Editorial J – Número 18 - Março/Abril de 2015

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MARÇO/ABRIL DE 2015 • NÚMERO 18 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J

Democracia completa 30 anos Três décadas depois da posse do primeiro presidente civil pós ditadura militar (1964-1985), especialistas analisam como o país retomou a normalidade institucional PÁGINAS 4 E 5

Uma outra história Acervo/Museu Visconde de São Leopoldo

Pesquisa sobre os 190 anos da chegada dos alemães ao Brasil revela que imigrantes mantinham escravos

+ acadêmico

Novo currículo Faculdades de Jornalismo se preparam para implementar, a partir de 2016, as novas diretrizes definidas pelo MEC PÁGINA 9

Um armazém de imagens Ponto de referência da fotografia em Porto Alegre, Bric do Didi está à venda, com o objetivo de salvar acervo e equipamentos PÁGINAS 6 E 7

PÁGINAS 10 E 11


papo de redação

Jornal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha

Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Paula Puhl Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi Fabio Canatta Flávia Quadros Ivone Cassol Marcelo Träsel Marco Villalobos Rogério Fraga Tércio Saccol Vitor Necchi Alunos editores Caroline Ferraz, Júlia Bernardi, Thamíris Mondin, Thiago Rocha, Victor Rypl e Yasmin Luz. Diagramação Bruno Ibaldo

Alunos Ana Maria Muller, Anahis Vargas, Annie Castro, Betina Carcuchinski, Bruna Ayres, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Camilla Pereira, Cândida Schaedler, Carolina Michaelsen, Carolina Teixeira, Carolina Zorzetto, Cássia Oliveira, Cinthia Aquino, Cláudia dos Anjos, Constance Laux, Cristiane Luckow, Daniela Flor, Douglas Abreu, Eduarda Endler Lopes, Flávia Carboni, Frederico Martins, Gabriel Gonçalves, Gabriel Raimundi, Georgia Ubatuba, Gustavo Fagundes, Guilherme Mercado, Isadora Marcante, Jéssica Moraes, Jéssica Wolf, João Paulo Dorneles, João Paulo Wandscheer, João Pedro Arroque Lopes, Jorge Santʼana, Júlia Bernardi, Júlia de Quevedo, Júlia Silveira, Juliane Guez, Karine Flores, Kelly Moreira, Leonardo Ferri, Lucas de Oliveira, Lúcia Vieira, Luísa Dal Mas, Luiza Meira, Martha Menezes, Mauro Plastina, Milena Haas, Muriel Porfírio, Otávio Antunes, Paola Pasquali, Patrícia Lapuente, Pedro Henrique Tavares, Pedro Gomes, Raphael Seabra, Raquel Baracho, Rebeca Kuhn, Roberto Kralik, Rodrigo Luz, Rodrigo Mello, Sofia Schuck, Taína Cíceri, Thiago Rocha, Vanessa Padilha, Vitor Laitano, Vitória Fonseca, William Anthony e Yanlin Costa

Congresso em 15 de janeiro de 1985, durante a eleição de Tancredo Neves CONTEÚDOS DO EDITORIAL J

POR Thamíris Mondin (7º sem.)

FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast.

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IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS

Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj

Em 2015, o Brasil comemora os 30 anos do fim do regime militar, que se instalou em 1964 e perdurou até 1985, quando um governo civil assumiu o país. O Editorial J inaugura o ano com o resgate do período de retomada da democracia, e discute quando a articulação deste processo começou. Um debate historiográfico (páginas 4 e 5) observa pelo menos três momentos decisivos para o restabelecimento democrático: a eleição do civil Tancredo Neves para a Presidência, via Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985; a posse interina do vice, José Sarney, em março do mesmo ano, e definitiva em abril, com a morte de Tancredo; e as eleições diretas de 1989, com a vitória de Fernando Collor de Mello sob a regência de uma nova constituição. Em três décadas, o Brasil consolidou sua estrutura democrática no aspecto eleitoral, com sucessões presidenciais sólidas. Mas a conquista da democracia social ainda pode ser vista como um processo em andamento, fir-

mado na busca pela igualdade real do acesso aos direitos previstos na Constituição de 1988, outro instrumento em frequente revisão e atualização. Os 30 anos entre 1985 e 2015 não foram suficientes para que o país pudesse expiar por completo as marcas do passado autoritário e superar os seus efeitos no inconsciente coletivo de uma geração. Na contramão deste esforço, surgiram, durante o pleito de 2014 que reelegeu a presidente Dilma Rousseff, movimentos de ideal intervencionista, que pediam a volta da ditadura. Estes grupos isolados voltaram a aparecer, misturados a uma grande massa verde e amarela que foi às ruas justamente em 15 de março deste ano – data da posse de José Sarney em 1985 – para protestar contra o governo eleito em outubro. Desta vez, as faixas e os cartazes que clamavam pelo retorno dos militares foram fotografados aos montes, porque aos montes surgiram. Não se pode dizer que este fosse o pensamento da grande multidão, mas bastou para que se acendesse um alerta preocupante sobre a eficiência estratégica de um regime que

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perseguiu, torturou, matou, corrompeu e conseguiu ser transposto como se nada disso houvesse acontecido, deixando impunes os autores destes crimes. A prova disso é que, três décadas depois, brasileiros que viveram ou não naquela época defendem a ideia de um retrocesso violento. O processo de abertura política, que começou ainda durante a ditadura vigente nas décadas de 1970 e 1980, nos governos dos generais Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo, foi construído dentro de uma doutrina de desconexão. Com exceção, talvez, dos lares diretamente atingidos pela repressão, as gerações que viveram a ditadura pouco ou nada falam sobre ela. Pais, filhos e netos estão desconectados de um passado recente, que atingiu suas famílias e ainda impacta as estruturas sociais em que vivem. Esta desconexão é o que há de mais perigoso para a manutenção da memória. E é justamente a memória, que o Editorial J destaca nesta edição, a maior ferramenta de caução para a estabilidade da nossa jovem e aniversariante democracia.

Célizo Azevedo/Fotospublicas.com

FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva

Democracia e memória


perfil

Uma vida para a política P O N T DE I X A A ASS E M BLE IA LE GIS LATIVA MAS GARANTE SEGUIR NA MILITÂ NCIA Annie Castro (2º sem) POR Pedro Silva (5º sem.)

