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Para que serve o Farmacêutico?

SERÁ QUE A GRANDE MAIORIA DE COMUNS CIDADÃOS TEM UMA NOÇÃO DA IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO ATÉ NECESSITAR DELE? PAULO GONÇALVES DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESCLEROSE MÚLTIPLA EXPLICA O PAPEL CRUCIAL QUE OS FARMACÊUTICOS TÊM DESEMPENHADO NO ATUAL CONTEXTO DE PANDEMIA.

Autor: Paulo Gonçalves, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla

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Para quem não conhece quem escreve estas linhas, sou pessoa com doença crónica (PcDC), incapacitante e incurável. Com o devido controlo clínico, alimentação regrada, e exercício físico e cognitivo pode-se viver com qualidade umas quantas décadas.

A razão porque coloco a questão como título não é apenas para ter a sua atenção. Será que a grande maioria de comuns cidadãos tem uma noção da importância do farmacêutico até necessitar dele? Pois, é como Deus, está lá, mas só se recorre à oração quando se está aflito.

No último ano tive a oportunidade de conhecer muito melhor a profissão que vai muito para além do tradicional “dr. da farmácia” que, mais ou menos, conhecemos.

Expressões como Farmacêutico Comunitário, Hospitalar, de Ambulatório, de Consulta, Militar, Nuclear, de Investigação, Veterinário ou até o de Internet (medo, medo!!!) tornaram-se próximas, mas será que a grande maioria dos cidadãos conhece? PORQUE É QUE O FARMACÊUTICO É IMPORTANTE?

Porque é o profissional que tem a obrigação de saber ou conhecer onde procurar informação sobre os vários medicamentos que os cidadãos

1 A farmácia de rua ou de bairro

tomam, as interações entre eles, o aconselhamento sobre dosagens, os alertas sobre reações adversas, recomendações sobre alterações. Claro, em articulação com a equipa clínica. E NO CONTEXTO QUE ATRAVESSAMOS?

O período que atravessamos exacerbou uma parte considerável de muitos problemas do Serviço Nacional de Saúde. Apesar da reconhecida qualidade e dos excelentes profissionais que estruturam os pilares do SNS, nesta fase deixou alguns doentes esquecidos.

Quando fomos obrigados a confinar e refugiar-nos em casa, apercebemonos de que não poderíamos ir ao hospital buscar a medicação crónica. Os farmacêuticos colideraram, com a sua Ordem Profissional à cabeça, e em estreita parceria com um grupo alargado de Associações de Doentes crónicos (AD), dando corpo a um projeto de charneira com entrega de medicação de dispensa exclusiva hospitalar a PcDC, através de Farmácias Comunitárias ou de Oficina1 , dando cumprimento a despachos do Ministério da Saúde, para entrega

em proximidade. Alguns hospitais decidiram entregar diretamente em casa dos pacientes, outros entregaram nestas farmácias, promovendo a continuidade do acompanhamento a milhares de pacientes. Para muitos, esta foi uma novidade, para muitos outros, o prosseguir de algo a que a realidade já os tinha habituado.

CORREU TUDO NA PERFEIÇÃO?

Não. Existiram algumas situações a corrigir. Entre elas estão: i) a garantia de privacidade e confidencialidade do paciente, obrigatória por Lei; ii) o registo eletrónico de pedidos, entregas e avaliação do serviço por parte dos pacientes; iii) a integração desta informação, incluindo receitas eletrónicas para todos, no registo global do paciente.

PORQUÊ PROJETO DE CHARNEIRA?

Porque há mais de uma década que os PcDC reclamam uma mudança. Um estudo realizado pela Roche, GfK e Ordem dos Médicos, em agosto, e tornado público sobre o tema, demonstrou que mais de 83% ficaram satisfeitos ou muito satisfeitos com a entrega dos medicamentos na farmácia e 76% consideram que devem continuar após a pandemia. Os que não o quiserem, podem manter a ida ao hospital. Ora, à semelhança deste, as evidências também demonstradas em estudos anteriores como o do CEFAR clarificaram: é mais eficiente e mais barato para o país e, por consequência, para os impostos, desde que garantidas as condições clínicas e de segurança, ter um modelo de entrega da medicação crónica a pacientes com a doença em situação controlada ou estável, de acordo com a sua opção. As vantagens são enormes e mensuráveis. Vão desde a redução de faltas ou ausências ao trabalho, a redução de custos para as famílias, o aumento da produtividade, a redução de stress familiar, a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, o impacto positivo no ambiente, o impacto positivo nas contas da Segurança Social, o impacto positivo nos hospitais, e melhoria na eficiência dos hospitais e na saúde pública. A medicação em proximidade destapou outro dilema que se mantém com os Pacientes com Doença Crónica que têm de se deslocar ao Hospital de Referência para medicação em hospital-de-dia. Esta é preparada pelo farmacêutico ou enfermeiro hospitalar e administrada por este último. Esta será a próxima etapa das AD porque é mais uma situação que perdura há décadas. Há diferença entre um farmacêutico hospitalar em Lisboa ou Porto, Bragança ou Évora? Por que razão há pacientes que fazem mensalmente dezenas e mesmo centenas de quilómetros para ter o tratamento adequado no Hospital de Referência? Não seria mais eficiente que a medicação fosse enviada para o hospital mais próximo do paciente? Se reside na Guarda, porque tem de ir a Coimbra? Se reside em Albufeira, tem de ir a Lisboa? Porque não a capacitação entre pares? Farmacêuticos e enfermeiros serem capacitados e acompanhados através de ferramentas digitais permitiria o aumento da satisfação destes profissionais em hospitais no interior e, claro, a diminuição de custos às famílias e aumento da qualidade de vida.

As razões são as mesmas: o farmacêutico de proximidade, seja hospitalar, seja comunitário, é o que melhor conhece e pode aconselhar e acompanhar o paciente. Esta é uma vontade expressa, nos últimos meses, por várias Associações de Doentes que defendem a inclusão no Modelo de Cuidados de Saúde Primários da figura de Farmacêutico de Família. •

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