Editorial J - número 12 - agosto/setembro de 2013

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AGOSTO/SETEMBRO 2013 • NÚMERO 12 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIALJ

AGRESSÕES a jornalistas nos protestos de junho levantam uma questão: existe

liberdade e segurança para a prática do jornalismo no Brasil, ou o país é um ambiente de risco como outras partes do mundo? CADERNO ESPECIAL


Jornal mensal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS

papo de redação

Antes de sair...

PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Solange Medina Ketzer FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Denise Avancini Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência

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aquela semana não se falava em outra coisa que não fosse coletivo Fora do Eixo (FdE) e Mídia Ninja. O segundo, criado pelo primeiro, havia sido o assunto do Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura. Os convidados, Bruno Torturra e Pablo Capilé, não comentaram apenas a rede de jornalismo independente e questões econômicas e sociais do FdE. A conversa resultou na manifestação de artistas e ex-integrantes do grupo contra a rede, bem como

de pessoas que tiveram alguma relação com o FdE, como a cineasta Beatriz Seigner, que foi a primeira a escrever um longo relato no Facebook sobre os problemas que envolviam o seu trabalho e o coletivo. Assim surgiu o nosso interesse. Na tentativa de fugir das inúmeras coberturas que se repetiam na mídia tradicional, resolvemos focar em um aspecto bem peculiar do FdE, que ainda não havia sido falado: as casas coletivas. Mais precisamente, a Casa Fora do Eixo de Porto Alegre. Pegamos o endereço e começamos a pensar na pauta. A ideia era produzir uma reportagem descritiva, baseada no que iríamos

pessoas transpiravam energia ver e sentir. Tentar nos colocar positiva. Eram animadas, converà frente do nosso senso comum savam e discutiam sobre política. sobre o coletivo, procurar expliNão faltavam bebida alcoólica e cações baseadas nas atitudes dos fumaça de cigarro, caixas de som moradores da casa. com música em volume mais alto Ainda que, antes de sairmos do que as vozes, um para a rua, tentemos pandeiro e um vionos livrar de quallão. Essa ideia inicial quer preconceito, a nos levou à imagem nossa experiência Leia a matéria sobre a casa do grupo Fora de uma casa de estucom repúblicas nos do Eixo dantes, barulhenta e fazia acreditar que bagunçada. Pensaaquele ambiente semos que encontraríria, pelo menos, paamos um lugar com recido com o que hamais pessoas do que víamos presenciado quartos, mais ideias anteriormente. Nas do que computadorepúblicas e pensões res e mais sonhos do em que uma de nós que realidade. havia morado, as

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Janaína Marques (6º sem.)

Professores responsáveis Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Paula Puhl, Rogério Fraga e Tércio Saccol

POR Camilla Pereira (4º sem.) e Laísa Mendes (4º sem.)

Alunos editores Anna Cláudia Fernandes, Bruna Lopes, Douglas Roehrs, Janaína Marques, Thamíris Mondin e Victor Rypl Alunos repórteres Alysson Mainieri, Ana Carolina Lopes, Angelo Passos, Augusto Lerner, Bárbara Benini, Bárbara Nóbrega, Bibiana Dihl, Bruna Lodi, Bruna Zanatta, Camilla Pereira, Caroline Ferraz, Daniel Fraga, Denise Tamer, Diego Silva do Amaral, Eduarda Domingues, Emílio Câmera, Evelin Peitz, Evelyn Heinrich, Fernanda Tatsch, Fernando Bacoff, Flávia Drago, Francielly Brites, Gabriel Araújo, Gabriella Monteiro, Gabriel Palma, Gabriela Pedroso, Giovanna Pozzer, Helena Pacheco, Iasmine Lopes, Jéssica Guedes, João Arroque Lopes, João Praetzel, Julli Massena, Júlia Bernardi, Juliana Forner, Kalwin Vieira, Laísa Mendes, Leonardo Ferri, Leonel Martins, Lívia Hetzel, Lucas Ferreira, Mariana Lubke, Mariana Romagna, Mariane Freitas, Melanie Albuquerque, Nícolas Pasinato, Nicole Franzoi, Nicole Loss, Paola Marcon, Paola Pasquale, Patricky Barbosa, Paula Menezes, Priscila Marques, Priscila Nunes, Ricardo Miorelli, Rodolfo Anselmo, Shana Sudbrack, Thiago Rocha, Yasmin Luz. Impressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística

Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj

Círculos de papel colados na parede da casa Fora do Eixo Porto Alegre apresentam os princípios

...depois de apurar A

va pela janela entreaberta. o chegar na casa, conAo contrário do imaginatudo, a realidade se do, como muitas vezes ocorre mostrou diferente. Na no jornalismo, os cômodos esporta do apartamento, tavam todos muito limpos e uma única bicicleta se encontraorganizados. Nenhuma lata de va encostada na parede e uma cerveja pelos candas duas pessoas tos, nenhum toco que estavam no inde cigarro no chão. terior nos atendeu Apesar de ser uma com cara de sono. casa de jovens engaEram quase 15 hoA casa jados com música, ras e o silêncio preparecia cultura e arte, não valecia. Ouviam-se havia instrumentos apenas os pingos de mais uma musicais espalhachuva caindo no teempresa do dos. Esperávamos lhado. Olhamos em também uma maior volta. Não sabíamos que um lar. movimentação idese o que incomodaológica, mais discurva era a penumbra sos politizados. ou o frio que entra-

Para nós, o que importava era entender como aquelas pessoas desconhecidas viviam e conviviam todos dias juntas: limpando a casa, fazendo comida, indo às compras e, ainda, trabalhando para o Fora do Eixo. No entanto, nosso entrevistado, Ney Hugo, não parecia interessado em falar sobre isso. Aliás, não parecia interessado em conversar conosco sobre nada que não fosse o coletivo FdE. Durante a tarde, tivemos a oportunidade de presenciar a chegada da banda NDE Ramirez, da Argentina, na casa. Para nós, um dos episódios mais curiosos da visita. Os músicos entraram em silêncio e nos cumprimen-