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eixo de ser candidato, não de fazer política” – enfatizou o ex-deputado estadual Raul Pont, quando estava prestes a encerrar um ciclo de três mandatos seguidos na Assembleia Legislativa gaúcha, mas salientando que continuará na militância. Ele decidiu não concorrer nas eleições de 2014, por isso deixou a a casa em 31 de janeiro. Aos 70 anos, acredita que já contribuiu como pôde em cada cargo exercido pelo PT e vê como oportuno o momento de saída. São quase 50 anos de uma militância impulsionada pelo mesmo ideário político. Nas paredes de seu gabinete, estão as imagens dessa caminhada, como fotografias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-governador Olívio Dutra. Tudo se iniciou em meados da década de 1960, com sua vinda para Porto Alegre. Natural de Uruguaiana, Pont veio no ano de 1963 para a Capital, a fim de estudar História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), então chamada Universidade do Rio Grande do Sul. Depois de um ano, em 1964, ocorreu o golpe militar, o que despertou a mobilização política em Pont. Ele e seus colegas logo sentiram as consequências da mudança de regime político, a ditadura. As baixas de professores e alunos vistos como subversivos pelas forças militares foram um dos fatores para que os estudantes começassem a se manifestar contra a repressão política que crescia. Pont sofreu os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985). Enquanto participava de um congresso estudantil no início da década de 1970 em São Paulo, acabou preso e torturado. Sem provas de que estivesse envolvido com subversão, foi liberado. Na volta a Porto Alegre, trabalhou como professor de pré-vestibular para se sustentar. Recebeu ajuda de João Verle, parceiro político, que foi vereador, vice-prefeito e prefeito da Capital pelo PT. O amigo o indicou para lecionar na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), onde ficou de 1977 a 1991. Passou a participar do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS). Verle é direto ao definir Pont como alguém “com uma posição muito firme, clara, um socialista, que busca tratar os problemas voltando os olhos para a sociedade”. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, numa época de redemocratização lenta e ainda controlada pelo militares no governo. Ele e outros militantes de esquerda, mais sindicalistas de todo o Brasil, se uniram por um ideal. “A minha geração, dos anos 1960, que viveu o golpe militar, não encontrou partidos organizados. A gente saía de uma clandestinidade e tinha que ver o porquê do golpe e suas origens. Chegamos à

Arquivo pessoal

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Pont relembra os seus 50 anos de luta e coerência, nos quais fundou o PT, governou Porto Alegre e exerceu mandatos parlamentares 2 Resistência política, nascida na oposição ao regime militar, passou por envolvimento com atividades sindicais 1

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conclusão de que o Partido Comunista não era o que queríamos. O que tínhamos era a ideia de montar um partido ideal e igual para todos”, explica Pont, que deixava a ação em sindicatos para a formação de um partido consistente e popular. Fez história. Integrou a primeira bancada de deputados estaduais eleita, pelo PT, em 1986. A partir daí, elegeu-se deputado federal em 1990, vice-prefeito em 1992 e prefeito em 1996. Voltou à Assembleia nas eleições de 2002, sendo reeleito em 2006 e, por último, em 2010. Em meio às agitações da política, tinha outra preocupação: sua família. Clarissa, a filha mais velha, de 32 anos, conta que Pont sempre foi um pai próximo. “Sentia muita falta quando ele foi prefeito e vice-prefeito. Ele sempre foi bastante presente, mas era difícil passar muito tempo junto”, diz. A imagem dele, para a filha, é de inspiração e motivação. Clarissa recorda um episódio dos anos 1990, sobre a relação dela e sua irmã mais nova, Silvia, hoje com 25 anos, com o pai, quando era prefeito de Porto Alegre. Em uma passeata do PT, no Parque da Redenção, havia uma multidão. A caçula puxou Pont, chamando-o de pai. Então uma menina olhou para ela e falou: “Esse cara não é teu pai, é o prefeito de Porto Alegre”. Pont vive com sua esposa, Liliane, uma nova fase. O nascimento de Sebastião, filho de Clarissa com o fotógrafo e professor Eduardo Seidl, agitou a família, há dois anos. O neto é motivo de admiração para o político, que se orgulha ao falar do menino. Como administrador de Porto Alegre, Pont aprimorou o processo de participação popular, dando seguimento a marcas petistas, como o Orçamento Participativo (OP). Defensor do direito dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, teve seu último embate como parlamentar ao final de 2014, contra a lei que determinava aposentadoria especial para deputados estaduais. Em votação na Assembleia Legislativa, o projeto acabou aprovado. Liderada por Pont, a bancada do PT foi a única a votar contra. “Sou aposentado pelo INSS e tenho muito orgulho por isso”, destaca. Ele garante que não deixará a militância ao aposentar da vida pública. Ubiratan de Souza, seu chefe de gabinete por 12 anos, ressalta as virtudes na hora de trabalho e vale-se de uma frase de Bertolt Brecht para definir Pont: “Aqueles que lutam algum tempo são bons, aqueles que lutam durante muito tempo são muito bons, mas aqueles que lutam toda a vida são os imprescindíveis. O Raul é essa figura do revolucionário imprescindível”. O deputado encerrou seu último mandato mantendo a integridade que o caracterizou. Nunca teve seu nome envolvido em qualquer denúncia de corrupção. Publicado originalmente no site do Editorial J


política

Quando a democracia redescobriu o Brasil P O R Thamíris Mondin (7º sem.)

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A morte de Tancredo Em uma reviravolta digna de folhetim, que sobressaltou o país, Tancredo foi internado um dia antes da posse, que seria em 15 de março, e seu estado de saúde virou caso de exploração midiática e comoção nacional até 21 de abril, quando o político mineiro morreu por complicações de uma diverticulite aguda. Em seu lugar, assumiu o vice, José Sarney, ex-presidente da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação da ditadura. Para o historiador e professor da UFRGS Enrique Serra Padrós, o ano de 1985 é o marco mais significativo da redemocratização. “Sempre se colocou essa data, de 1985, como o ponto de arrancada de superação da cronologia da ditadura, ao ponto de aquele período ter sido chamado de Nova República, como a retomada de algo interrompido com a experiência do estado de exceção. Isso é o que está consagrado nos manuais didáticos”, lembra.

