Hist贸rias de D. Gabirinha
Jacqueline Marina de Freitas
Hist贸rias de D. Gabirinha
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CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ F963h Freitas, Jacqueline Marina de, 1967Histórias de D. Gabirinha / Jacqueline Marina de Freitas. - 1. ed. Salto, SP : Schoba, 2013. 60 p. ; 21 cm ISBN 978-85-8013-267-0 1. Ficção brasileira. I. Título. 13-01895 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
A todos aqueles que me fizeram conhecer e entender o amor.
Aos meus filhos, amigos e pessoas distantes que se fizeram perto pelo carinho, apoio e amizade representados pelas palavras e ações.
Me fizeram entender que o amor não exige perfeição, mas veracidade; não exige disciplina, mas inocência. Que, muitas vezes, aparece em momentos difíceis até para os olhos enxergarem e de forma inesperada e sem pedir licença. Mas se mostra acolhedor, amigo, sincero e de um conforto e apoio inigualáveis.
Emfim, a todos que fizeram o amor presente em minha vida e floresceram minha alegria de caminhar. Iluminaram meus caminhos e dos meus filhos. Meu muito obrigado.
Sumário
introdução. ...................................................................................... 9
i. o início das histórias................................................................... 13 ii. o menino que tocava piano........................................................ 19 iii. a princesa de cristal. ................................................................. 23 iv. a bicicleta................................................................................... 27 v. o duende travesso...................................................................... 31 vi. a casinha da árvore. ................................................................. 37 vii. a mordida da abelha. ............................................................... 41 viii. o bicho geográfico. ................................................................. 45 ix. o milagre de nossa senhora aparecida.................................... 47 x. véspera de natal. ........................................................................ 51 xi. a festa natalina e a entrega dos presentes. ............................ 57
Introdução
D.
Gabirinha era uma senhora idosa de 73 anos. Sábia como ninguém, ela era trabalhadora, e muito. Apesar de sua idade, sessenta e oito anos, só descansava na hora de dormir. Costumava dizer que “mente ociosa, era oficina do diabo” e sempre procurava fazer algo de útil. Caracterizava-se por ser uma pessoa de cor morena, baixinha, de cabelos curtos e grisalhos. Usava óculos e andava sempre com uma bolsinha de pano, tipo embornal, debaixo dos braços. Nascida em Pernambuco, contava que tinha vindo de lá para cá por causa da seca. Não suportava mais ver o sofrimento das pessoas e dos animais naquela terra seca e improdutiva, devido à falta de água. Aqui era feliz. Minas Gerais, para ela, era sinônimo de fartura. Sempre dizia que o mineiro não sabia o valor de sua terra, pois aqui se tinha tudo que se precisasse. A terra era fértil, produtiva para diversas frutas e legumes. Só 11
passava fome quem tinha preguiça para plantar. D. Gabirinha trabalhava a maior parte do dia como bordadeira. Vendia seus bordados para um viajante, que passava uma vez por mês para recolher o que ela tinha feito, e acertar o valor. Era Sr. Josué, senhor religioso e honesto. Gostava dos bordados de D. Gabirinha. Falava que os vendia bem, a preços interessantes, economicamente. Ele dizia que eram feitos com muito amor, assim a energia era boa. Eram fáceis de vender, e o ajudavam a obter lucros maiores. Ele mencionava que tinha sorte com os bordados dela. Josué gostava de D. Gabirinha, de conversar com ela. Sempre que podia, em dias mais tranquilos, parava e começavam a conversar. Assim, passavam-se horas e nem percebiam. Quando Josué dava por conta, já tinha quase passado o dia. Não reclamava, porque quando ia lá, na casa dela, sabia que tinha que ter tempo para ouvir seus casos. Eram histórias reais da vida dela, histórias de adulto, e também tempo para comer suas guloseimas. Quando não bordava, D. Gabirinha cuidava de limpar a casa e cuidar de sua horta que mantinha no quintal. Eram cerca de 9m² plantados com alface, couve, cebolinha da horta, sálvia e outras. Cuidava com todo carinho, como se fosse parte de sua vida mesmo. 12
