Alfredo Bottone
RH Insights de um
E s t r at ĂŠ g i c o
Copyright © Alfredo Bottone Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Editor responsável: Thiago da Cruz Schoba Coordenadora editorial: Flávia Stringa Capa: Dóczy Comunicação e Design Diagramação: Francis Manolio Revisão: Fernanda Braga Simon E ditora S choba Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil CEP 13321-441 Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Bottone, Alfredo Insights de um RH estratégico / Alfredo Bottone. São Paulo: Schoba, 2012. 260 p. ISBN 978-85-8013-206-9 1. Recursos humanos 2. Liderança 3. Gestão de pessoas 4. Relações do trabalho 5. Performance e remuneração 6. Responsabilidade social I. Título CDU 658.3 12-0321 CDD 658.3 Índices para catálogo sistemático: 1. Gestão estratégica de recursos humanos - Liderança
Dedicatória Aos mestres que me ensinaram como vencer na Universidade da Vida, especialmente aos meus pais, que de algum lugar continuam no convívio comigo. À minha querida esposa, Tânia, que me transformou de um rascunho numa obra acabada, fazendo-me alguém melhor para ler e entender a vida. Durante a elaboração deste livro, em especial, Tânia foi uma fiel companheira e crítica para que eu pudesse melhorar substancialmente o propósito desta obra, com direcionamento e retoques de quem é determinada e assertiva em tudo o que faz À minha filha, Raffaella, que me motiva a querer sempre me renovar e mantém a minha esperança de um mundo melhor, já adotando ações de preservação do meio ambiente e em defesa dos animais. Ao meu enteado e amigo, Olívio, que, tal como a Raffaella, é uma referência para manter meu espírito sempre jovem e manter a crença numa geração que melhor preservará o nosso mundo material e espiritual.
Agradecimentos Uma vida só serve se puder ser compartilhada e servir para outras vidas. – Em O código da superação, de José Luiz Tejon
E
screver um livro não é tarefa fácil. Por isso, inicio esta obra cumprimentando a todos os que têm essa determinação. São necessárias centenas de horas para se ter um simples esboço. Creio que alguns possam até mesmo desistir no meio do caminho, principalmente na primeira obra. Cheguei até aqui graças a vários estímulos, notadamente pela perseverança e pelo apoio de minha esposa e de amigos que souberam me incentivar a transformar uma intenção em realidade e pela crença de que poderia vir a iluminar o caminho de alguns com insights do que absorvi durante minha caminhada. Vale a pena ter chegado a este momento. Não poderia ter vivido 48 anos de vida profissional e não compartilhar parte da experiência e aprendizagem com as novas gerações. Afinal, nossa missão aqui na Terra é aprender e transmitir o que assimilamos, não quebrando a corrente de evolução, e, ao contrário, contribuindo para o seu fortalecimento. Os que lerem esta obra, com certeza, irão criticá-la e daí aprimorar as ideias aqui colocadas. Assim, de geração em geração, ocorre a evolução contínua do que cada um de nós planta e cultiva por aqui. Esta obra é singela, mas há nela um pedaço de cada ser humano com quem tive oportunidade de conviver na vida profissional. Aprendi com muitas pessoas não só conteúdo técnico, mas postura, ética e sensibilidade necessárias para uma vida profissional bem-sucedida. Das equipes de trabalho que tive o prazer de coordenar, sempre absorvi o melhor, porque cada membro delas tinha o seu talento. Com os que me lideraram muito aprendi também, cada um com seu estilo. Durante toda a minha jornada, estive sempre atento para identificar o que poderia incorporar ao meu repertório. Pensei em não citar nomes, em razão do receio de me esquecer de mencionar todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram decisivamente no processo evolutivo de minha carreira, mas deixar de fazê-lo por completo
me impediria de prestar homenagem a pessoas que fizeram parte da minha trajetória e muito a enriqueceram. Assim, inicialmente, citarei algumas equipes especiais com que convivi num ambiente de muita troca e aprendizagem: Centro de Treinamento de Botucatu; Departamento de Recursos Humanos da CESP; Assessoria de Planejamento e Gestão da CESP; Diretoria de Recursos Humanos e Administração da Elektro; Diretoria de Recursos Humanos, Informática e Jurídica da Light; Vice-Presidência de Recursos Humanos da EDF; Diretoria de Recursos Humanos da Marfrig e Diretoria Estratégica de Recursos Humanos da CPFL. A todas essas equipes, meus agradecimentos e meu carinho com tudo que pude aprender com vocês. Um agradecimento especial ao: Augusto Luís Rodrigues pelo grande estímulo e apoio dado a esta obra, além de ter efetuado uma minuciosa revisão do texto de Responsabilidade Social; Benedito Donizeti Bonatto que fez uma detalhada revisão no texto sobre Gestão do Conhecimento; Edney Antonio Bruscagin Pin pela meticulosa revisão do texto sobre Remuneração e Benefícios; Gilles Gateau que revisou o texto sobre Responsabilidade Social como fator de fortalecimento da ética e do engajamento dos colaboradores, bem como elaborou o texto específico sobre a visão europeia sobre esse tema; Jose Antonio Alves de Abreu, pela revisão jurídica do capítulo de relações do trabalho; Rosa Maria D’Urso Hebling, pela revisão primeira de português da maior parte dos textos. Ao Prof. Hélio Zylberstajn pela amizade, ensinamentos e pela honra de ter o prefácio dele nesta obra. Agora, mencionarei alguns nomes de pessoas diferenciadas, por intermédio das quais homenageio as inúmeras outras, anônimas aqui, mas presentes individualmente no meu coração. São pessoas que foram protagonistas na minha vida, seja profissionalmente, seja pessoalmente. Muitas foram as lições aprendidas com esses seres humanos. A. Andrea Matarazzo, Antonio Augusto Lúcia, Antonio Luís Melo Morato, José Oswaldo Noronha Grassi, Mário Mortari, Sérgio José B. Junqueira Machado, Yann Deslochamps, Walter Paschoalick Catherino e Wilson Ferreira Jr.