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taram brevemente. Do clima familiar, descrito pelas fontes em nossa matéria, pouco se viu. Os diálogos eram curtos e sem ânimo. Faltava emoção nas palavras e no olhar. Os integrantes se assemelhavam mais a colegas de trabalho do que amigos. A casa parecia uma empresa, não um lar. A decepção foi inevitável. Como estudantes de jornalismo e jovens, víamos no FdE um universo lúdico capaz de promover boa parte da produção cultural do país. Embora tenhamos regrassado à redação mais céticas do que otimistas, voltamos certas de que a percepção é mais importante do que a expectativa.


coletividade

Os assentados de Sepé AG RI C ULTO RE S DO MS T C OME ÇARAM PRODUÇÃO ORGÂNICA COM TERRAS DISTRIBUÍDAS P E LO G OVE RN O E H OJE S US TE NTAM 376 FAMÍLIAS, AO LA DO DA CA PITA L

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ode entrar, a casa é nossa”, convida o agricultor aposentado Leonildo Zang, ao receber a reportagem do Editorial J, num sábado de julho. Com a típica boa vontade interiorana, ele mostra com paciência o assentamento Filhos de Sepé, onde vivem 376 famílias e relembra as dificuldades enfrentadas até chegar ao que o lugar se transformou. Os moradores compartilham não apenas histórias de luta por um direito e ideais de agricultura orgânica, mas também os lucros da produção cooperativa. Após a década de 1970, muitos agricultores viram-se sem terra para trabalhar e sem oportunidade de colocar os seus produtos nos comércios do interior. Com poucas alternativas, acabaram por migrar da zona rural para as grandes cidades. Foi um momento da história econômica do Brasil que gerou movimentos como o dos agricultures sem terra, que passaram a reivindicar a reforma agrária em propriedades ociosas. Para os agricultores do assentamento Filhos de Sepé, não foi diferente. A história de Leonildo ilustra a persistência. Ele conta que era um de quatro irmãos, e a divisão de terra, complicada para se manter na agricultura em Iraí, próximo ao limite norte do Estado, distante 454 quilômetros

de Colonização e Reforma Agrária da Capital. Ele, a esposa e a filha (Incra). Os cooperados do Filhos pequena moraram durante dois de Sepé contam que o Incra verifica anos em uma barraca de lona em anualmente o lote, confirmando a um assentamento com mais de atuação dos assentados. Em caso 1.800 famílias em Santo Antônio de ociosidade, o lote é destinado a das Missões, sem ter certeza de outra família cadastrada. A venda, quando ou onde receberiam um o arrendamento, o aluguel ou o reespaço para plantar. passe são proibidos por lei. No caso Em 1998, quando foi feita a de comercialização, o comprador distribuição dos lotes na atual pode perder a terra sem ser ressarpropriedade, à beira da RS-040, cido. “Dizem que se faz um comérem Viamão, os próprios producio imobiliário, mas o meu nome tores organizaram a construção aparece no Incra, está no cadastro de um poço artesiano e de casas. e só aparece uma vez. A terra é do Nos primeiros anos, era necessáIncra”, explica Sidnei rio coletar água da Santos, trabalhador chuva para as morada Cooperativa dos dias, já que o abasProdutos Orgânicos tecimento permaneAssista ao vídeo de Reforma Agrária cia escasso para as sobre o Filhos de de Viamão (Coperav). famílias. “Aqui não Sepé em Com o tempo, os tinha nada, só areia assentados do Filhos e formiga”, lembra de Sepé formaram Leonildo, para retrauma cooperativa tar os primórdios do para venda de arroz assentamento. orgânico e também De imediato, os uma padaria, gerida trabalhadores buspor 11 mulheres, que caram empregos nas trabalham seis horas regiões próximas, nesta produção e no outro turno pois a distância de 12 km até a área na lavoura. A Coperav é respondestinada à plantação dificultava o sável pela venda do arroz, pois oracesso. Eles não receberam ajuda ganiza a comercialização. Hoje, a governamental, após a divisão da plantação e as bolachas e cucas são propriedade. “É como se dissesaproveitadas na merenda escolar sem ‘queriam a terra, taí agora, se de algumas escolas estaduais do virem’”, afirma. Rio Grande do Sul. As terras destinadas a assentaO assentamento Filhos de Sepé mentos são compradas, pelo Estaocupa 9 mil hectares, dos quais 1,5 do, de estancieiros que as mantêm mil plantados com arroz orgânico. ociosas e, então, os lotes são direCada agricultor é responsável por cionados a famílias previamente seu lote, de 15 hectares. Também cadastradas pelo Instituto Nacional

Caroline Ferraz (5º sem.)

P O R Caroline Ferraz (5 sem.)

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Hortas e plantio de arroz não recebem agrotóxico são comuns a união de lotes por diferentes produtores para facilitar o cultivo e a aquisição de maquinário para gestão coletiva. A produção, sem adição de agrotóxicos, na última safra foi de 70 mil sacas. Na próxima, a estimativa aponta para até 100 mil sacas. A escolha por uma agricultura orgânica foi dos próprios agricultores e, hoje, é uma exigência para os assentados da região. Eles consideram o agrotóxico um veneno que não faz bem ao ecossistema,

enquanto a produção orgânica é tida como uma questão de consciência na intenção de preservar a vida seja da praga, da planta, e de quem consome. Na concepção do projeto, os assentados foram criticados, pois havia descrença de que pudesse dar certo. Na base da experimentação e do esforço coletivo, eles conseguiram. “Nós nos reuníamos para trocar experiência, porque naquela época ninguém sabia como fazer”, relembra Leonildo.

