Linhadotua livro x2

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A extensão da linha do Tua a Bragança

4.4. O ASSENTAMENTO DA LINHA Hugo Silveira Pereira293

João Lopes da Cruz não tinha prática nem conhecimentos técnicos para levar a cabo uma obra como um caminho-de-ferro, pelo que necessitava de um engenheiro praticado. A escolha recaiu sobre Manuel Francisco da Costa Serrão, um técnico formado na escola do exército. Com 48 anos de idade e 22 anos de experiência (topografia, estudos ferroviários, hidráulica, direcção de obras públicas) em Portugal e nas colónias, Costa Serrão era uma enorme mais-valia para o empreendimento294. Iniciou os seus trabalhos na linha ainda antes do trespasse da concessão e da assinatura do contrato de empreitada. Em 11 de Maio de 1903, deslocou-se aos Cortiços para proceder aos trabalhos preliminares de reconhecimento do terreno295. Depois das primeiras inspecções, Costa Serrão chegou à conclusão de que o projecto original do governo podia “ser classificado de construção bastante difficil e dispendiosa”, podendo e devendo ser melhorado, até porque o custo quilométrico sobre o qual seria calculada a garantia de juro era inferior ao custo do projecto original (de 1888). Por outro lado, os preços da mão-de-obra e dos materiais eram muito mais elevados do que os de 1888. Para o engenheiro, ficava “bem á evidencia demonstrada a necessida293

Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa).

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Arquivo histórico do ministério das obras públicas. Processo individual de Manuel Francisco da Costa Serrão. Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça s/n (8). Gazeta de Bragança, 23.3.1903, n.º 566. O Nordeste, 12.11.1902, n.º 805. GALVÃO, 1929. GALVÃO, 1940.

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CRUZ, 1906: 5.

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de impreterivel de procurar, por meio de variantes ao projecto, a reducção do custo d’algumas partes da obra”296. Figura 109 – Manuel Francisco da Costa Serrão297

Deste modo, nos meses seguintes, Costa Serrão esforçou-se por rectificar a directriz da via-férrea na secção entre Mirandela e o Romeu, para suprimir obras de arte e conseguir um projecto mais fácil, barato e rápido de construir. Na época, o técnico estimava que a obra estaria pronta em 30 meses, bem dentro do prazo imposto no contrato, portanto298. No âmbito destes estudos, João da Cruz procurou vender ramais ferroviários que servissem as vastas propriedades de Clemente Menéres. Em 22 de Dezembro de 1903, redigiu e enviou a minuta de um contrato onde se comprometia “a construir todos os desvios de caminho-de-ferro, de que durante a construção deste, o primeiro outorgante venha a obter da Companhia Nacional de Caminho de Ferro a concessão para serventia das suas propriedades”. O empreiteiro aceitava ainda construir cada desvio “pelo preço total que resultar de se aplicar ao respectivo projecto a (…) série de preços que é a do custo restrito, ou sem lucros, dos trabalhos da empreitada que o segundo outorgante está executando”. Na mesma missiva foi enviado o projecto para a construção de um ramal de 200 m de extensão entre a via-férrea e a fábrica de cortiça dos Menéres (junto à estação de Mirandela). João da Cruz informava Menéres que “está prompto o projecto de desvio do caminho-de-ferro para serventia da sua fábrica do qual, aqui incluso, remeto o orçamento [1,5 contos], por enquanto apenas aproximado, visto não poder ser ainda conhecido o preço d’alguns materiaes, e ser dependente o custo definitivo d’alguns trabalhos da qualidade do terreno que se encontrar ao ser executada a obra”299. 296

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, proc. 46. Variante ao primeiro lanço da primeira secção do caminho de ferro de Mirandela a Bragança.

297

Arquivo histórico do ministério das obras públicas. Processos individuais. Manuel Francisco da Costa Serrão.

298

Gazeta de Bragança, 14.6.1903, n.º 578. O Nordeste, 27.5.1903, n.º 833.

299

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz. Agradeço especialmente ao Dr.

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Contudo, os dois empresários não chegaram a acordo. Menéres antevia dificuldades da parte da Companhia Nacional a esta iniciativa, exigia a construção de várias vedações e passagens de nível e queria que Cruz se responsabilizasse pelos danos provocados pelas faúlhas das locomotivas nos seus arvoredos. Por fim, discordava também de uma cláusula, pela qual o empreiteiro pretendia ser pago por um lameiro seu por um preço equivalente ao da expropriação de uma propriedade de Meneres. Em carta de 29 de Dezembro de 1903, este entendia que “V. Ex.ª dá uma interpretação errada ao valor de uma cortinha cheia de vinha em bardos na sua maior pujança, tendo pomar, etc., que pretende equiparar ao valor do lameiro de sua propriedade (…). Nesta persuasão resolvi desistir, não só do desvio da linha para a fábrica de cortiça em Mirandela, como de quaisquer outros nas minhas propriedades no Quadraçal”300. Figura 110 – Clemente Menéres entre dois sobreiros (1908)301

A partir daqui, a relação entre os dois homens azedou. Na resposta à carta anterior (datada de 7 de Janeiro de 1904), Cruz argumentava “que era aquela proposta absolutamente leal e desinteressada” e expunha a sua indignação perante a atitude de Clemente Menéres: “depois das facilidades, da franqueza e da bizarria que V. Ex.ª me deu sobejas provas, eu não ficaria satisfeito comigo mesmo Albano Viseu o acesso à transcrição da correspondência mantida entre João Lopes da Cruz, Costa Serrão e a Sociedade Menéres. 300

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

301

VISEU, 2013: 52.

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se não lhe provasse que sei corresponder condignamente a estes favores”302. As negociações seriam, porém, retomadas, mas novamente em vão. Clemente Menéres oferecia 2 contos pela construção de três desvios ferroviários (em Mirandela e no Quadraçal). Em carta de 12 de Fevereiro de 1904, Costa Serrão considerava o preço “em absoluto, inaceitável (…), por isso que, custando o de Mirandela quantia muito aproximada de 1:500$000, segundo orçamento por mim cuidadosamente organizado, resta para os dois no Quadraçal apenas a quantia de 500$000 réis que nem chega para a parte metálica”303. Entretanto, o engenheiro prosseguia com os estudos de novas variantes, tendo conseguido, na secção entre Mirandela e Cortiços, suprimir seis túneis, reduzir o movimento de terras em 500 mil m3 e eliminar quase por completo os muros de espera e de suporte. A contrapartida era o aumento da extensão da linha em cerca de 2 km. De qualquer modo, a poupança atingida era na ordem dos 20 contos e segundo o engenheiro, a nova directriz proporcionaria “um rendimento proprio muito superior áquelle que teria, seguindo o projecto do governo; ao mesmo tempo que satisfará muito melhor do que este ás conveniencias do publico”304. Na secção seguinte, de Cortiços a Sendas, Serrão eliminou obras de arte importantes, anulou muros de espera e atenuou o movimento de terras, numa economia de mais de 400 contos305. As alterações foram uma excelente notícia para João Lopes da Cruz. Segundo o próprio, “foram estes resultados tão satisfatorios e a boa vontade da maior parte dos meus auxiliares, que tornaram viavel a construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança”306. Os trabalhos foram oficialmente inaugurados a 20 de Julho de 1903, quando Abílio Beça, Costa Serrão, João da Cruz, o bispo, a vereação municipal e outros se deslocaram ao local onde se ergueria a estação, no largo do Toural. Então, o bispo de Bragança arrancou com um alvião dourado um pouco de terra, que o vice-presidente da câmara lançou com uma pá prateada numa carreta decorada com fitas, a qual foi transportada e despejada por Abílio Beça. Naquele momento, foram lançados foguetes, a banda dos bombeiros tocou o hino real e os sinos repicaram. Depois dos discursos da praxe, os convivas dirigiram-se à sé, onde se entoou um Te Deum. À noite a cidade e o céu de Bragança foram iluminados com marchas aux flambeux e com inúmeros foguetes307. 302

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

303

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

304

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, proc. 46. Variante ao primeiro lanço da primeira secção do caminho de ferro de Mirandela a Bragança.

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Districto de Bragança, 29.5.1903, n.º 64: 1.

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CRUZ, 1906: 5.

307

Districto de Bragança, 24.7.1903, n.º 72: 2. Gazeta de Bragança, 26.7.1903, n.º 584. ALVES, 2000, vol.7: 618619; vol. 9: 229.

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A construção propriamente dita começou no primeiro lanço da primeira secção (de Mirandela aos Cortiços) com apenas oito dezenas de operários, seguindo o projecto modificado de Costa Serrão (entretanto aprovado por portaria de 16 de Julho e mais tarde de 2 de Dezembro de 1903)308. Os fornecimentos de material foram contratados às sociedades John Cockerill (carris, e éclisses), Boulonneries de la Croyère (parafusos e tirefonds), Meneses & Irmão (travessas) e M. Hermann de Lisboa (instalação do telégrafo)309. Figura 111 – Carril Cockerill (secção museológica de Bragança)310

Em Outubro de 1903, a trincheira à saída de Mirandela (que exigiu 9 mil m3 de escavação em xisto duro311) estava cortada. Em Lisboa, Costa Serrão entregava o novo projecto do segundo lanço da primeira secção. Este enfrentou dificuldades no ministério, que só foram definitivamente vencidas em Dezembro de 1903 por intervenção directa do ministro das obras públicas312. Em Janeiro de 1904, Costa Serrão estava em Bragança a examinar a alternativa ao projecto original de aproximação à cidade, imposta pelo

308

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2; proc.46. Variante ao primeiro lanço da primeira secção do caminho de ferro de Mirandela a Bragança. Gazeta de Bragança, 2.8.1903, n.º 585. FINO, 1883-1903, vol. 3: 1053-1054 e 1100-1101.

309

COMPANHIA, 1907: 44-46.

310

Fotografia de Eduardo Beira.

311

CRUZ, 1906: 8.

312

Districto de Bragança, 13.5.1904, n.º 114: 2. Gazeta de Bragança, 4.10.1903, n.º 594; 11.10.1903, n.º 595; 29.11.1903, n.º 602; 6.12.1903, n.º 603; 28.2.1904, n.º 615; 6.3.1904, n.º 616; 13.3.1904, n.º 617; 27.3.1904, n.º 619; 10.4.1904, n.º 621; 26.6.1904, n.º 632; 12.6.1904, n.º 630. O Nordeste, 26.8.1903, n.º 846.

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contrato de concessão. Seria aprovado dois meses depois em 26 de Março de 1904313. Por esta altura, os trabalhos tomaram um maior desenvolvimento com cerca de 1.500 a 2 mil operários na linha314. O túnel à saída de Mirandela estava perfurado, uma façanha muito festejada pelos trabalhadores e pelos locais, considerando as dificuldades que colocou (túnel de 126 m de extensão atacável por uma só boca315). Faltava ainda revesti-lo e assentar os carris316. A chegada do tempo mais quente teve sempre como consequência o abrandamento do ritmo dos trabalhos, pois “não havia operarios que resistissem a trabalhar (…), devido ás sezões, havendo dias de cahirem doentes, partidos completos d’operarios”. A época das colheitas e o assentamento do caminho-de-ferro do Corgo (que então se fazia) roubavam também mão-de-obra ao estaleiro da linha de Bragança. Tudo isto tinha o condão de elevar o custo do trabalho: “mandei durante a epocha das ceifas, emissarios por toda a parte, contractar pessoal, chegando a pagar o jornal de 550 réis a trabalhadores, para não paralisarem por completo os trabalhos”317. Em suma, “a escassez de operarios foi enorme, embora se pagassem salarios extraordinariamente elevados, e, aquelles que appareciam, eram da peor especie, produzindo uma quantidade de trabalho insignificante”318, sendo ainda propensos ao “conflicto ou á associação”319. Em Maio de 1904, Costa Serrão relatava dificuldades para manter a disciplina na obra. Numa carta datada de 16 daquele mês, o engenheiro dava conta de “symptomas de rebellião que importa denunciar immediatamente, e para que urge procurar prompto remedio”. Aos estaleiros da construção afluíam “trabalhadores que são, provavelmente, foragidos da justiça”, que perturbavam o bom andamento dos trabalhos e alteravam a ordem pública nas povoações vizinhas. Em Macedo, por exemplo, deu-se o levantamento “d’um grande partido de trabalhadores para virem, em massa, exigir o augmento do salario”. Costa Serrão solicitava um reforço da força armada320. Por 313

Districto de Bragança, 13.5.1904, n.º 114: 2. Gazeta de Bragança, 4.10.1903, n.º 594; 11.10.1903, n.º 595; 29.11.1903, n.º 602; 6.12.1903, n.º 603; 28.2.1904, n.º 615; 6.3.1904, n.º 616; 13.3.1904, n.º 617; 27.3.1904, n.º 619; 10.4.1904, n.º 621; 26.6.1904, n.º 632; 12.6.1904, n.º 630. O Nordeste, 26.8.1903, n.º 846.

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Districto de Bragança, 25.3.1904, n.º 107: 2. Gazeta de Bragança, 17.1.1904, n.º 609; 20.3.1904, n.º 618; 3.4.1904, n.º 620. Companha Nacional. Relatorio do conselho de administração apresentado à assembleiageral em 1904: 10-11.

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CRUZ, 1906: 8.

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Districto de Bragança, 13.5.1904, n.º 114: 2. Gazeta de Bragança, 4.10.1903, n.º 594; 11.10.1903, n.º 595; 29.11.1903, n.º 602; 6.12.1903, n.º 603; 28.2.1904, n.º 615; 6.3.1904, n.º 616; 13.3.1904, n.º 617; 27.3.1904, n.º 619; 10.4.1904, n.º 621; 26.6.1904, n.º 632; 12.6.1904, n.º 630. O Nordeste, 26.8.1903, n.º 846.

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CRUZ, 1906: 35.