Nota do Autor
A
o iniciar esta obra, a intenção era apenas compartilhar insights pessoais do que, a meu ver, é um RH estratégico. Aos poucos, contudo, comecei a empolgar-me com os temas e resolvi ir um pouco além. Não tenho, no entanto, a pretensão de teorizar sobre os temas, mas apenas compartilhar com o leitor minha vivência na área, evidenciando algumas questões que julgo importantes de serem consideradas no universo da gestão de Recursos Humanos. Esta obra é voltada notadamente para aqueles que tenham interesse em ingressar ou avançar numa carreira de RH e para aqueles que, independentemente da área, exercem função de gestor de pessoas, em qualquer nível, pois podem encontrar em alguns capítulos orientações úteis para a melhoria de algumas das competências a que nem sempre nos atentamos no dia a dia, na relação de trabalho. Para cada capítulo, será disponibilizada para o leitor uma apresentação em PowerPoint, o que facilitará e sumarizará o entendimento do conteúdo dos respectivos textos. Dúvidas, críticas e sugestões serão bem-vindas e poderão ser reportadas no meu site www.alfredobottone.com.br. Pretendo fazer deste livro uma obra interativa que permita a todos nós, profissionais de RH ou exercentes de cargo de gestão, um aprimoramento contínuo.
Sumário Prefácio.......................................................................................................9 Introdução...............................................................................................13
1. RH Estratégico....................................................................................21 2. Performance.........................................................................................49 3. Remuneração e benefícios...................................................................91 4. Política de consequência..................................................................113 5. Desenvolvimento e treinamento de pessoal....................................129 6. Liderança: os verdadeiros gestores de RH.....................................151 7. As relações de trabalho....................................................................169 8. Responsabilidade social....................................................................215 9. Ética....................................................................................................231 10. Saúde, segurança e qualidade de vida............................................237 11. Práticas de rh que fazem a diferença.............................................245
Referências.............................................................................................255
Prefácio Hélio Zylberstajn1
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uitas pessoas costumam perguntar: “O que é mais importante para o executivo dos Recursos Humanos: a teoria ou a prática?” Na verdade, a pergunta não faz muito sentido. Por um lado, uma teoria não servirá para nada se não puder ser comprovada no mundo real. Por outro lado, não vai muito longe uma prática que não se inspire em conceitos e modelos teóricos comprovados. Os dois lados serão importantes simultaneamente se conseguirem se alimentar mutuamente. Estes pensamentos me vieram à mente enquanto lia as provas deste texto. Alfredo Bottone pautou sua trajetória profissional nos dois lados da equação. Sempre estudou e leu muito e sempre fez pesquisas bibliográficas para encontrar os caminhos por onde levar sua prática de reconhecido profissional de RH e das Relações de Trabalho. Conheci Alfredo Bottone no final dos anos 1980 e tive o prazer de conviver profissionalmente com ele desde então, às vezes mais proximamente, às vezes a distância. A época em que nos conhecemos era de tempos difíceis, tempos de aprendizagem para todos nós que lidávamos com o conflito trabalhista no Brasil. As empresas enfrentavam o desafio do ajuste estrutural da economia brasileira, da transição da inflação e da indexação para a estabilidade de preços. Da privatização das empresas estatais e da dolorosa e tão necessária abertura da economia à competição internacional. Foram os tempos em que os sindicatos se tornaram uma voz e um ator na sociedade brasileira. Como o Bottone diz, as empresas não estavam preparadas para aquelas mudanças. O RH não tinha a compreensão do que ocorria, não tinha instrumentos, não tinha conceitos. Os executivos da área tiveram de aprender fazendo, vivenciando e sofrendo. Enfrentaram o desafio da descentralização das funções do RH, delegaram para os gestores, encararam a elevação do RH à dimensão estratégica e a consequen1. Professor Associado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - FEA/USP. Foi presidente e é um dos fundadores da Associação Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (IBRET). Faz parte de Conselhos da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Indústrias de São Paulo - Fiesp. Possui Doutorado em Relações Industriais pela Universidade de Wisconsin.