Célio Azevedo/Fotospublicas.com

O Editorial J inaugura com esta reportagem a publicação de uma série de conteúdos que abordam os 30 anos do fim da ditadura militar no Brasil, completados em janeiro deste ano, e o processo de redemocratização no país. Ao longo de 2015, a equipe do Laboratório de Jornalismo Convergente da Famecos conecta memória e perspectiva para falar sobre o processo de consolidação da democracia nacional, o caminho para o qual ela se direciona e o impacto dos 21 anos em que esteve suspensa, de 1964 a 1985. No primeiro texto, um debate sobre a data em que o país começou a recuperar a normalidade democrática.

e considerada apenas a cronologia, em 2015 o Brasil comemora três décadas do fim da ditadura militar, instaurada em 1964, que manteve o país em um regime de repressão por 21 anos. Mas um debate historiográfico sugere que a data da eleição indireta do civil Tancredo Neves para a presidência da República, em janeiro de 1985, apesar de pontuar o fim do período autoritário, não necessariamente corresponde ao início da redemocratização. Compreendido como um processo por historiadores e cientistas políticos, o restabelecimento da democracia brasileira pode ser balizado por três momentos diferentes: a reabertura gradual das instituições políticas ainda durante o regime militar, no fim da década de 1970; o ano de 1985, quando um civil é eleito indiretamente para a presidência; e as eleições diretas de 1989, previstas na nova Constituição de 1988. O cientista político e professor da Uni-

versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo González explica que a primeira questão da polêmica está na definição do que significa alcançar a democracia. “Os próprios requisitos da democracia são objetos de debate. Como é um processo, há mais de uma data que marca. No caso brasileiro, há vários eventos que marcaram. O que poderia ser uma grande ruptura seria a campanha das Diretas Já, em 1984. Se o movimento tivesse tido resultados, se teria um marco claro. Mas foi um movimento derrotado”, argumenta. A campanha pela emenda constitucional levou milhões de brasileiros às ruas ainda durante o governo do último ditador, general João Figueiredo (1979-1985), para pressionar a aprovação da emenda Dante de Oliveira, que previa a restituição das eleições diretas para presidente. Com a derrota da emenda, a eleição do presidente da República ocorreu por meio do Colégio Eleitoral, que escolheu Tancredo Neves como o primeiro presidente civil pós-ditadura, em 15 de janeiro de 1985.

Tancredo (C) triunfou na votação do Colégio Eleitoral em janeiro de 1985 MARÇO/ABRIL DE 2015 • PÁGINA 4


Agência Senado/Fotopublicas.com

As eleições de 1989

Com a enfermidade do presidente Porém, ele explica que há um debate entre os estudiosos do período sobre as datas da redemocratização. “Na procura de raízes disso, poderíamos recuar para uma etapa anterior, em que o Brasil avançou por uma abertura lenta e gradual, determinada pelo ditador Ernesto Geisel, na década de 1970, e aprofundada por João Figueiredo, o último ditador brasileiro. A partir daí ,temos a aprovação da Lei de Anistia (1979), que define um marco importante, junto com as medidas que acabam com a censura e que possibilitam um cenário, ainda dentro da ditadura, de retomada do diálogo político e das organizações partidárias e sociais, a volta dos exilados e saída das prisões de boa parte dos presos políticos”, lembra. “Existiram, neste período, mecanismos que possibilitaram a articulação partidária e política, mas a ditatura não deixa de ser ditadura por causa disso”, reflete. Do final da década de 1970 até chegar a 1985, o Brasil ainda viveu formalmente um regime ditatorial, embora tenham se realizado eleições para governador em 1982. “Que a ditadura acabou em 1985, isto é certo. Agora, se a democracia brasileira foi instaurada em 1985, isto é motivo de debate. O fim de um período não significa que o outro tenha se iniciado imediatamente”, sinaliza González. A influência dos militares ainda era muito expressiva no momento de transição em 1985. “É bom lembrar que a emenda das diretas foi votada com o Congresso cercado por tanques”, destaca o cientista político. Ele argumenta que a eleição de Tancredo Neves também fazia parte de uma moderação com o regime autoritário: “Aqui já há uma negociação, porque o candidato natural da oposição seria Ulysses Guimarães. Foi Tancredo Neves, um candidato mais conservador, porque o regime não aceitaria um líder tradicional da oposição. O Colégio Eleitoral era um teatro para marcar uma eleição já feita antes nos gabinetes”.

Outro grande momento da restauração da democracia no Brasil aponta para a primeira eleição direta no país desde 1960, o pleito que elegeu Fernando Collor de Mello, em 17 de dezembro de 1989, e sua posse em 1990. A eleição de 1989 efetivou o direito ao exercício da cidadania garantido na nova Constituição, promulgada um ano antes. “A Constituição se transformou em um instrumento de avanço do processo democrático, mas que mereceu e merece até hoje um esforço de efetivação. Como a transição em grande parte foi pactada com o Estado autoritário, mantiveram-se algumas heranças da experiência anterior. No Brasil, grande parte da liderança durante a experiência da ditadura militar foi politicamente preservada depois”, explica o constitucionalista Eduardo Carrion. Mesmo depois de um governo civil e com uma campanha em curso, ainda havia pouco espaço de tempo entre o fim do regime autoritário e o ano de 1989. Padrós explica que o país vivia sua primeira experiência de representatividade direta depois da ditadura, e o clima ainda era de incerteza: “Na época da eleição de 1989, em que Collor venceu o eleito, o vice, José Sarney, assume o Planalto Lula, se dizia que, se Lula vencesse, talvez não levasse, porque poderia haver golpe de Estado. O fato de isso ser considerado era parece a mesma coisa, mas aqueles meses em tão forte que mostrava o receio de um tempo que Tancredo adoece e morre foram de muita que, em tese, havia passado, mas não para incerteza. Há muita política de bastidores, os uma geração que viveu 21 anos de ditadura, setores duros da ditadura tentam se rearticupessoas de 30 anos que nunca haviam visto lar. Aquilo era o início de tudo, e até então o uma eleição”. Apesar da inconsistência do pepresidente não tinha assumido, havia um vice Apesar de 1985 ser o ano mais citado ríodo eleitoral, a posse de Collor e o processo em exercício e um vazio de poder”, pondera. pelos especialistas para sinalizar a volta da de impeachment dele, em 1992, O historiador lembra que democracia, dentro deste período ainda há ocorreram sem que as instinas imagens da posse, quando uma divisão importante entre o momento tuições fossem abaladas, o que o presidente do Congresso, da eleição indireta de Tancredo Neves pelo demonstrava uma afirmação da Ulysses Guimarães, toma o Colégio Eleitoral e a posse de José Sarney. Processo estrutura democrática. “O projuramento constitucional de “Certamente a posse de Sarney é um marco de restaucesso de restauração da demoSarney, o novo presidente está muito mais importante do que a eleição em si. cracia é permanente. Tivemos tremendo: “Se Tancredo fosse A eleição foi um ato planejado e negociado”, ração é uma ruptura limitada em 1985, o presidente, o governo não defende González. permacom marcas da ditadura, mas mudaria quanto aos seus hoPadrós ressalta que, com a doença de a democracia vai se solidificanrizontes, mas começaria mais Tancredo, se estabeleceu um clima de temerinente” do”, observa Carrion. seguro. Sarney era um predade pela manutenção do acordo, o que pode A estabilidade foi consolidasidente odiado pelos antigos ser visto como um sinal de que o país não Eduardo Carrion da ao longo de três décadas, com companheiros e visto com desvivia sua normalidade democrática. “Ali há sucessões presidenciais legítimas e confiança pelos novos”. um parênteses. Hoje se olha à distância e tudo a manutenção segura das instituições, Agência Senado/Fotopublicas.com mas o Brasil ainda não expiou os fantasmas da ditadura. Os resquícios daquela época ainda existem em diversos setores, como em práticas do Judiciário e do sistema educacional e políticas de segurança baseadas na lógica do inimigo interno, além do não reconhecimento dos crimes de tortura pelas Forças Armadas. Padrós destaca que regimes de exceção deixam marcas geracionais e afetam a consciência política. “Existe, claro, ainda hoje, entulho autoritário em alguns setores, mas isso não significa dizer que a ditadura permanece”, argumenta o historiador. Para González, ainda se percebem fragilidades na democracia brasileira em função da cultura política da população. Conforme o pesquisador, a falta de revisão aprofundada acerca de um passado autoritário recente torna o país vulnerável: “Isso nos faz sujeitos a soluções semidemocráticas, como vimos acontecer em outros países da América Latina, com o cerceamento da possibilidade de governar e afastamentos rápidos e duvidosos de presidentes, como o que aconteceu com Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012”. Collor chega ao poder pelo voto, mas é destituído por impeachment

