2014

O Rio Grande para Quem for escolhido para assumir o Palácio Piratini a partir de 1º de janeiro de 2015 terá de adaptar seus projetos à realidade dos números: tolhido pelas finanças públicas, o Estado patina na melhoria de alguns indicadores de serviços. Para compreender as tendências em áreas como saúde, educação, transportes e qualidade de vida, o Editorial J comparou números do início dos anos 2000 com os recentes disponíveis e constatou que o Estado perde terreno no Brasil.

POR Thamíris Mondin (6º sem.), Bibiana Dihl (8º sem.), Yanlin Santos (3º sem.), Frederico Martins (6º sem.), Thiago Valença (5º sem.) Yasmin Luz (4º sem.), Victor Rypl (8º sem.) e Gabriel Gonçalves (4º sem.)

C

om o calendário de 2014 alcançando a data marcada para o primeiro turno das eleições, em 5 de outubro, o Editorial J buscou encontrar a resposta para uma pergunta a respeito do futuro do Estado: qual é a situação das principais áreas de atuação governamental para o próximo governador do Rio Grande do Sul? Ao mergulhar em dados sobre educação, saúde, transportes, qualidade de vida, desenvolvimento e finanças públicas, a equipe do laboratório de jornalismo procurou traçar o cenário que será herdado pelo novo governo do Estado, a ser definido junto com a votação para a Presidência e para o quadro legislativo estadual e federal. Asfixiado por uma dívida pública de R$ 50,4 bilhões, com 93% do valor correspondente ao débito interno com a União, o Rio Grande do Sul é o quarto estado mais endividado do país. A dívida consolidada líquida gaúcha foi duas vezes maior do que a arrecadação de 2013. Esta crise nas finanças, que começou a ser gerada pela gestão descontrolada há 40 anos,

embaraça os investimentos em to30 anos, chegamos a destinar das as áreas e trava o crescimen30% da receita corrente líquida to. Atualmente, cerca de 13% da para investimentos. Hoje temos arrecadação do Estado vai para o um gasto de investimento em 5%. pagamento de juros e amortização Estamos investindo um sexto do da dívida estadual. que era investido”, afirma. Os gasMeta comum aos programas tos com servidores aposentados de governo dos candidatos ao também impactam as finanças Palácio Piratini, a renegociapúblicas. Segundo dados de junho ção da dívida pode ser avaliada deste ano, do total de 285.665 mil pelo Senado ainda em 2014. O funcionários públicos do Estado, novo modelo, proposto através 139. 455 mil são aposentados. de um projeto de lei Apesar de a receida presidente Dil ta do setor público ma Rousseff, prevê a estar comprometida, substituição do IGPa renda da economia Inves-DI, índice de corregaúcha apresenta timos um ção da inflação, cujo crescimento. O Procálculo eleva ainda duto Interno Bruto sexto do mais a dívida, pelo do Estado (PIB) suque era IPCA, um indexador perou a média naciode inflação menos nal em 2013 e cresinvestido” elevado. O projeto de ceu 5,8%, enquanto Alfredo lei também reduz os o Brasil registrou alta Meneghetti juros do pagamento. de 2,3%. A região meProfessor de ecotropolitana de Porto nomia da PUCRS, AlAlegre tem o menor índice fredo Meneghetti lembra que, em de desemprego entre as seis regi1998, quando ocorreu a primeira ões estudadas pelo Instituto Branegociação da dívida, durante o sileiro de Geografia e Estatística governo Antônio Britto (1995(IBGE). Com índice de 6,4%, no 1998), o IGP-DI era considerado ano de 2013, a região deixou para um bom índice. Hoje o cálculo trás Belo Horizonte, Fortaleza, deste mesmo indexador pode Recife, Salvador e São Paulo. Em chegar ao dobro da correção feita 2002, a taxa era de 15,3% de depelo IPCA, o corretor oficial da sempregados. A última colocada União. Meneghetti também resem 2013 foi a região metropolisalta a diminuição do percentual tana de Recife, que apresentou o da receita voltada para investiíndice de 13% de desempregados, mentos. Segundo o professor, a enquanto em 2002 este número questão é mais um problema esera de 20,3% para a mesma retrutural das finanças gaúchas.“Há gião. “A perspectiva para 2014 é o