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CRUZ, 1906: 35.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

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intermédio do governador civil, Abílio Beça, os reforços chegaram a Macedo em meados de Maio321. Apesar destas dificuldades, a construção e os estudos do traçado avançavam. Em Junho de 1904, o projecto desde a ponte da Coxa até Bragança estava concluído322. A indefinição em relação à directriz final da linha era aproveitada pelas populações locais para solicitar passagens superiores e inferiores, estações ou uma rota mais próxima ao centro das mesmas. O requerimento de Rebordãos, por exemplo, assinado pelo seu pároco, João Inácio Costa, era singularmente eloquente: havia 200 fogos na freguesia, “cuja população, extremamente laboriosa, se applica em grande parte na feitura de cal”. Além disso, a paróquia era “extremamente abundante na producção de diversos productos agricolas”, sobretudo cereais, batata, castanha e feno. Aliás, “pode-se affirmar que d’entre aquellas freguesias as mais proximas do caminho de ferro (…) é sem duvida Rebordãos a mais importante (…) Acontece que pelo projecto do (…) caminho de ferro existem apenas estações (…) à distancia de 5 kilometros tanto para o norte como para o sul”, um enorme inconveniente para a localidade, que seria ultrapassado pela construção de um apeadeiro ou estação. Além de Rebordãos, também os habitantes de Moredo e Freixeda requeriam a construção de passagens superiores e inferiores323. Noutras situações, ocorreram desentendimentos judiciais com proprietários de terrenos confinantes à via. Pelo menos entre Março e Agosto de 1904, João Lopes da Cruz viu trechos da sua obra serem embargados pela câmara municipal de Mirandela, pelos condes de Vinhais e por alguns habitantes da rua das Pedras em Bragança324. A expropriação de terrenos pertencentes aos Menéres foi também um processo bastante complicado e que embaraçou o avanço das obras. Em Dezembro de 1903, Clemente Menéres exigiu 22 contos pelas suas propriedades. O empreiteiro, em carta de 7 de Janeiro de 1904, considerou a “proposta de preço de expropriação, exageradíssima (…). Inaceitável, digo, e V. Ex.ª não me pode levar a mal que eu assim o afirme, pois que a sua proposta excede em muitas vezes o preço a que se chegaria se às Districto de Bragança, 20.5.1904, n.º 115: 3. 321

Arquivo regional de Ponta Delgada. Fundo Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro. Bragança (impostos municipais). Telegrama 8.7.7.5: 3. Districto de Bragança, 27.5.1904, n.º 116: 3.

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Districto de Bragança, 13.5.1904, n.º 114: 2. Gazeta de Bragança, 4.10.1903, n.º 594; 11.10.1903, n.º 595; 29.11.1903, n.º 602; 6.12.1903, n.º 603; 28.2.1904, n.º 615; 6.3.1904, n.º 616; 13.3.1904, n.º 617; 27.3.1904, n.º 619; 10.4.1904, n.º 621; 26.6.1904, n.º 632; 12.6.1904, n.º 630. O Nordeste, 26.8.1903, n.º 846.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

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Arquivo distrital de Bragança. Juízo de direito da comarca de Mirandela. Auto de embargo que os condes de Vinhais movem contra João Lopes da Cruz; Processo de ratificação de embargo de obra nova movido pela câmara municipal de Mirandela contra João Lopes da Cruz. Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2. Gazeta de Bragança, 21.5.1905, n.º 678. O Nordeste, 24.8.1904, n.º 898; 12.10.1904, n.º 905.

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superfícies de cada espécie de terreno a expropriar se aplicassem os preços unitários, correspondentes, do projecto do governo”. Mais tarde, o empresário aceitou baixar o preço para 15 contos de réis, valor ainda inadmissível para o empreiteiro, que, em carta de 20 de Janeiro de 1904, confessava-se obrigado a’“o grande desgosto de consentir num processo de expropriação judicial com quem, tanto desejava considerar e lhe queria evitar qualquer enfado”. Num último fôlego, João da Cruz apelava “para a boa razão [de Menéres] e lhe peço o favor de me dizer a última palavra, a fim de ver se posso evitar a maldita expropriação judicial, que sendo com V. Ex.ª, até parece mal”325. A previsão de que um acordo não seria alcançado levou o empreiteiro-geral a ordenar ao seu engenheiro-director que iniciasse o processo de expropriação judicial. Clemente Menéres considerou tal atitude uma afronta pessoal, embora se tratasse apenas de uma medida preventiva. Em missiva de 26 de Fevereiro de 1904, Costa Serrão explicava que “de existir um decreto declarando urgente a expropriação, o qual é indispensável para fundamentar o requerimento a apresentar ao juiz, não se conclui que tenhamos necessariamente de fazer uso dele; se chegarmos a acordo, o decreto deixa ipso facto de servir para qualquer fim, se não chegarmos tê-lo-emos para evitarmos delongas”326. O empresário não se deixou convencer. Em 2 de Março de 1904, cortava relações com João Lopes da Cruz. Além do mais, “para todos os effeitos lhe [a Cruz] retiro desde hoje as licenças que eu lhe havia dado não só para proceder aos trabalhos d’aquella construcção dentro d’esses terrenos, mas tambem para explorar pedra dentro d’ellas, como para conservar o barracão que eu lhe permitti construir na curtinha de Mirandella, e a cuja destruição deve essa empreza proceder immediatamente”327. A comunicação entre a empreitada e a sociedade Menéres passou a ser feita exclusivamente por intermédio de Costa Serrão. O imbróglio foi finalmente desbloqueado pelo governo. Em Março de 1904, o ministério das obras públicas concedeu o carácter de utilidade pública às expropriações. Os Menéres tiveram que se contentar com a percepção de 9 contos de réis e de outras compensações variáveis (passagens de nível e serventias de pé e de canos, vedações de pedra e entrega das oliveiras cortadas e da cortiça dos sobreiros expropriados)328 Em Junho de 1904, estavam também concluídos todos os processos de expropriação em Bragança329. Um mês depois, na cidade, inauguraram-se os trabalhos da esta325

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

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Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

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Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

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Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

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Districto de Bragança, 24.6.1904, n.º 120: 2. Gazeta de Bragança, 21.7.1907, n.º 791. O Nordeste, 14.6.1905, n.º 940: 2; 19.7.1906, n.º 996: 2; 1.8.1907: 2.

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ção principal. Na eira do Toural, onde se reuniram as autoridades civis, eclesiásticas e militares, além de muito povo, João Lopes da Cruz e o condutor César Azevedo perfilaram-se defronte de umas dezenas de operários. O empreiteiro-geral lançou vivas às autoridades locais, no que foi correspondido com aclamações ao rei, ao governador civil, ao povo, à Companhia Nacional e a ele próprio. Seguidamente, os operários iniciaram os trabalhos de terraplanagem, ao som de muitos foguetes e da música da banda de infantaria 10330. Entretanto, os trabalhos prosseguiam. Em 22 de Julho, uma variante do segundo lanço da primeira secção foi aprovada331. No troço entre a quinta da Coxa e Bragança, labutavam 200 operários (metade dos quais na estação). Ao todo, por esta altura, João da Cruz empregava 3 a 4 mil homens. Em Novembro, o empreiteiro contratava a sociedade Willebroek de Bruxelas para fornecer o material para a ponte de Carvalhais e para o viaduto da Assureira. Os projectos para a primeira daquelas pontes e também para a do Azibo foram aprovados dias depois332. No fim do ano de 1904, Costa Serrão procurava um melhor traçado para o trecho entre Rossas e Sortes. “Para dar conta do recado antes da chuva, me foi necessário trabalhar todos os dias, do nascer ao por do sol, sucedendo muitas vezes terminar o serviço a 8 quilómetros do quartel que percorria a pé antes do jantar”, confessava o engenheiro333. Durante o resto da construção, verificaram-se novos atritos com os Menéres, em virtude de a linha passar por várias propriedades da família, cujos acessos e abastecimentos de água era obrigatório manter. Em 31 de Maio de 1905, Clemente Menéres não se conformava “por modo algum, com a maneira como Vossa Empresa fez na cortinha de Mirandela o caminho de comunicação entre as duas parcelas em que a linha férrea dividiu a referida propriedade”. Em relação a uma mina cortada pela linha, na quinta do Romeu, “peço a V. Ex.ª a fineza de pôr em comunicação as duas partes dessa mina por meio de um cano de alvenaria subjacente à linha”. Os prejuízos causados nas manchas de sobreiros eram também questão recorrente. Costa Serrão chegou a pôr em causa os cálculos apresentados pelos Menéres (carta de 22 de Março de 1905): “quanto ao preço de 80 réis por quilograma que serviu de base ao cálculo, V. Ex.ª me permitirá, a mim que já vendi bastante cortiça, de qualidade não inferior à do Quadraçal, e que sei que o preço de tal produto não é agora mais alto, que observe que me parece tal preço muito elevado”. Clemente Menéres, puxando dos seus galões 330

Gazeta de Bragança, 10.7.1904, n.º 634; 17.7.1904, n.º 635. O Nordeste, 13.7.1904, n.º 892.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

332

Districto de Bragança, 4.11.1904, n.º 139: 2. Gazeta de Bragança, 31.7.1904, n.º 637; 7.8.1904, n.º 638; 4.9.1904, n.º 642; 13.11.1904, n.º 652; 27.11.1904, n.º 654; 11.12.1904, n.º 656. O Nordeste, 17.8.1904, n.º 897; 2.11.1904, n.º 908.

333

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

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de produtor de cortiça, retorquia que “sem querer contestar a competência especial que ao assunto V. Ex.ª tem, direi, todavia, que o preço de 80 réis por mim adoptado é o que eu tenho pago a diversos produtores de cortiça334. Nem sempre Costa Serrão se mostrou disposto a respeitar as exigências dos Menéres. Em Maio de 1905 (cartas de 22 e 31), o engenheiro negou-se a pagar pelos prejuízos causados na vegetação das árvores “por virtude da cláusula dos contractos de expropriação, na qual se estabelece «que no preço da expropriação se incluam todos os prejuízos causados na propriedade pela ocupação dos terrenos para a construção da linha»”. Clemente Menéres retrucava “que nunca entendi que o preço da expropriação no Quadraçal se incluísse o considerável prejuízo que o corte da linha há-de causar à vegetação dos sobreiros que dela ficaram mais próximos. Poderá ser que a interpretação por V.Ex.ª deduzida do respectivo contrato quanto ao assunto seja boa. Se o for – e isso deve dizer aí em breve o meu advogado – acatá-la-ei, como me cumpre; se o não for, tem de fazer perante essa Empresa a competente reclamação”. Em 10 de Julho seguinte, o feitor dos Menéres, Francisco Lopes Seixas, reportava aos seus superiores a oposição dos empregados da empreitada à instalação de um cano para conduzir água. O funcionário mostrava-se preocupado com o processo: “não me parece que tudo isto finde em bem” – avisava335. Muitas destas negociações eram feitas verbalmente, o que fomentava a discussão entre ambas as partes. Em carta de 15 de Agosto de 1905, Clemente Menéres não se recordava “absolutamente nada do que, segundo V. Ex.ª [Costa Serrão] diz (…), se passou entre mim e o senhor César de Azevedo [a propósito do revestimento de um talude]. Não haveria qualquer mal-entendido da parte dele? Por força que sim”. Noutra ocasião, o empresário registava “com muito pesar de que V. Ex.ª [Costa Serrão] se não lembre, em absoluto, da promessa que a esse respeito me fez. Não insisto, é claro, em que V. Ex.ª lhe dê satisfação, mas lamento-me por não a haver provocado por escrito”336. Independentemente destas questiúnculas, os trabalhos prosseguiam. Em Fevereiro de 1905, o túnel de Mirandela estava totalmente revestido e dotado de carris, ao passo que os trabalhos de terraplanagem na primeira secção estavam quase completos. Trabalhava-se com especial afinco no Quadraçal, zona granítica ultrapassada apenas com dinamite. Na memória familiar transmitida entre os descendentes de João da Cruz, ficou a lembrança de que esta área foi a que levantou maiores dificuldades ao construtor, que não esperava encontrar granito na abertura da trincheira337. A perigo334

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

335

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

336

Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.

337

Entrevista a Maria João Alves Martins: 04:45 -05:00.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

sidade do trabalho provocava acidentes. Ficaram documentalmente registados o caso “d’um trabalhador que perdeu a vista e a mão direita com a explusão d’um tiro”338 e um outro de uma criança atingida na sequência de uma detonação339. Muitos outros decerto ocorreram. Na segunda secção, os esforços concentraram-se no rompimento e terraplanagem do lanço entre Valdrez e Fermentãos. Para estas tarefas e para outras semelhantes entre Fermentãos e Salsas e entre Mosca e Remisquedo, procuraram-se sub-empreiteiros, o que, aliás, foi usual em toda a obra. Homens e firmas como Ipiña, Silva & C.ª, Teixeira Ribeiro, Joaquim Goitia, Gelásio Simões, Lopez & Maurice, Rogério Moreira, Joaquim Teixeira Rivera, Eduardo Bouças, António Rodrigues, Miguel Seixas, Joaquim António Lopes, a Empresa Industrial Portuguesa e os próprios funcionários da Companhia Nacional trabalharam na construção da linha340. Entretanto, o traçado de Salsas a Rossas era aprovado superiormente pelo ministério das obras públicas (portarias de 16 e 25 de Fevereiro de 1905). A directriz entre Salsas e Remisquedo estava ainda a ser analisada por Costa Serrão341. Em relação às obras de arte, o trabalho de alvenaria do viaduto da Assureira e das pontes de Carvalhais e do Azibo estava concluído, faltando montar a superestrutura metálica. Quanto a construção das estações de Carvalhais, Romeu, Grijó e Vale da Porca (Azibo) estava praticamente concluída. A de Cortiços estava atrasada e a edificação das restantes estava prestes a iniciar-se. O projecto da gare terminal de Bragança foi aprovado pelo conselho superior de obras públicas em 16 de Fevereiro 1905 (portaria de 1 de Março)342. Em Maio, o caminho-de-ferro plenamente funcional chegou a Vilar de Lerda. As máquinas em trabalhos percorriam diariamente os 7 km que separavam esta localidade de Mirandela. No extremo oposto da linha, começava-se a abertura da trincheira e dos túneis de Remisquedo e Arufe. Entre Rossas e Mosca, iniciava-se o assentamento dos carris343. Os projectos do viaduto do Remisquedo e das pontes de Fervença e Rebordãos foram aprovados também pela mesma altura (27 de Maio)344. Em Julho de 1905, o troço até ao Romeu estava pronto, salvo a vistoria final. A

338

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2. Districto de Bragança, 1.1.1904, n.º 95: 2.