A posse de Sarney

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história

Colonizaçã Em 2014, quando se completou 190 anos da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao Brasil, novas pesquisas revelam episódios que foram propositalmente mascarados da história oficial. O senso comum pregava que eles se mantinham à parte de conflitos e da política, mas agora sabe-se que, a partir de 1840, começaram a explorar mãode-obra escrava. Os primeiros historiadores que escreveram sobre a vinda desses alemães também apagaram os registros de uma leva que veio de prisões e se estabeleceu na região da Colônia de São Leopoldo, no litoral norte gaúcho e no Rio de Janeiro

Caroline Ferraz (7º sem.)

P O R Cândida Schaedler (7º sem.)

A

imagem de que o imigrante alemão que veio para o Brasil no século 19 era apolítico, não tinha escravos, queria somente trabalhar na agricultura e prover a própria subsistência vem sendo desmistificada. Novos estudos mostram que eles se utilizavam de todos os códigos da sociedade escravista que predominava na época e entravam em conflito com outros moradores. Além disso, uma leva que se dispersou no que hoje corresponde ao município de São Leopoldo e arredores era oriunda de prisões, muito longe do senso comum que historiadores memorialistas registraram. Em 2014 comemoraram-se os 190 anos da chegada da primeira leva de imigrantes alemães ao Brasil, o professor de História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Paulo Moreira Staudt publicou, em parceria com Miquéias Mugge, um livro que trata sobre a posse de escravos por esses imigrantes. “Queríamos provocar uma discussão sobre a invisibilidade do negro na imigração europeia”, afirma Staudt. Na obra Histórias de escravos e senhores em uma região de imigração europeia (editora Oikos), os pesquisadores recontam alguns casos de alemães que exploravam a mão-de-obra negra e deixam claro que as estruturas de utilização dos cativos pelos alemães envolviam todos os códigos que já estavam vigentes no país: eles os vendiam, alugavam, alforriavam e torturavam. De acordo com Staudt, entre 1830 e 1888, havia 1.558 escravos na posse de imigrantes na Colônia de São Leopoldo. Os números que apontam a população de imigrantes alemães na época são muito escorregadios e variam bastante entre as fontes. Porém, entre 1824 e 1834, entraram 4.896 imigrantes na Colônia de São Leopoldo, conforme o livro A colonização alemã e o Rio Grande do Sul, de Jean Roche, publicado em 1969 pela editora Globo. Os imigrantes alemães começaram a comprar escravos por volta de 1840 e 1850, quando a economia melhorou e juntaram algum dinheiro. Antes desse período, a posse de cativos por eles era praticamente nula, pois vieram em condições precárias fugindo da guerra na Alema-

nha, que ainda não estava unificada. Muitos deles, inclusive, não sabiam nem lidar com a terra, pois tinham outras profissões no país de origem. Staudt comenta que os intelectuais que escreveram os primeiros registros históricos sobre os imigrantes eram descendentes desses mesmos alemães. Por isso, resolveram esconder os episódios controversos de seus antepassados. “Eles construíram uma imagem falsa. Ao mesmo tempo em que elogiam os imigrantes, tinham que mascarar o fato de que tiveram escravos, porque isso maculava a história deles”, pontua o pesquisador. Assim, escondeu-se a herança africana na região da Colônia de São Leopoldo, que se estendia por mais de mil quilômetros quadrados na época. Hoje, corresponde à área que vai do município de Esteio a Caxias do Sul, na direção sul-norte, e de Taquara a São Sebastião do Caí, de leste a oeste. Eles não apenas negaram a existência dos negros, mas tornaram invisível a sua presença. “O Rio Grande do Sul tem muito forte essa ênfase na europeização, é muito permeado por essa ideia de racismo”, constata Staudt. O professor acrescenta que a negação histórica da presença do negro no Rio Grande do Sul é um dos fatores responsáveis pela existência ainda hoje do preconceito racial no Estado. O coordenador do Núcleo de Estudos Teuto-brasileiros da Unisinos, Marcos Witt, esclarece que os imi-

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ão reescrita 1

Diretor do museu, Márcio Linck, mostra bolas de ferro usadas para prender escravos achadas em NH 2 Cartão-postal com anotações em alemão gótico, cuja imagem remete à escravidão em São Leopoldo 1

grantes imediatamente perceberam os códigos culturais e as brechas das quais poderiam se beneficiar no Brasil. “Não é porque eram bons ou maus, mas simplesmente porque viram que era uma sociedade escravocrata, entenderam esse código cultural e o utilizaram. Eles aprenderam como se dançava aqui”, destaca. Ao comprarem escravos, os imigrantes potencializavam o negócio que tinham e adquiriam status. Witt realiza pesquisas que envolvem mais a parte da organização política dos alemães, não no sentido de representação de cargos eletivos,

uma vez que questões político-partidárias não permitiam que os alemães participassem do processo, mas na maneira como eles se organizavam e exigiam seus direitos. “Esses imigrantes estabeleceram muitos conflitos porque os grupos precisavam disputar espaços, o que pode se dar via educação, religião e comércio, por exemplo”, assevera. Outra parte da imigração alemã deliberadamente apagada da história foram os oriundos de prisões do grão-ducado de Mecklenburg-Schwerin, no nordeste da Alemanha, que somente mais tarde foi unificado ao país e deu origem ao estado de Mecklenburg. A doutoranda em História Caroline von Mühlen se propôs a refazer a trajetória de alguns desses emigrantes em sua dissertação de mestrado. Ela identificou 329 apenados que vieram ao Brasil entre 1824 e 1825. As famílias, majoritariamente, se