Brasil crescer 0,9% em termos de PIB e o Rio Grande do Sul chegar a 3%”, explica Meneghetti. Assim como a constrição das finanças, outros problemas já são velhos conhecidos dos gaúchos, como a saúde pública. Os investimentos no setor, apesar de ampliados, ainda são insuficientes. Durante o período de dez anos, o Rio Grande do Sul subiu três posições no ranking nacional de gastos com saúde a cada grupo de 100 mil habitantes, do 14º lugar para o 11º, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional que mostram quanto cada estado brasileiro aplicou em saúde pública nos anos de 2002 e 2012. Em 2002, o Rio Grande do Sul despendeu cerca de R$ 8,9 milhões na saúde pública, à frente de 12 estados. Dez anos depois, o Estado gaúcho gastou em R$ 34,5 milhões em saúde para cada 100 mil habitantes. Segundo Marcelo Schenk, coordenador do curso de Gestão em Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), esse crescimento na tabela, à primeira vista, pode ser um bom sinal. “O avanço de posições pode ser considerado bom, entretanto, se comparado a outros estados com população semelhante, ainda ficaríamos para trás”, afirma. De acordo com dados divulgados na primeira semana de setembro,a situação da educação no Rio Grande do Sul será recebida pela nova gestão em um cenário mais

Transporte

Finanças públicas

Saúde

Segundo o percentual de quilômetros asfaltados.

Dívida com a União em bilhões de R$

Despesa total por 100 mil habitantes

2006 2013 RS – 24º lugar

2002 2013

RS – 26º lugar

RS – 4º lugar

2002

RS – 4º lugar

RS – 14º lugar

* * Não constam os dados de Pernambuco

RS

8,03%

Média nacional

12,18%

-0,83%

+0,72%

RS

R$ 46,5 bi

RS

7,2%

RS

Média nacional

12,9%

R$ 8,9 mi RS

R$ 20,8 bi

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Média nacional

R$ 1,5 mi


o próximo governo

Arte: Bruno Ibaldo (8º sem.) e Kimberly Winheski (6º sem.)

otimista. No último ano, atingiu a possibilidade atrativa de posicio2ª posição no Índice de Desenvolnamento no mercado de trabalho. vimento da Educação Básica (Ideb) O abandono precoce da escola tem entre todos os estados do país m impacto na qualificação profissiorelação ao 3º ano do Ensino Ménal e engrossa o quadro da precaridio. No relatório anterior, de 2011, zação do trabalho. estava no 12º lugar, ficando abaixo A pesquisadora explica que os do Paraná e de Santa Catarina Em números mostram o que aconteceu 2005, o Rio Grande do Sul figurava gradativamente ao longo dos anos na primeira posição entre os estacom a educação no Estado. O modo dos da região Sul e em terceiro lude reverter essa situação seria amgar no ranking brasileiro. Na tabepliar o investimento em infraestrla de evasão escolar, tura e modernização, no ano de 2005, o Rio começando pelo saláGrande do Sul ocurio e qualificação dos pava a 23ª posição, professores. Apesar Confira as tabelas com a taxa de 8,1% das contradições na completas no site do de abandono no Eneducação gaúcha, em Editorial J sino Médio. Em 2011, 2013, o crescimento houve piora, subiu no ranking nacional para a 16ª, com 10,3% foi importante ainda de evasão, acima da que pouco expressivo média nacional. em uma relação comSobre o abandono parativa, uma vez que dos estudos, a falta muitos outros estados de investimentos desapresentaram baixa. de as séries iniciais “O índice cresceu, sim, aparece como explicação. “Os mas muito pouco em relação ao alunos não conseguem se manter anterior”, observa Marta. O ensino no Ensino Médio devido ao baixo politécnico seria um dos motivos nível de ensino no Fundamental para o crescimento. “O sistema atualmente” relaciona Marta Luz politécnico tem avaliação interdisSisson, pesquisadora especialista ciplinar. O aluno que não vai bem em educação da Pontifícia Univerem determinada disciplina tem sua sidade Católica do Rio Grande do avaliação compensada por outra, Sul (PUCRS). em que se saiu melhor”, explica. Na faixa etária correspondente Ainda no rastro das finanças ao Ensino Médio, muitos adolesenfraquecidas do Piratini, o concentes desistem dos estudos para texto atual da infraestrutura viária ingressarem em seus primeiros do Rio Grande do Sul é frustrante. empregos por não enxergarem No último levantamento do Deparo sistema de ensino como uma tamento Nacional de Infraestrutu-