339

O Nordeste, 5.10.1905, n.º 956: 3.

340

COMPANHIA, 1907: 24-31.

341

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

342

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

343

Collecção Official de Legislação Portugueza, 1905: 233.

344

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2. Districto de Bragança, 9.6.1905, n.º 170: 2.

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2 de Agosto, foi aberto à exploração345. Em Setembro, a via-férrea começou a ser assente entre o Romeu e Macedo346. A 15 de Outubro, este último troço foi inaugurado. O comboio inaugural foi recebido em festa, com a música e os foguetes da praxe. Na cerimónia participaram cerca de 150 pessoas, incluindo representantes da Companhia Nacional e da Companhia Real, o engenheiro Costa Serrão e muito povo. Notou-se a ausência de figuras de estado. O ministro das obras públicas, Eduardo José Coelho, foi convidado, mas rejeitou por incompatibilidade de agenda347. Outra ausência notada foi a do próprio João Lopes da Cruz. De acordo com os jornais, o empreiteiro estava em Lisboa a tratar de negócios financeiros da empreitada. Não foi, porém, esquecido nos brindes que se fizeram com taças de champagne. A partir deste dia, quatro comboios ascendentes e descendentes passaram a fazer serviço combinado com a linha de Mirandela. O comboio não era directo desde Macedo até Foz-Tua, pois havia uma paragem de cerca de 30 minutos em Mirandela. Ao todo, a viagem demorava cerca de 4,5 horas. Os brigantinos ficavam assim a apenas 6 horas de distância do caminho-deferro, contra as “dez ou doze que se gastavam n’aquella tortura até Mirandella”348. Na manhã seguinte, a construção continuou, pois muito havia ainda a fazer e o tempo escasseava. A 18 ou 19 de Dezembro de 1905, com algum atraso em relação ao previsto devido ao mau tempo, era inaugurada a exploração ferroviária até Sendas, já no concelho brigantino349. Na fase final da construção, o jornal católico do Porto A Palavra fez estalar nova polémica na sua edição de 23 de Março de 1906. O diário chamava a atenção “para a forma pouco segura como tem sido construida a linha ferrea de Mirandella a Bragança (…) especialmente as obras de arte [que] não offerecem as condições indispensaveis de segurança para serem abertas á exploração publica”. O jornal acusava o empreiteiro de desleixar a construção para diminuir os seus custos e aumentar o seu lucro, tendo contado com a cumplicidade de Costa Serrão, que descurara os seus deveres como engenheiro-director em troca de uma participação na empreitada. Aliás, “cremos que todos os fiscaes das obras que por alli fazem paragem, são tambem empreiteiros…”. O escritor concluía, exigindo ao ministro das obras públicas um “inquerito por technicos de toda a autoridade, visto que as informações dos fiscaes do governo (…) não podem deixar de ser tidas como suspeitas, porque elles são accusados de ter interesses ligados á construção das referidas obras”350. 345

PEREIRA, 2012b: xlv.

346

Gazeta de Bragança, 26.2.1905, n.º 666; 26.3.1905, n.º 670; 21.5.1905, n.º 678; 18.6.1905, n.º 682; 9.7.1905, n.º 685; 17.9.1905, n.º 695; 29.10.1905, n.º 701.

347

O Nordeste, 28.9.1905, n.º 955: 2.

348

Gazeta de Bragança, 15.10.1905, n.º 699; 22.10.1905, n.º 700; 29.10.1905, n.º 701.

349

Gazeta de Bragança, 24.12.1905, n.º 709. CRUZ, 1906: 39. PEREIRA, 2012b: xlv.

350

A Palavra, 23.3.1906, n.º 233: 1.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

A resposta dos acusados foi rápida. Os fiscais do governo, Francisco António Rodrigues Praça e Amador José Fernandes, colocavam-se à disposição para uma sindicância ao seu trabalho351. César de Azevedo pedia para saber quem era “o auctor da referida noticia, pois sendo ella falsa no todo, e demonstrando o cumulo da maldade e imbecilidade, tenho o maximo interesse em conhecer o individuo, para vêr se, perante mim, é capaz de tomar a responsabilidade das calumnias que escreveu”. Costa Serrão assegurava que a obra estava a ser conduzida com todos os regulamentos de segurança e segundo os projectos aprovados pelo governo. Em todo o caso, seria revistada pelos fiscais do ministério antes de ser inaugurada. Em relação à sua alegada participação financeira na empreitada, garantia não ser sócio de João da Cruz, nem ter direito a qualquer parte do lucro da empreitada (recebendo apenas os seus honorários). É, porém, possível que Costa Serrão tenha empatado algum dinheiro próprio para manter a obra em andamento. De acordo com O Seculo, o engenheiro entrou “com algum capital com que procurou valer-lhe [a João da Cruz] em horas afflictivas”352. De qualquer modo, em Abril, os directores da companhia fizeram uma vistoria ao caminho-de-ferro (em sequência das suspeitas levantadas) e ficaram inteiramente convencidos da solidez do mesmo353. Para lá destas polémicas, a obra continuava. Em Maio-Julho de 1906, na secção entre Sendas e Remisquedo, as trincheiras de Fermentãos (a maior da linha), Salsas e Moredo estavam praticamente cortadas. Os túneis estavam igualmente bastante adiantados, bem como a ponte de Remisquedo. Em alguns troços, os carris já estavam a ser fixados ao leito. Em Sortes, os trabalhos de terraplanagens e de abertura do túnel estavam atrasados “por causa da opposição da povoação [a] os trabalhos [que] estiveram demorados cerca de um mês”354. Entre Remisquedo e Mosca, os trabalhos de terraplanagem estavam adiantados, embora alguns aterros e trincheiras importantes ainda estivessem por fazer. Nos lanços seguintes até Bragança, verificava-se um maior atraso no de Mosca a São Lourenço. Na parte final da linha, faltava uma trincheira e montar a ponte sobre o Fervença. À estação terminal faleciam ainda as obras de carpintaria e trolha, o cais descoberto e as cocheiras para locomotivas e carruagens. No dia 14 de Agosto de 1906, já com João da Cruz afastado da empreitada-geral da obra, a exploração era aberta até Rossas355. No dia 26 de Outubro seguinte, o povo brigantino pôde ensaiar a festa que se previa com a inauguração oficial do caminho-de-ferro. Naquele dia, cerca de 4 mil 351

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

352

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

353

Para esta polémica, ver: Gazeta de Bragança, 18.3.1906, n.º 721; 1.4.1906, n.º 723; 22.4.1906, n.º 726. Nordeste, 29.3.1906, n.º 981: 1.

354

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

355

Gazeta de Bragança, 10.6.1906, n.º 733. PEREIRA, 2012c: xlv.

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pessoas juntaram-se na estação ainda em construção e imediações para assistir à chegada da máquina balastreira. Na tarde daquela “sexta-feira, dia explendido, claro e de sol rutilante, dardejando seus raios creadores e alegres sobre a cidade que desperta do lethargo em que tem jazido, ouviu-se n’ella pela primeira vez o silvo agudo da locomotiva”. O povo exultava, pois aquela máquina a vapor havia de “abrir novos horisontes ao commercio, á industria e á agricultura”. Como era costume nestas ocasiões, não faltaram música, foguetes e muitos vivas aos Beças, a João da Cruz e à Companhia Nacional356. Embora as obras na estação estivessem bastante atrasadas357, o ensaio geral correu bem. Figura 112 – A chegada da locomotiva a Bragança358

Cerca de um mês depois, a 29 de Novembro, iniciou-se a vistoria à linha pelos engenheiros Tomás da Costa, Pinheiro Borges e Estêvão Torres. Os agentes do governo foram escoltados por elementos da direcção dos caminhos-de-ferro do estado e da Companhia Nacional. Dois dias depois, no dia 1 de Dezembro de 1906, dia da restauração da independência, encenava-se a grande festa de inauguração.

356

Gazeta de Bragança, 28.10.1906, n.º 753.

357

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

358

CP, 2006: 51.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

4.5. A INAUGURAÇÃO E O EPÍLOGO DA HISTÓRIA DE ABÍLIO BEÇA E JOÃO DA CRUZ Hugo Silveira Pereira359

A inauguração do caminho-de-ferro de Bragança foi marcada para o primeiro de Dezembro de 1906, um sábado, dia da restauração da independência. “Quizeram os brigantinos fazer coincidir as suas festas com o aniversario da emancipação nacional do jugo hespanhol para assim lhes imprimir maior valor histórico, e para que o primeiro de dezembro marcasse para nós, no futuro, não só a independencia patria, mas o resurgimento da nossa querida Bragança”360. A data fora divulgada dias antes. Os comerciantes da cidade tomaram a iniciativa de formar uma comissão para os festejos, presidida pelo comandante do regimento de infantaria da cidade, coronel António Augusto Lopes Mendes Saldanha, e composta por “progressistas, franquistas, regeneradores e republicanos, agora irmanados por uma unica condição (…), qual é a de serem brigantinos”. Os adversários políticos punham de lado as suas divergências partidárias para celebrar o maior evento da história recente de Bragança, “que chama esta outrora isolada terra ao convivio das grandes cidades”361. A comissão empenhou-se na tarefa e procurou lustrar ao máximo os festejos. Convidou o rei e sua família e o ministro das obras públicas, Malheiro Reimão, para o 359

Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa).

360

Districto de Bragança, 7.12.1906, n.º 249: 1.

361

O Nordeste, 15.11.1906, n.º 1012: 1.

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evento. Contudo, nenhuma figura de estado aceitou o convite. Oficialmente, foi invocada a agenda parlamentar, que impedia os membros do governo de escoltar o soberano numa visita à cidade que dava nome à casa reinante. Na verdade, a contestação popular ao governo e à própria monarquia foi a verdadeira causa para a recusa do governo em ir a Bragança. Pouco tempo antes, o presidente do conselho João Franco cometera o erro de confessar ao parlamento que o rei devia centenares de contos ao tesouro público, devido aos adiantamentos de que a casa real usufruía há décadas. A confissão desencadeou violentos ataques por parte dos republicanos ao monarca, que era acusado de lograr a fazenda pública. Por todo o país, multiplicaram-se comícios, meetings e manifestações de protesto enquanto simultaneamente a imprensa republicana catalisava os ataques ao governo e ao regime362. Neste contexto, não era assim prudente nem seguro que o rei e a sua família se aventurassem num longa viagem até ao nordeste transmontano. Os brigantinos tiveram pois que se contentar com os eternos notáveis locais e com o pirotécnico de Viana do Castelo, José António de Castro, considerado pelos jornais de Bragança o melhor do país na sua arte. Oito meses mais tarde, porém, D. Carlos compareceu à inauguração do caminho-de-ferro entre a Régua e Pedras Salgadas (primeira secção da linha do Corgo). A atitude não foi bem vista em Bragança, cujos habitantes se sentiram uma vez mais como filhos enjeitados da nação363. De qualquer modo, em finais de 1906, a festa era de Bragança. A celebração começou na véspera da data oficial, a 30 de Novembro de 1906, com a distribuição de esmolas pelos pobres das freguesias da cidade. De tarde, a banda de Izeda animou as ruas de Bragança, entre o que os jornais locais classificavam de entusiasmo indescritível. No sábado, quatro bandas (de infantaria 9 de Lamego e de infantaria 10 de Bragança, de Izeda e a dos bombeiros) tocaram sucessivamente a alvorada, o hino nacional e o hino da restauração. Seguiu-se uma salva de fogo-de-artifício lançada pelo fogueteiro de Viana do Castelo. Pelas 10 da manhã, uma comitiva, composta pelos elementos da comissão de festas, pelos edis do distrito, pelas autoridades militares e religiosas, pelos docentes do liceu e do seminário, pelas associações e corporações locais, pelos funcionários públicos e pessoal da Companhia Nacional, por muitos populares e pelas bandas musicais indicadas, dirigiu-se à estação principal de Bragança. As ruas da cidade estavam enfeitadas com bandeiras e arcos triunfais. Na estação – à qual faltavam ainda algumas obras364 –, o cortejo juntou-se aos seminaristas, ao reitor do seminário, ao bispo e a outros populares da cidade e dos arredores que já ali se achavam. Os jornais locais calculavam, com algum exagero, 362

MARQUES, 1991: 690.

363

Districto de Bragança, 30.11.1906, n.º 248: 1. Gazeta de Bragança, 14.7.1907, n.º 790. O Nordeste, 18.7.1907, n.º 1046: 2; 8.8.1907, n.º 1049: 1.

364

Centro nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança, caixa 150, peça 2.