Cada sem-terra ganhou um lote de aproximadamente 15 hectares, do total de 9 mil ocupados pelo assentamento AGOSTO/SETEMBRO DE 2013 • PÁGINA 3


terror Arte produzida com cenas do documentário de Marcelo Outeiral e Marco Antônio Villalobos

Vencidos pela opressão DO CUM E N T Á RI O RE C U P E RA A H IS TÓRIA DE ATLETAS AR GENTINOS DES A PA RECIDOS EM M EI O À S AT RO C I DA DE S PRATICADAS P E LA DITADUR A MILITA R NOS A NOS 1 9 7 0 POR Laísa Mendes (4º sem.)

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les eram jovens. Lutavam por igualdade, democracia, liberdade de pensamento e de expressão. Acabaram torturados, mortos e condenados ao esquecimento. Além do desejo de mudança, tinham algo em comum: eram amantes do esporte. A história de jovens que tiveram os sonhos interrompidos pela brutalidade da ditadura militar argentina (19761983) é contada no filme Atletas versus ditadura: a geração perdida, dos jornalistas Marco Antônio Villalobos, Marcelo Outeiral e do repórter cinematográfico Milton Cougo. O documentário, gravado nas cidades argentinas de La Plata e Buenos Aires, mostra em depoimentos marcantes, além de dor e sofrimento, a espera por respostas daqueles que perderam alguém para as atrocidades do regime. Organizadas em capítulos, as histórias dos desportistas são narradas pelas vozes de familiares e conhecidos. “O contato com os

final: saber o que aconteceu, não parentes das vítimas nos fez ter a que o filho evaporou”, comenta, certeza de que estávamos no cainconformada. minho certo. Todos tinham muito Outra trajetória interrompara falar”, comenta Outeiral. pida narrada no documentário Imersa em memórias, Teresa é a do corredor Miguel SánAcosta mantém viva a imagem chez. Desaparecido desde janeiro da filha, Adriana, por meio de de 1978, o jovem de 25 anos fotografias. A artilheira do Clube era obcecado pelo Lomas conciliava a esporte e sonhava paixão pelo hóquei disputar a Corrida com a militância de São Silvestre, no no Partido ComuEstou Brasil. “Desde criannista Marxista Leça, sempre teve essa ninista de La Plata orgulhoso vontade de ser me(PCML). A jovem, dos meus lhor. Deve ter pensaque defendeu a sedo que a sua vida ia leção argentina e foi pais.” ser muito curta, porcampeã nacional juDaniel Marcelo que era muito ativo, venil, desapareceu Schapira não perdia tempo”, em maio de 1978, conta Elvira Sánchez, aos 22 anos. A mãe irmã de Miguel. O atleexplica que não se ta nunca venceu a corrida, dava conta de que a mas a disputou três vezes. Na filha estava envolvida com polítiúltima, cerca de sete dias após ca. Segundo ela, era uma mulher a viagem ao Brasil, foi levado estudiosa e muito dedicada ao de casa por agentes militares e esporte. Até que, em uma manhã, até hoje não foi encontrado. Em Adriana teria ido a uma pizzaria 1998, em sua homenagem, foi com as amigas e nunca mais volorganizada a primeira Corrida de tado. “Eles não se dão conta de Miguel, quando 10 mil pessoas que para uma mãe esse é o melhor

ocuparam as ruas de Roma. A prova ganhou edições em Buenos Aires e Tucumán. O caso de Daniel Marcelo Schapira, 33 anos, é o inverso. Ele tinha oito meses quando a mãe foi presa, torturada e morta, e o pai, o tenista Daniel Schapira, detido antes mesmo do nascimento do filho. “Eu estou orgulhoso dos meus pais. Eles vestiram a camisa, sonhavam com um país diferente, militavam para que as coisas mudassem”, conta Daniel. O atleta desapareceu em 1977, na Escola Mecânica da Armada (ESMA), um dos mais violentos centros clandestinos de detenção. “Meu pai esteve três vezes entre os 10 primeiros do ranking nacional. Era um bom jogador e, acima de tudo, um homem honesto”, completa. Uma história que se destaca é a do time La Plata Rugby. Entre os anos de 1975 e 1978, a equipe teve 17 atletas mortos pela opressão argentina. Hérnan Rocca era titular do time e foi o primeiro a desaparecer. “Acertaram Hernán com 23 tiros. Disseram que uma

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bala era para ele e as outras para nós”, lembra Raul Barandiarán, companheiro de time. O La Plata Rugby se mantém ativo e segue disputando o campeonato argentino. Porém, Barandiarán lamenta o time ainda não ter ganho um título nacional: “Muita gente diz que foi por causa desse genocídio”. Os diretores do documentário também comentam a sua relação com o projeto: “É algo que impactou muita gente, a ponto de eu poder dizer que toda vez que a gente vê, é a mesma carga de emoção que não se dissipa nunca em função de ser algo tão forte e tão triste”, relata Villalobos. Outeiral complementa: “Foram alguns dos momentos mais difíceis da profissão. Ouvir de uma mãe que ela só quer ter a certeza de que o filho está morto é algo que mexe demais”. Atletas versus ditadura: a geração perdida será exibido na 2º Mostra de Documentários de Direitos Humanos Para Muestra Basta um Botón, em Montevidéu, que acontece de 17 a 28 de setembro, com entrada gratuita.


especial

PROFISSÃO DE RISCO CADE R NO ESPECIA L COMPA RA A LIBE RDADE DE IMPRENS A NO MUNDO

POR Bárbara Nóbrega (1º sem.) e Douglas Roehrs (6º sem.)