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ra e Transportes (Dnit), de 2013, sobre a pavimentação entre os 26 estados e o Distrito Federal, o Rio Grande do Sul figura na última posição no quesito estradas asfaltadas: 7,2% das estradas estaduais, federais e vicinais pavimentadas. A expectativa de vida e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também caíram no Estado, regredindo duas posições de 2000 para 2010, apesar de o Rio Grande do Sul ainda apresentar boa colocação na tabela nacional. Está em 5º lugar no ranking brasileiro de 2010, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com média de 75,38 anos de vida. O primeiro é o Distrito Federal, com média de 77,35. Mas, apesar de estar apenas cerca de dois anos atrás do primeiro colocado, o estado já esteve melhor: em 2000, era 3º colocado, e a expectativa de vida era quase igual à do primeiro – 73,22 em comparação a 73,86. Em relação ao IDH, Rio Grande do Sul é o 6º colocado, com 0,746 no cálculo de 2010, segundo dados do PNUD. O primeiro, assim como no índice anterior, é o Distrito Federal, com IDH de 0,824. Em 2000, o Estado também estava melhor no ranking: era o 4º colocado. Estes e outros aspectos, revolvidos em exaustão durante o pleito eleitoral, formam o quadro que aguarda e desafia a gestão do Rio Grande do Sul para os próximos quatro anos.

Educação Ideb observado no 3º ano do Ensino Médio na rede estadual

2005 2013 RS – 3º lugar

RS – 2º lugar

RS

3,7 Média nacional

3,7

RS

3,4 Média nacional

3

Taxa de abandono no 3º ano do Ensino Médio (Primeiro lugar no ranking indica o pior resultado)

2005 2011 RS – 23º lugar

RS – 16º lugar

RS

RS

8,1%

10,3%

Média nacional

Média nacional

10,3%

9,1%

Qualidade de vida

s

Posição no IDHM

2012

Expectativa de vida ao nascer

2000 2010

RS – 11º lugar

RS – 4º lugar

2000 2010

RS – 6º lugar

RS – 3º lugar

RS – 5º lugar

RS

RS

R$ 34,5 mi

0,746

Média nacional

0,727

RS

Brasil

R$ 28,9 mi

75,38 RS

73,22

RS

0,664 Brasil

Média nacional

70,46

0,612 AGOSTO/SETEMBRO DE 2014 • PÁGINA 7

Média nacional

73,48


eleições 2014

O que dizem os discursos dos políticos N UV EM O RGA N I Z A DA A PARTIR DOS PRONUNCIAME NTOS DE DEPUTA DOS ESTA DUA IS E FE DE R AI S DO RI O G RA N DE D O S UL MOS TRA PRE OCUPAÇ Ã O COM O PRÓPRIO TRA B A LHO

partido

política

brasil leibancada

nome

educação

municípios assembleia

pública

trabalho povo

público

milhões vida região

país

reais saúde sociedade

relação

federal

governo

comissão

governador

A

nuvem de palavras organizada pelo Editorial J para apurar o pensamento de políticos demonstra que a principal preocupação está no trâmite do próprio trabalho. Isso é revelado pela importância dada ao termo “governo”, o mais recorrente. Outras palavras como “política”, “partido”, “governador”, “comissão”, “bancada” e “assembleia” mostram como a fala dos parlamentares é pautada por descrições e debates sobre o universo em que eles vivem. Para o cientista político Humberto Dantas, trata-se de um discurso comum, que se repete nos últimos 20 anos. “Os deputados discursam para eles mesmos”, afirma. Em contraste, termos como “sociedade”, “pessoas” e “povo” são menos repetidos. Dantas questiona o propósito da fala dos congressistas e qual a utilidade dela para o cidadão comum. Ele também cita a falta de pluralidade dos políticos ao mencionarem a população, utilizando termos genéricos com mais frequência do que referências específicas. “Não se fala em homem, mulher, negro, índio”, critica. Entre as possíveis áreas de investimento, a que recebeu maior destaque foi a saúde, no quarto nível de ocorrência. A educação também foi contemplada pelo panorama geral do discurso dos parlamentares, mas menos repetida. A palavra “trabalho” está presente na nuvem, mas pode significar tanto a criação de empregos para a população quanto as ações e as atividades dos próprios políticos. Termos como segurança, transporte, cultura, ambiente e economia não aparecem diretamente na nuvem de palavras. Dantas afirma que, segundo pesquisas, a segurança é o tema mais relevante para o cidadão brasileiro, tornando problemática a ausência do termo. Ele também cita a falta de referências ao transporte público por parte dos deputados gaúchos. O Estado passou por transformações profundas na área durante os últimos anos, com a criação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que assumiu a administração das estradas substituindo o modelo das concessionárias privadas. Estas mudanças não estão refletidas no discurso dos parlamentares eleitos nesse período. O cientista político questiona: “Cade a representação? Quem eles estão representando?”.