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te necessidade de alinhar suas práticas aos objetivos da organização. Foram os tempos de busca da competitividade, da qualidade, da eficiência, do resultado. Alfredo Bottone é desta época. Ele sofreu, vivenciou, estudou e cresceu, tornando-se um grande especialista e executivo da área. Evidentemente, se o autor me convidou para prefaciar seu livro, o leitor deve pôr um pé atrás ao ler o prefácio. Ele não convidaria algum desafeto ou alguém com quem não tivesse alguma afinidade. Sou suspeito, claro, porque não escondo minha admiração por Alfredo Bottone. Mas há diversas razões objetivas para admirar este livro. Entre elas, talvez a mais importante seja o fato de que o texto não faz concessões aos modismos. Bottone não tem receio de falar, por exemplo, em “Administração de Recursos Humanos” – como sempre se falou – em vez de usar “Gestão de Pessoas”, uma expressão mais afinada com os modismos atuais. Ao longo do texto, o autor expõe suas ideias com originalidade e conhecimento de causa. Por exemplo, expõe uma atitude positiva em relação aos sindicatos e ao conflito trabalhista. Para ele, empresa e sindicato não são inimigos, mas atores com interesses divergentes em algumas questões e com possibilidade de convergência em outras. Foi um dos primeiros a perceber que a empresa teria de reconhecer seus empregados como cidadãos, com direito a voz, a opinião e a tratamento digno, e assim teria de abandonar o autoritarismo e o paternalismo típicos das nossas relações trabalhistas. O autor já praticava estes conceitos nos longínquos anos iniciais da “Nova República”, como ficou conhecido o período pós-regime militar. Em seu texto, o autor nos diz que a CLT atrofiou a negociação coletiva, coisa, aliás, que todos dizem e sabem. Mas ele vai além do senso comum e nos diz que, ao atrofiar a negociação coletiva, a CLT atrofiou a própria função do RH nas empresas, reduzindo-a à dimensão estritamente operacional. O texto mostra que o RH não pode se limitar apenas às funções clássicas de recrutar, selecionar, motivar, reter, remunerar, desenvolver. O RH tem de cuidar também das relações trabalhistas e sindicais, praticando o diálogo com o cidadão-trabalhador e com seus representantes. Sua postura se opõe à visão de que o RH deve competir com o sindicato, deve preencher espaços para que o sindicato não os ocupe. Ao contrário, o texto reconhece o papel e o espaço da representação dos interesses coletivos dos trabalhadores, que a empresa não deve eliminar. Expressando uma ideia muito arrojada, o autor considera a empresa como um agente de mudanças. Com essa ideia, coloca-se em frontal oposição à visão marxista, segundo a qual apenas o trabalho seria o lado transformador da
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sociedade. Para ele, não são apenas os trabalhadores que podem transformar, pois vê também na empresa a capacidade de promover mudanças. E como chegou a essa conclusão e como se materializaria essa capacidade? A resposta do autor é muito direta: por meio da prática da responsabilidade social. Bottone relata sua participação na experiência fascinante da elaboração do acordo global da EDF sobre a Responsabilidade Social da empresa. Foi um processo de negociação coletiva internacional, o que o coloca na linha de frente e na fronteira das funções do RH. Se não é um pioneiro entre os brasileiros, é um dos primeiros a alcançar esse tipo de experiência que tenderá a crescer e se expandir no futuro, não somente no conteúdo da negociação, mas também no alcance dos resultados. Bottone fala sobre a importância do RH para a organização, tema recorrente entre os autores, mas consegue se diferenciar quando explica, muito à sua maneira, por que o RH faz a diferença. Por exemplo, é o RH que compatibiliza os interesses dos diferentes públicos dentro da organização e ajuda a equilibrar o pêndulo entre capital e trabalho. O RH é importante porque traz a dimensão da sensibilidade à relação de trabalho. Porque participa da comunicação, trazendo com competência e profissionalismo as boas e as más notícias. Ajuda a cuidar do pequeno problema e ao mesmo tempo está sintonizado com a inovação e conectado ao mundo, buscando o