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que entre 15 a 20 mil almas esperavam a chegada do comboio na gare e nos terrenos adjacentes. À uma da tarde, a locomotiva n.º 2 da Companhia Nacional, chamada apropriadamente Bragança365, silvou enfim na cidade. E “desappareceu o cáhos. O fiat genesíaco da evolução social já se fez ouvir”. A máquina “vinha bellamente ornamentada com corôas de flôres naturais e bandeiras envolvendo uma corôa real. Lia-se na parte posterior «salve Bragança» e nas partes lateraes da machina «a tracção sauda Bragança»”366. O bispo tomou então a palavra e, à medida que a locomotiva se aproximava, abençoou-a e ao caminho-de-ferro. “Electrisados pela admiração aquelles doze a quinze mil assistentes, levantaram-se um instante como um só homem, agitando as mãos, victoriando e dando vivas, em meio d’um enthusiasmo louco, delirante”. Lavrou-se em seguida um auto assinado pelas autoridades locais para registar para a posteridade a memória do acontecimento. A turba dirigiu-se em seguida à catedral para o Te Deum da praxe. Em seguida, o cortejo rumou ao governo civil, onde o governador recebeu os membros da comissão de festas. O dia era de festejo e sobretudo de esperança num futuro melhor. “Eis ahi a ferrovia, pronunciando um futuro ruidoso, mas prometedor. Soturno silvo irrompe das ígneas fauces da férrea locomotiva. E esse assobio agudo e prolongado povôa de susto e maravilha os vastos plainos dos desertos ares”. Pelas seis da tarde, milhares de luzes foram acesas, de modo que à noite, “o aspecto de Bragança então era extraordinariamente admiravel: torre de menagem, forte, ruas e mais ruas, casario, tudo tremulava, fluctuando, qual imagem seductora de cidade oriental. Até o céo fingia arquear-se por sobre tão romantico quadro, recamando-se de myriades de estrellas scintillantes”. Pelas oito da noite, iniciou-se na eira adjacente à estação o espectáculo de fogo-de-artifício, preparado pelo fogueteiro vianense e assistido por milhares de pessoas. O espectáculo deslumbrou a cidade. Aliás, “em Londres, onde esta arte está muito desenvolvida, e onde os certames de pyrotechnia sam frequentes, não se apresentam mais surprehendentes effeitos de luz e côres”. A celebração não se resumiu à capital do distrito. Em Lisboa, no Café Suíço, por volta do meio-dia, reuniram-se alguns transmontanos, que aclamaram entusiasticamente a inauguração da linha. Em telegrama enviado ao presidente da comissão de festejos, estes filhos de Trás-os-Montes escreviam que “reunidos alguns socios do Club Transmontano, pela inauguração official da linha ferrea em terras de Bragança, hoje levantamos uma taça de Champagne em honra da solemnidade e pela luz e progresso material dos povos do districto. Hurrah!”367. 365

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

366

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

367

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

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Em Bragança, no dia seguinte ao da inauguração, pelas 11 da manhã, o cónego Nóvoa celebrou uma missa no campo em frente à estação, “suffragando as almas dos illustres campeões já fallecidos do caminho de ferro de Bragança”: Emídio Navarro, Elvino de Brito e José Beça. Ao longo do dia, muitos telegramas de felicitação foram enviados à cidade. De entre eles, destaque-se o enviado por Fernando de Sousa, felicitando os brigantinos e pedindo-lhes para não esquecer o nome do engenheiro Costa Serrão, “a quem se deve em grande parte construção e que uzura monstruosa victimou forçando-o a separar-se n’este momento dos seus e partir Lourenço Marques”. Figura 113 – Costa Serrão368

De facto, Costa Serrão ficou com 12 contos de salários em atraso e terá perdido também o dinheiro que alegadamente emprestou a João da Cruz369. E assim foi que voltou a África, “arrastado pela necessidade de compensar o seu desastre financeiro”370. Até à data da sua morte, em 1929, com 77 anos de idade, o engenheiro da linha de Bragança dedicou-se à questão magna do fomento colonial, quer como prático, quer como teórico371. Quanto a João da Cruz, não assistiu igualmente à celebração. A comissão de festas preferiu enviar-lhe apenas uma mensagem de saudação, “attendendo a que, tendo o 368

GALVAO, 1940.

369

CRUZ, 1906: 40. O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

370

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2. SALES, 1978, vol. 2: 116.

371

Arquivo histórico do ministério das obras públicas. Processo individual de Manuel Francisco da Costa Serrão. GALVÃO, 1940.

276


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mesmo perdido a sua propria fortuna pessoal na empreza a que se abalançara, não poderia no momento actual o seu estado de espirito permittir-lhe a comparencia em festejos como os que se projectavam”372. De facto, quando Bragança se achava enlevada pelo caminho-de-ferro, tanto Costa Serrão como João da Cruz tinham poucos motivos para festejar. Como foi referido em capítulo anterior, no dia 1 de Agosto de 1906, a Companhia Nacional rescindiu o contrato com o seu empreiteiro-geral, depois de este confessar não dispor de mais meios financeiros para continuar a obra. A denúncia do contrato acarretava a ruína de João da Cruz, que perdia os créditos que mantinha sobre a companhia e com os quais esperava saldar as suas dívidas. No rescaldo do processo, o ex-empreiteiro-geral editou um pequeno livro, onde descrevia as suas acções, considerava o contrato imoral e leonino e acusava os directores da Companhia Nacional de serem “homens de nenhuma consciencia e extraordinariamente vaidosos”373. A companhia respondeu rapidamente pelo mesmo modo, qualificando como “falsas, insidiosas e gratuitas as accusações que nos faz” e devolvendo a Cruz acusações de desvio de fundos e de má-fé na questão das expropriações. Para os gerentes da companhia, o empreiteiro tinha parado os trabalhos de também má-fé, uma vez que da sua continuação não auferiria qualquer lucro, pois os custos de construção e os montantes que ainda tinha a receber equivaliam-se. Aliás, alegavam que Cruz tinha lucrado e muito com a empreitada à custa da sua lisura e da dos prestamistas que lhe haviam concedido crédito. Aliás, para a companhia, a hipoteca feita a António Manuel Teixeira era uma forma de Cruz se esquivar aos seus credores, pois o credor hipotecário era nem mais nem menos que o feitor das propriedades do empreiteiro. Por fim, deixavam também críticas veladas a Costa Serrão, insinuando que “não é ao empreiteiro que cabe o maior quinhão de responsabilidade no modo como resolveu proceder. Alguem que n’esta empreitada desempenhou papel importante, devia impedir, pelos meios de que dispunha, que se tornasse realidade o plano concebido e executado pelo empreiteiro em 30 de Julho”374. Quanto às queixas de João da Cruz sobre o acordo, retorquiam que “firmado o contracto, ainda então não julgado leonino pelo empreiteiro, tudo vogava em mar de rosas (…). João da Cruz, dando-se ares de grande capitalista, fazia acreditar ao mundo que o seu ilimitado credito era capaz de levantar todos os milhões da provincia de Traz os Montes”. A alegada sobranceria do empreiteiro é confirmada pelos jornais da altura do início da construção. Como já foi referido, este tipo de ufania é uma ca-

372

Para todos estes detalhes da inauguração, ver: Districto de Bragança, 7.12.1906, n.º 249: 1. Gazeta de Bragança, 28.10.1906, n.º 753; 11.11.1906, n.º 755; 25.11.1906, n.º 757; 2.12.1906, n.º 758. O Nordeste, 22.11.1906, n.º 1013: 1; 29.11.1906, n.º 1014: 2; 6.12.1906, n.º 1015: 1-2. ALVES, 2000, vol. 9: 229.

373

CRUZ, 1906: 6.

374

COMPANHIA, 1907: 6-7, 10 e 62. 277


A linha do Tua (1851-2008)

racterística típica dos transmontanos375. No caso particular de Cruz, esta sua atitude vai de encontro ao seu percurso pessoal. O carrazedense era um homem que subira a pulso até se tornar um rico proprietário na região. Ganhara na maior parte das vezes que apostara. Assim que tomou conta da empreitada do caminho-de-ferro, estava sem dúvida excessivamente confiante de a poder levar a cabo. Figura 114 – Aspecto da capa da brochura de João da Cruz

O carácter leonino do contrato, de que João da Cruz se queixou após a denúncia do mesmo, terá sido reconhecido pelo empreiteiro desde o início, no entanto o carrazedense ter-se-á fiado na palavra dos directores da companhia nacional: “quando se procedia á leitura da minuta do contracto (…), manifestando eu hesitação em acceitar tão duras condições, e ponderando o sr. engenheiro Costa Serrão (…) a impossibilidade de serem cumpridas, pelos srs. Directores da Companhia Nacional foi expontaneamente affirmado que o contracto era assim apertado para se dar satisfação aos accionistas da Companhia (…); mas que nunca seriam applicadas as condições de maior dureza afóra do usual desde que eu provasse estar disposto a bem cumprir e demonstrasse boa fé”. Por outro lado, João da Cruz estava acostumado a ser “empreiteiro do Estado e portanto habituado a attenderem-me todas as justas reclamações”376. De facto, por norma, o estado era um cliente mais permissivo do que uma companhia privada377. De qualquer modo, o projecto era manifestamente superior às capacidades técnicas e financeiras de João Lopes da Cruz. A empreitada seria sem dúvida o negócio da sua vida, que perpetuaria o seu nome em Trás-os-Montes. O risco não o amedrontava, 375

SOUSA, 2013, vol. 1: 184.

376

CRUZ, 1906: 20-22.

377

PEREIRA, 2012a: 370-387.

278


A extensão da linha do Tua a Bragança

como o demonstra a sua história de vida, e o homem que nascera um mero camponês numa aldeia perdida em Carrazeda acabou por ter mais olhos que barriga. A Companhia Nacional tinha consciência que João da Cruz e Costa Serrão tinham ou conseguiam arranjar crédito suficiente para obter as verbas necessárias à empreitada. Quando isto não se verificou, aceitou auxiliar o empreiteiro mas apenas com o mínimo necessário para que este continuasse a obra – os adicionais ao contrato. De adicional em adicional, João da Cruz endividou-se cada vez mais. Figura 115 – A resposta da Companhia Nacional ao empreiteiro

Neste processo, Abílio Beça poderá ter influenciado João da Cruz a assinar o contrato de que resultaria a sua mais alta aspiração política: a construção do caminhode-ferro de Bragança. No entanto, nunca João da Cruz culpabilizou Beça pela sua desgraça. Aliás, como já foi referido noutra parte desta monografia, na memória dos descendentes do empreiteiro ficou a percepção de que ele e o advogado eram de facto bons amigos. Na realidade, tudo indica que o brasileiro “encontrou a sua ruina mercê das clausulas a que se sujeitou”378 e que lhe foram impostas pela Companhia Nacional. A argumentação que esta apresenta na tentativa de responsabilização do empreiteiro apresenta algumas falhas e não se harmoniza com alguns factos. O primeiro deles é a alegada premeditação de João da Cruz de parar as obras quando percebeu que da sua continuação não auferiria mais vantagem financeira. Se o fizesse, incorreria – como 378

O Seculo, 2.12.1906, n.º 8959: 2.

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A linha do Tua (1851-2008)

incorreu – em todas as draconianas penalidades estabelecidas no contrato. Por outro lado, temos o negócio com o feitor. A companhia arguia que aquele era um subterfúgio para Cruz fugir aos credores, no entanto, a verdade é que o tal feitor António Manuel Teixeira foi um dos mandantes de um processo de execução hipotecária movido contra o empreiteiro (juntamente com outros dois credores representados pelo Crédito Predial Português)379. Ademais, se João da Cruz se tinha locupletado à custa da empresa, o normal seria esta vir a público denunciar o empreiteiro, que depois se defenderia. Mas o que aconteceu foi precisamente o contrário. Além do mais, se a companhia tinha razões de queixa de Cruz, porque não exigiu em tribunal uma indemnização pelas perdas sofridas em virtude do incumprimento, como lhe permitia o contrato? Nenhuma queixa ou intenção de processar o empreiteiro é referido nos relatórios anuais da companhia. Aliás, o que estes denotam é que a empresa apresentou enormes rendimentos líquidos extra-tráfego precisamente nos anos da construção do caminho-de-ferro, como se pode ver no gráfico seguinte380. Gráfico 5 – Evolução da garantia de juro e dos resultados líquidos (receitas – despesas) da exploração das linhas do Tua e do Dão e extra-tráfego, a preços constantes de 1914 (1892-1910)381

1800

Resultado líquido extra-tráfego Garantia de juro Resultado líquido da exploração

Contos de réis

1350

900

379

1910

1909

1908

1907

1906

1905

1904

1903

1902

1901

1900

1899

1898

1897

1896

1895

1894

1893

0

1892

450

Arquivo distrital de Lisboa. Fundos judiciais. Tribunal judicial da comarca de Lisboa. Processo de execução hipotecária movido pela Companhia Geral do Crédito Predial Português a João Lopes da Cruz.

380

Relatorios do conselho de administração apresentados à assembleia-geral em 1893-1911.

381

Agradeço ao engenheiro Eduardo Beira o fornecimento e explicação destes dados.

280


A extensão da linha do Tua a Bragança

Por fim, restam os factos incontestáveis de que o contrato colocava toda a responsabilidade sobre o empreiteiro-geral, que enfrentou a ruína financeira após a rescisão do mesmo. Existem pelo menos dois processos de execução hipotecária movidos contra João da Cruz (um em Lisboa e outro no Porto, pela Companhia Carris de Ferro do Porto382), mas é possível que existam mais. Na memória familiar dos seus descendentes, conta-se que após a rescisão, o empreiteiro foi processado por Afonso Costa383. Provavelmente tratou-se de mais um processo de execução de bens. Pelos processos analisados em Lisboa e Porto, sabe-se que as propriedades de João da Cruz em Carrazeda foram avaliadas por louvados e depois expropriadas num processo que foi tudo menos rápido, já que em 1913 o débito ainda não estava saldado. Segundo Cristiano Morais, neste ano, Cruz continuava a residir em Carrazeda. Por esta altura, o seu património era composto por casas em Linhares, Castanheiro e Ribalonga, pela Quinta Nova em Castanheiro e pela Quinta do Zimbro384. Em Julho, seguia uma carta do juízo de direito de Carrazeda de Ansiães para a Carris do Porto, convidando o seu administrador a assistir à arrematação no inventário orfanológico “a que se procedeu por obito de João Lopes da Cruz, que foi morador na quinta de Zimbro de Cima, freguesia de Ribalonga”385. Segundo a tradição popular, o seu corpo foi sepultado no cemitério de Selores386. A linha do Tua, que desgraçou financeiramente os seus construtores, estaria também na origem da morte dos seus lobbyists. Como foi referido anteriormente, José Beça, no estabelecimento de contactos com potenciais financiadores da obra, desenvolveu a doença que o haveria de matar. O seu irmão, Abílio Beça, soçobraria também nos carris do caminho-de-ferro. No dia 27 de Abril de 1910, Abílio Beça dirigia-se a Bragança para reassumir as funções de presidente da câmara local. Regressava de Lisboa, onde desempenhava a função de deputado. Tinha, naturalmente, tomado o comboio da linha do Tua, que chegou à estação de Salsas por volta das 18:30 horas. Enquanto a máquina tomava água, Beça saiu da sua carruagem para cumprimentar o juiz de paz de Vale de Nogueira, José Penedos. Quando o chefe da estação deu o sinal de partida, Beça começou a caminhar para o comboio, mas uma vez que ainda estava a cerca de 50 m do mesmo, começou a correr. O deputado alcançou a composição já em grande andamento. Lançou mão ao puxador da frente de uma das carruagens, mas, não o alcançando, tentou agarrar o da 382

Arquivo distrital do Porto. Empresas. Companhia Carris de Ferro do Porto. Secretaria Geral. Processos e questões diversas. Rescisão de contrato, PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/013/13.084. B/6/1/4 - 14.8.