pessoas mil tempo

recursos

+ Mapa da retórica A proposta foi concebida em abril de 2014, quando alunos de Jornalismo da Famecos Laura Marcon, Manoela Tomasi, Mariana Lübke, Marina de Oliveira, Nathália Rodrigues, Pâmela Floriano, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli e Rômulo Fernandes começaram a esquadrinhar os bancos de dados da Câmara de Deputados e da Assembleia Legislativa para coletar os discursos proferidos ao longo do mandato. O material totalizou 4 mil páginas e mais de 16 milhões de caracteres, refinados no ambiente de computação estatística R, para retirar termos comuns e calcular a frequência relativa entre as palavras usadas nos pronunciamentos.

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desenvolvimento

POR Victor Rypl (8ª sem.)

Veja a nuvem de palavras de cada candidato no link http://www. eusoufamecos.net/editorialj/ nuvem-de-palavras/


solidariedade

No fio do cabelo M ULHERE S I N I C I A M MOBILIZ AÇÃO POR CORTE E DOAÇ Ã O DE MECHAS E ESPA LHA M P ELO RI O G RA N DE DO S UL ONDA D E COLABORAÇÃO PA RA COMB ATER ESTIGMA

P O R Elisa Celia (8ª sem.)

C

abelo é sinônimo de segurança, personalidade e estilo para as mulheres. Quando os fios caem, é sempre um fato marcante, estereotipando quem passa por tratamento quimioterápico. A autoestima e a autoconfiança vão por água abaixo justamente em um momento delicado, em que elas são indispensáveis. Por isso, desde abril deste ano, um grupo de amigas uniu-se para criar a ONG Cabelaço. Inicialmente, as meninas organizaram-se para arrecadar as mechas e enviar a uma ONG, a Cabelegria, em São Paulo. Porém, o alcance da divulgação nas redes sociais fez com que a proprietária de um atelier de perucas conhecesse o projeto. Ao confirmar que poderia acompanhar a doação e que pacientes infanto-juvenis receberiam as peças confeccionadas, a empresária Liziane da Silva, 33 anos, aliou-se. “Li sobre o evento e vi que elas teriam um custo para

+

o envio do material para São Paulo por não terem quem confeccionasse. Vi uma oportunidade de ajudar novamente”, afirma. O projeto ganhou repercussão inesperada. Moradores do Interior do Estado têm procurado as amigas para organizarem ações semelhantes em diferentes cidades. “A gente não tem como acompanhar em todo o Estado, mas instrui e depois recebe as mechas”, afima Carolina Conter, uma das criadoras da ONG. O sucesso também é uma surpresa para os funcionários dos Correios, onde o Cabelaço tem uma caixa postal. “Toda vez em que vou recolher o que chega, escuto uma reclamação na agência dos Correios. O volume é grande”, conta Carolina. Com a ajuda da empresa de Liziane, de junho até agora foram entregues sete perucas. Na lista de espera há dez aguardando as próximas. A ligação entre as crianças que estão em tratamento e a ONG Cabelaço é feita pela psicóloga Juliana Martini, 23 anos, representante no Estado da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia.