benchmarking. A importância do RH também deriva da sua capacidade de ser criativo, inovador e de participar da liderança da organização. Enfim, Bottone nos mostra que o RH precisa participar e contribuir para as escolhas estratégicas da empresa. O autor não foge de temas difíceis, abordando-os com muita originalidade, inclusive dando-lhes nomes diferentes, como, por exemplo, a “Carreira N”, ou o “Absenteísmo psicológico”. Trata de assuntos sérios de maneira leve, objetiva e direta, apresentando sua visão e sugerindo caminhos e condutas. Nos títulos dos capítulos, o leitor vai encontrar assuntos frequentes nos manuais: Desempenho, Desenvolvimento e Treinamento, Remuneração e Recompensa, Liderança, e assim por diante. Mas a abordagem do texto é sempre original, tem a marca do autor, reflete quatro décadas de experiência e aprendizado. Além dos temas frequentes, o autor aborda assuntos surpreendentes, como, por exemplo, métodos alternativos de solução de conflitos, saúde e segurança e qualidade de vida, responsabilidade social e ética, os quais são igualmente considerados como estratégicos para a organização e como tal devem ser contemplados pelo RH. O livro termina com o capítulo “Práticas de RH que fazem a diferença”, um conjunto de ideias e sugestões recheadas de bom senso.
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Este livro não é teórico. Foi escrito para dividir a experiência do autor com seus colegas gestores de RH e das relações de trabalho. Mas também não é apenas prático, não é um conjunto de dicas. É resultado de dois processos: acumulação de conhecimento que a vivência ofereceu ao autor e reflexão sobre essa experiência e vivência. Sua publicação é um ato generoso por meio do qual Alfredo Bottone divide com seus leitores o precioso conhecimento acumulado em uma carreira de sucesso, marcada pela combinação da sua reflexão e do seu trabalho.
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Introdução
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nome Recursos Humanos (RH) é relativamente novo. Inicialmente, quando surgiu, no começo do século XX, teve o nome de Relações Industriais. O surgimento de uma área com este nome dentro das empresas veio com a Revolução Industrial. Concentrando-se em centenas ou milhares num mesmo ambiente, os trabalhadores começaram a perceber que, juntos, tinham uma força imensa, começando a se organizar para suas reivindicações. As empresas, até então despreparadas para esse movimento, começaram a se estruturar para esse novo momento. A área de Relações Industriais surgiu dessa necessidade, tentando ser um ponto de equilíbrio das expectativas entre as partes (capital e trabalho). Era ainda um embrião do RH de hoje, mas já então se percebeu que era preciso uma iniciativa dessa natureza para dar conta das demandas do momento. Vimos, contudo, essa iniciativa ser aperfeiçoada ao longo do tempo. No Brasil, por exemplo, o regime getulista2 cerceou a liberdade da livre negociação e da solução do conflito entre o capital e trabalho, chamando para o Estado essa função de tutelar os direitos do trabalhador. A CLT, cópia quase fiel da Carta Del Lavoro da Itália, foi uma trava na evolução das relações de trabalho e, por consequência, do avanço da própria área de RH, que acabou se estagnando num mesmo modelo. Em consequência, o RH acabou assumindo muitas atividades operacionais e quase nada de estratégico, não chegando a ter um papel destacado nas estruturas organizacionais das empresas. Passada a era de Getúlio Vargas, empregados e empresas, não preparados para uma relação de trabalho mais fluida, conviveram com a continuidade da CLT, mesmo no regime democrático. Trabalhadores e empresários criticavam a CLT, mas, no fundo, ambos os lados gostavam do conforto que ela trazia. Afinal, ela previa quase tudo o que deveria ser feito e, no caso de conflito, existia a então Junta de Conciliação e Julgamento para pôr paz nos conflitos.
2. A Era Vargas é o nome que se dá ao período em que Getúlio Vargas governou o Brasil por quinze anos ininterruptos (de 1930 a 1945). Essa época foi um divisor de águas na história brasileira, por causa das inúmeras alterações que Vargas fez no país, tanto sociais quanto econômicas (Wikipédia).