dispersaram pela região do litoral norte gaúcho (Três Forquilhas e Torres) e pela região da colônia de São Leopoldo (hoje correspondente a municípios como Ivoti, Picada Café, Sapiranga e São Leopoldo, por exemplo). Os avulsos, por sua vez, permaneceram no Rio de Janeiro para serem soldados. Nos livros e documentos oficiais que existem no Brasil, não é feita nenhuma menção a esses imigrantes que vieram de prisões. Os historiadores que descendiam deles tentaram apagar sua presença no Rio Grande do Sul, registrando que muitos saíram de São Leopoldo ou que foram para Santa Catarina. O estudo de Caroline foi possível apenas por meio de documentos em alemão gótico que vieram da Alemanha. Para ela, ainda é muito difícil quebrar o senso comum que existe em relação aos imigrantes alemães, pois a maior parte dos descendentes não tem acesso a esses novos estudos. Durante a pesquisa, Caroline refez a genealogia de alguns desses imigrantes e descobriu que o coordenador do Núcleo de Estudos Teuto-brasileiros da Unisinos, Marcos Witt, é descendente de um ladrão de cavalos. Questionado sobre isso, Witt encara com bom humor. “Foi uma grata surpresa, pois nunca me preocupei muito com genealogia. Sempre brinco que destruíram meu grande sonho de ser descendente de um nobre prussiano”, conta. O historiador Martin Dreher, que orientou Caroline no estudo, explica que o contexto que levou esses mecklenburgueses (moradores de Mecklenburg-Schwerin) a irem para casas de correção na Alemanha foi a invenção da máquina a vapor, que mecanizou as lavouras e gerou muito desemprego. Portanto, para sobreviver, eles tiveram que praticar pequenos furtos. O major Von Schaeffer, alemão nomeado por Dom Pedro I para recrutar militares e colonos para o Império do Brasil, ao fazer um acordo com o grão-duque de Mecklenburg, combinou que esses apenados, ao imigrarem para o Brasil, receberiam perdão e viveriam livres, pois ele precisava de soldados. Dreher destaca que, ao palestrar no Interior sobre o assunto, a reação do público é de surpresa, mas as informações têm sido bem recebidas. “Com essa pesquisa, começamos a devolver dignidade às pessoas”, enfatiza.

Museus recuperam minorias uma argola de ferro que prendia a Até pouco tempo, os museus bola de ferro ao nível do tornozenão mostravam o outro lado da lo do escravo, impedindo a fuga. história da imigração alemã e O cinto de castidade era colocado deixavam as minorias de lado, na genitália dos negros e trancacontribuindo para sua invisibilido com uma chave, impedindo dade. O professor Paulo Moreira a atividade sexual. A máscara Staudt, da Unisinos, afirma que de flandres destinava-se a punir muitas mudanças não ocorrem furtos de alimentos e alcoolismo. por vontade própria, mas porTambém era adotada em regique há uma conjuntura que as ões onde havia mineração, pois favorecem. A pressão de muitos impedia os escravos de engolir e grupos sociais fez com que esses extraviar pedras. ambientes começassem a retraO museu também expõe altar as minorias. “Se há um tempo gemas. Na descrição das peças, é os museus queriam esconder os informado que, quando feitas de negros, as mulheres e os índios, ferro, serviam para pendurar os hoje eles recebem essas pessoas cativos, muitas vezes levando-os como público. E elas querem se à loucura por causa da imobilidaver lá”, pontua. de. Outro artefato, o viramundo, Para o diretor do Museu Visera usado para castigar escravo conde de São Leopoldo, Márque tentasse fugir. cio Li n ck, esses Ele era preso pelas ambientes têm um mãos e pelos pés, papel fundamental geralmente com as no resgate históriPeças pernas dobradas, co de documentos retratam em uma armação e como mediador parecendo uma, a entre o público em repressão qual podia ser girageral e as pesquisas dos senhores da em torno do seu acadêmicas. A inseixo. A gargalheitituição é especialisobre seus ra era formada por zada em imigração escravos dois semicírculos alemã, fornece macolocados no pescoterial para pesquiço do escravo, cujas sadores e deixa disextensões impediam-no ponível ao público a de deitar totalmente, causando consulta ao acervo. bastante desconforto. Em 2010, a instituição adquiNa entrada do museu, há uma riu sete peças que eram utilizacadeira de arruar, doada por José das para tortura de escravos na Antônio Corrêa da Câmara, trineColônia de São Leopoldo. “Antes to do visconde de São Leopoldo. de exibirmos, fizemos pesquisas Utilizada para locomoção da com especialistas, que atestaram condessa, a peça tem uma haste que os objetos faziam parte do de cada lado, onde os negros secontexto do Rio Grande do Sul”, guravam para carregar a cadeira explica Linck. A bola de ferro, pelas ruas. que era amarrada ao pé dos esLinck destaca que é preciso cravos como castigo, é a única desmistificar o senso comum de originalmente da região. A peça que o imigrante alemão “passava foi doada por Daniel Fernando a mão” na cabeça do negro. LemPenita, que a recebeu do avô Otto bra, no entanto, que o racismo Erwino Scherer – que, por sua é generalizado e existe em todas vez, recolheu-a entre velharias as regiões do país ainda hoje. na antiga Fazenda Coelho, em Portanto, São Leopoldo não foge Colônia de São Lepoldo. à regra. “Esse mito em torno do Os outros artefatos expostos alemão bonzinho reflete a postusão variados e foram comprados ra atual em relação ao assunto”, no Rio de Janeiro, também em acredita. 2010. A grilheta, por exemplo, é

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burocracia

Por que leis caducam DE S U S O E P RO L I F E RAÇÃO D E NORMAS TIRAM E F ICÁ CIA DE LEGISLA ÇÕES Arte: Rafael Duarte (5º sem.)/Espaço Experiência P O R Bruna Zanatta (5º sem.) e Gabriel Gonçalves (5º sem.)