O trabalho dela é visitar hospitais e pacientes e acompanhar as histórias mais difíceis. Uma das perucas confeccionadas pelo atelier, a partir das doações do primeiro evento, realizado em abril, foi doada em junho para a menina Ananda Saraiva, de sete anos, diagnosticada com leucemia linfoide aguda (LLA). Ela havia deixado de frequentar alguns lugares em virtude da falta de cabelos. “Num final de semana, teríamos uma festa junina, e ela não quis ir porque se sentia diferente”, conta Graziela Fauth, 28 anos, mãe de Ananda. Quem já teve alguma experiência com o tema e a doença também tem disposição para ajudar. A técnica em radiologia médica e colaboradora do blog Além do Cabelo, Viviane Duarte, 28 anos, doou uma peruca que fez do próprio cabelo. “Tive câncer de mama com 23 anos. Quando me dei conta que perderia o cabelo, cortei e mandei fazer uma peruca com os meus próprios fios”, lembra. A peruca de Viviane foi entre-

gue a Dienifer Pereira, 17 anos, na mesma ocasião em que Ananda a recebeu. A adolescente faz tratamento há um ano contra leucemia mieloide aguda e aguarda por um transplante de medula. A entrega foi marcada para um pouco antes do início do segundo evento de arrecadação organizado pelo grupo, justamente para evitar o contato das pacientes com muita gente devido à baixa imunidade. A ansiedade e a alegria por aquele momento era percebida nos olhos de todos. Cada uma com a sua maneira de revelar: Dienifer aguardando calmamente com a irmã e a mãe, e Ananda dançando, cantando e fazendo vídeos e fotos pelo celular. Na hora tão esperada, Flavia Ma Oli, paciente no estágio de manutenção, fundadora do blog Além do Cabelo, instruiu as meninas na fixação das peças e mostrou acessórios para que elas variem o visual. A primeira a colocar a peruca foi Dienifer, que tinha a seu lado a doadora, emocionada, fotografando o momento. “É muito bom poder ajudar depois que tu passas pela

mesma situação. É bom também mostrar que o cabelo cresce de verdade de novo”, comemora Viviane. Ananda, enquanto esperava a amiga se enfeitar para uma prometida foto das duas com cabelos, escolhia sozinha entre duas opções. “Quero a mais clarinha. Pode ser a minha?”, perguntou à psicóloga. Ao sentar na cadeira, já sem touca, fazia caras e bocas para o espelho. Depois de certa resistência, aceitou que fosse cortada uma franja para dar um ar mais infantil. “É muito bom ver ela feliz. Com a liberação do médico, ela já pode ir para a escola”, relata a mãe, sensibilizada. O sucesso da ação das amigas superou o esperado. O número de mechas arrecadadas desde o início do projeto não está sendo divulgado por questões de segurança. “Temos exclusividade com a Marry Perucas, e a proprietária pediu para não falarmos em números. Eles já foram assaltados à mão armada duas vezes. O cabelo é um produto valioso, e quem rouba vende para a confecção de megahairs”, explica.

Foto: Elisa Celia (8º sem.)/Arte: Kimberly Winheski (6º sem.) A euforia de Ananda Saraiva (E) ao receber peruca doada foi registrada pela mãe em vídeo gravado por celular, no momento em que ONG cumpria mais uma jornada de solidariedade. A menina tem sete anos e é uma das beneficiadas por doação de mechas. As imagens podem ser vistas no vídeo compartilhado pelo link http://www. eusoufamecos.net/ editorialj/saloes-debeleza-se-unem-a-lutacontra-o-cancer/

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Fotos: Guilherme Almeida (5º sem.)

ambiente

Depois de processado, plástico realimenta a indústria e é transformado em novos produtos

A agitação da economia do lixo P O R Júlia Bernardi (4º sem.) e Pedro Henrique Tavares (8º sem.)

A reciclagem de materiais descartados movimenta um mercado de insumos, como plástico, alumínio e vidro. Por meio de uma teia de conexão e parcerias, cooperativas transformam o que é desprezado em um negócio organizado, no qual até mesmo a cotação internacional é acompanhada.