Entre 1992 e agosto deste ano, 1.003 jornalistas perderam a vida no mundo, conforme dados do CPJ. O Iraque encaecentemente, o Brasil viveu um beça a lista de mortes, com 205 no total. dos momentos de maior mobiDe acordo com o Instituto Internacional lização em sua história. Uma sude Segurança da Notícia (INSI), “democessão de manifestações ocorreu cracias e sociedades livres não podem em centenas de cidades do país. Entre pediexistir sem um sistema de funcionamento dos por mudanças e repressão, vandalismo da mídia em que os jornalistas possam e prisões, os profissionais de imprensa se trabalhar com segurança”. expuseram para narrar os acontecimentos. Para o presidente da Associação BrasiSegundo levantamento da Associação leira de Jornalismo Investigativo (Abraji) Brasileira de Jornalismo Investigativo Marcelo Moreira, o Brasil não possui um (Abraji), 52 jornalistas foram agredidos quadro positivo no cenário mundial: “As nos protestos de junho – contabilizando estatísticas de violência contra jornalistas 53 casos, pois um jornalista foi agredido colocam o Brasil entre os 10 países onde duas vezes. Esses números levam à peros jornalistas mais sofrem ameaças. O país gunta: existe liberdade de não está vivendo um período imprensa e segurança para de guerra. Os países que lio exercício do jornalismo no deram este ranking estão em Brasil, ou o país é um amconflito social, estão vivendo Confira o mapa com biente de risco como outras guerras, isso torna a situação dados dos relatórios partes do mundo? aqui mais grave”, compara. de todos os países Com base no cruzamento Em dezembro do ano de dados divulgados na interpassado, o jornalista curitinet e em relatórios de organibano Mauri König foi amezações que são referência em açado de morte em razão de informar as circunstâncias reportagens denunciando atuais sobre o trabalho da a corrupção na Polícia Civil imprensa por meio de diverdo Paraná. Devido à intimisos parâmetros, o Editorial dação, foi obrigado a passar J montou um cenário global dois meses fora do país, mas que aponta áreas de maior e já está de volta às atividades menor repressão (confira o infográfico nas normais como repórter especial do jornal páginas 6 e 7). A maioria dos dados é de Gazeta do Povo, em Curitiba (PR), onde 2012, anteriores às situações recentes, que atua desde 2002. impõem novos questionamentos quanto à O fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu violação da liberdade de imprensa. a visão após ser acertado por uma bala de Conforme a ONG Repórteres Sem borracha nos confrontos do dia 13 de junho Fronteiras, o nível de liberdade de imem São Paulo (SP), acredita não haver prensa no Brasil é problemático, já que liberdade no Brasil: “Eu, e muitos outros cinco jornalistas foram mortos somente em colegas presentes lá no ato, somos a prova 2012. No ranking de liberdade produzido viva disso. Pelo simples fato de estarmos pela organização, o país ocupa apenas o prestando um serviço à população, fomos 108º lugar. Já no preparado em 2012 pela alvo da violência desmedida de uma polícia organização Freedom House, está na 91ª sem lei” (leia o depoimento completo na posição. A lista é encabeçada pela Noruega, contracapa desta edição do Editorial J). onde, segundo dados do Committee to ProPara Marcelo Moreira, uma das princitect Journalists (CPJ), nenhum jornalista pais causas de tantos ataques a jornalistas foi preso em 2012, morto entre 1992 e 2013 no Brasil é a impunidade. A solução, para ou exilado entre 2008 e 2012. No Brasil, ele, seria leis rígidas realmente postas em nesses mesmos períodos, nenhum jornalisprática. Dos 27 jornalistas mortos desde ta foi preso, porém 27 foram mortos e dois, 1992 no território brasileiro, em 20 casos exilados. o agressor ficou completamente impune.

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Janaína Marques (6º sem.) AGOSTO/SETEMBRO DE 2013 • PÁGINA 5


especial

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m planeta perigoso. Para entender como está a liberdade de imprensa no mundo e a que riscos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estão submetidos, o Editorial J encarou um desafio: comparar oito indicadores ligados à atividade jornalística em 30 países, para compor um painel sobre as ameaças impostas a quem tem a tarefa de narrar os acontecimentos do mundo. O mapa da insegurança recorreu a quatro organizações e constatou que o Brasil ocupa apenas a 91ª posição, de acordo com a Freedom House, em relação à liberdade de imprensa, e amarga 27 mortes de jornalistas entre 1992 e 2013. No mundo, apenas este ano, 35 profissionais já perderam a vida. No ano passado, foram 73, em uma contabilidade que denuncia o quanto cumprir a função jornalística, em democracias ou regimes de exceção, é uma missão arriscada. Ao lado, o panorama das violências que constrangem a livre circulação de informações, em vários pontos de um planeta que maltrata a liberdade de imprensa.

+ Acesse os links para os relatórios completos em

AGOSTO/SETEMBRO dE 2013 • páGinA 6


Arte: Anna Clรกudia Fernandes (8ยบ sem.) AGOSTO/SETEMBRO de 2013 โ ข pรกgina 7


especial

IMPUNIDADE GERA A AUTOCENSURA A M E A Ç A A J O RNALIS TAS PÕE E M CH E QUE A DEMOCRACIA NO PA ÍS

“É

difícil se proteger de um inimigo invisível, que se esconde no anonimato e é capaz de nos tirar o convívio da família e a liberdade de movimentos”, afirma o repórter Mauri König, do jornal Gazeta do Povo. Atual diretor da Abraji, ele considera preocupante a situação da liberdade de imprensa no Brasil: “Os casos de maior notoriedade são as agressões e os assassinatos de jornalistas, mas o cerceamento à liberdade de manifestação parte também da censura prévia imposta por muitos magistrados”, explica. Para ilustrar a fragilidade do jornalista diante das ameaças, ele lembra que, enquanto quem está disposto a intimidar, agredir ou matar pode usar armas e anonimato, o jornalista dispõe apenas da palavra como defesa. Para o presidente da Abraji, Marcelo Moreira, a autocensura imposta pela impunidade é tão grave quanto os demais casos de repressão: “Os jornalistas são ameaçados e, sem ter a certeza de que as pessoas que os constragem serão chamadas às suas responsabilidades, praticam autocensura. E a autocensura é uma das piores violências que se pode praticar contra um jornalista”. Segundo ele, a situação no interior do país é mais grave do que nas grandes cidades. “Existe ainda uma prática antiga no Brasil, do século passado e retrasado, que