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uantos quilos de açúcar você guarda em casa? Talvez você não saiba, mas, no Brasil, segundo um decreto-lei de 1966 em pleno vigor, quem produzir, estocar ou comercializar açúcar estará sujeito a uma pena de seis meses a dois anos de prisão. O Decreto-Lei Nº 56, de 18 de novembro de 1966, é exemplo de um universo de leis caducas que se encontram espalhadas pelos códigos do país, como as que ilustram o uqadro ao lado. O Brasil tem um total de 181.318 normas legais, segundo levantamento da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. O problema é que, desse total, apenas 53 mil estão de fato em vigor, ou seja, menos de um terço. O restante são leis que colidem com a própria Constituição, outras que já foram revogadas pela existência de novos decretos, algumas que o tempo tornou obsoletas e tantas outras que têm por único objetivo causar confusão. No caso do açúcar, a norma foi uma medida para controlar o comércio e a produção do carboidrato e restringi-lo ao Instituto do Açúcar e do Álcool, o IAA, criado em 1933 no governo de Getúlio Vargas. A produção de açúcar da época excedia as necessidades do consumo interno, que era basicamente seu único mercado, causando dificuldades socioeconômicas e políticas. O acúmulo de normas em desuso e o processo de obsolescência pelo qual elas passam se deve, essencialmente, a dois motivos. O primeiro é a mudança nos hábitos da sociedade. Base de qualquer jurisdição, os costumes sociais se alteram, caducando muitas leis que fizeram sentido na época em que foram criadas. De acordo com a advogada Ana Cláudia Nascimento, professora da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, outro fator é a falta de hábito dos próprios juristas em se dedicar à revisão jurídica, em busca de atualização. Não existe hoje um trabalho de revisão de decretos antigos. “O costume e os enfoques culturais de uma sociedade influenciam na sua evolução, e, além disso, o fato de que o próprio Direito é mutável, são algumas das justificativas para que uma lei se torne ineficaz”, elucida Ana Cláudia. Embora adormecidas, estas leis ainda representam ameaça. Ruth Ignácio, professora de Sociologia Jurídica da PUCRS, alerta para o risco destes códigos serem invocados, uma vez que estão em vigor. “São pilhas e pilhas de leis que, a qualquer momento, qualquer advogado esperto, ou um juiz, pode fazer ressurgir um verdadeiro titã”, afirma. Nesses casos, segundo a professora, é que os juízes devem fazer o uso da jurisprudência a partir de uma

interpretação mais contemporânea do caso. A Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 orienta a respeito da ineficácia de uma lei. De acordo com ela, quando uma lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito. Mas por que estas leis ainda estão em vigor? Ana Cláudia explica que existem apenas duas possibilidades previstas legalmente para a interrupção da vigência de uma lei. A caducidade, quando o prazo limite já está contido na norma, ou seja, vale apenas por um determinado período de tempo, e a revogação, que é o afastamento da lei por outra de valor hierárquico igual ou superior. O fato de não haver necessidade de identificar expressamente qual norma está sendo revogada, cada vez que uma nova passa a valer, demonstra a falta de um trabalho de manutenção dos códigos brasileiros. O Poder Legislativo é o único que pode fazer essa revisão. O que complica o processo é que um parlamentar não pode apontar uma única lei que considera ultrapassada e revogá-la. É preciso que se revise todo o código, o que, segundo Ruth, é demorado. “O Legislativo é lento. Mas eles podem criar um mecanismo, uma comissão ou um dispositivo legal para anular o que não vale mais. Eles têm todos os recursos para isso”, explica. A última atualização do Código Civil Brasileiro passou a valer em 2003. Depois de 11 anos sob análise, três legislaturas a revisaram. Antes da reforma, por exemplo, o homem tinha direito de devolver a mulher, até dez dias depois do casamento, caso descobrisse que ela não era mais virgem. A recém-casada era obrigada então a passar por uma série de exames ginecológicos para comprovar “sua inocência”. O último desses casos de devolução de que se tem notícia data de 1998. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo confirmou uma sentença no município de Alegre (ES) que anulava um casamento porque a mulher supostamente não era virgem. Para a socióloga, quando foi sancionado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o novo código já estava desatualizado. “Quanta coisa aconteceu em 11 anos? Quando ele é enfim aprovado, depois de todo esse tempo, já está caduco novamente”, argumentou. Outro agravante para a existência de muitas das leis caducas se deve, em parte, às aprovações de novas normas e decretos pelos parlamentares brasileiros. Somente em 2014, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou uma média de duas novas leis por dia. A compulsividade por novos códigos, segundo Ruth, é uma característica do legislativo brasileiro: “Não é a pobreza que faz um país ser mais ou menos normalizador de conduta. É a desigualdade social. Quanto maior a desigualdade, maior o número de leis”.

1921

Velhos e aleijados não são bem-vindos Executivo pode barrar a entrada no país de aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstias e pessoas com mais de 60 anos.

Decreto-lei nº 4.247, de 1921

1926

Lei de um homem só Beneficiava um só funcionário dos Correios, dispensando-o de provas para promoção. João Adolpho Barcellos Filho também foi indenizado.

Decreto nº 5.033, de 19 de outubro de 1926

1938

Mais colonos Se o imigrante for agricultor ou técnico de indústria rural, não poderá abandonar a profissão durante quatro anos consecutivos.

Decreto-lei nº 639, de 1938

1943

Xô, insetos Um avião que passar pela África deve estar livre de artrópode vivo. A autoridade sanitária deverá ser avisada, para profilaxia.

Decreto-Lei nº 5.181, de 11 de Janeiro de 1943

1956

Bênção do ministro Diplomata (somente homens) precisam de autorização para casarem com estrangeira e não poderão servir no país do conjugê.

Lei nº 1.542, de 5 de janeiro de 1952

1966

Não faça isso em casa No Brasil é considerado crime produzir, manter em estoque ou dar saída a açúcar. A pena é detenção de 6 meses a 2 anos.

Decreto-lei nº 56, de 1966

Ano

Proibido para menores (e maiores) Está no Código Penal: fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para qualquer fim, objeto obsceno é crime.

CAPÍTULO VI DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR. ART.234

1998

Respeitar domingos e festas Um crime ambiental pode ser agravado caso seja cometido em domingos e feriados. A pena é aumentada de um sexto a um terço.

LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998.

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Domingo

15


ensino

Novo currículo em 2016 DI RET RI Z E S A DA P TAM CURS O DE JORNALIS MO A MUDA NÇAS DO MERCA DO Betina Carcunchinski (5º sem.) P O R Pedro Henrique Tavares (8º sem.) e Vitor Laitano (3º sem.)