383

Entrevista a Maria João Alves Martins: 05:40-06:05. FONTE, 2001. MESQUITA, 2012: 74.

384

MORAIS, 2014: 296.

385

Arquivo distrital do Porto. Empresas. Companhia Carris de Ferro do Porto. Secretaria Geral. Processos e questões diversas. Rescisão de contrato, PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/013/13.084. B/6/1/4 - 14.8.

386

Entrevista a João Sampaio: 8. MESQUITA, 2012: 73.

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A linha do Tua (1851-2008)

retaguarda. Um dos empregados da estação, João António Teixeira, tentou “segural-o para não embarcar, [mas] já me foi impossivel por já estar mettido no desatre”387. Abílio Beça conseguiu segurar-se ao puxador e colocar o pé no degrau, mas escorregou, caindo de costas no espaço entre a carruagem e um vagão de mercadorias. Vários populares dirigiram-se de imediato à via para auxiliar o sinistrado. Segundo testemunhas, ele estava ainda consciente, mas já não falava. Abílio Beça foi conduzido a um furgão, que o transportou de emergência para Bragança, no mesmo comboio que o havia colhido. Temia-se o pior, que foi, de facto, confirmado pelo chefe de estação de Bragança. “Hoje no comboio ascendente das 7h,30 da tarde, chegou a esta estação, já cadaver, o Ex.mo Snr. Conselheiro Abilio Madureira Bessa”388. Após a confirmação da morte, os restos mortais foram transportados para a casa de Beça na rua da Costa Pequena, para onde “corriam quasi todos os habitantes da cidade, e as senhoras, sem preoccupação de toiletes, procuravam apressadamente a esposa confrangida e os filhinhos que elle adorava”389. No exame pericial feito pelos médicos locais Francisco José Matos Morgado e António José Gonçalves Rapazote390, na sequência do inquérito aberto ao acidente, notou-se que o cadáver apresentava uma ferida por esmagamento da mão direita, que ficou sem os dedos indicador e médio e a região metacarpiana, deixando os ossos perfeitamente a descoberto na face palmar. O terço superior da perna esquerda e a sua face anterior exibiam uma ferida contusa dirigida segundo o comprimento do membro. Esta ferida cortara todas as partes moles da perna e deixava o osso a descoberto. O troço médio da perna direita e a sua face anterior apresentavam outra ferida contusa de forma irregular, rompendo apenas a pele. O corpo tinha ainda pequenas escoriações na face e membros inferiores. Reparavam-se também contusões com edema do tecido subjacente na face anterior e lado direito do tórax para a base do mesmo. A causa da morte foi o violento choque traumático sofrido (de que a contusão da região torácica era um sinal) e a consequente hemorragia interna provocada pela ruptura de vasos arteriais391. O acidente foi investigado judicialmente para se determinar se a morte se devera “somente a desastre ou a intenção malévola”. O inquérito foi conduzido pelo procurador régio, Artur Matos Camacho Lopes Cardoso, que interrogou as diversas teste387

Arquivo distrital de Bragança. Processo da morte do conselheiro Abílio Beça. ALVES, 2000, vol. 1: 357-358. SALES, 1978, vol. 2: 116.

388

Arquivo distrital de Bragança. Processo da morte do conselheiro Abílio Beça. ALVES, 2000, vol. 1: 357-358. SALES, 1978, vol. 2: 116.

389

O Nordeste, 29.4.1910, n.º 1178: 1.

390

O Nordeste, 29.4.1910, n.º 1178: 1.

391

Arquivo distrital de Bragança. Processo da morte do conselheiro Abílio Beça. ALVES, 2000, vol. 1: 357-358. SALES, 1978, vol. 2: 116.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

munhas de Salsas e os médicos que confirmaram o óbito. Em face dos depoimentos colhidos, o juiz de direito de Bragança, Jacinto João Joaquim Pereira da Mota, concluiu que “não tendo havido crime mas unicamente um desastre a lamentar (…) este processo se archiva” (a 12 de Junho de 1911)392. Figura 116 – O funeral de Abílio Beça393

A morte de Abílio Beça foi muito sentida em Bragança. Na sessão camarária imediatamente a seguir ao acidente, o novo presidente, Olímpio Dias, preiteou a figura de Abílio Beça, “victima do mais horrivel dos desastres”, propondo que se lavrasse em acta “um voto de profundo sentimento por tão doloroso acontecimento e que em sinal de luto seja encerrada a sessão”394. A proposta foi aprovada por unanimidade. Igualmente por iniciativa da autarquia, a rua de Trás (entre a praça da sé e a igreja de São Vicente395) foi renomeada para rua Abílio Beça. A homenagem repetia e continuava a que fora dedicada a José Beça, quando da sua morte em 1902. Em Agosto do ano seguinte, a câmara renomeou a antiga rua da Alfândega para rua engenheiro José Beça396. A rua engenheiro José Beça era e é a continuação da rua Abílio Beça. Os dois irmãos, sempre tão unos na luta pelos interesses de Bragança, mantinham a sua ligação, agora no mapa da cidade. Os edis brigantinos convidaram todas as câmaras do distrito a fazerem o mesmo, “como testemunho de consideração e estima por tão preclaro cidadão”. No entanto, além da freguesia de 392

Arquivo distrital de Bragança. Processo da morte do conselheiro Abílio Beça. ALVES, 2000, vol. 1: 357-358. SALES, 1978, vol. 2: 116.

393

Illustração Portugueza, 1910, n.º 222: 26.

394

Arquivo municipal de Bragança. Actas das sessões da câmara municipal de Bragança, sessão de 6.5.1910: 6.

395

ALVES, 2000, vol. 7: 653.

396

Gazeta de Bragança, 2.8.1903, n.º 585; 27.12.1903, n.º 606.

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Salsas, só Mirandela o fez. Por sugestão do vereador Manuel da Nóvoa foi criado o prémio Abílio Beça, a atribuir ao aluno que concluísse o curso da escola de habilitação ao magistério primário com melhor classificação e comportamento. Foi também aprovado o alvitre do vereador Augusto Moreno de que o retrato do ex-governador civil fosse colocado na sala das sessões da câmara, “como testemunho evidente de estima e saudade pelo prestimoso presidente”, e fosse também inserido no livro do abade de Baçal sobre documentos históricos da cidade a ser editado pela autarquia. Por fim, e por proposta do edil João Dias, deliberou-se erigir um busto à memória de Beça397. Figura 117 – Aspecto actual da rua Abílio Beça398

Na cidade e na província, as manifestações de dor sucederam-se. Além da câmara, 397

Arquivo municipal de Bragança. Actas das sessões da câmara municipal de Bragança, sessão de 6.5.1910: 5v-6. Gazeta de Bragança, 3.7.1910, n.º 944; 24.7.1910, n.º 947. BERENGUEL et al., 2004: 113 e 115. LEITÃOBANDEIRA, 2010: 253.254. SOUSA, 2013, vol. 2: 681.

398

Fotografia do autor.

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o governo civil, a comissão distrital, o seminário da cidade, o conselho da escola de habilitação ao magistério primário e diversas cooperativas civis emitiram votos de sentimento pela morte de Abílio Beça. Várias missas foram celebradas a pedido de familiares e de indivíduos e organizações particulares. A família enlutada agradecia399. Nos periódicos de Bragança, a morte de Beça foi mais vincada na Gazeta local, órgão que o finado dirigiu até à sua morte. Em praticamente todos os números após o acidente e até ao encerramento do jornal com a república, a figura de Abílio Beça foi evocada. Na edição de 22 de Maio, por exemplo, podia-se ler que “o sr. conselheiro Abilio Beça foi um perfeito e lidimo caracter em todas as diversas manifestações da vida. Todos os seus actos quer publicos, como advogado, como professor e como politico; quer particulares como chefe de família e como amigo são exuberantes de intelligencia e de bondade”400. O Nordeste foi bem mais lacónico, limitando-se a divulgar na edição após o acidente que a “tristissima noticia passou logo de boca em boca, transmitida e colhida com um tão geral e emocionantíssimo sentimento que perante a fatalidade de tão lutuoso acontecimento só a tristeza e a lamentação se apossavam de todos os corações (…). Adversarios por força das circumstancias implacaveis mais que ferozes da politica do nosso tempo, aqui lhe deixamos exarado o mais sincero preito de saudade e sentimento. Paz á sua alma”401. Figura 118 – Jazigo dos Beças em Bragança402

Na câmara dos deputados, a má-nova foi comunicada na reabertura da sessão legislativa em Junho de 1910 pelo seu presidente. Todas as forças políticas então representadas no parlamento prestaram, mais ou menos emotivamente, os seus votos de 399

Gazeta de Bragança, 5.6.1910, n.º 941; 12.6.1910, n.º 942; 26.6.1910, n.º 943; 3.7.1910, n.º 944; 17.7.1910, n.º 946.

400

Gazeta de Bragança, 22.5.1910, n.º 939: 2.

401

O Nordeste, 29.4.1910, n.º 1178: 1.

402

Fotografia do autor.

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pesar. O presidente da câmara dos deputados lembrou que “Abilio Beça tinha, pelas qualidades do seu caracter e pela delicadeza do seu trato, em cada um de nós um amigo”. O presidente do conselho, Veiga Beirão, foi mais sucinto e formal, associando-se “em nome do Governo [do partido progressista], ao voto de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor pelo fallecimento de tres antigos membros d’esta Camara, o Sr. Abilio Beça, o Sr. Peixoto Correia e o Sr. Conde de Macedo”. Outro progressista, António Cabral, recordava como “Abilio Beça ainda ha poucos dias se assentava aqui, no meio de nós, e era estimado e respeitado por todos, não só pela affabilidade do seu trato, como pela inteireza do seu caracter (…). Muitas vezes se assinalou como representante da nação, e é para lastimar que aquelle melhoramento, o caminho de ferro de Bragança, pelo qual elle tanto trabalhou, fosse justamente esse que lhe deu a morte tão desastrosa”. Um outro parlamentar, Pereira Lima, colega de universidade e de partido do falecido, relembrou os tempos de Coimbra, altura em que “o Sr. Madureira Beça já (…) apresentava o caracter tão bondoso e de tal maneira altivo que desenhava a silhouette que havia de ter na nossa vida social, onde tantas sympathias conquistou. Merecia-lhe attenção tudo quanto importava ao movimento económico da sua provincia de Trás os Montes. Ininterruptamente, com uma persistencia que não parecia muito moldada ao seu modo de ser placido e frio, poude conseguir da inercia de alguns dos Ministros que teem presidido ao Governo do país arrancar pouco a pouco a concessão e depois a exploração do caminho de ferro, que era para elle o ideal, na sua villa natal. Bem via elle a grande importancia que teria, para uma provincia que tinha sido até então abandonada de melhoramentos uteis, a abertura duma linha ferrea que a pusesse em communicação rápida com o resto do pais, e com a qual a riqueza daquella admiravel provincia viria a ter um devéloppement para os mercados externos. (…) Todos estes sacrificios realizou, para que o caminho de ferro chegasse até ali. E foi nesse caminho de ferro que, como muito bem disse o Sr. António Cabral, elle encontrou o seu tumulo. (…) O Dr. Abilio Beça, perante os seus amigos, perante mesmo aquelles que não foram seus amigos, mas que o conheceram como uma creatura digna, ha de ser lembrado por todos os que, em vida, o admiraram como sendo o verdadeiro prototypo da honradez e da modestia”. O republicano Afonso Costa também se associou aos votos de pesar pelos deputados falecidos no intervalo da sessão, mas de “entre elles destaco Abilio Beça, nosso collega de ha pouco e já meu collega na Camara de 1900. Posso dizê-lo desassom-

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bradamente e, em toda a extensão da palavra, que foi um grande homem de bem. Na advocacia foi elle um nobre representante da sua classe. E, numa recente visita que fiz a Bragança, tive occasiao de ver quanto Abilio Beça era estimado por toda a população, desde os mais humildes aos mais elevados. Todos lhe prestavam a sua homenagem”403. No final da década 1920, Bragança perpetuou condignamente a memória do ex-governador civil e do antigo empreiteiro-geral da linha em duas homenagens assistidas por muito povo. No dia 1 de Dezembro de 1929, o presidente da câmara de então, Salvador Nunes Teixeira, e o governador civil, Tomás Augusto Salgueiro Fragoso, descerraram o busto de Abílio Beça (esculpido por José Fernandes de Sousa Caldas404), justamente posicionado na avenida em frente da estação. No mesmo dia, foi colocada uma placa de mármore em Salsas, evocando o trágico desastre. Na mesma ocasião, foi também reconhecido o mérito e esforço de João Lopes da Cruz, ao se descerrar uma placa em mármore com o seu retrato em baixo-relevo em bronze (também da autoria de Sousa Caldas)405. A obra escultórica foi simbolicamente colocada na nova artéria da cidade, que ligava o seu centro à estação, e que foi baptizada de avenida João da Cruz406. Injustiçado e arruinado pelo caminho-de-ferro de Bragança, o carrazedense via então e finalmente a sua memória honrada pelo povo que servira. Figura 119 – As homenagens em bronze a Abílio Beça e João da Cruz407

403

Para estes discursos parlamentares, ver: Diario da Camara dos Deputados, 6.6.1910: 4.

404

ALVES, 2000, vol. 7: 616. LEITÃO-BANDEIRA, 2010: 254-255 e 436-437. SOUSA et al., 2005: 503. SOUSA, 2013, vol. 2: 743

405

ALVES, 2000, vol. 7: 794-795; vol. 9: 230.

406

BERENGUEL et al., 2004: 105 e 108. FONTE, 2001: 69-70. LEITÃO-BANDEIRA, 2010: 254-255. MESQUITA, 2012: 74.

407

Fotografias de José da Silva Pereira e do autor.