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Muitas turbulências surgiram na década de 1950, até início da década de 1960, quando o governo não mais conseguia controlar os movimentos operários. Muitos acordos eram feitos para dar fim aos conflitos, e novamente as empresas se valeram das áreas de Relações Industriais para negociar as reivindicações dos empregados e procurar formas de retomar a produção. Veio a revolução de 1964. Novo período de estagnação, com a intervenção nos sindicatos e nas iniciativas, silenciando qualquer movimento de trabalhadores. Com isso, veio a década do milagre econômico; porém, o cenário político, incluindo-se as relações de trabalho, sofreu um retrocesso. O Estado ditava a regra, mediante qualquer ameaça. Mais leis e decretos surgiram para regular as relações de trabalho. Nas empresas, diante de tal momento político, prevalecia um modelo também de autoritarismo. O trabalhador não tinha espaço para se manifestar e, até inconscientemente, algumas empresas viam o empregado como alguém para produzir e cumprir ordens, e não para pensar, criar. Pagamos depois por isso, porque não avançamos tudo o que poderíamos. Vieram então as áreas de administração de pessoal, mais burocracia – o negócio do RH era apenas fazer recrutamento, seleção, cuidar da folha de pagamento e de treinamentos; era dada uma grande ênfase ao operacional. A década de 1980 começou com uma desobediência de muitos sindicatos ao regime duro em vigor. Muitas empresas foram pegas de surpresa e não estavam preparadas para essa reação. Tiveram de se reinventar rapidamente; muitas ainda buscaram na força policial a proteção contra os chamados “subversivos”. A grande massa trabalhadora lutou sem trégua e resolveu mostrar que era elemento essencial para produzir riqueza. Os empresários mais sensíveis perceberam isso, negociaram e fizeram algumas concessões. Esses empresários não foram mais sensíveis só por abrir diálogo e buscar um equilíbrio entre o que os trabalhadores reivindicavam e o que eles, empresários, podiam conceder. Acabaram reestruturando a área de Relações Industriais, e assim começaram a surgir as chamadas áreas de Recursos Humanos. A partir da metade da década de 1980, com a abertura democrática, esse movimento ganhou maior impulso e as empresas passaram a ter áreas específicas para esse novo momento. Era preciso que na empresa alguém tivesse dedicação para cuidar das relações com as entidades sindicais. Em outubro de 1984, fui convidado a assumir a gerência trabalhista da empresa onde trabalhava, CESP (Companhia Energética de São Paulo), com o desafio de criar, dentro dessa área, um núcleo para cuidar das relações sindi-
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cais. Esta foi para mim uma rica experiência nesse segmento. Não tinha clareza, naquele momento, de qual seria o verdadeiro desafio. Era tudo novo. Poucos anos mais tarde, depois de enfrentar três movimentos grevistas, deu para perceber que havia muito a aprender. Considero ter cursado um verdadeiro MBA in company, vivenciando uma enorme pressão, mas, em contrapartida, havendo muita oportunidade de aprendizado diante dos desafios enfrentados naquela época, porque, em cada um desses movimentos, era preciso um trabalho de análise do problema e da conjuntura para entender o que levava os trabalhadores a se mobilizarem daquela maneira e por que não tínhamos logrado êxito em evitar tais paralisações. Alguns anos depois, conversando com um dos colegas sindicalistas, concluímos que havia erro de parte a parte. Sempre mantive um bom relacionamento com os sindicatos e seus representantes; nunca os considerei adversários, mas players importantes e agentes de mudança cuja agenda deve ser ouvida e considerada. Tivemos de treinar nossas chefias para o momento novo de transformação de nosso país em uma democracia. Nossas chefias, que viveram anos e anos em regime autoritário, estavam, em grande parte, reproduzindo ainda os padrões do comando fundamentado na crença de que o respeito à hierarquia era essencial. Ainda havia o resquício da máxima do passado “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Com o decorrer do tempo, os gestores passaram a perceber a necessidade do diálogo e da escuta ativa. Essa nova postura se fazia premente cada vez mais. O departamento de Recursos Humanos teve a missão de treinar os novos gestores de RH (chefias de todos os níveis, principalmente os intermediários). O RH, então, percebeu que havia um grande desafio para a mudança cultural das lideranças. Era a possibilidade de o RH ser percebido como muito mais importante. A abertura do mercado internacional, com menos barreiras protecionistas, exigiu que as empresas cada vez mais buscassem grandes avanços na qualidade e na produtividade. Isso só era possível com o foco em tecnologias, processos e pessoas. Nasceu a necessidade de um alinhamento do RH à estratégia da empresa. Era preciso mais para atender aos resultados esperados pelo acionista, para alcançar os resultados e as soluções para os problemas nas relações de trabalho exigidos pela direção e para orientar as gerências para que se posicionassem de forma segura na sua relação com os colaboradores. Os empregados demandavam mais também nesse momento. Demandavam, sobretudo, que alguém cuidasse de seus anseios com mais compromisso e diligência. O RH passou a ter esse desafio estratégico de harmonizar as relações, equilibrar os
