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Entrevista ao Presidente do Município de Vila Real, Eng. Rui Santos
As corridas de Vila Real são o fruto da dedicação e do trabalho de um grupo numeroso de pessoas que se empenha para que esta grande festa se possa tornar realidade. No entanto, há pessoas, pela sua posição e pelo cargo que ocupam, que se tornam fundamentais na engrenagem desta peculiar máquina. E há uma pessoa cuja palavra final decide os destinos deste evento. O Engenheiro Rui Santos fez das corridas a sua bandeira desde a sua estreia ao leme do Município, um esforço conjunto que tem dado à cidade e à região muito mais do que apenas corridas.
Desafiamos o presidente do Município a responder a algumas questões para falarmos sobre as “suas” e as “nossas” corridas. Começamos por tentar saber quais as primeiras recordações que tem do Circuito:
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“Eu nasci e cresci em Vila Real, tenho sobretudo imagens e recordações da parte do Cir-
cuito que não é utilizada hoje em dia, como a reta da bancada das boxes. Nasci no Bairro São Vicente de Paulo, vivia naquela zona e íamos para a quinta dos “Teixeirinha” para ver as corridas. E uma das memórias mais vivas que tenho é de um acidente no final da reta das boxes com o Manuel Fernandes, que destruiu um “Triumph Dolomite”. Logo na partida, há um acidente, o carro ardeu e tenho muito presente essa imagem. Deveria ter 12 ou 13 anos.” Como a maioria dos Vilarealenses, a paixão pelas corridas começou desde cedo e manteve-se ao longo do tempo:
“Sempre tive uma grande paixão pelas corridas. Infelizmente, como é sabido, o nosso Circuito teve várias interrupções, logo a seguir a1973, consequência da crise petrolífera, e na sequência daquele grande acidente no final da descida de Mateus. Mas sempre perspetivámos com alguma ansiedade o regresso das corridas. Em 2009 fui candidato à câmara municipal de Vila Real e entre 2005 e 2009 era dirigente partidário. E à época quem tinha a pasta do desporto era o ministro Pedro Silva Pereira, que me questionou sobre um grupo de pessoas de Vila Real, que tinham a ideia de montar um circuito com a estrutura necessária, o que ainda exige um investimento avultado e vieram pedir um apoio. Na altura ele disse-me “tenho a noção que se dermos o apoio a esta iniciativa, as tuas probabilidades de ganhar a câmara municipal ficam reduzidas pois é o regresso de um grande evento a Vila Real. O que achas”. A minha resposta foi simples e disse “não tenho dúvidas nenhumas, venha o dinheiro, faça-se o Circuito, é isso que queremos”. Felizmente aconteceu. Não era a estrutura que temos hoje em dia, que, entretanto, foi muito reforçada, mas em 2007 era uma estrutura completamente nova. Infelizmente as corridas regressaram, mas depois voltaram a parar. Quem tinha a responsabilidade de gerir os destinos do Município, apesar de certamente gostar muito de corridas, não apostou suficientemente de forma convincente, pois no balanço geral, havia também muitos incómodos, muitas críticas. Na avaliação que fizeram, terão certamente concluído que não era uma aposta que devia ser mantida.
Na campanha que antecedeu a minha chegada à Câmara, disse publicamente que as corridas regressariam e que se possível tentaria a sua internacionalização. Felizmente tal foi conseguido, mais cedo do esperávamos e as corridas regressaram, infelizmente com um pequeno interregno motivado pela pandemia.
Eu achava absolutamente extraordinário como é que a maior de todas as bandeiras da cidade, aquilo que distinguia Vila Real de todas as cidades de igual dimensão, não era aproveitado. Todas as pessoas de fora com quem me cruzava referiam sempre as corridas de Vila Real. Um pouco por todo o país, havia várias gerações que conheciam Vila Real, por causa das corridas.”