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4.6. A GORADA LIGAÇÃO DE FOZ-TUA A VISEU Ana Carina Azevedo408 Ângela Salgueiro409

A história da ligação ferroviária entre Viseu e Foz-Tua iniciou-se ainda no século XIX com os primeiros projectos de construção de um ramal de ligação entre as linhas do Dão e do Douro, no âmbito de uma concepção então difundida no seio das elites administrativas, centrais e locais, que tinha por base a construção de ramais de utilidade pública para servir regiões e populações mais isoladas e, simultaneamente, apertar a malha ferroviária nacional. Na proposta de lei de 1 de Junho de 1888, projectava-se a construção de uma linha entre Mangualde, na linha da Beira Alta – passando por Viseu e S. Pedro do Sul – e Recarei, na linha do Douro, para colocar a Beira Alta na zona de influência económica do Porto e do seu hinterland portuário: “as linhas projectadas estão traçadas de modo a fazerem convergir sobre a cidade do Porto, como centro comercial, e sobre as linhas do Minho e Douro, como principal artéria de circulação, o seu movimento de tráfego”410. No início do século XX, a Beira Alta foi novamente contemplada com diferentes projectos para construção de linhas e ramais ferroviários, destinados a favorecer a 408

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

409

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

410

Diario da Camara dos Deputados, 1.6.1888: 1817.

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expansão da viação acelerada na região. Como vimos anteriormente, o plano geral de rede nascido das medidas de Elvino de Brito previa a construção de um conjunto alargado de vias estreitas. Nele se incluíam a edificação de uma linha entre a Régua e Vila Franca das Naves e a construção de uma via entre a cidade de Viseu e a estação de Foz-Tua, a qual permitiria a interligação entre os caminhos-de-ferro do Dão, do Douro, do Tua e da Régua a Vila Franca das Naves. Em virtude do adiamento sucessivo destes projectos, em 1910, o ministro das obras públicas do governo de Veiga Simão, o médico Manuel António de Moreira Júnior, retomou a questão. A 6 de Junho, apresentou na câmara dos deputados um plano para organização de uma rede ferroviária nacional, que contemplava 700 km de novas linhas, afirmando que “largas e lamentáveis lacunas há ainda na nossa rede ferroviária (…) É certo que a necessidade imperiosa de reorganizar as finanças e assegurar o equilíbrio orçamental não se compadece com a criação de encargos a que não correspondam novas receitas equivalentes. Sem deixar, porém, de manter essa regra salutar, pode-se e deve-se activar o desenvolvimento da viação acelerada, sem confiança temerária no futuro, nem pusilanimidade que entorpeça o progresso económico do país”411. O ministro sugeriu a manutenção de um sistema misto e ecléctico, como se havia desenvolvido no país durante a segunda metade do século XIX, onde coexistiam redes exploradas pelo estado e pelas diferentes companhias ferroviárias, mediante a concessão de alguns benefícios: “é preciso ver nas empresas concessionárias o que elas de facto são úteis auxiliares do Estado, cooperando com ele no progresso económico do País pela criação de meios de transporte fácil, rápido e barato. Os subsídios que receberam não seriam suficientes, na maior parte dos casos, para os encargos contraídos. A continuação dessa cooperação por concessões bem estudadas, vantajosas para ambas as partes, é perfeitamente admissível, sem prejuízo do direito de resgate que ao Estado pertence e que pode exercer, quando o julgar conveniente”412. A proposta contemplava uma verba de 7 mil contos para a construção de novas vias e aquisição de material circulante moderno. Previa ainda a organização de um fundo especial dos caminhos de ferro do centro, incumbido do estudo e financiamento das linhas ferroviárias na região centro. Dos vários eixos previstos destacavam-se a ligação entre a Covilhã e Viseu, através de um tramway, e a de Viseu ao Pocinho e Vila Franca das Naves413. De grande interesse teórico, mas com pouca aplicabilidade prática, o projecto não foi discutido nem aprovado pela câmara. Meses depois, a necessidade de conten411

Diario da Camara dos Deputados, 6.6.1910: 59-60.

412

Diario da Camara dos Deputados, 6.6.1910: 67.

413

Diario da Camara dos Deputados, 6.6.1910: 63-72.

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ção orçamental e de redução do deficit ganhou uma nova centralidade na realidade política nacional, com a implantação da primeira república. Os republicanos pretendiam colocar em ordem as finanças públicas do país, objectivo que não se coadunava com os avultados investimentos necessários para a criação de uma verdadeira rede ferroviária nacional. De facto, no início da segunda década do século XX, Portugal não possuía uma rede férrea nacional mas sim várias malhas ferroviárias, heterogéneas e pouco maleáveis, exploradas por entidades distintas, que dificultavam a circulação interna de passageiros e mercadorias414. No entanto, e apesar dos constrangimentos enfrentados, a ligação ferroviária entre Viseu e Foz-Tua não foi esquecida durante o regime republicano. Localmente, a discussão em torno da necessidade de construção do troço manteve-se através da organização de reuniões por instituições comerciais, agrícolas, industriais e cívicas, pela representação individual e colectiva aos decisores políticos e por acções de propaganda junto da imprensa periódica regional. Por outro lado, muitos deputados aproveitaram a sua posição privilegiada junto dos órgãos de poder para chamar a atenção para o assunto no parlamento, nunca o deixando cair em esquecimento. Figura 120 – Brito Camacho415

Logo em 1911, durante uma visita do ministro do fomento do governo provisório, Brito Camacho416, à Beira, uma comissão constituída pelo governador civil do 414

SALGUEIRO, 2013: 511-517.

415

Casa Comum, http://casacomum.net/cc/visualizador?pasta=09022.001.149.

416

AMARO & MARQUES, 2010: 27.

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A linha do Tua (1851-2008)

distrito de Viseu, Ricardo Pais Gomes, e pelos presidentes da associação comercial e industrial da cidade, António Simões de Oliveira Martins, e da liga dos agricultores da beira, Pedro Ferreira dos Santos, entregou-lhe uma representação na qual apelavam para a importância da construção das vias projectadas, pois “um dos preponderantes económicos de influência decisiva para o desenvolvimento progressivo de uma região, que em si contém valiosos elementos de riqueza, é sem dúvida a abertura de saídas fáceis dos seus produtos para os seus mercados naturais”417. Em Fevereiro de 1913, na câmara dos deputados, Pereira Vitorino retomou a questão das ligações ferroviárias na região beirã, chamando a atenção do ministro do fomento, Aquiles Gonçalves Fernandes, para a necessidade de avançar com os estudos da linha de Viseu a Foz-Tua418. Um ano depois, em Janeiro de 1914, foi apresentado um novo projecto para a edificação da mesma linha, pela concretização do plano ferroviário ao norte do Mondego419. Depois de uma alargada discussão sobre a modalidade de exploração, definiramse as bases para o concurso público: período de três anos para a conclusão das obras; concessão da linha por 75 anos; possibilidade de resgate pelo estado; necessidade de a empresa concessionária ser portuguesa ou ter a sua sede social no país420. Nos meses de Maio e Junho a questão voltou à câmara dos deputados pela mão da câmara municipal de Lamego421 e do governo civil de Viseu422 e pela intervenção dos deputados José Vale de Matos Cid e Pereira Vitorino. Na sessão de 24 de Junho de 1914 afirmava-se que “não só as razões económicas, não só a cultura dessa região impõem a construção de tais linhas. Há mais: em face do espírito de equidade que deve presidir na aplicação dos dinheiros públicos ao fomento nacional, há uma dívida em aberto, desde 26 de Fevereiro de 1913, para com o distrito de Viseu”423. A estas considerações podem acrescentar-se as palavras de Carlos Richter, que lembrava a importância das obras públicas como instrumento de bloqueio à grande vaga emigratória que se sentia na região424. No entanto, o ministro do fomento, na sessão de 25 de Junho de 1914, fez notar que “o ponto de vista do Governo nem sempre é o ponto de vista regional, pois tem de

417

O Commercio de Viseu, 7.5.1911 (Apud. AMARO & MARQUES, 2010: 27).

418

Diario da Camara dos Deputados, 26.2.1913: 32.

419

Diario da Camara dos Deputados, 8.1.1914: 12.

420

Diario da Camara dos Deputados, 12.1.1914: 5.

421

Diario da Camara dos Deputados, 7.5.1914: 5.

422

Diario do Senado, 26.5.1914: 2.

423

Diario da Camara dos Deputados, 24.6.1914: 11-12.

424

Diario do Senado, 22.4.1914: 10. Ver também AMARO, 2006.

292


A extensão da linha do Tua a Bragança

atender primeiro ao interesse do país e em segundo lugar ao interesse das regiões”425. A população e as forças vivas da região manifestaram o seu descontentamento sobre o posicionamento governamental, organizando uma manifestação em 31 de Maio do mesmo ano, na qual procuraram pressionar as autoridades oficiais a cumprir os projectos ferroviários previstos426. Dias depois, numa reunião no governo civil de Viseu, na qual participaram representantes da comissão de viticultura do Dão, da liga de agricultores da Beira, da associação comercial de Viseu e dos sindicatos agrícolas de Nelas, Vila Nova de Tazem e Oliveira do Hospital, aprovou-se o envio de uma representação ao governo com dois pontos principais: a protecção dos vinhos do Dão e a execução das linhas ferroviárias projectadas427. Esporadicamente, a questão voltava a ser tratada no parlamento. Em 1919, num projecto de lei apresentado por José Júlio César ao senado, alertava-se, mais uma vez, para as gravosas condições de circulação na região: “o distrito de Viseu tem vinte e quatro concelhos. Destes, pouco mais ou menos, um terço é servido por caminhosde-ferro. Os dois terços restantes não têm comunicações por vias férreas, dando-se o caso de quem queira vir de qualquer dos concelhos do norte, como, por exemplo, Pesqueira, Penedono, Tabuaço, Armamar, para só falar destes, à sede do distrito, ter de tomar o comboio em qualquer estação da linha do Douro para, vindo pelo Porto e Pampilhosa, entrar pelo sul do distrito, concelhos de Mortágua e Santa Comba Dão, para chegar a Viseu. (…). Portanto, a construção do troço que vai de Viseu a Foz Tua impõe-se por maneira extraordinária, como uma necessidade urgente”428. “Teríamos assim uma importante artéria, atravessando o País por regiões muito férteis e ricas, a que faz enormíssima falta um caminho-de-ferro para a exportação dos produtos e importação fácil de mercadorias. Tem também vantagens estratégicas enormes, porque ficando resguardada pela cordilheira das Serras de Lousã e Estrela, ficaria sob um abrigo natural, verdadeiramente inacessível, dando-nos a facilidade de podermos transportar tropas da Beira Alta e Trás-os-Montes para o sul e vice-versa, com a maior facilidade. E essa vantagem, mais se reconhece, admitindo a hipótese, aliás muito natural, de a linha do Porto a Lisboa poder ficar inutilizada por qualquer golpe de mão”429 Em Abril de 1922 foi apresentada nova proposta, desta vez por iniciativa de Roberto da Cunha Baptista e Godinho do Amaral430. Foi seguida por uma intervenção do 425

Diario da Camara dos Deputados, 25.6.1914: 19.

426

AMARO & MARQUES, 2010: 28.

427

Diario do Senado, 3.6.1914: 3. Diario da Camara dos Deputados, 2.6.1914: 4.

428

Diario do Senado, 12.2.1919: 5.

429

Diario do Senado, 19.4.1919: 4.

430

Diario do Senado, 24.4.1922: 13-14.

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A linha do Tua (1851-2008)

deputado Afonso de Melo, o qual denunciava o abandono a que a região beirã estava sujeita por parte dos órgãos de poder central431. Já em Fevereiro deste ano o mesmo deputado havia já publicado um artigo no Notícias de Viseu, no qual denunciava o pouco interesse do governo para com a região da Beira Alta e as desigualdades existentes na distribuição dos recursos e das riquezas nacionais432. O debate nas câmaras foi intenso, sujeito a longas discussões e a contrapropostas, podendo destacar-se, sobretudo, um sentimento de urgência e uma necessidade imperiosa de execução dos planos há tanto tempo prometidos. Para Marques Loureiro, “todas as razões, de ordem económica, como estratégica, aconselham e impõem a construção dessas linhas, como ainda se evidenciou por ocasião da chamada «Traulitânia», em que os movimentos de tropas foram difíceis, exigindo enormes sacrifícios de vária natureza”433. Só em Agosto se chegaria a um consenso, pela aprovação de uma proposta de Afonso de Melo, Bartolomeu Severino, Paiva Gomes, Marques Loureiro, Carvalho dos Santos, Amadeu de Vasconcelos, Alfredo de Sousa e Vitorino Mealha434, plasmada em Diário do Governo, pela lei n.º 1.327 de 25 de Agosto de 1922 (art.º 6.º), que autorizava a concessão da linha de Viseu a Foz-Tua à Companhia Nacional, com garantia de juro não superior a 6%435. Não obstante, a instabilidade política, económica, financeira e social da primeira república acabaria por impedir uma actividade mais resoluta por parte das autoridades administrativas na resolução dos problemas do sector. Seria só com a ditadura militar que se verificaram as primeiras alterações estruturais no sector ferroviário em Portugal. Assim, logo em 1926, foi publicado o decreto n.º 11.898, de 12 de Julho, que criou a direcção-geral de caminhos-de-ferro, responsável pela fiscalização das redes nacionais e pelo estudo de novos eixos, através da secção de estudos técnicos e económicos436. Seguiu-se-lhe a uniformização do novo regime de caminhos-de-ferro, promulgada pelo decreto n.º 13.829 de 17 de Junho de 1927. Com este diploma pretendia-se definir um plano para o sector, tendo em atenção a sua importância estratégica e económica. Notava-se a influência de um novo ideário e práxis, corolário quer da nova ideologia política nacional, quer do novo entendimento internacional sobre o transporte ferroviário, construído na conjuntura do pós-guerra. Assim, no preâmbulo do decreto pode ler-se que “as vicissitudes por que tem passado a economia mundial, após a guerra, tiveram entre nós a sua repercussão (…). Dessas complexas circunstâncias deriva a 431

Diario da Camara dos Deputados, 7.7.1922: 6.

432

Noticias de Viseu, 5.2.1922.

433

Diario da Camara dos Deputados, 12.7.1922: 7.

434

Diario da Camara dos Deputados, 8.8.1922: 6.

435

Diario do Govêrno, I série, 25.8.1922, n.º 174: 878.