E

m um momento de incertezas, em que as transformações tecnológicas estão alterando o modelo de negócio que sustenta a prática jornalística, novas diretrizes curriculares propõem uma reforma para o ensino acadêmico da profissão. Repensar a relação com o mercado, equacionar o equilíbrio entre prática e teoria e reforçar a legitimidade do curso, que deixa de ser uma habilitação dentro da Comunicação Social, são alguns pontos da reforma definida pelo governo federal, a partir de um debate com representantes da categoria e da sociedade. A implantação das novas diretrizes curriculares, com data limite prevista parao ocorrer até outubro de 2015, conforme documento homologado em setembro de 2013, no entanto, pode ficar para 2016. Isso porque representantes dos cursos de Jornalismo do país discutem com o Ministério da Educação (MEC) a possibilidade de adiar a mudança. “É uma obrigatoriedade. A resolução que instituiu as diretrizes deu prazo para as instituições se adaptarem até outubro de 2015, ou seja, após esta data, não podem ser mantidos os currículos no formato atual para os novos ingressantes nos cursos. Se alguma instituição não se adaptar, corre o risco de não ter o reconhecimento de seu curso renovado pelo MEC”, ressalta Eduardo Meditsch, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro da comissão destinada a discutir as alterações curriculares. Apesar do primeiro prazo estabelecido pelas autoridades do governo federal, a tendência é de que as instituições estejam de fato preparadas para a implmentenção das mudanças curriculares somente a partir de 2016. O curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) garante a reformulação para março do ano que vem, com a intenção de que as alterações sejam aplicadas integralmente a partir desta data. Uma das maiores mudanças que o documento traz, em relação às diretrizes em vigor atualmente, é a separação da habilitação em Jornalismo do curso de Comunicação Social. Neste caso, o professor Meditsch apresenta uma explicação. “As novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação de Jornalismo e de Relações Públicas (que entram em vigor simultaneamente) separam os cursos,

Reforma prevê mais equilíbrio entre prática e teoria

Novas diretrizes • O curso de Jornalismo fica com um caráter ainda mais prático. Um dos compromissos desta diretriz é fazer com que metade das aulas de cada semestre sejam obrigatoriamente práticas. • Preparar o estudante de Jornalismo para, quando formado, exercer o trabalho como profissional autônomo, em diversas atividades, entre elas a de assessor de imprensa. O princípio é criar as condições para que o futuro profissional conviva em um mercado de trabalho em que a oferta de emprego não cresça na mesma proporção que a oferta de mão de obra.

• Independência do curso de Jornalismo em relação ao de Comunicação Social. Este é um dos pontos mais polêmicos da proposta em implementação. • O curso passa a ter um caráter mais regional, focando na aprendizagem em um contexto histórico e prático na qual a graduação está situada. Esta alteração aproxima ainda mais o futuro profissional da realidade que o cerca • Terá um maior foco no empreendedorismo, sendo obrigatória a inclusão no currículo de disciplina que trate deste assunto.

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mas não a área. Ambos continuam pertencendo à área acadêmica da Comunicação. Ocorre que o MEC entendeu que cursos de graduação são voltados para as profissões, e a Comunicação não é e nunca foi uma profissão”, pontua. O professor Fábian Chelkanoff Thier, coordenador do curso de Jornalismo da Famecos, defende que o mundo da comunicação está cada vez mais integrado e que tornar o curso de Jornalismo independente do de Comunicação traria mais pontos negativos que positivos: “Ignorar a existência de uma área da Comunicação é um absurdo. Não condiz com o que está acontecendo no mundo inteiro. Só nós (brasileiros) estamos indo para esse lado”, afirma Chelkanoff. Outro ponto que gerou debate foi a questão ‘teoria versus prática’. Com as novas diretrizes, todos os semestres da graduação deverão “valorizar o equilíbrio e a integração entre teoria e prática durante toda a duração do curso”, segundo a resolução oficial. Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, que também é professor da Famecos, isso é uma vitória para os profissionais da área. “Um curso que produza reflexão sobre si mesmo, mudanças na tecnologia, e que incida sobre a vida a partir da sua existência, é muito mais forte do que um pensamento diluído”, diz. Em artigo intitulado Diretrizes e sentidos, publicado em um dossiê produzido pela revista Cult sobre as mudanças curriculares, o professor Juremir Machado da Silva, da Famecos, argumenta que “o curso já era muito prático”. E completa: “Não é de mais teoria que o jornalista precisa, mas de mais cultura, mais informação geral, mais conhecimento, mais informação sobre política, economia, história, arte e por aí vai”. Segundo Meditsch, há uma crise no modelo de negócio que historicamente sustenta o jornalismo, baseado, entre outras fontes de financiamento, na publicidade e em assinantes que pagam pelo conteúdo. Por isso, há a necessidade de encontrar alternativas de formação dentro do mercado. “A universidade não pode assumir uma política de avestruz diante deste desafio e continuar formando jornalistas para um primeiro emprego na mídia tradicional, como tradicionalmente tem feito. É importante preparar os futuros jornalistas para participarem ativamente da reinvenção de seu mercado de trabalho, aproveitando as possibilidades abertas pela mutação tecnológica, tanto do ponto de vista econômico como político e social”, explica Meditsch.


fotografia

Memória à venda DI DI B U S C A S UCE SS OR PARA BRIC QUE RE ÚNE GRA NDE ACERVO

P O R Eduarda Lopes (2º sem) F O T O S Annie Castro (2º sem)

O

Bric do Didi, loja de equipamentos de fotografia de Evaldir Garcia do Canto, vai mudar de dono. Devido à idade avançada e à falta de herdeiros, o fotógrafo, que se consagrou pelo trabalho e por ajudar colegas e amantes da fotografia a resolver problemas técnicos dos equipamentos, decidiu vender sua loja. Ele quer vender para “alguém que conserve esse projeto”. Tem muitas câmeras antigas, que estão desatualizadas, mas enfeitam e contam a história da fotografia. “E se eu morro?”, questiona-se, lembrando do caso de um alemão, que também arrumava equipamentos fotográficos e faleceu, abandonando toda uma história. “Estou procurando alguém que possa continuar.” A loja, localizada na Rua Doutor Flores, 231, sala 1, em Porto Alegre, é o paraíso para apaixonados por fotografia. Câmeras antigas e novas estão espalhadas pelo espaço, como peças de decoração ou à venda. O fotógrafo Mauro Schaefer, do jornal Correio do Povo, confirma a ideia de que o bric sempre representou mais do que uma loja de equipamentos. “Ir ao Bric do Didi era como se sentir uma criança em um parque de diversões. As duas paredes cheias de lentes e máquinas fotográficas deixavam a gente babando”, lembra. A atenção e o tratamento do proprietário com os clientes, que iam se tornando amigos, fizeram a diferença na construção da fama do estabelecimento. “Negociar com o Didi era muito bacana. Você fazia uma proposta dentro das condições que poderia pagar e ele facilitava o negócio, sempre muito atencioso. Por mais que a loja estivesse lotada, ele atendia com carinho”, conta Schaefer. Didi explica que mais de 3 mil equipamentos fotográficos já passaram pelo espaço, desde câmeras digitais até profissionais, com valores entre R$ 100 e R$ 5 mil. Salienta, principalmente, que todas elas são boas e fazem fotos de qualidade, pois o principal responsável por um bom resultado é quem manuseia a câmera. “É amor. É o gosto pela arte fotográfica”, revela, quando questionado sobre o motivo de ter iniciado a carreira fotográfica. Aos 68 anos, Didi é um exímio conhecedor de equipamentos nesse ramo. Fotografa desde 1970, mas somente em 1982 abriu a loja. “Comprava máquinas e não gostava, daí revendia”, lembra o fotógrafo. Então um amigo sugeriu que abrissem o bric em sociedade, que começou com apenas duas máquinas e dez filmes. Com o passar do tempo, a loja foi ampliada, se tornou conhecida e continua em funcionamento até hoje.

