A procura de chã dos esquecidos

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A Procura de Ch達 dos Esquecidos



Carmelo Ribeiro

A Procura de Ch達dosEsquecidos


Copyright © Carmelo Ribeiro Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editora Schoba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ R368p Ribeiro, Carmelo A procura de chã dos esquecidos / Carmelo Ribeiro. - Salto, SP : Schoba, 2013. 176 p. : 21 cm ISBN 978-85-8013-237-3 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-1164. CDD: 869.93 CDU: 869.134.3(81)-3 22.02.13 26.02.13

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Então o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao pé do cabrito, o touro e o leão comerão juntos, e um menino pequeno os conduzirá; a vaca e o urso se fraternizarão, suas crias repousarão juntas e o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará junto à toca da víbora, e o menino desmamado meterá a mão na caverna da áspide. Não se fará mal nem dano em todo o meu santo monte, porque a terra estará cheia de ciência do senhor, assim como as águas recobrem o fundo do mar. (Isaías 11.6-9)



Quem será digno de subir ao monte do senhor? Ou de permanecer no seu lugar santo? O que tem as mãos limpas e o coração puro, cujo espírito não busca as vaidades, nem perjura para enganar seu próximo. (Salmo 23.3,4).


Corria o ano da graรงa do Senhor de 1791 e havia fome na terra...


1791



Os Bem-aventurados Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra v贸s por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque ser谩 grande a vossa recompensa nos c茅us, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de v贸s. (Mateus 5.11)

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Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor José César de Menezes Capitão-General de Pernambuco e suas anexas Informo a Vossa Senhoria que é calamitoso o estado dos povos desta capitania, sobretudo devido à esterilidade que grassa por todos os termos, ribeiras e lugares desta jurisdição. Os caminhos encontram-se infestados de ladrões e roubadores e o povo simples dos sertões emigra para esta Cidade da Paraíba do Norte e seus arrabaldes, onde o efeito da seca se faz sentir com menos vigor. O grande acúmulo da população já começa a gerar turbulências das mais diversas e muita falta de víveres. A farinha de pau chega a ser vendida neste termo por quatro a seis mil réis o alqueire, e o arrátel de carne a trezentos réis. A maior parte dos produtores de farinha prefere vendê-la na praça de Pernambuco, onde alcança melhores preços, de modo que a que resta para esta capitania é custosa e estragada. Peço que utilize toda sua energia para que tal desinteligência não volte a ocorrer e não fique a Paraíba falta dos gêneros básicos de subsistência. E por que além das razões óbvias? Por que muitos homens juntos, famintos e sem nenhum tipo de ocupação produtiva vão criando um estado de tal anarquia,

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que apenas com o auxílio das três companhias da tropa paga dessa cidade fica difícil controlar os furtos, roubos e mesmo assassinatos que vêm ocorrendo neste termo, ainda mais pelo fato dos soldados serem de igual ou pior índole que os turbulentos e malfeitores que vão transformando os dias desta cidade em um lúgubre espetáculo das paixões humanas, notadamente as mais vergonhosas e daninhas, que a miséria em que se acham ao invés de dirimir, exalta e exacerba. Informo especialmente a Vossa Excelência sobre uma facção específica de facinorosos, violentos contra si e contra as leis de Deus e da Sagrada Religião Católica. Eles não se autodenominam por nome ou alcunha alguma, mas é fácil identificá-los por seu ar inequívoco de resignação e indisfarçada loucura. São gente da mais ínfima e abjeta plebe, caboclos de péssima índole, rafameia onde se misturam todas as cores desse continente do Brasil. São pardos, mulatos, curibocas, cabras, semibrancos e índios idiotizados pela fome, pelos licores espirituosos e pela pregação de um negro que entre outras sandices afirma compungido que encontrou o paraíso na terra e que assim ilude o povo com histórias bonitas que, se acalmam os ânimos, não enchem a barriga desses pobres infelizes. A essa corja vem ainda se juntando brancos e mesmo reinóis, que buscam nesse filho de 16


Caim a salvação prometida por Deus. Diante de tal calamidade não adianta nem mesmo a exortação de alguns padres bem intencionados, mesmo porque o vigário desta freguesia, por sua péssima índole e costumes, faz vistas grossas para esse profeta do gentio de África, que possui tal poder de convencimento que consegue seguidores mesmo falando em sua algaravia incompreensível. E o infame não é nem mesmo chamado por algum epíteto grandiloquente que imponha respeito. Não é chamado nem rei, nem profeta, nem mestre, nem mesmo irmão. É apenas Boaventura ou o negro Boaventura, e mesmo assim arrebanha a cada dia mais e mais prosélitos. Ouço rumores que o tal negro anda organizando algum tipo de marcha ou procissão para o dito lugar onde fica o paraíso e que, pelo que ouço dizer pelos que não se deixaram seduzir por esse lobo, pode ficar em qualquer distrito nos limites desta capitania com a de Pernambuco, no lugar que ele denomina de Brejo da Madre de Deus, entre o rio Paraíba e o rio dos três nomes, que acredito ser o rio Goiana, pois também é chamado pelos naturais da terra de Tracunhaém e Capibaribe Mirim. O tal negro acredita mesmo fazer essa marcha para o paraíso, de que já faz os preparativos, fiado no pouco dinheiro e pouco juízo de Afonso de 17


