Limamo
Um Her贸i Brasileiro
Jo茫o Abdalla Neto
Limamo
Um Her贸i Brasileiro
Copyright © João Abdalla Neto Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ A116L Abdalla Neto, João Limamo : um herói brasileiro / João Abdalla Neto. - 1. ed. - Salto, SP : Schoba, 2013. 400 p. : il. ; 21 cm ISBN 978-85-8013-220-5 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-0148. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 08.01.13 10.01.13
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Ao casal Orlando e Leonor por ter me permitido conformar em letras mais uma de suas aventuras; À minha família pelo incentive; Ao prof. Kafougouna Konate pelo apoio em Timbuktu e contribuições nos textos árabes e africanos; A La Comunidad Webislam e Fundação da Biblioteca Nacional pelos conhecimentos e documentos me passados; e, sobretudo, às senhoritas Tamara Helena R. Cestari e Helena Abdalla Ribeiro, sempre atentas às inevitáveis imperfeições de linguagem. João Abdalla Neto
Prefรกcio
Nulus liberis erit, si quis amare volet – provérbio latino Foi de muito aprendizado para mim a repercussão do livro Aysha, a Dama do Rio. Controvérsias e observações a sobejo. Julgo que os questionamentos relativos à veracidade dos fatos históricos foram solucionados, tendo em vista os documentos apresentados, e estudos realizados por grandes historiadores internacionais, que mostraram aos incrédulos, ou leitores mais atentos, que a história real não se apaga com a queima ou a eliminação dos escritos; sempre sobra algo e, esse algo ilumina as mentes abertas. Espero que tenha ficado evidente que o acesso ao conhecimento não se dá apenas por meio de registros sobreviventes, e muitos dos leitores entenderam isto e confessaram que agora integram o universo daqueles que sabem que a energia impregnada pelos fatos perdura eternamente no meio próximo. E o melhor é que essa energia absorvida é identificada por
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aqueles que já conseguem acessar esses “registros” do passado – mesmo que remoto. Parece que minhas fontes possuem essa capacidade e, por imantação, nem quero discernir por que, confiaram neste “escrevinhador” para embeber essas verdades no papel. O presente livro também seguiu esse caminho não usual e, como o anterior, bateu espontaneamente em ondas à minha porta. E, também, neste caso, utilizei o meu amigo João Abdalla Neto para materializar os fatos neste resumido livro, que espero alcance os leitores com conhecimentos úteis, não apenas com a surpresa pelo inusitado da obra. Confesso que foi difícil convencer o escriba a consignar no papel algumas informações, esquecidas pelos historiadores, a exemplo dos “escravos de origem chinesa” que em algum momento da história conviveram com Limamo. A ideia de escrever este livro surgiu durante e logo após o meu retorno de Timbuktu e não se concretizou na época, já que, e agora eu entendo, não estava pronto para ver o navio à minha frente. Eu não o enxergaria, e somente com a imagem constante de Aysha refletida no espelho é que o inusitado se materializou, e eu corporifiquei a coragem para transmitir esta história que denominei Limamo – Um Herói Brasileiro. Para aqueles que já compreenderam que o todo é igual ao uno, corporificamos a trajetória do personagem Maumar para a sua fase de Pacífico, de Pacífico para Maumar, de Maumar para Limamo, de Limamo para Ahuatan e quiçá na sublime e doce esperança de Fernando, de novo o seu retorno para Limamo – o El Iman Africano. Orlando Servidei Falconi
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CapĂtulo i
A Mensagem Confesso que o mar me assombra; mais que isto, me assusta ver aquele vaivém das ondas, engolindo nesgas de areia, encobrindo a praia e, como se repelidas, voltar ao seio da água mãe. E se essa maré não voltasse, pergunto no meu devaneio, e continuasse o seu trajeto indefinido, conquistando primeiro a praia, nadando sobre os anteparos rochosos, cobrindo as matas vizinhas, avançando... avançando... cobrindo as casas... as montanhas... Sumindo com as estradas e trilhas marginais... Afogando as casas. Salgando o deserto... Assustando a humanidade e, quiçá, extinguindo-a... lenta e lentamente por completo? É isso que me assombra ao fitar ao longe o horizonte já magnetizado e, em parte, já recoberto pelas águas marinhas. E, nesse torpor, assisto à luta ingente dos morros, repelindo herculeamente as ondas que os golpeiam e, que exaustas se retiram, para mais uma vez teimosas voltarem com o mesmo fragor e 15