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interesses atendendo às demandas. Além da atuação estratégica nas relações de trabalho, o acionista passou a exigir mais do RH. Agora o RH deveria estar estrategicamente integrado nos negócios da empresa, focando em auxiliar as áreas no aumento da produtividade, na definição e no controle das metas dos gestores, participando na revisão dos processos, enfim, um RH alinhado e integrador dos vários agentes para o alcance do objetivo: resultado. À medida que a percepção do acionista é a de que o RH pode efetivamente agregar valor ao negócio e, portanto, ao seu capital investido, essa percepção é estendida aos dirigentes e, consequentemente, aos gestores. Estabelecem-se com isso grandes parcerias de sucesso, através das quais o RH auxilia as lideranças da empresa a alcançarem, cada qual, seus objetivos, aportando recursos e instrumentos que permitam não apenas transmitir sua mensagem, como também aferir o atingimento dos seus objetivos. Em contrapartida, nesse ambiente, o empregado reconhece a importância do RH e passa a respeitá-lo. Junto ao empregado, o RH também passou a demonstrar que dá mais atenção a suas necessidades e viabiliza melhores condições de vida para ele e indiretamente para sua família. O RH passou a “escutá-lo”, dar-lhe mais perspectiva de carreira, mais espaço para aprender. O empregado passou a ter expectativa de ser tratado como cidadão, muito além de simplesmente receber um crachá com número – ele quer ser tratado pelo nome, com respeito à sua privacidade, à diversidade, e não ser apenas um número ou objeto de assédio moral. O RH entra nesse contexto com nova percepção e tenta convergir essas expectativas com a dos gestores desses empregados, dirigentes e acionistas. Hoje, o RH acaba indo além das fronteiras da empresa. Ao cuidar do tema de responsabilidade social, no âmbito interno e externo, faz com que o empregado se integre nas iniciativas de solidariedade ao próximo e às comunidades onde a empresa atua, sensibiliza-o para a necessidade de empreender iniciativas sustentáveis que, dentre outras, visem à proteção ao meio ambiente. O empregado hoje deve ter a percepção de que a empresa é um agente de mudanças e que ele acaba sendo o representante também dessa função da empresa junto à sociedade. O RH deve fazer da empresa hoje um ambiente de aprendizagem. Sem isso, não atrairá novos colaboradores com sede de aprender e progredir. Dizem que hoje empregado não tem mais vínculos fortes com a empresa, não é fiel e troca de emprego facilmente. É hora de refletir se, quando isso acon-
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tece, há algo que o RH possa fazer, algo que possa reavaliar em suas práticas a fim de entender se há problemas em relação às expectativas dos empregados. Chegamos ao auge? Não, porque as empresas têm de continuamente perseguir a evolução tecnológica e sempre refletir e aperfeiçoar sua forma de gestão. O RH deve assumir a dianteira desses desafios. Não há tempo para parar e se acomodar, mesmo porque há uma grande diferença entre os muitos RHs existentes. Quem está na frente terá de continuar se descobrindo, se reinventando. Quem ainda não parou para refletir deve fazê-lo e tentar reinventar-se. A função estratégica do RH é reconhecida atualmente pela maioria das empresas. A área de RH não se subordina mais a áreas administrativas, adquiriu “maioridade”, maioridade esta conquistada por assumir profundamente a responsabilidade de selecionar, recrutar, treinar, gerir, desenvolver, enfim, cuidar com dedicação e seriedade dos “recursos humanos”, que, no fundo, são os mais valiosos “ativos” de uma empresa. Com isso, o RH soube ocupar o seu espaço estratégico junto à administração superior da empresa. A área de Recursos Humanos vive o seu melhor momento desde a sua criação. Felizmente, por ter dedicado 48 anos de trabalho, posso testemunhar essa realidade. Após ter passado por vários estágios dessa evolução histórica do RH, da área de Relações Industriais, Departamento de Pessoal, Administração de Recursos Humanos e, finalmente, Recursos Humanos Estratégicos, fica aqui o gosto do sucesso de poder perceber que hoje as corporações percebem o quanto esta área é importante na busca do alcance dos objetivos empresariais. Apesar das variações de evolução desse pensamento e approach, em uma empresa e outra, percebe-se que todos buscam hoje um RH que cada vez mais atue de forma estratégica na empresa, delegando a outras áreas administrativas ou tecnológicas, ou mesmo a terceiros, as atividades que não agregam resultado