De olho na segurança

O levantamento do Editorial J sobre o estágio da liberdade de imprensa no mundo usou como base o trabalho de organizações que monitoram riscos em escala global. Além de produzir rankings, elas apoiam os jornalistas em perigo. Veja quais são ao lado:

Homs, onde foi algemado, ameaé o coronelismo, no qual grupos çado de morte várias vezes e teve que ostentam o poder utilizamo rosto queimado com cigarro no pra fazer com que jornalistas por um policial que o obrigou a não possam revelar histórias de assinar um documento em árabe, corrupção, de práticas ilegais”, isso tudo em um intervalo de seis condena Moreira A Abraji, na dias. “Cabe ao jornalista cobrir tentativa de mudar esta prática, de qualquer forma, cumprir seu luta para que o sistema jurídico no papel, desviando-se desse blopaís funcione de forma plena, de queio”, finaliza ele. forma que as pessoas que comeO editor de Mundo da Zero tem agressões sejam investigadas Hora, Luiz Antônio Araújo, foi e, sobretudo, punidas. vítima de violência no Egito, em No entanto, se há registro de fevereiro de 2011, em meio à problemas referentes ao exercício efervescência da Primavera Árajornalístico em países democrátibe. A cobertura feita por Araújo cos, o quadro se agrava em nações envolveu a situação de desconsob regime ditatorial, como Chitentamento da população com o na, Coréia do Norte e países do Estado egípcio, principalmente Oriente Médio. Em maio de 2012, a partir de janeiro por exemplo, o perde 2011, período nambucano Kléster no qual, segundo Cavalcanti, que na ele, o regime usou época exercia a funExiste uma seus instrumentos ção de editor-execupara evitar que a tivo da revista IstoÉ prática antiimprensa mostrasGente, foi o único ga, que é o se algo, por exemjornalista brasileiro plo, com cortes da a conseguir entrar coronelistransmissão da inem meio à guerra mo.” ternet. Mas o que civil em Homs, na mais assustou o jorSíria, local onde o Marcelo Moreira nalista brasileiro na confronto é mais cobertura egípcia fointenso. “Como em ram os atos de violência: qualquer país que “Fui atacado no centro do Cairo, e está em guerra, não há liberdade no mesmo dia mais de cem jornade imprensa, há um bloqueio. Há listas foram atacados. Há colegas jornais que mostram a realidade, que foram estupradas em pleno porém existe a dificuldade na cocentro do Cairo, além do caso de bertura no que se refere a chegar uma dupla da TV Brasil que deàs áreas de risco”, resume. sembarcou e foi sequestrada pela Cavalcanti foi preso pelo exérpolícia e ameaçada de morte”. cito sírio no dia 19 de maio, em

Uanderson Fernandes | AFP

Instituto Internacional de Segurança da Notícia/Mídia (INSI) É uma coligação de organizações de notícias, grupos de apoio de jornalistas e indivíduos dedicados exclusivamente à segurança dos profissionais da mídia em ambientes perigosos O propósito é criar uma rede global de assistência a jornalistas.

Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) Foi fundado por correspondentes norteamericanos, que perceberam que não podiam ignorar a situação de colegas cujas atividades os colocavam em perigo. Promove a liberdade de imprensa em todo o mundo, e defende o direito dos jornalistas de informar sem represálias.

Yasuyoshi Chiba, agredido em manifestação no Rio Freedom House É uma organização de vigilância independente dedicada à expansão da liberdade. Luta contra as principais ameaças à democracia e capacita os cidadãos a exercer os seus direitos fundamentais, além de perceber os desafios para a liberdade a partir da análise de critérios organizados.

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Repórteres Sem Fronteiras (RSF) Fundada na França em 1985. Tem status consultivo junto à ONU. Desenvolve duas esferas especializadas de atividade, uma focada em censura na internet e outra dedicada ao fornecimento de assistência financeira e psicológica para jornalistas em zonas de perigo.


“Freelancer atrai freelancer” POR Camilla Pereira (4º sem.)

passaram os contatos e falei que pretendia fazer alguma coisa relacionada com pesquisa, alguma coisa relacionada com jornalismo ormado em Relações ao mesmo tempo. Fui me jogando. Internacionais pela Eu ia todo dia para a Praça Tahrir PUC-SP, Aldo Sauda (epicentro dos protestos no Cailargou a faculdade de ro). Ia escrevendo e jogando Direito para virar repórter frepara quem estivessse disposto a elancer em plena Primavera comprar. Aí comecei a aprender a Árabe. Há dois anos, mora enescrever. Você aprende a escrever tre Egito e Líbano e escreve arescrevendo, na marra. Fui constigos para veículos brasileiros. truindo meu espaço. Tive sorte Nesta edição do SET Universitambém, fui disputando os espatário, Aldo vem conversar com ços que apareciam, entrando do os estudantes sobre a vida de jeito que dava. O começo é frágil, freelancer, a cobertura das revocê não tem um tipo de proteção voltas populares e a segurança trabalhista, precisa ir com a cara no Oriente Médio. Antes disso, e com a coragem e torcer para o Editorial J conversou com ele que dê certo. É ficar por Skype. trabalhando princiEditorial J palmente como PJ – Como surgiu a (pessoa jurídica) e ideia de cobrir a Mais informações isso é um terror. sobre a 26ª edição do Primavera Árabe? Set Universitário em Editorial J – Aldo Sauda – Já trabalhou para Liguei a televisão, alguma empresa estavam derrubando jornalística ou só o presidente, achei como freelancer? que ia ser interesSauda – Semsante cobrir o propre como freelancer. cesso. Quando fiz Comecei escrevendo Relações Internaciopara a Caros Aminais, estudei bastangos, e logo passei a te o Oriente Médio, escrever para a grande imprensa, tinha interesse no tema e houve principalmente Estadão e Folha uma oportunidade. Conversei de S. Paulo, e fazendo comencom um professor que trabalhava tários ao vivo na Globo News. na Caros Amigos na época, peguei Freelancer, hoje, ganha pouco, um dinheiro que tinha juntado e muito pouco. Qualquer jornal vai fui, meio que na cara e na corapreferir pegar artigos da Reuters, gem, sem falar uma palavra de da AP, da France-Presse (AFP), árabe, sem conhecer ninguém, porque é mais interessante você nem hotel reservado tinha. Eu pegar hard news. Não existe proconhecia alguns acadêmicos que dução séria (no Brasil) de hard tinham contatos no Egito. Eles me