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com o mesmo desígnio secular, para serem repelidas. Mas essas catapultas marinhas não se cansam... persistem... não desistem. Voltam... voltam e voltam. Se fôssemos definir paciência em busca de um objetivo, que imagem senão esta, de ondas golpeando as fímbrias do terreno sólido? Um dia essas marés vencerão? Dia após dia, em minha espera forçada nesta bela praia africana, assisti a essa batalha interminável. À noitinha, cansado, me retiro e, a pouca energia que eu emprestava aos defensores, cessa; e o mar avança um pouco mais. Outros precisam me substituir nessa defesa, nesse horário tardio, não podemos deixar que esses defensores de nossa vida lutem sozinhos contra esses conquistadores líquidos da natureza sólida. E, todos os dias, ao voltar meus olhos para a imensidão hídrica, vejo com temor as ondas batendo sobre os rochedos, estilhaçando-os, gerando minúsculos e invisíveis fragmentos, espargindo milhares de gotas acima deles, quais milhares de olhos buscando espreitar os próximos desafios à frente. E algumas gotas escorrem sobre os rochedos e se infiltram em vazios dos terrenos ainda não conquistados. O exército de ondas recua, mas essas infiltradas ficam, buscando brechas e falhas defensivas e se infiltram. Cada vez mais. Dali jamais sairão, sem que se trave uma extenuante batalha. Sorrateiras, mergulham nessas fendas, protegem-se do sol que as vaporizam, e vão traçando sulcos, fendas, túneis e solapando areias. Desconfio que as abracem, umedeçam-nas e, melífluas, as conquistem, pobres areias sofridas e por caminhos subterrâneos, as levem até a água mãe, que as esconderão nos profundos abissais. E, cada vez mais, nosso espaço vital diminui, e a natureza se liquefaz gradativamente. Parece-me que uma das estratégias da 16
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água mãe é o de alcançar os filhos pródigos, já dessalinizados, transformando-os em rios e lagos para que estes se mesclem de novo ao seio materno salgado, e liquidifiquem o mundo como conhecemos. Ao acordar, Maumar recordou desse seu sonho. Pelo menos de parte dele. Que mensagem seria aquela? Sua formação mística e religiosa o impelia a dar real importância aos sonhos. Debatê -los e, sobretudo, entendê-los; mas isso era privilégio de poucos. Ele era um desses. Quantas vezes, no passado, tinha extraído dos sonhos lições importantes sobre si mesmo? Quantas vezes esses sonhos foram premonições, precognitivos de algo a suceder? E, durante noites seguidas, o mesmo sonho o assaltava e, debalde seu cérebro, procurou explicações sobre esse vaivém de águas conquistadoras. Três dias depois, ao se levantar, ele percebeu que algo se acrescentara em seu sonho, o mar se invertia no derradeiro segundo de seu sonho. Se nos sonhos anteriores as ondas inicialmente vinham do ocidente, em seu epílogo elas provinham do oriente. Que significado teria isto? O sonho não lhe saía do pensamento naquela manhã, enquanto se aprontava para realizar, como homem de fé, o seu primeiro ato litúrgico como El Imam (sacerdote islâmico) de um casamento. No calendário cristão, como saberia mais tarde, corria o ano de 1821 e, em seu calendário islâmico, era o ano de 1236, denunciando sua rápida evolução como sacerdote, pois Maumar mal completara 20 anos de vida. Seus pais, fiéis seguidores da fé de Muhammad, tinham emigrado quinze anos antes de Beit Amare, na Tigrínia (hoje parte da Eritreia) para Timbuktu, onde o matricularam na concorrida Universidade Islâmica, para que recebesse naquela ainda famosa cidade subsaariana os preciosos conhecimentos que distinguiam aquela população arabizada dos demais povos africanos. 17
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E Maumar fizera por merecer esse esforço de seus pais, e logo se distinguiu dos demais colegas, pelo afinco e dedicação aos estudos naquele sagrado templo do saber. Já aos 16 anos, sob o auspício daquela universidade, participou, por intercâmbio, de estudos na famosa Universidade do Cairo, à época reputada como uma das mais avançadas escolas da filosofia sufi. Aos 18 anos de idade, em seu retorno a Timbuktu, logo foi convidado para ser Muallin (mestre) de turmas iniciantes. Um ano depois receberia, pelos seus conhecimentos teológicos, a incumbência de ser El Imam de uma pequena mesquita, em um vilarejo malê, perto de Timbuktu. Toda essa trajetória de vida dedicada ao estudo foi lembrada por ele, enquanto se preparava para exercer, como sacerdote, o seu primeiro cerimonial de união de dois seres e, sobretudo, de dois clãs: um da casa (Beit) dos Tumasheq e outro dos Beit Fulanis. E, para sua maior alegria, o noivo era um seu primo de aldeia. De certa forma, El Imam entendia que seu sonho estava ligado àquela pioneira cerimônia, mas não conseguia estabelecer qualquer relação consistente entre os fatos. Sua mente divagava nessas lembranças, enquanto terminava os preparativos necessários para a viagem até a aldeia fulani da noiva, muito distante de Timbuktu. Inicialmente ele, os parentes e amigos do noivo seguiriam via fluvial, após o que iriam de camelo até o seu destino, um vilarejo perto da importante cidade de Konakry. Mas não conseguiram chegar, e os grilhões fechados em seus tornozelos e nos de seus companheiros testemunhavam o triste destino que os esperavam. Assim era a reflexão de Maumar, um homem que nascera livre e que agora contemplava com terror o jugo das correntes que o sustinham. Adeus, África de sua infância! Adeus, Timbuktu! 18
Muro e escola milenar da cidade de Timbuktu.