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Uma voz na Saúde

AO LONGO DESTES QUARENTA ANOS, OS PORTUGUESES HABITUARAM-SE A CONFIAR NO SNS PORQUE CONFIAM NOS SEUS PROFISSIONAIS, SENDO TESTEMUNHAS DA SUA DEDICAÇÃO, PROFISSIONALISMO E CONSTANTE ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO. CONFIAR É ACREDITAR. O SNS CONTINUA VIVO PORQUE HÁ QUEM TEIME EM NÃO DESISTIR. DO PONTO DE VISTA DOS CUIDADOS PRESTADOS PELOS PROFISSIONAIS, DA EVOLUÇÃO TÉCNICA DA QUALIDADE E DA INOVAÇÃO TERAPÊUTICA, OS CUIDADOS MELHORARAM.

Autor: Ana Rita Cavaco, Bastonária da Ordem dos Enfermeiros

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Os portugueses podem ter confiança nos seus profissionais de saúde. É pela sua dedicação, voluntarismo e boa vontade que ainda não colapsou um dos pilares da nossa Democracia. Os doentes sabem que são os profissionais que mantêm o SNS vivo e essa confiança traduz-se numa enorme responsabilidade para todos os agentes.

Não há cuidados de saúde sem uma acção multidisciplinar de todos os profissionais do sector. Enganase redondamente quem acredita que pode correr em pista própria, focado nas suas reivindicações, direitos e exigências. Em 2016, as ordens profissionais do sector da Saúde uniram-se para apresentar ao Presidente da República um Plano de Emergência. Quatro anos depois, continuamos presos aos mesmos debates, aos mesmos diagnósticos e aos mesmos obstáculos que não nos permitem avançar. É preciso desbloquear este processo.

Na discussão sobre o Orçamento do Estado para 2020 voltámos a ter mais do mesmo. Promessas de mais financiamento, mas incapacidade para enfrentar um dos problemas crónicos do SNS: a desmotivação crescente dos profissionais e, por consequência, o êxodo para o sector privado e para o estrangeiro. De pouco vale anunciar a contratação de profissionais sem assegurar-lhes condições para que possam cumprir a sua missão. Que ninguém se iluda, quem entra hoje vai sair já amanhã. Aos salários indignos juntam-se a desorganização dos serviços, a falta de visão dos conselhos de administração, a burocratização dos cuidados e agora a crescente violência dos utentes contra os profissionais de saúde. Continuamos a falhar redondamente quando não investimos nas pessoas e somos incapazes de lhes acrescentar qualidade de vida profissional e pessoal.

A este cenário soma-se o problema das remunerações dos profissionais de saúde. Os enfermeiros portugueses são dos mais mal pagos da OCDE e não param de perder poder de compra. Um enfermeiro com 2 ou 20 anos de serviço leva para casa 980 euros líquidos. Não há dignidade profissional sem uma remuneração justa. O estado da Saúde em Portugal está intimamente relacionado com a forma como os profissionais são tratados pelo poder político e pelas administrações hospitalares. Escrevo sobre os enfermeiros, mas consciente das justas reivindicações de outros profissionais do sector, igualmente cansados e desmotivados.

No actual contexto de destruição do património histórico e social do SNS, o País precisa que as ordens profissionais do sector da saúde sejam, hoje mais do que nunca, o garante da segurança e qualidade dos serviços prestados, assim como da dignidade dos seus profissionais. É tempo de agirmos em conjunto e de sermos capazes de, uma vez por todas, falarmos a uma só voz. A história política do SNS está repleta de desejos de pactos prometidos, pactos envergonhados ou falhados. Acredito que estamos de acordo em relação ao essencial. É preciso mais investimento e mais rigor na gestão. É preciso mais valorização do mérito e menos compadrio. É preciso mais acção e menos política.

Perante o cenário que temos pela frente, é imperioso reforçar os laços entre os profissionais do sector da saúde. Se somos capazes de ser eficazes em contexto profissional, temos de transpor essa eficácia para a dimensão política. O SNS só ganhará se, ao diagnóstico conhecido, formos capazes de acrescentar planos de resolução comuns. É isso que o país espera de nós. •

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