Q

ual a cotação do plástico hoje?” A pergunta é de Jacqueline Virti, da Cooperativa Mãos Verdes, para Roberto Santos da Silva, que coordena uma outra associação: a Cooperativa dos Recicladores de Dois Irmãos. Seria difícil imaginar que o jargão econômico poderia algum dia predominar nas conversas de um galpão de lixo. Mas no cotidiano de quem trabalha no setor de reciclagem, a preocupação de Jacqueline e Silva tem fundamento. “Estamos sempre verificando o valor do plástico com nossos parceiros da indústria”, explica Silva. Os parceiros a quem ele se refere são as empresas que investem no material reciclado, principalmente plástico, alumínio e vidro. Na cooperativa de Dois Irmãos, o trabalho dos catadores vai além de uma

simples separação entre plástico e vidro. “Aqui precisamos entender, por exemplo, que o colorido tem menos valor de mercado”, ressalta Silva. O que vale mais é o transparente. Ele explica que este fator permite colorir o material após o processo de reciclagem. O plástico preto, por exemplo, é comercializado a uma média de R$1,90 ao quilo, moído para indústria, porém o plástico branco já tem o preço de R$ 2,30 ao quilo para venda no mercado. “Nosso faturamento aqui na associação chega a R$ 40 mil mensais”, revela Silva. Em um cenário mais amplo, o valor pode parecer irrisório. No entanto, para a realidade social dos catadores, essa quantia representa um aumento de renda significativo. “Eles chegam a tirar mais de R$ 2 mil mensais. Muitos possuem carro e casa própria”, conta Jacqueline. Conforme as

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mudanças acontecem na economia, o preço dos produtos para venda também sofre modificações. O interior gaúcho traduz um panorama que vale para o Brasil inteiro. O país recicla em torno de 22% do plástico coletado, de acordo com uma pesquisa encomendada pelo Instituto Sócio-Ambiental de Plásticos (Plastivida). O campeão nesse processo é a Suécia, que reaproveita cerca de 60% de todo plástico produzido. Na cooperativa, o trabalho é dividido em turnos. De hora em hora, um catador fica responsável por fazer o contato com o mercado. Segundo Jacqueline, da Mãos Verdes, o preço varia de acordo com a cotação na Bolsa de Valores em São Paulo (Bovespa). “A variação dos preços afeta diretamente o trabalho no galpão. Dependendo da variação, é preciso mudar a dinâmica de seleção dos materiais”, avalia.


+ Viver a experiência narrativa

Veja a narrativa multimídia (com texto, fotografias e entrevistas) sobre como funciona o processo de separação e reciclagem acessando o link: http://www.eusoufamecos. net/editorialj/a-agitacao-daeconomia-do-lixo/

P O R Pedro Henrique Tavares (8º sem.)

Hoje, a associação comandada por que começou a ser elaborado há pelo meSilva está finalizando a construção de nos 20 anos. A Política Nacional de Resímais uma quadra do galpão. O objetivo duos Sólidos foi aprovada ainda em 2011 é aumentar a produtividade e contar e pretende acabar com os lixões a céu com mais trabalhadores. Graças a um aberto no Brasil até o final deste ano. As investimento da Braskem, que auxiliou associações de catadores ganharam força na compra de uma máquina, foi possível o e aumentaram os ganhos. A situação, pocrescimento. A iniciativa da petroquímica rém, está longe de ser resolvida. O prazo tem como objetivo desenvolver estabelecido para o fechamento ainda mais a cultura de recidos lixões não vem sendo clagem do plástico, que tem cumprido pela maioria dos alto capital social, segundo estados da federação. “Em Fim dos Daniel Fleischer, gerente estados como Santa Catarina lixões irá de Relações Institucionais e São Paulo, a eliminação da Braskem. “Hoje é difícil dos lixões está bem encamiabrir imaginar um cenário onde o nhada”, diz Fabio Feldmann, caminhos plástico não tenha um papel consultor ambiental. fundamental”. Lógicas como essa mupara Na sede da empresa, em dam a dinâmica daqueles fontes de Triunfo, é possível notar que que trabalham com resíduos a preocupação ecológica não sólidos como forma de sorenda. se limita apenas ao aporte brevivência. O que acontece financeiro para os catadoem Dois Irmãos é uma tendênres. Atualmente, a principal cia, de acordo com Jussara Kalil, bandeira da Braskem é o plástico verde, secretaria da Associação Brasileira de um processo que consiste em produzir o Engenharia Sanitária e Ambiental. “O material através do etanol, uma fonte de problema, contudo, é que muitos cataenergia mais limpa. No processo, o etanol dores ainda resistem ao fechamento dos é desidratado e transformado em eteno lixões, porque consideram que sua capaverde. cidade de gerência é maior a céu aberto”, A potência empresarial da Braskem e a destaca. simplicidade dos catadores de lixo se conNão é apenas o plástico que entra no fudem no contexto da economia brasileiciclo. Feldmann e Jussara explicam que ra: elas são reflexo de um plano nacional o alumínio também tem aparecido com