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Didi observa que, com os avanços tecnológicos, houve uma enorme mudança na arte fotográfica. “Antes das digitais, a gente se considerava artista, tinha que estudar fotografia, aprender a revelar, copiar, conhecer papel, conhecer químicos”, explica. Ele acredita que, com as inovações dos equipamentos, fotografar ficou mais simples. “A pessoa tem que apenas saber se colocar.” O fotógrafo trabalha na área do futebol, registrando times amadores e profissionais com ajuda dos auxiliares Miguel Noronha e José Carlos Goulart da Costa, que acompanha Didi desde 1994, quando começou como freelancer. Noronha auxilia o fotógrafo na edição das imagens. Pretende fazer o proprietário do bric conhecer o novo mundo, fazê-lo trabalhar com novas tecnologias. Zé, segundo seu colega de trabalho, é quem conserta qualquer coisa. Didi recorda de um concurso de fotografia que participou em São Paulo. “Guardo esta imagem que recebeu o primeiro lugar como base do meu trabalho”, conta. Era uma fotografia feita em ambiente externo, uma rua humilde, que rendeu a medalha de ouro. Não foi fácil, pois na época se exigia mais do trabalho. “Antigamente tinha que ler a asa do filme, o diafragma, a velocidade. Era mais difícil, não é como hoje, em que existe um acerto de 100% no programa da máquina”, compara. Preocupado com futuro do estabelecimento, ele explicou que é preciso ser prevenido. Sem herdeiros, resolveu vender para ter garantia de que alguém conservará as raridades. Enquanto não surge um comprador, ele continua tocando a loja, tanto o setor de venda quanto o de conserto, onde são arrumadas quaisquer máquinas, digital ou analógica. A situação comoveu os fotógrafos Eduardo Seidl e Leo Caobelli, que se mobilizaram para criar uma proposta de arrecadação no Catarse, uma ferramenta colaborativa online. Eles explicam que precisam desenvolver melhor a ideia e planejar um cronograma para o financiamento coletivo. Seidl, que hoje é professor de fotojornalismo, lembra que o bric fez parte de sua trajetória profissional. “Sempre foi a referência para quem queria comprar, trocar ou ampliar equipamento fotográfico na era da película. Conversando com os veteranos de profissão, todos indicavam o bric. Quando começou o digital, o comentário era de que havia acabado o mercado para o Didi, mas ele consegiu se adaptar”, reconhece. Com nostalgia, Seidl lamenta o repasse da loja: “Preciso fazer uma visita enquanto é tempo, fazer uma última foto lá dentro, das tantas que fiz testando equipamentos ou reencontrando amigos”.


Mais de 3 mil equipamentos, entre lentes e máquinas digitais ou analógicas, já passaram pela loja no centro de Porto Alegre que se transformou em um museu da tecnologia fotográfica

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Do lado de fora DEM O L I Ç Ã O D O P RE S Í D IO CE NTRAL AME AÇA E MP RE E NDIMENTOS NAS CERCA NIAS Frederico Martins (7º sem.) P O R Bruna Zanatta (5º sem.)

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Pequenos comércios no entorno do presídio começam a sentir efeitos da queda de movimento

uando o Presídio Central foi construído na década de 1950, existiam poucas casas na Avenida Rócio, na Vila João Pessoa, em Porto Alegre. Com a instalação da casa de detenção, a região se desenvolveu e não demorou muito para que a quadra fosse tomada por moradores e um comércio voltado ao público atraído pelos horários de visita. São bares, pequenos mercados, brechós, salões de beleza e até escritórios de advocacia. Com o início do processo de demolição pelo prédio C (um dos edifícios da estrutura original do complexo), comerciantes preveem queda nas vendas. Até o final de 2015, ficarão de pé a administração, a cozinha geral e os pavilhões G, H, I e J, além de novos pavilhões que deverão ser erguidos, reduzindo a lotação que hoje é de pouco mais de 3 mil para 1,5 mil presos provisórios (sem condenação). Franciele Correia, 18 anos, trabalha no Bar do Adriano, que fica em frente à penitenciária. Numa tarde de quinta-feira, quando o Editorial J esteve no local, aquele era um dos únicos bares abertos na Rócio. Os outros abrem somente quando é dia de visita na casa prisional (terça, quarta, sábado e domingo). O bar oferece serviços voltados aos visitantes, que precisam seguir uma série de normas estabelecidas pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) até conseguirem se encontrar com o preso. Os produtos devem estar acondicionados em sacos plásticos transparentes. Papel higiênico, apenas em rolos separados. Garrafas precisam estar lacradas, e as frutas devem estar descascadas. No Bar do Adriano, o diferencial é o micro-ondas. Por R$ 3, é possível aquecer vianda na hora. Para Franciele, com a redução da capacidade do presídio, as vendas serão afetadas. “Hoje a gente tem movimento todo dia. Não sei como vai ser depois, as vendas vão diminuir”, prevê. O Salão de Beleza e Brechó Miscelânia vende roupas por R$ 10 e R$ 5. A dona do estabelecimento, Patrícia Bandeira, conta que muitas mulheres precisam trocar de roupa antes de entrar no presídio por causa das restrições da Susepe. Roupas justas, nem pensar. Araras de roupas masculinas também estão expostas no local. Patrícia lembra que os presidiários, quando cumprem a pena e são liberados, também precisam logo de uma roupa para vestir. “Eles saem nuns trapos. Aqui, eles podem comprar uma roupa para sair na rua”, explica. Com a desapropriação do Central, ela acredita que manterá apenas o salão. Pouco antes de o pavilhão C começar a ser implodido, o advogado Charles Paim, que tem seu escritório no centro de Porto Alegre, abriu uma filial na Rócio. Desde agosto do ano passado, ele atende no número 546, a alguns passos da entrada principal do Central. “Funciona como ponto de apoio para os fregueses que eu já tinha e que estão detidos ali”, conta. Segundo ele, são poucas as pessoas que o procuram por sua localização. Caso um dia a casa prisional deixe de existir, ele promete sair do local.


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