Desafiamos o Eng. Rui Santos a recordar o momento em que a vinda do “WTCC” (World Touring Car Championship) ficou acordada, um momento alto da história do “CIVR” (Circuito Internacional de Vila Real):
“Em 2014 fizemos o regresso das corridas com os campeonatos nacionais, na altura estabeleci uma relação de proximidade com o então presidente da “FPAK” (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting), Manuel de Mello Breyner, fomos a alguns eventos nacionais e internacionais onde fomos mostrar o Circuito. Dessa relação com o Mello Breyner e também com o presidente do Turismo Porto e Norte, assim como outros agentes ligados ao automobilismo, fomos dando nota que gostaríamos de ter provas internacionais. Lembro-me de estar no “Café Majestic”, na apresentação do livro do Dr. Eduardo Passos e estava presente também o Eng.º Carlos Gaspar, um nome incontornável da história do Circuito de Vila Real. E na altura ele foi questionado sobre a possibilidade de Vila Real receber competições internacionais como o “WTCC” ou o “DTM” (na época Deutsche Tourenwagen Meisterschaft).
A resposta não foi muito positiva pois, embora admitindo que o Circuito podia receber essas provas, implicam custos avultados. O ceticismo era claro, mas a mensagem mais importante era que o Circuito seria capaz de receber essas provas se houvesse capacidade para as realizar. A ideia ficou a germinar e fomos deixando semente um pouco por todo o lado. Um dia o Mello Breyner ligou a dizer que havia uma janela de oportunidade, que as negociações com a Câmara Municipal do Porto se tinham dificultado. Como havia uma porta entreaberta, ele queria colocar os promotores do campeonato, o “Eurosport Events”, em contacto connosco. A reunião foi marcada para um dia em que tinha voo marcado para Amsterdão. Nessa reunião estiveram presentes membros da FPAK, do CAVR (Clube Automóvel de Vila Real), da APCIVR (Associação Promotora do Circuito Internacional de Vila Real), eu próprio, a “Eurosport” e o próprio Tiago Monteiro. Fechámos a reunião com alguma pressa dados os meus compromissos e acabámos a reunião sem ter fechado nada, tendo dito que queria muito as corridas, mas que ainda tinha de angariar contactos pois o valor para adaptação do “paddock “era elevado e nunca
colocaria em causa as contas da Câmara Municipal. Tinha então de reunir esses contatos, mas estava convencido que conseguiria reunir o necessário para avançar. Mas ficou combinado que não se tornaria nada público. Mas ainda durante a minha viagem, a chegar a Amarante, recebi várias mensagens e nesse momento percebi que as corridas eram uma realidade. Estas mensagens tinham sido, com certeza, uma fuga de informação da reunião. Sabia que não tinha sido eu ou a “APCIVR” ou o “CAVR”. Assim, só sobrava o promotor da prova que, de forma indireta, me colocava pressão para avançar com a prova, assumindo a responsabilidade de que mesmo que não conseguíssemos os fundos todos, se haveria de encontrar uma solução. Nesse momento fiquei com a certeza que íamos ter corridas. Tratamos de iniciar os processos de candidatura para a internacionalização da marca Douro, da marca Vila Real, pois é para isso que esses fundos existem. E com isso o campeonato do mundo veio para Vila Real em 2015 o que foi um sucesso logo desde início. E a grande maioria das pessoas ligadas agora à Taça do Mundo de Carros de Turismo afirma que quer vir a Vila Real, sejam eles pilotos ou membros da organização, o que me deixa muito contente.”
Com muitos momentos marcantes nesta caminhada de sete anos, desde o regresso das corridas em 2014, houve um que se destacou entre os demais:
“O momento mais marcante foi a realização do primeiro Circuito com o “WTCC”. Para todos nós foi uma experiência nova. Para a “APCIVR”, para o “CAVR”, para os serviços da Câmara Municipal, polícia, bombeiros. Nesse ano fizemos uma intervenção de fundo no paddock, reforçamos as condições de segurança da pista. Mesmo as Infraestruturas de Portugal ajudaram com obras de beneficiação do pavimento, pois uma grande parte do traçado está na alçada das Infraestruturas de Portugal. Outro momento alto para mim foi cumprir o sonho de menino de correr em Vila Real no Troféu Abarth.”