força nesta realidade. “A fabricação do alumínio, que começa com a bauxita, é demorada e custa caro. Por isso, muitas empresas preferem reciclar”, conta Jussara. Para Feldmann, outro ponto que deve ser considerado é o gasto de energia. O processo envolve extração, refino e tratamento químico para a produção do alumínio. Além disso, a bauxita não se repõe com facilidade na natureza e, portanto, não é um material barato e fácil de ser obtido. Reciclar o alumínio é economicamente mais rentável em relação ao processo de extração do minério e produção de metal. Como exemplo, com a energia para a produção de uma latinha a partir da bauxita, é possível produzir 20 latas recicladas. No país, o valor da exportação de transformados plásticos chega a R$ 3 bilhões. O número de importação é ainda maior, ultrapassando R$ 8 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2013, as importações de produtos plásticos cresceram 7,1% (variação em dólares) enquanto as exportações se ampliaram 4,1 %. As importações chegaram a 732 mil toneladas de resíduo sólido, a partir de dados da Associação Brasileira de Indústria e Plástico (Abiplast), no último ano. Em contrapartida, as exportações atingiram 246 mil toneladas, um número que caminha contrário à balança comercial brasileira.

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Dentre todos os mandamentos de nossas reuniões de pauta, fugir do óbvio certamente está no topo da lista. Reciclagem é mais um dos temas do jornalismo ambiental fadados a cair nas limitações de uma cobertura padronizada que, normalmente, se curva aos pés da menina dos olhos das indústrias do século 21, a sustentabilidade. Era necessário, portanto, esquecer tudo e partir do zero: como desenvolver uma cobertura inovadora e sem vícios? Durante nossa visita à Braskem no Polo Petroquímico de Trinfuro, esta era nossa principal pergunta. Antes mesmo de definir as pautas, discutimos qual seria nossa estrutura de narrativa. Com o esqueleto pré-definido, foi possível visualizar as necessidades. Trabalhamos com o pensamento no produto final. Com isso, a construção de reportagem foi atrás das respostas para as perguntas mais pertinentes. Durante a excursão, que também incluiu a Associação de Catadores de Dois Irmãos e a Suzuki Recicladora Ltda., procuramos enxergar o plástico de uma maneira ampla: um material que, além de alimentar negócios de uma grande empresa como a Braskem, aumentou a renda de uma classe que até pouco tempo carecia de estrutura de trabalho, os catadores. Com a implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, uma demanda com mais de duas décadas, eles puderam se reunir em cooperativas como a de Dois Irmãos. Hoje a renda mensal de alguns já ultrapassa três salários mínimos. Nossa história precisava ter o ponto de partida nestes trabalhadores, esses personagens que aliam cuidado ambiental e sustento familiar. Mais do que texto, precisávamos construir uma estrutura com imagens e sons. A cor do plástico, critério de seleção fundamental para quem vive de reciclagem, tinha que estar presente. Para fazer esta apuração, que contou com o trabalho de seis repórteres, escolhemos o modelo snow fall. A estrutura, criada pelo The New York Times no ano passado, possibilita a interação do leitor com diferentes formatos em uma única página. O texto é recortado pelos vídeos das repórteres Jéssica Moraes e Yasmin Luz, além de um trabalho fotográfico da autoria de Guilherme Almeida e Yanlin Costa.


Invisíveis P O R Guilherme Almeida (5º sem.)

Moradores de rua estão cada vez mais discriminados. Vistos de maneira equivocada, vivem, ou sobrevivem, em uma espécie de invisibilidade. Com o projeto Vidas Invisíveis, retrato seus cotidianos e exponho o

esquecimento a que são submetidos. Tento tornálos visíveis novamente. Seguindo o movimento straight photography, busco a fotografia mais pura e objetiva, apresentando o dia a dia da maneira mais realista possível.

+ Veja o ensaio completo no link http://www. eusoufamecos.net/ editorialj/vidasinvisiveis/


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