efetivo para os negócios. O objetivo primordial hoje é “cuidar de pessoas”, sem paternalismo ou assistencialismo, mas por meio de ações estratégicas que conciliem os interesses das partes envolvidas: acionistas, direção, gerentes e empregados. Este livro, dentro do cenário atual de Recursos Humanos, não tem a pretensão de exaurir todas as atividades e ferramentas que o RH tem a oferecer e implementar numa empresa. O objetivo é abordar os principais temas estratégicos de RH, com insights que permitam ao leitor refletir e ter uma referência para, se desejar, ajustar o que julgar pertinente na empresa de atuação. Abordaremos cada tema primeiro de forma geral, depois dando algumas variações que podem inspirar para utilização nas empresas e, em seguida, ofereceremos imputs que visam a incentivar a criatividade de quem queira ousar e
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buscar aplicar uma ou outra iniciativa, testar políticas, comitês etc., sem esgotar, no entanto, qualquer um dos assuntos. Discutimos sobre o que parece ser uma tendência quanto às expectativas do acionista, da direção da empresa, dos líderes e dos empregados para cada assunto, lembrando que será sempre recomendável que o RH reflita que cada política deve levar em conta todos esses agentes e, muitas vezes, o respectivo reflexo nas comunidades onde a empresa atua, na sociedade e junto ao poder público. Abordaremos, como primeiro capítulo, o papel estratégico de RH, em alguns títulos. Depois, trataremos da performance com suas nuances. Depois, falaremos de remuneração, não apenas da convencional, mas trataremos das formas de remuneração variável, as opções de aplicação dela a curto e longo prazo, a remuneração e a retenção de pessoal, incluindo-se ainda discussão sobre benefícios. Sobre Desenvolvimento e Treinamento de pessoal, trataremos do ambiente de aprendizagem que deve ser desenvolvido na empresa e como devemos assegurar o retorno dos recursos investidos nesta área, otimizando a gestão do conhecimento. Quais os diferenciais que a empresa deve apresentar para ter elevado padrão de performance, desenvolvendo, dentre outras, as ações de treinamento como plataforma para atingimento deste objetivo. Abordaremos as múltiplas formas de implementação de treinamento, discutiremos sobre o conceito de universidade corporativa, a interação empresa-escola e outros. No capítulo de Relações do Trabalho, trataremos inicialmente das questões legais das quais todo profissional de RH e todo gestor precisam estar cientes. Em seguida, abordaremos as Relações de Trabalho construídas, além das leis, através das políticas de RH, das negociações coletivas, das relações institucionais, dos valores e códigos de conduta. Nesse capítulo, trataremos das alternativas extrajudiciais para solução de conflitos individuais ou coletivos. Uma importante contribuição também é trazida ao livro por um grande especialista que atua na área de Direito do Trabalho nos Estados Unidos, num dos maiores escritórios especializados da área trabalhista do país, na qual se aborda mais especificamente o tema arbitragem e seus aspectos. Nesse capítulo, revelamos ainda por que entendemos que o Brasil deve buscar evoluir para a implementação dessa solução como alternativa de dissolução de conflitos. Dedicamos um capítulo também para tratar de segurança, saúde e qualidade de vida. Associamos segurança à qualidade em tudo o que se faz na empresa. A saúde é tratada como interesse das partes e item bastante estratégico para a empresa. Atualmente, fala-se muito em qualidade de vida, em equilíbrio
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da vida profissional e trabalho e, considerando este um importante aspecto da vida na empresa, também tratamos de abordá-lo neste capítulo. Não poderia deixar de tratar da questão da responsabilidade social. Um tema que recebeu a contribuição de um grande especialista francês no assunto, Gilles Gateau, Diretor da EDF (Electricité de France), que assumiu em maio de 2012 o cargo Diretor de Gabinete do ministro do Trabalho da França com o qual tive a honra de compartilhar, durante um ano de árduo trabalho, a negociação coletiva em âmbito internacional de um acordo mundial de responsabilidade social, envolvendo todas as empresas do Grupo EDF no mundo e os respectivos sindicatos representativos dos trabalhadores. Por fim, outros temas de relevância serão tratados dentro dos tópicos já enumerados anteriormente e alguns outros em capítulos específicos, tais como: motivação, clima organizacional, produtividade, cultura organizacional e estímulo à inovação. Caro leitor, talvez não encontre aqui algo que você tinha expectativa de encontrar. Temos, contudo, um canal direto através do qual almejamos manter um diálogo contínuo sobre os temas relativos às matérias. Como já observado anteriormente, não temos a pretensão de exaurir o tema RH estratégico nesta obra, mas de apenas iniciar o debate sobre os temas comuns à maioria desses órgãos hoje na vida empresarial.