Tinha amor mesmo em tudo que fazia. As plantinhas até brilhavam, de tão verdes e bem cuidadas. Utilizava as plantinhas para consumo próprio e as vendia para os vizinhos a preços módicos também. Inúmeros vizinhos compravam, por saber que eram verduras bem tratadas e, assim, sem risco de agrotóxicos. D. Gabirinha ficava feliz, pois era uma ajuda no orçamento. Aos domingos, ia à missa das sete horas da manhã, na Igreja Matriz da pracinha do bairro. Sentava no banco da frente e acompanhava a missa de alma aberta. Ela sentia cada momento dentro de seu coração. “Vivia” a missa. E era feliz assim. D. Gabirinha não sabia o que era viajar. Não tinha condições financeiras. Ia e vinha ano e ela sempre ali. Mas, era feliz assim. Falava que se sentia bem ao saber que possuía um teto e algo para comer todo os dias. Não precisava de luxo, não. Precisava ter tranquilidade e paz. E isto ela já tinha. A única coisa que ela não gostava era que crianças jogassem bola na frente de sua casa. A rua em que morava não tinha calçamento, e o correr da bola com o chute dos meninos, provocavam a subida da poeira. Além disso, era muito barulho originado pela gritaria das crianças. Assim, para evitar desavenças com vizinhas e “baixarias ”, como ela chamava as discussões na 13
porta de sua casa, D. Gabirinha contava histórias. Era uma forma de evitar aborrecimentos e de se distrair, porque era sozinha e não tinha com quem conversar. À frente de sua casa, ela colocava um banco de madeira velho, com capacidade para assentar em torno de três pessoas, e começava a contar suas histórias. À medida que contava, várias crianças paravam a sua porta e começavam a ouvir. Ela contava as histórias sempre no final da tarde. E assim, várias crianças vindas da escola também paravam, sentavam ao chão mesmo e começavam a ouvir. As mães já tinham acostumado com o atraso das crianças. Ficaram de longe observando a frente da casa confirmando a presença dos filhos, retornando ao trabalho de casa, geralmente o término do jantar. Assim, era vida dela. De conto em conto, ela sentia a emoção de viver ali perto das crianças, naquela vila. Não tinha filhos, morava sozinha, mas sentia em cada uma daquelas crianças a alegria de ter amor, que a ajudava a viver e a curtir cada dia, como se fosse dádiva de Deus. Pois sentia que, ao contar as histórias e ver a alegria estampada no rosto das crianças, fazia parte do universo e, consequentemente, era feliz.
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I O início das histórias
H
avia pouco tempo que D. Gabirinha morava ali e já percebia que alguns meninos se aproximavam e começavam a jogar futebol próximo da sua casa. Um, dois, três e, quando se dava conta, já eram mais de seis garotos. A poeira subiu, porque a estrada era de terra, ainda sem calçamento mesmo e sem delimitações de passeios. Além da poeira, o barulho começou a incomodar e, certa vez, pela janela da casa, ela pediu que parassem, porque a idade dela não permitia suportar a magnitude do ruído vindo da gritaria dos meninos. Ouviu o som de alguns reclamando, dizendo que o melhor lugar para jogar era ali, onde tinham mais espaço e a bola poderia rolar à vontade. D. Gabirinha, incomodada, e muito, com a reação 15
dos garotos, e percebendo que não adiantava reclamar, resolveu ir para fora da casa e colocar um banquinho, no qual pretendia sentar e dialogar com aquelas crianças. Sabia que uma guerrilha não traria benefício para nenhuma das partes. E não queria mudar dali. Era a casinha que conseguira comprar. E, apesar do pouco tempo, já a amava como algo precioso. Quando as crianças observaram que ela tinha colocado um banco à frente da casa e sentara, pararam o futebol e um deles, provavelmente o mais velho, expressou: – Dona, a bola vai acertar na senhora. Não pode ficar aí. – Quero conversar com vocês todos, parem o futebol um pouco, por favor. Sentem-se aí e me ouçam – respondeu D. Gabirinha. Ao perceber que todos estavam sentados, ela começou a contar sua história: – Vim de uma cidade muito longínqua. Uma cidade onde as pessoas sofrem muito com a seca. Eu vivi a maior parte da minha vida lá. Vi animais morrerem, sofrendo por falta de água, vi pessoas adoecendo e sem médicos e recursos disponíveis para salvá-las. Lá conheci as tristezas, conheci o sofrimento. Naquela terra só conseguem sobreviver aqueles que nasceram lá e que, por motivos específicos, ainda têm esperança de uma 16
mudança. São pessoas “fortes”, de raça, pessoas de fé. E continuou: – Vocês vivem no paraíso aqui. Nem se compara à situação da cidade em que vivi. Vim morar aqui em busca de uma esperança de vida melhor, porque minha idade já não permite mais muita luta. E olhar aquela terra seca, e aquele povo pedindo por chuva já me agoniava o peito. Portanto, quero alegria aqui perto de mim. E quero todos vocês como meus amiguinhos e parceiros. Busco uma luz de Deus, do que fazer para preencher o vazio da minha vida. E talvez este confronto hoje com vocês, por causa do futebol tenha sido uma resposta pra mim. D. Gabirinha deu uma pausa e continuou: – Não aguento, na minha idade, o barulho que voces fazem jogando futebol aqui, em frente de minha casa. Queria pedir para voces pararem com este jogo aqui, e aceitarem que eu conte histórias pra voces, no mesmo horário. As crianças se entreolharam e ficaram esperando que alguém falasse alguma coisa. Até que um deles se manifestou: – Olha, tem um campinho de futebol próximo daqui, mas nossas mães só permitem que joguemos lá, se algum adulto vigiar, porque elas têm receio de proble17