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Agenda Confira os palestrantes, as datas e os horários do Set Universitário. O evento acontece no Centro de Eventos PUCRS. 16 DE SETEMBRO, 20H Rene Silva – Voz das Comunidades, Complexo do Alemão Jaílson Souza da Silva – Observatório das Favelas

Após a palestra haverá sessão de autógrafos e lançamento do livro A Voz do Alemão, de Renê Silva e Sabrina Abreu. 17 DE SETEMBRO, 9H30MIN Leondre Campos – Canal Off GloboSat Aldo Sauda – jornalista e Relações Internacionais (Egito) Bruno Torturra – Mídia N.I.N.J.A.

news porque é muito caro. Não é só do jornalista que você precisa, você precisa de uma estrutura. Editorial J – Sempre teve intenção de ser freelancer? Sauda – A minha intenção sempre foi ser freelancer, mas freelancer é duro. Você não tem segurança, não tem uma fonte estável de recursos. Se algum dia estiver um pouco mais estabelecido, pretendo deixar de ser, mas acho que até lá, a ter a liberdade de escrever o que me interessa, acho que eu vou continuar construindo esse espaço como freelancer mesmo. Editorial J – A falta de segurança para freelancer desencoraja a profissão? Sauda – Desencoraja muito. É muito difícil você ter uma estabilidade financeira. Tem horas que você literalmente passa a semana comendo pão com manteiga até entrar grana. É muito instável, tem que se jogar muito. As relações trabalhistas no mundo de jornalismo são muito duras. Existe uma desvalorização do jornalista enquanto profissional, principalmente por mídias que são supostamente mais progressistas. Editorial J – O freelancer deveria ter algum respaldo para garantir a segurança do seu trabalho? Sauda – Com certeza. A forma com que o jornalismo trabalha hoje, mais com PJ, acaba matando o jornalismo enquanto algo mais profundo. O Brasil é um país que não tem uma revista de qualidade internacional.

Editorial J – Você mantém contato com freelancers de outros países? Sauda – Freelancer atrai freelancer. A maioria dos seus amigos acaba sendo da área. Havia uma página do Facebook que tinha segurança para os freelancers, é um contato que você pode confiar. É meio comunidade mesmo, porque no fim é com quem você vai se misturar mais. Às vezes, é muito legal, muito positivo, acaba um ajudando ao outro. Quando você está numa situação de risco e tem gente trabalhando na mesma profissão que você, há uma solidariedade muito bacana. Era muito comum encontrar jovens de várias cidades que iam e se jogavam no jornalismo ou audiovisual, escrito, era algo comum. Tinha uns colegas do Brasil que faziam a mesma coisa, trabalhando na imprensa local egípcia, e colegas norte-americanos, ingleses, europeus que iam, porque o valor era mais baixo, você conseguia se segurar. Editorial J – Já aconteceu algum problema? Sauda – Muita coisa, principalmente no Cairo, quando a situação ficava ruim, tinha o costume de ir e acompanhar mesmo, de tentar estar presente em tudo o que acontecia. Presenciei muita violência. Numa situação de guerra civil, não há diferenciação entre o civil e o jornalista. No Egito, durante o início da revolução, eles estavam pouco se lixando se você era jornalista ou não, se você é estrangeiro ou não, a violência é a mesma.

17 DE SETEMBRO, 20H

18 DE SETEMBRO, 9H30MIN

Diego Castillo – Diretor Criativo da Agência La Comunidad de Miami (EUA) e CEO da Brother Creativity School Juan Rezzónico – publicitário, Diretor Criativo da agência DON de Buenos Aires Lúcio de Castro – Repórter e comentarista dos canais ESPN e diretor dos documentários Memórias de Chumbo: o futebol nos tempos do Condor.

Janaína Augustin – diretora do núcleo de Outras Telas da O2 Filmes. Rejane Bicca – Diretora de Atendimento da O2 Filmes Hélio Muniz – diretor de Comunicação e Relacionamento da Arcos Dourados América Latina 18 DE SETEMBRO, 19H Encerramento

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Arte: Espaço Experiência | Famecos

entrevista


adoção

A hora de partir de quem ficou para trás ADOLE S C E N T E S Q U E NÃO FORAM ADOTAD OS E PE RMANECEM ATÉ OS 1 8 A NOS EM AB R I G O S E N F RE N TA M A H ORA DE DE IX AR OS LAÇOS FAMILIA RES DAS CAS AS- LA RES Cassiana Martins (5º sem.)

Enquanto crescem, crianças e adolescentes tentam levar uma vida normal, à espera de uma nova família P O R Fernanda Ponciano (8º sem.), Nathália Carapeços (8º sem.) e Suzy Scarton (7º sem.)