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1. RH Estratégico
1. A importância do RH na empresa 2. Comunicação: Boas e más notícias 3. RH sensível 4. RH globalizado 5. O RH liderando o processo de transformação nas organizações 6. O que é ser um RH estratégico
1. A importância do RH na empresa O modo pelo qual seus funcionários se sentem é o modo pelo qual os seus clientes irão se sentir. Karl Albrecht
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nfelizmente, muitas empresas ainda simplificam o RH à função de administração de pessoal, envolvendo apenas admissão, demissão, folha de pagamento e outras rotinas de pessoal. As organizações contemporâneas têm cada vez mais percebido que o RH é tão estratégico como qualquer outra área que tenha assento na direção maior da empresa. Na Revolução Industrial, deu-se ênfase ao processo produtivo em massa, valorizando as áreas responsáveis por tecnologia que favorecessem a eficiência com menos recursos humanos. O trabalhador foi considerado apenas como peça da engrenagem da indústria. Era pago para trabalhar mecanicamente, e não para trabalhar pensando, criticando ou participando efetivamente do processo produtivo. Os movimentos trabalhistas que se sucederam à Revolução Industrial fizeram o mundo perceber que o recurso humano na cadeia produtiva tinha muito valor. A classe operária, consciente da sua força, mobilizou-se para mudar o precário estado com que ela era tratada. Todo o processo de transformação das relações de trabalho acabou por refletir-se na evolução da relação capital e trabalho no âmbito da empresa, pois os desafios enfrentados acabaram por exigir melhor preparo das empresas para lidar com esse novo cenário do capital humano. Não bastava ter áreas altamente especializadas em negócios, tecnologia, logística, administração. Alguém deveria ser especializado em “gente”. Eis que surge então a área de Recursos Humanos (RH), com a visão estratégica, com políticas de atração e retenção de mão de obra, treinamento contínuo e outros. Muitos estudiosos se dedicaram a melhor entender o comportamento hu-
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mano no trabalho, citando-se como exemplo: pirâmide de Maslow3, teoria X4 e Y5, diversos estudos em Hawthorne, Harvard e outras Universidades, várias teorias de liderança etc. O fato é que os profissionais de RH tiveram de estudar as complexas relações do trabalho. Como conciliar os interesses do capital e do agente produtor daquele através de seu trabalho? Quem continuou achando que a força e a imposição de disciplina rígida no trabalho, autoritarismo, garantiriam o sucesso da empresa fracassou. A empresa que valoriza as pessoas, considerando-as o principal ativo da mesma, por certo tem um RH atuante e alinhado às tendências de gestão contemporânea. O RH deve “encantar” as pessoas da empresa e criar um ambiente de integração, cooperação e engajamento para que os objetivos da empresa sejam alcançados pelo desejo das pessoas de se sentirem parte dela e de construí-la como uma empresa vencedora. O RH não pode ser uma ilha, alienando-se do continente. Deve conhecer o negócio, participar das decisões estratégicas e estimular para que a empresa seja um ambiente de aprendizagem contínua. Um RH será importante se for uma referência na empresa em que atua, tiver credibilidade por mostrar consistência adotando as melhores práticas com relação às pessoas, abrindo as portas para as demais áreas da empresa, tal como convidar um par de outra área para substituição nas férias, engajando-se em programas interdisciplinares, estimulando a inovação, monitorando periódica e consistentemente a performance dos gestores, trabalhando preventivamente em questões de possível conflito nas relações de trabalho, influenciando na tomada de decisões estratégicas da companhia etc. O RH deve, sim, interessar-se por agregar valor à empresa. O seu planejamento estratégico deve conter metas que sejam suporte ao negócio. Deve ser o 3. Teoria da motivação de Maslow: As necessidades humanas estão organizadas e dispostas em níveis, numa hierarquia de importância e de influência, em cuja base estão as necessidades mais baixas (necessidades fisiológicas ou básicas) e, no topo, as necessidades mais elevadas (as necessidades de autorrealização). Segundo ele, o ser humano escala 5 níveis, para atender às necessidades, na seguinte ordem: básicas ou fisiológicas, segurança, sociais ou de associação, status ou autoestima e autorrealização. 4. Teoria X: Fundamenta-se na crença de que o homem é preguiçoso, portanto precisa ser dirigido, comandado. A Administração Científica de Taylor, a Clássica de Fayol e a Burocrática de Weber baseavam-se nessa convicção. Baseia-se em processo de recompensa (remuneração) e punição. Exige uma gestão autoritária. 5. Teoria Y: A concepção é no sentido oposto ao da Teoria X, ou seja, o trabalho era algo natural para o homem, como qualquer outra atividade. As pessoas têm motivação para o trabalho, são criativas e assumem responsabilidade. O estilo de gestão é democrático. Há mais delegação, mais espaço para participar das decisões.
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