Curiosamente o momento mais tenso foi exatamente no primeiro Circuito, numa altura em que os carros estavam prestes a ir para a grelha: “No momento em que os carros do “WTCC” deveriam ir para a pista eu já estava na grelha de partida, a falar com jornalistas. Mas à hora prevista da entrada dos carros em pista nada aconteceu, o que me começou a deixar muito preocupado. A informação que tínhamos é que estava tudo bem e não sabia o porquê de os carros não entrarem na pista. Ninguém atendia o telefone nessa altura e eu ia mantendo a compostura, sem saber o que estava a acontecer. Depois fiquei a saber que a chicane de Mateus teve de ser alterada à última hora, depois de várias queixas dos pilotos. O responsável da FIA apresentou a alteração à última hora. Imagina a minha preocupação quando estava a contar que tudo arrancasse a horas e afinal nada estava a acontecer.”
O momento mais baixo desta caminhada foi o cancelamento das corridas devido à pandemia:
“O momento mais difícil desta caminhada foi ter de cancelar as provas de 2020 e 2021 por causa da pandemia. Especialmente em 2020 porque nesse ano tivemos uma nova oportunidade a surgir. Infelizmente não conseguimos concretizar essa oportunidade por sermos um circuito urbano. São as vantagens e desvantagens desse facto. Poderíamos ter sido os primeiros a receber uma prova de alto gabarito. Tínhamos tudo preparado para que acontecesse, mas tal acabou por não se concretizar. “
O presidente do Município teve a oportunidade de poder sentir a emoção de percorrer o traçado transmontano num carro de competição. Rui Santos admitiu que a adrenalina tomou conta de si:
“Em pista, temos um sentimento misto, de gosto, de adrenalina, mas depois olhamos e pensamos se não estamos a arriscar demais. Eu não estava ali para ganhar a prova. Na segunda, fiquei em sétimo, que foi o melhor resultado que tive. Mas dei por mim a arriscar travar um metro mais tarde, aproximar-me mais dos rails mesmo sabendo que não estava ali para ganhar nada. Com isso acabei por dar um toque na curva do Boque e tocar num rail. Racionalmente não fazia sentido arriscar tanto, mas a adrenalina, o gosto e a paixão pelas corridas leva-nos a ultrapassar o que achamos que são os nossos limites.”
Rui Santos não pretende ficar com os louros de toda a organização, preferindo realçar o trabalho da grande equipa que ajuda nesta organização. Mas o presidente do Município admitiu que este é um dos momentos mais marcantes do Circuito:
“Gosto de ser realista e tenho consciência de que a época de ouro do Circuito de Vila Real é esta. Tivemos cá grandes pilotos, mas eram convidados. Receber um campeonato do mundo FIA, visto por milhões de pessoas em todo o mundo é o grande momento alto do Circuito, até agora. Mas isso não se deve apenas a mim, deve-se a um conjunto grande de pessoas que dão muito de si para que esta prova seja uma realidade.”
Por fim, o presidente da Câmara deixou uma mensagem aos Vilarealenses:
“A mensagem que quero deixar é a seguinte. Há quem goste muito de corridas, há quem não goste. Mas há algo transversal a todas essas pessoas. As corridas são uma marca identitária, fazem parte do nosso ADN. É um evento muito importante para a projeção de Vila Real, do Norte, do Douro e do País. Àqueles que gostam de corridas, o meu agradecimento e o meu pedido que nos continuem a ajudar a fazer destas corridas um evento maior e melhor. Àqueles que não gostam, mas que compreendem esta realidade, que tenham paciência e que nos ajudem também.”