D

anilo tem 17 anos e há dez vive em um abrigo do governo do Estado. Foi afastado da família por sofrer maus tratos na infância. Hoje, ele divide uma das casas da Aldeia Infantil SOS com mais oito crianças. O abrigo é fundamentado na ideia de casa-lar, uma estrutura que permite aos abrigados conservar a noção de família, sem deixar que a realidade em que viviam antes seja o único referencial. Resta

apenas um ano de permanência para o adolescente. A proximidade dessa data significa o fim de um ciclo e ainda não foi completamente assimilada, pois resultará em uma mudança brusca. “Não penso muito nisso, não. Não adianta ficar imaginando, porque quando chega a hora, é tudo diferente”, explica. No dia a dia, Danilo toma café da manhã, vai à escola e, à tarde, frequenta o curso profissionalizante. Gosta de jogar futebol e é gremista. Tem sonho de, no futuro, trabalhar com design e arte gráfica. Também foi beneficiado por um programa que serve como alternativa àquelas pessoas que não podem adotar, o apadrinhamento afetivo.

Ele foi acolhido em 2004 por um casal, um químico e uma médica. Agora, os dois estão aposentados e querem viajar para aproveitar o tempo juntos. Mas garantem: quando voltarem a Porto Alegre, visitarão o afilhado, que já foi com eles para Santa Catarina, Gramado e Atlântida, nas férias escolares. O garoto é mais um entre as 57 crianças e adolescentes que habitam uma das 18 casas-lares existentes em Porto Alegre. O abrigo da Aldeia Infantil SOS, localizado na zona norte da Capital, existe há 46 anos. Com o aval do Judiciário, recebe crianças e adolescentes de até 18 anos que, seja por negligência, abandono ou maus-tratos

dos responsáveis, não puderam permanecer sob o cuidado da própria família. A psicóloga Júnia de Castro Flores, funcionária do abrigo desde 2010, explica que é feita uma tentativa de reestruturação da família das crianças, enquanto estiverem abrigadas, para abrir a possibilidade de elas voltarem para casa. “Trabalhamos em rede. Não adianta fazermos tudo sozinhos, por isso que existe essa ideia de fortalecer a estrutura familiar”, explica. As necessidades particulares de cada criança são atendidas de modo a que elas consigam, quando chegar a hora, se desligar da organização de uma maneira

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mais segura, para que tenham um projeto de vida traçado e sem sentimento de rejeição no futuro. Tatiana Gonçalves dos Santos, assistente social do abrigo desde 2012, relata que, embora exista tal acompanhamento, nem sempre o resultado almejado é alcançado. “Infelizmente, algumas ficam aqui até completarem 18 anos. A família não consegue se reorganizar para receber a criança, e ela acaba crescendo aqui”, resume. Foi o que aconteceu com Danilo. O garoto, que faz um curso de Artes Gráficas e Design no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), chegou à casa há mais de dez anos e não foi adotado.


Cassiana Martins (5º sem.)

Muita criança, muita escolha O Cadastro Nacional de Adoção, no mês de abril de 2013, aponta a triste contabilidade que retarda o encontro entre crianças apartadas de suas famílias e um lar disposto a recebê-las:

5.471 crianças estão aptas à adoção, sendo 30,4% delas na Região Sul.

29.284 pessoas estão na fila de adoção, sendo 4.531 no Rio Grande do Sul, o segundo maior contingente do país, atrás apenas de São Paulo.

Seis vezes maior é o número de possíveis pais em relação ao de crianças adotáveis.

32,3% dos candidatos a pais aceitam somente crianças brancas.

1,9% é o percentual de candidatos que aceitam crianças com mais de sete anos.

0,03% aceitam adolescentes de 16 anos ou mais.

Dalcídio e Iára adotaram dois garotos e hoje apadrinham mais dois

A generosidade de Marli e da família Claudio A adoção de crianças mais velhas não é um tabu para o casal Dalcídio e Iára Claudio, ambos com 66 anos. Quando se apaixonaram, há 35 anos, tiveram o desejo de formar uma família composta por dois filhos biológicos e dois adotados. “Decidimos ser autores da nossa vida, não deixar o destino nos levar”, afirma Iára. Quando as duas primeiras filhas, Janaína e Débora, já estavam com 15 e 14 anos, o casal de professores universitários sentiu que era hora de cumprir o objetivo de completar a família. Em 1996, o casal iniciou o processo de adoção, sem preferência por cor, idade, sexo ou local de nascimento. “Ninguém entendia porque nós queríamos adotar. Além de já sermos mais velhos e termos duas

filhas, a ideia de não ter preferência era algo incompreensível para as pessoas”, diz Iára. Após as entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, dois irmãos, com cinco e quatro anos, foram os selecionados. O primeiro encontro ocorreu no Parcão, em 1997. Nesta troca de olhares, já se estabeleceu o relacionamento. “A primeira vez que eles nos viram nos chamaram de mamãe e papai. Foi um momento indescritível”, relembra Iára. Segundo o casal, os filhos Marcos e Felipe, hoje com 21 e 20 anos, sentiram-se logo em casa, como se já estivessem morando há anos ali. Dacíldio e Iára são padrinhos afetivos de dois adolescentes há quatro anos. Os meninos têm 15 anos e moram em abrigos da

escolhe a escola, o médico, a farCapital. A intenção é acompanhar mácia onde vai comprar o reméuma criança de perto, sendo um dio. Ela oferece tudo que a criança referencial para ela. Visitas, pasprecisa, e é isso que seios, relacionamento eu sou aqui”, desde família e também creve. cobranças típicas de Danilo, 17 anos, pais incluem esta quer ser designer e iniciativa. é um dos filhos de Com Marli MaNão sou Marli. Ele mora na chado, a história de casa com ela, com amor não é muito cuidadora, seus dois irmãos diferente. Desde sou mãe.” biológicos, uma 2004, permanece menina de 16 anos sendo a principal Marli Machado e um menino de influência na vida 12. Além deles, há de sete crianças que duas irmãs e mais dividem uma casa dois garotos. Danilo, com ela no abrigo. que poderia ser definido Ela é mãe dos prócomo alguém sem família, prova prios filhos e de outros, amados o contrário, que tem é uma famída mesma forma. “Sou mãe, não lia bem grande. sou cuidadora. A mãe faz tudo,