mas com outras pessoas, ou que um de nós desapareça. O motivo é que perto de lá tem um bar e, de vez em quando, bêbados e homens estranhos aparecem por lá. Se a senhora nos acompanhar no horário que formos jogar, aí sim, fazemos o acordo. Ouviremos suas histórias neste horário e combinaremos com a senhora outro horário para jogarmos bola no campinho. Avisaremos nossa mãe e elas permitirão. Quando elas vierem conversar, a senhora explica tudo. – Combinado – concordou D. Gabirinha. Os garotos sorriram, olhando um para o outro, porque para eles o campinho era maior e em melhores condições para jogarem bola. Poderiam até arranjar mais amigos e aumentar o numero de jogadores no time. Também não possuíam muitos recursos para viajar, e gostaram do fato de D. Gabirinha mencionar sobre uma cidade longe e diferente da deles. Estavam curiosos. – Como a senhora chegou até aqui, vindo de tão longe? – perguntou um dos garotos. – Escolhi esta cidade devido a uma foto que vi em uma revista. Escolhi Diamantina por ser uma cidade muito bonita. A foto que vi eram de umas casas antigas, de madeira, pintadas de azul. Vi mosaicos e achei muito bonito tudo aquilo. Peguei um ônibus na rodoviária 18
e vim até Belo horizonte. Foram três dias de viagem. Depois, cheguei aqui. E hoje estou feliz ao lado de vocês – respondeu D. Gabirinha sorrindo e observando sorrisos de retorno. E continuou: – Então, ótimo. Estamos combinados e vocês vão falar com a mãe de vocês hoje. Amanhã, combinem comigo o horário de irem ao campo. Tudo bem? Os garotos responderam que tudo bem e foram embora, levando a bola junto.
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II O menino que tocava piano
S
urgiu um novo dia e lá estavam as crianças presentes para ouvirem a história do dia. D. Gabirinha, com um sorriso alegre, sentou-se e começou: – Esta história que vou contar hoje para vocês é muito interessante. E prosseguiu: “Eu tinha um vizinho lá em Pernambuco, onde eu morava, que tinha sido pescador e ele contava que certa vez viajou com um amigo em um cruzeiro. O amigo tinha acertado com ele. Era mês de janeiro e fazia frio na ilha por onde passavam. Segundo ele, a ilha pertencia à região da Toscana. Dizia ele que o navio tinha em torno de 2.500 pessoas a bordo e era muito sofisticado. Após a refeição, ele resolveu passear e conhecer mais daquele navio. Já fazia três dias que estava ali e não 21
o tinha percorrido completamente. Ao andar pelos corredores dos quartos, ouviu uma melodia. O som vinha de uma porta aberta. Não era bem um quarto, parecia uma sala onde as pessoas poderiam ouvir músicas e relaxar durante a viagem. Ele entrou na sala vagarosamente e visualizou um garoto de oito anos que tocava piano. O piano era em madeira antiga, coisa preciosa naquele tempo. Encostou à porta e, admirado com a habilidade do menino, passou a ouvir o som daquela melodia com atenção. Parecia que havia saído de si. Perdeu a noção do tempo, do lugar e da razão de esta ali. Parecia que era magia. Em poucos minutos, sentiu-se flutuando. E parecia que o passado de sua vida começou a voltar em sua mente, como se revivesse momentos importantes e felizes que vivera tempos atrás. Não tinha noção do tempo que tinha passado até que a música parou. Mas, para meu amigo era como se tivesse ficado ali, por muito tempo. Além disso, sentia-se diferente. Então, aproximou-se do garoto e perguntou: – Quem é você e que melodia é esta? Com quem a aprendeu? O garoto explicou que ele era filho adotivo do marinheiro daquele navio. Chamava-se Gabriel. Seu pai tinha falecido num acidente de barco durante uma tempestade. Respirou fundo e contou: 22
– Meu pai estava comigo em um barco de pesca, junto com mais dois amigos. Estávamos viajando para irmos morar em outro lugar, porque onde estávamos os peixes eram escassos. Minha mãe já tinha falecido, era só eu e ele. Após poucas horas de viagem, veio uma tempestade muito forte. Meu pai colocou em mim o único colete salva vidas do barco. E, para nos distrair, pegou uma caixinha de música que minha mãe tinha dado a ele. Ele levantou a parte de cima da caixinha, então um menino em um piano surgiu e esta melodia começou a tocar. Ouvindo aquela melodia percebi que meu pai sabia que ia morrer e quis me deixar essa melodia como lembrança. Parecia que até a tempestade respeitava a melodia, porque o barco não virou até ela terminar de tocar. Parecia um momento mágico. Todos ouviam como se não houvesse nem tempestade, nem medo. Foi questão de minutos. Após a melodia acabar, o barco virou. Meu pai e os companheiros acabaram batendo os corpos nos pedaços do barco e faleceram. Haviam desmaiado e engoliram muita água. Eu fiquei desesperado. Não sabia o que fazer. Só gritava pelo meu pai. Mas em pouco tempo, a tempestade acalmou . Percebi que não havia mais ninguém vivo ali, só eu. Fiquei em cima de um pedaço do barco até o momento em que outro barco passou perto e o almirante me 23