Vila Nova Portugal, falto de razão devido a doença da pequena Leocádia, a mesma moléstia que já levou há alguns anos a esposa do dito Afonso-sem-razão. Porém, embora o negro ultime os preparativos da marcha, alguns dos seus fanatizados seguidores não conseguem esperar tão certa felicidade e acabam por atentar contra a própria vida, o que leva a gente de bem deste termo a se deparar em tenras horas da manhã com algum cadáver e não raro dois ou três, que passam a servir de medonho ornamento às árvores da terra. Para pôr fim a esse tipo de desordem e malfeitoria, o que não pode continuar a ocorrer em terras de cristãos, pia, vassala e subordinada a nossa digníssima rainha D. Maria I, tão zelosa das coisas atinentes à Santa Igreja Católica, deliberei em pleno acordo com os capitães da tropa paga, Luís de Vasconcelos Feijó, Antônio da Costa Andrade e Joaquim Sampaio de Souza, bem como o capitão-mor da Milícia dos Homens Brancos, Tomé de Azevedo Bastos, e o capitão de ordenanças da Cidade da Paraíba e seu termo Manoel Henriques Albuquerque, todos homens probos, bravos, tementes a Deus e da minha inteira e inequívoca confiança, o plano de prender o referido negro Boaventura, quando este estiver afastado do resto da caterva de que é o cabeça. O objetivo é prendê-lo quando este se retirar para algum ermo, macega ou capoeira com o fim de rezar, 18


ou melhor, de fazer das suas azadas feitiçarias, como mais de um cristão me tem comunicado, o que costuma fazer nas primeiras horas da manhã e no fim da tarde. Porém é necessário se precaver, pois essa turba pode se tornar vingativa e violenta, quando perceber o sumiço do tal negro, sendo de fundamental importância a remoção do cafre para a fortaleza das Cinco pontas e depois para a ilha de Fernando, onde as privações da solidão, o peso da labuta e a distância dos seus sequazes hão de fazê-lo emendar-se ou estragar de vez o pouco, mal empregado e delirante juízo que lhe resta. Do que foi acima exposto, fica claro e bem entendido que o negro e sua malta são um mal, e que como tal precisam ser extirpados, para sossego dos povos; satisfação do rei, que não admite hereges e dissidentes em seus domínios; e para a glória de Deus soberano, Senhor e Cristo, único Salvador do mundo. Para alcançar este alto desígnio, estamos escolhendo os soldados que se encarregarão do serviço, infelizmente a maior parte não se empregaria em tal missão por princípio, mas sim por fidelidade a seu capitão (é a maior virtude que conseguem ter) ou por dinheiro, o que dificulta a escolha dos homens certos. Enquanto ultimamos os preparativos para a prisão do dito negro, esperamos a autorização e cooperação da sua leal pessoa, que sei não nos irá faltar em tão difícil e calamitosa 19


quadra. Informo ainda que excetuando a minha pessoa e dos cinco oficiais, somente sabe do plano o capelão da Igreja da Misericórdia, que há de nos assistir caso estejamos lidando com as artimanhas do maligno e pai da mentira e não com mais um negro enlouquecido com as justas agruras do cativeiro. Peço-lhe ainda o favor de me conseguir hospedagem nessa Cidade do Recife de Pernambuco, pois pretendo ausentar-me da Paraíba logo que o dito negro encontrar-se longe destas plagas e a ferros, pois tenho que temer pela minha vida e dos meus, uma vez que fiar-me na lealdade dos soldados da tropa paga desta praça seria sandice e rematada loucura. Se agisse assim, seria mais louco que o referido negro Boaventura, ainda mais quando percebo os olhares de mofa e de desprezo que a maioria da gente má deste termo a mim dedica. Por minhas cartas é sua conhecida a tenaz inimizade que essa gente me vota e o rancor e ódio que tem por mim essa triste figura de gente que é o escrivão da Fazenda Bento Bandeira de Melo e o seu dileto e não menos turbulento amigo o vigário da matriz Joaquim de Brito Baracho, que bem ao contrário do outro tem o dom não apenas da desfaçatez, leviandade e dissimulação, mas também o dom das palavras, que, ao saírem daquela boca pérfida, já fizeram tão mal à minha administração quanto às leis de Deus, a quem ele envergo20


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