436

Diario do Govêrno, I série, 17.7.1926, n.º 154: 804.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

necessidade de uma revisão geral dos planos decretados, em que se tenham na devida conta as condições geográficas e económicas das diversas regiões do País e as relações que importa facilitar. Esse plano, depois de submetido ao exame das corporações consultivas competentes, deve constituir a base de acção futura”437. Ficavam, assim, enunciadas as grandes linhas de acção para o sector: aprovação de um plano único, embrião de uma futura política ferroviária; criação de uma rede ferroviária nacional, pela densificação da malha de caminhos-de-ferro; concentração empresarial; e financiamento estatal, pelo carácter de utilidade pública do transporte em causa (art.º 1.º). O diploma previa ainda a organização das vias férreas em duas tipologias – linhas de interesse geral e linhas de interesse particular (art.º 2.º) –; a criação de um fundo especial de caminhos-de-ferro (em substituição do fundo de caminhos-de-ferro do estado), entregue à gestão da direcção-geral de caminhos-de-ferro (art.º 12.º); a obrigatoriedade das novas empresas concessionárias serem portuguesas ou terem a sua sede social no país (art.º 28.º); e a revisão dos projectos das redes complementares, a cargo de engenheiros do conselho superior de caminhos-de-ferro, das administrações gerais de estradas e turismo e dos serviços hidráulicos, da direcção-geral de minas e serviços geológicos, da comissão superior de caminhos-de-ferro do ministério da guerra e da secção de estudos da divisão central da direcção-geral de caminhos-deferro (art.º 5.º)438. Os resultados do trabalho desta comissão, integrada por homens como Adolfo César de Pina, Jaime de Oliveira, António Byrne Pereira, Júlio Santos e Fernando de Sousa439, foram conhecidos em 1930, com a publicação do plano da rede ferroviária do continente. As comissões especializadas dos ministérios da guerra e do comércio e comunicações avaliaram-no depois positivamente (decreto n.º 18.190 de 28 de Março de 1930)440. Previa a construção, numa primeira fase, de 312 km em via larga e de 460 km em via estreita, aos quais se somariam, numa segunda fase, mais 407 km e 817 km naquelas duas bitolas, respectivamente, totalizando uma extensão de 1.996 km. “A exemplo da política seguida com os portos, interessa ao Governo a execução de um programa ferroviário susceptível de ser integrado na primeira fase do seu plano de fomento (…) para que à intensificação da produção agrícola, industrial e mineira corresponda uma rede completa de transportes, capaz de garantir o abastecimento de matérias-primas e o escoamento dos produtos da terra e das oficinas. Se do automobilismo muito há a esperar, nem por isso seria admissível, que Portugal se 437

Diario do Govêrno, I série, 25.6.1927, n.º 132: 1138-1139. Ver também SANTOS, 2011: 291-292.

438

Diario do Govêrno, I série, 25.6.1927, n.º 132: 1138-1139. Ver também SANTOS, 2011: 291-292.

439

AMARO & MARQUES, 2010: 30. SANTOS, 2011: 336 e ss.

440

Diario do Govêrno, I série, 10.4.1930, n.º 83.

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limitasse à sua actual rede ferroviária, manifestamente incompleta e insuficiente”441. Apesar de o plano ter contemplado a construção de uma linha entre Viseu e FozTua, não aprovava o projecto da Companhia Nacional (previsto na lei n.º 1.327). Ao invés, e em virtude de contestações regionalistas, colocava em equação um traçado alternativo – por Viseu, Paiva e Moimenta –, adiando a decisão oficial até à realização de novos estudos. Isto provocou uma onda de grande contestação em concelhos abertamente favoráveis ao traçado da companhia, como o de Aguiar da Beira, Trancoso, Penedono e Sernancelhe. Estas autarquias publicaram mesmo um panfleto intitulado À nobre cidade de Viseu, no qual escreviam: “está para ser publicado, se a esta hora não foi já, o decreto sobre o plano da rede ferroviária, que, tendo definido situações e marcado linhas por toda a parte, deixou essa cidade e estas regiões da Beira em condições piores e mais confusas do que as dantes (…). Em lugar de se aproveitar o ensejo para se arrumar de vez um assunto de tanta magnitude e importância para essa cidade e para esta grande zona da Beira, adiou-se, sine die, a solução do caso! (…) Temos todos de actuar de forma que seja modificado o decreto, em harmonia com os pareceres dos técnicos e das referidas comissões, e de modo que a linha Viseu-Tua possa ser construída já pelo projecto da Companhia Nacional”442 Em 12 de Dezembro do mesmo ano, dando resposta a estas reivindicações, plasmou-se a directriz da linha no decreto n.º 19.138, seguindo o projecto da Companhia Nacional (Viseu, Aguiar da Beira, Vila da Ponte, Riodades, Espinhosa, Vale do Rio Torto, Ventozelo, Foz-Tua), pois “a resolução deste problema ferroviário, se interessa a uma vasta zona onde os benefícios da viação acelerada ainda não chegaram, também permite conjugar, para mútua valorização, interligando as linhas do Tua, Corgo, Sabor e Dão, proporcionando melhor aproveitamento do respectivo pessoal, bem como de máquinas, vagões e outros elementos”443. O regime de caminhos-de-ferro de 1927 (art.ºs 33.º a 45.º) concedia um conjunto de vantagens apreciável às empresas que pretendessem construir um ramal ou linha de utilidade pública, como era o caso da ferrovia de Viseu a Foz-Tua: isenção de direitos alfandegários na importação de material fixo e circulante; cedência gratuita de terrenos do estado; realização das expropriações por conta das câmaras municipais; emissão de obrigações sem sujeição ao artigo 196.º do Código Comercial444. Estes benefícios contribuíram para uma movimentação célere da Companhia Nacional, após a publicação da directriz. 441

Para a identificação das linhas a construir, ver: Diario do Govêrno, I serie, 10.4.1930, n.º 83: 659 e ss. Ver também SANTOS, 2011: 339-344.

442

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, documentos 36-37, À nobre cidade de Viseu, 12.4.1930.

443

Diario do Govêrno, I série, 18.12.1930, n.º 294: 2485.

444

Diario do Govêrno, I série, 25.6.1927, n.º 132.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

Em 1932, na memória descritiva e justificativa da linha de Viseu a Foz-Tua, a Companhia Nacional apresentava o trajecto oficial, dividido em dois lanços principais: (1) entre Viseu e Vila da Ponte e (2) entre Vila da Ponte e Foz-Tua. Com início na estação de caminhos-de-ferro de Viseu, a linha seguia por Mundão, Cavernães, Passos, Quinta do Pereiro, Contige, Mixós, Vila de Igreja, Tojal, Mioma, Lages, Avelal, Decermilo, Romãs, Soito de Golfar, Quinta dos Matos, Coja, Aguiar da Beira, Fonte de Arcadinha, Sequeiros, Quinta de Açores, Gradiz, Granjal, Sernancelhe, Vila da Ponte, Freixinho, Fonte Arcada, Escurquela, Riodades, Vila de Penela, Paredes da Beira, Espinhosa, Várzeas, Soalheira, Ervedosa, Ventozelo, Quinta de Floriz, Caedo e Foz-Tua445. Era um projecto bastante complexo, pela irregularidade do terreno e pela densa rede hidrográfica da região (rios e ribeiras de Pintor, Pavia, Nespereira, Sátão, Coja, Távora, Torto, Pontes, Trevões e Douro), que impunha a construção de muitas obras de arte. Contemplava também as seguintes especificações para a linha-férrea: raios de curva não inferiores a 150 m; pendentes não superiores a 18 mm/m; curvas de sentido contrário separadas por alinhamentos rectos, nunca inferiores a 50 m446. O primeiro lanço incluía oito estações, dois apeadeiros e quatro paragens. Foi prevista a construção de 278 obras de arte corrente e quatro obras de arte especiais – um túnel e três pontes, uma em alvenaria, uma em cimento e uma em metal – e a aquisição de quatro carruagens de primeira classe, quatro de segunda, seis mistas, oito de terceira classe, oito furgões e oito locomotivas447. A construção da estação de Vila da Ponte ocupou uma posição de destaque no projecto, pela sua posição no percurso e pelas condições favoráveis do terreno. De facto, a Companhia Nacional desejava transformar Vila da Ponte num ponto central da sua futura rede, na qual seriam criadas as infra-estruturas básicas de um entreposto ferroviário: “o local (…) é amplo e sem acidentações de importância, permitindo a construção, com a largueza que se torna necessária pela sua situação especial, aproximadamente a meio do percurso entre Viseu e Tua, e no cruzamento previsto desta linha com a da Régua a Vila Franca das Naves, sendo a mais importante do 1.º lanço da linha de Viseu a Tua e seu términus; Pelo que nela se projectou a construção de cocheiras para máquinas e para carruagens, dormitórios para pessoal, toma de água, e outras dependências”448. 445

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 122, Linha de Vizeu a Tua, n.º 1 – Plantas Gerais, A – Planta Geral Vizeu a Tua”, s.d.

446

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 125, Memória descritiva e justificativa elaborada pela Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, 20.6.1932, p. 2.

447

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 125, Memória descritiva e justificativa elaborada pela Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, 20.6.1932, p. 12.

448

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 125, Memória descritiva e justificativa elaborada pela Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, 20.6.1932, p. 4.

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A linha do Tua (1851-2008)

Quanto ao segundo lanço, apenas foram identificadas as estações de Fonte de Arcada, Escurquela, Riodades e Foz-Tua, não sendo mencionados quaisquer apeadeiros ou paragens. A justificação para o atraso na projecção deste lanço encontrava-se na irregularidade do terreno: “no vale do Rio Torto o terreno é de extraordinária acidentação. Os inúmeros contrafortes das duas vertentes endentam-se uns nos outros e são muito estreitos e alongados, separados por vales também muito estreitos e profundos, não sendo possível contorná-los nem transpô-los sem obras de arte dispendiosas”449. A segunda parte do trajecto levantava muitas dúvidas, principalmente às comissões de revisão do mesmo, que acabaram por apresentar uma proposta alternativa para o troço entre Espinhosa e Foz-Tua, seguindo por Trevões, Valongo, Pesqueira, Ervedosa, Soutelo e Nagozelo450. Mapa 26 – Variantes do troço entre Espinhosa e Foz-Tua451

A memória descritiva e justificativa da linha foi acompanhada de um inquérito comercial e económico, elaborado pelo inspector comercial Henrique de Albuquerque Ramos. Este documento, bastante pormenorizado, analisou os dados económicos de 449

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 125, Memória descritiva e justificativa elaborada pela Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, 20.6.1932, p. 5.

450

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 125, Linha de Vizeu a Foz-Tua. Reconhecimento sobre a carta. Planta e perfis, s.d. cx. 128.

451

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Linha de Vizeu a Foz-Tua. Reconhecimento sobre a carta. Planta e perfis, s.d.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

nove concelhos localizados na área de influência da linha (Viseu, Sátão, Vila Nova de Paiva, Aguiar da Beira, Trancoso, Sernancelhe, Penedono, Moimenta da Beira e Tabuaço) e de mais de oito dezenas de freguesias da região. Executado para comparar os benefícios e os constrangimentos das propostas apresentadas pela Companhia Nacional e pelo movimento regionalista (encabeçado pelos municípios de Moimenta da Beira e de Vila Nova de Paiva), o inquérito é uma fonte inestimável para o conhecimento desta região e da sua composição económica e social no início da década de 1930. A análise permite verificar que a actividade local tinha por base a produção agrícola e a criação de gado – bovino, muar, suíno e lanígero –, no qual ainda predominavam práticas de transumância e se verificava a deslocação de rebanhos a pé. Os principais produtos produzidos localmente eram o vinho, os cereais, os legumes secos, a batata, a castanha, a resina, as lãs e a madeira (pinho e castanho). As principais necessidades da região eram adubos, sulfatos e enxofres, produtos essenciais para a actividade agrícola e vitivinícola. O inspector comercial fez ainda algumas considerações interessantes sobre o concelho de Vila Nova de Paiva, o qual teria mais vantagem na adopção do traçado regional, local onde haviam sido recentemente identificadas minas de estanho e volfrâmio452. A análise permitiu ao inspector comercial concluir que, pela centralidade do concelho, Viseu contribuiria para cerca de 50% do tráfego de passageiros e mercadorias; que em alguns circuitos (caso do eixo Viseu – Satão), o transporte rodoviário começava a ganhar importância, pelo que caminho-de-ferro teria dificuldade em se impor; que sempre que os concelhos ou freguesias estivessem relativamente próximos de uma linha de via larga, a iriam preferir em detrimento da de via estreita; e, finalmente, que o traçado da Companhia Nacional tinha mais vantagens por atravessar zonas mais dinâmicas em termos económicos453. No entanto, nem o projecto nem o inquérito foram recebidos sem contestação. As dissensões locais e regionais que se haviam iniciado na segunda metade da década de 1920 acentuaram-se. Alguns autarcas apressaram-se a definir a sua posição oficial sobre o assunto. Foi o caso de Almeida Coelho, presidente da câmara de Aguiar da Beira, que, em Dezembro de 1929, manifestou concordância com o traçado definido pela comissão de directrizes, posição secundada pelas comissões administrativas dos concelhos de Trancoso, Sernancelhe e Penedono, através de telegramas enviados, respectivamente, pelos seus presidentes, Castro Lopes, Joaquim dos Santos e Luís Fonseca454. 452

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Inquérito Comercial e Económico. Linha de Vizeu a Foz-Tua, p. 12.

453

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Inquérito Comercial e Económico. Linha de Vizeu a Foz-Tua, p. 3-4

454

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, doc. 16, telegrama de Almeida

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A linha do Tua (1851-2008)

As posições entre os apoiantes dos principais projectos em discussão, conhecidos genericamente como traçado da companhia e traçado regional, extremaram-se bastante, com impactos evidentes na imprensa e nas publicações de âmbito regional e nacional e até nas relações institucionais entre concelhos. Mapa 27 – Concelhos favoráveis ao traçado regional (cinzento-escuro) e favoráveis ao traçado da companhia (preto)455.