Aldeias preparam jovens para o futuro O Aldeia SOS está distribuído em 13 casas, mas apenas sete estão ativas. São térreas e, em geral, possuem três quartos: um para os meninos, um para as meninas e outro para a mãe-social (residente, em geral mulher, que vive com as crianças em tempo integral). Cada uma das casas abriga, em média, oito ou nove crianças, e prioriza o atendimento em pequenos grupos, respeitando os laços sanguíneos entre irmãos, que não são separados, exceto com ordem judicial.

A convivência é familiar, todos ajudam nos afazeres domésticos como lavar a louça, limpar a casa e fazer a comida. As tarefas mais pesadas ficam a cargo da mãe social. Cada criança recebe um plano de desenvolvimento individual, um instrumento da organização que visa monitorar saúde, educação, desenvolvimento social, lazer e visão religiosa. Os responsáveis pelo abrigo trabalham o planejamento de um futuro para esses adolescentes que não são ado-

tados. Entretanto, os jovens são incentivados a terem esperança de encontrar uma família. Eles seguem uma rotina. Vão às aulas, frequentam cursos de especialização, jogam futebol, saem com os amigos. Vivem a vida como qualquer outra criança, com problemas e conflitos semelhantes. “Para nós, nem parece tão diferente. Tentamos deixar a vida deles o mais normal possível, para que eles não lembrem o tempo todo que estão nessa situação”, explica a

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assistente social Tatiana Gonçalves dos Santos. A grande maioria dos acolhidos, quando não retorna para a família, permanece até os 18 anos. “Começamos a prepará-los para sair daqui, incentivando cursos de qualificação e acompanhamento psicológico. Fazemos com que pensem aonde vão morar e o que pretendem fazer”, conta Tatiana. No Aldeia Infantil SOS, há 30 meninos e 27 meninas. Destes, apenas três têm menos de cinco anos. A maioria aguarda a nova família.


E

u me chamo Sérgio Silva, sou fotógrafo, tenho 31 anos e trabalho para a agência Futura Press. Nos últimos quatro anos, já vinha cobrindo as ações do Movimento Passe Livre, aqui em São Paulo. Mas o dia 13 de junho de 2013 é uma data que nunca mais vou esquecer, infelizmente. Por volta das 17h, saio de casa com meus equipamentos fotográficos e sigo para o Centro. No caminho, recebo um telefonema da minha sogra, pedindo cautela, pois ela havia visto na TV que a imprensa estava sendo alvo da agressão da Polícia Tática e, claro, temia pela minha integridade. Minha esposa estava trabalhando em Brasília e chegaria de lá no mesmo dia. Eu tinha a missão de ir buscá-la e, por isso, havia prometido a mim mesmo que faria algumas fotos e depois seguiria para o aeroporto. Infelizmente, não foi possível. 18h10min. Recebo outro telefonema, desta vez era minha esposa confirmando o horário para buscá-la. Combinamos tudo, comentamos rapidamente sobre a situação caótica em que a cidade se encontrava e desligamos. Eu já estava no centro da capital paulista, fotografava os ativistas e as cenas da violência policial contra eles. Subi rumo à Rua da Consolação, com dezenas de colegas de profissão, onde deparamos com um verdadeiro cenário de guerra. Eram balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio sendo atiradas a esmo pelos policiais. Manifestantes suplicavam pelo fim de tamanha violência, visto que o ato era pacífico por parte dos ativistas. Não havia razão para aquilo. A imprensa também foi muito ferida, talvez pelo simples fato de estar ali, levando informação a uma parte da sociedade que ficou em casa. Alguém tinha que fazer esse papel.

Refugiei-me e tentei me proteger de todas as formas possíveis. Em nenhum momento de minha cobertura fotográfica coloquei-me em linha de frente com a polícia. Muito pelo contrário. Escondi-me atrás de uma banca de jornais, na esquina da Rua Caio Prado com a Consolação, como se estivesse fazendo algo errado. Numa fração de segundos, fiz uma foto, olhei no visor da câmera e senti uma dor insuportável no olho esquerdo. Muito sangue jorrava. Ali, tive a certeza de que havia perdido a visão do olho atingido. 18h45min. Fui cambaleando pela Rua Caio Prado, contorcendo-me de dor, quando entra em cena o professor Severino Honorato, que me socorre. Apoiado em seus braços, caminhamos por cerca de meia hora até o hospital mais próximo. Só sentia vontade de desistir. Mas Severino não deixou. Ainda bem, pois hoje eu estou aqui vivo. [A falta de] Liberdade de imprensa é um assunto totalmente conectado com o que aconteceu comigo. Não adianta ser hipócrita e esbravejar que estamos numa democracia, isso é uma tremenda mentira. Democracia e liberdade só existem nos livros. Eu, e muitos outros colegas presentes lá no ato, somos a prova viva disso. Pelo simples fato de estarmos prestando um serviço à população, informando e elucidando fatos que precisam ser mostrados, fomos alvos da violência desmedida de uma polícia sem lei. Sem falar nos manifestantes, pois, pelo que presenciei lá, posso dizer que houve abuso de poder com todos.

POR Sérgio Silva, fotógrafo da agência Futura Press, atingido por bala de borracha durante as manifestações do Movimento Passe Livre, no dia 13 de julho de 2013, em São Paulo.


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