Conhecidas as especificações do traçado da companhia importa agora conhecer o trajecto e os objectivos dos defensores do traçado regional. Definida em meados da década de 1920, esta variante incluía o percurso seguinte: Viseu, Rio de Loba, Povolide, Pindo, Rio de Moinhos, Silvã, Lousadela, Duas Igrejas, Soito, Quinta da Serra, Segões, Forles, Caria, Moimenta da Beira, Arcozelo, Baldos, Peneireiro, Boiço e Riodades456. Contava com um apoio concelhio alargado que incluía os municípios de Mangualde, Penalva do Castelo, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego, Coelho, 11.12.1929; doc. 16, telegrama de Castro Lopes, 12.12.1929; doc. 17, telegrama de Joaquim dos Santos, 12.12.1929; doc. 18, telegrama de Luís Fonseca, 13.12.1929. 455

Historical Atlas, http://atlas.fcsh.unl.pt.

456

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Linha de Vizeu a Foz-Tua. Reconhecimento sobre a carta. Planta e perfis, s.d.

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A extensão da linha do Tua a Bragança

Armamar, Tabuaço e S. João da Pesqueira, para além de algumas freguesias dos concelhos de Viseu e Sátão. Integravam as suas hostes algumas das personalidades mais destacadas da região, como o jornalista, natural de Vila Nova de Paiva, Fausto de Sá Marques, e o monárquico Júlio Girão de Faria Morais Sarmento, visconde do Banho. Entre os seus objectivos destacava-se o de “completar a penetração do distrito de Viseu, ligando os seus concelhos de Norte, Nordeste e Leste com a sede do distrito, e ligando-a entre si”457. Fulcral seria também servir a “zona importantíssima da região dos vinhos do Dão, zona fértil, rica e populosa, que não aproveitaria os benefícios desta linha férrea, nem poderia, na sua maior parte, esperar nenhum outro semelhante, visto como, no plano já aprovado, nenhuma outra linha existe que possa, em futuro mais ou menos remoto, aproveitar-lhe”458. Como vantagens económicas, os defensores do traçado regional referiam-se ainda ao facto de o seu trajecto servir uma zona mais populosa, de poder usufruir de um troço ferroviário comum (entre Viseu e Mangualde, evitando, deste modo, despesas de construção), e de aproveitar o potencial turístico da região (caldas de Alcafache, Viseu; capela de Nossa Senhora da Esperança, Sátão; quinta da Ínsua, Penalva do Castelo; convento dos Templários, Sátão; santuário de Nosso Senhor dos Caminhos, Sátão; ruínas do paço dos duques de Cadaval, Sátão; convento de S. Bento, Sátão; convento da Fraga, Sátão; santuário de Nossa Senhora da Lapa, Sernancelhe; e convento de S. Francisco, Moimenta da Beira)459. O concelho de Moimenta da Beira ocupava, neste projecto, uma posição central enquanto futuro entreposto ferroviário. Caso fosse escolhido o traçado regional, acabaria por funcionar como intersecção entre as linhas de Viseu a Foz-Tua e de Lamego a Vila Franca das Naves, substituindo-se a Vila da Ponte. Ganharia ainda uma nova dimensão no posicionamento político distrital, enquanto intermediário entre Viseu e os concelhos a norte. Em termos técnicos, foram indicadas especificações distintas das adoptadas nas linhas de Santa Comba Dão a Viseu e nas de Foz-Tua a Bragança, para além de se relegar esta questão para segundo plano: “as elevações do terreno entre os rios Vouga e Paiva e as diferenças de altitude que assinalam esta parte do percurso, não constituem de forma alguma obstáculo invencível nem difícil de vencer, mormente 457

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Memoria sobre o traçado da linha férrea de Viseu a Foz-Tua organisada pela Comissão Central do Movimento Regional (Viseu: Tipografia Jornal da Beira, 1925), p. 5.

458

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Memoria sobre o traçado da linha férrea de Viseu a Foz-Tua organisada pela Comissão Central do Movimento Regional (Viseu: Tipografia Jornal da Beira, 1925), p. 12.

459

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Memoria sobre o traçado da linha férrea de Viseu a Foz-Tua organisada pela Comissão Central do Movimento Regional (Viseu: Tipografia Jornal da Beira, 1925), p. 36-37.

301


A linha do Tua (1851-2008)

se se adoptarem as características técnica preconizadas pelo distinto profissional Sr. Fernando de Sousa – isto é –, os limites, máximo de 25 mm para rampas e mínimo de 100m para os ralos das curvas. Isto porém é problema que só aos técnicos pertence, e por isso limitamo-nos a afirmar que – quaisquer que sejam as características técnicas adoptadas, o desenvolvimento não alonga excessivamente o percurso, nem torna mais dispendiosa a construção”460. O final da década de 1920 ficou assim marcado por uma verdadeira luta regional entre os apoiantes de cada um dos traçados, cujos ecos chegaram frequentemente a Lisboa e aos principais órgãos de poder. Em Janeiro de 1925, o deputado Amaral Reis pedia ao ministro do comércio e comunicações que não se alterasse o projecto da Companhia Nacional, uma vez que “foi estudado por engenheiros dos mais distintos, e os interesses da Companhia são, naturalmente, os interesses do Estado e os interesses colectivos. Os interesses da Companhia consistem, naturalmente, em fazer um traçado mais económico, que atravessa ao mesmo tempo regiões que lhe possam trazer maior tráfego. Os interesses que estão em luta são os interesses das regiões, e eu estou convencido, e para isso é que eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio, de que esse projecto de traçado não será alterado, a não ser que os interesses gerais do Estado fossem considerados de uma melhor maneira do que o são pelo projecto que se conhece”461. O ministro Plínio Octávio de Santana e Silva respondia que “se for eu, porventura, a pessoa que, em última instância, tiver de se pronunciar sobre o projecto, o farei (…) de harmonia com as necessidade das regiões que o traçado abrange e que o traçado a adoptar será aquele que mais convenha ao desenvolvimento das regiões servidas, sem atender a quaisquer sugestões de ordem política”462. A propaganda que envolveu a discussão dos projectos foi extremamente activa e bastante violenta, sendo dinamizada por todo o tipo de pessoas e instituições, desde as políticas, às económicas e às organizações de classe. Um aspecto interessante desta propaganda relacionou-se com a interpelação directa à cidade de Viseu, feita pelos diferentes manifestos. Isto é bem representativo da luta surda que existia pela obtenção do apoio político da sede de distrito, cuja influência seria decisiva para a aprovação de qualquer um dos traçados, luta essa potenciada pela posição dúbia que Viseu foi tendo ao longo do tempo.

460

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Memoria sobre o traçado da linha férrea de Viseu a Foz-Tua organisada pela Comissão Central do Movimento Regional (Viseu: Tipografia Jornal da Beira, 1925), p. 16.

461

Diario da Camara dos Deputados, 21.1.1925: 6.

462

Diario da Camara dos Deputados, 21.1.1925: 6-7.

302


A extensão da linha do Tua a Bragança

Figura 121 – Títulos dos manifestos dirigidos à cidade de Viseu (c. 1930) a favor do traçado da companhia (à esquerda) e do traçado regional (à direita)463.

Os defensores do traçado regional baseavam a sua propaganda em três aspectos principais: (1) demonstrar a superioridade económica dos concelhos e freguesias contemplados no seu projecto, quer no domínio agrícola, quer a nível comercial (evocavam a realização de importantes mercados locais como o de Barrelas, o de Lamas de Ferreira e o de Peva), quer pela existência de inúmeras jazidas minerais (de mispíquel, galena, chumbo, estanho, grafite, volfrâmio, entre outros) com grande potencial mineiro464; (2) denunciar o mau serviço prestado pela Companhia Nacional nas suas linhas, quer no transporte de passageiros, quer no de mercadorias; e (3) criticar o inquérito comercial e económico realizado, considerado parcial e fraudulento, exigindo a realização de um novo inquérito465 Por sua vez, os apoiantes do traçado da companhia retorquiam com argumentos de natureza económica, técnica e política. Desde logo, denunciavam a inexistência de um estudo no terreno por parte dos regionalistas, enquanto o seu plano era “coisa certa, exacta, rigorosa e tecnicamente estudada, com planta e projectos prontos”466. Destacavam a vantagem em seguir o curso do rio Távora, pela configuração geodésica da região, e por permitir a travessia do rio em Aguiar, com uma cota de 750 m, bastante inferior às cotas apresentadas pelo traçado concorrente. Outros aspectos referidos diziam respeito aos pareceres favoráveis das comissões revisora, superior de caminhos-de-ferro do ministério da guerra e do conselho superior de caminhos-de-ferro e das conclusões do próprio inquérito comercial. Aliás os apoiantes deste traçado não receavam a realização de qualquer inquérito comparativo: 463

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128.

464

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, Linha férrea – Viseu-Tua, s.d., docs. 3-4.

465

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, A Viseu. À progressiva e linda capital do nosso distrito, docs. 32-33; À cidade de Viseu e ao nosso distrito, 14.4.1930, docs. 34-35.

466

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, A Linha Viseu-Tua. À nobre cidade de Viseu e para todos lerem, p. 11.

303


A linha do Tua (1851-2008)

“não se julgue, porém, que Aguiar da Beira e os que com ela defendem e querem o traçado da C.N. tremem, e receiam qualquer inquérito ou estudo comparativo conscienciosa e imparcialmente feitos. Não! Têm tanto a certeza da Justiça que lhes assiste que já em Novembro de 1928, a Câmara de Aguiar da Beira, na resposta que enviou à Comissão Revisora, acerca do plano provisório da rede ferroviária, afirmou o seguinte: «Qualquer inquérito consciencioso imparcialmente feito, e o exame e o estudo atento das duas regiões, não só pela carta, mas sobre o terreno, mostrarão a verdade do exposto e as vantagens do projecto da C.N. sobre qualquer traçado por V.N. de Paiva»”467. Faziam ainda alusão a alegados interesses encobertos, quer de determinadas autarquias sem tanto interesse directo na questão como queriam fazer crer (“não têm, portanto, interesse directo no caso. Andam no grupo por solidariedade distrital, para fazerem número”468), quer de algumas personalidades envolvidas nas discussões. Era o caso do próprio engenheiro Fernando de Sousa, ligado à Companhia do Caminho de Ferro do Vale do Vouga, que, segundo os apoiantes deste traçado tinha ela própria potencial interesse na concessão. Entretanto, a conjuntura nacional alterou-se e o plano que se tentara aplicar no início da década de 30 acabou por sair gorado. A crise de 1929 fez-se sentir principalmente na diminuição dos capitais invisíveis no país, o que teve grande impacto na saúde financeira das companhias ferroviárias. O próprio processo de institucionalização do estado novo e a sua política de contenção de despesas no sector dos caminhosde-ferro contribuiriam para a inviabilização do plano ferroviário nacional, no qual o financiamento estatal desempenhava um papel central. Este foi materializado no decreto n.º 22.379 de 28 de Março de 1933, que determinava a suspensão da construção de novas linhas com garantia de juro, com a justificação da insuficiência de receitas do fundo especial de caminhos-de-ferro469. Na prática, este diploma impedia a execução dos projectos em curso. Limitadas, como ficaram, nos projectos de expansão das suas redes, as companhias ferroviárias enfrentaram então uma grave crise, caracterizada pela dificuldade em modernizar o material circulante e a superstrutura da via, pelo endividamento junto da banca e pela concorrência automóvel, no transporte de passageiros e mercadorias, que começou a disputar importantes áreas de interesse económico ao caminho-de-ferro. Neste contexto, a Companhia Nacional que, em 1928 subarrendou as antigas li-

467

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, A Linha Viseu-Tua. À nobre cidade de Viseu e para todos lerem, p. 6.

468

Centro nacional de documentação ferroviária. Companhia Nacional, cx. 128, A Linha Viseu-Tua. À nobre cidade de Viseu e para todos lerem, p. 8.

469

Diario do Govêrno, I série, 31.3.1933, n.º 74. SANTOS, 2011: 511-521.

304


A extensão da linha do Tua a Bragança

nhas de via reduzida do estado à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses470, acabou por ficar numa situação financeira delicada, impossibilitada de concretizar o projecto da linha de Viseu a Foz-Tua, enquanto não fosse assegurado o apoio governamental, que acabou por nunca chegar. A linha não dava garantias de se suster a si própria, do ponto de vista económico, só sendo exequível se o estado lhe concedesse um forte apoio financeiro, algo que o governo de então não estava disposto a fazer471. Localmente, o desejo de concretização da linha entre Viseu e Foz-Tua mantevese. Em 1936, ainda se encontra notícia de uma representação oficial ao ministério do comércio e indústria para tentar desbloquear os constrangimentos que a envolviam, assegurando a sua construção472. Não obstante, as prioridades nacionais e regionais começavam a mudar, como se pode verificar no relatório do governador civil de Viseu de 1937. Primeiro “continuar com a pavimentação das estradas de grande circulação; conclusão de outras; [depois a] construção do caminho-de-ferro de Viseu a Foz Tua e a Lamego; conclusão da rede telefónica (…); construção de escolas; construção do Liceu de Viseu; construção de algumas estações telégrafos-postais”473.

470

Diario do Govêrno, II série, 9.2.1928, n.º 32. Para mais detalhes ver SANTOS, 2011: 21.

471

SANTOS, 2011: 428-429.

472

ASSOCIAÇÃO…, 1936: 100.

473

Apud. AMARO & MARQUES, 2010: 32.

305



PARTE III

EXPLORAÇÃO E IMPACTOS



125 anos de exploração

5. 125 ANOS DE EXPLORAÇÃO

5.1. MATERIAL CIRCULANTE Hugo Silveira Pereira001

Ao longo da história mais que centenária da linha do Tua, o material circulante usado sobre os seus carris sofreu várias alterações, desde os tempos do vapor até aos anos mais recentes do diesel. As primeiras máquinas locomotivas chegaram ao Tua em 1887, provenientes das oficinas da Maschinenfabrik Esslingen de Emil Kessler perto de Estugarda na Alemanha. Eram seis locomotivas-tanque (transportavam elas próprias o carvão e a água de que necessitavam e portanto não tinham tênder) do tipo 2-6-0T (duas rodas dianteiras não-motrizes num eixo, seis rodas motrizes em três eixos e sem rodas traseiras, de acordo com a notação Whyte). Chegadas a Portugal foram numeradas de CN1 a CN6 e baptizadas com nomes alusivos a Trás-os-Montes, respectivamente: Traz os Montes, Bragança, Mirandella, Villa Flor, Carrazeda e Foz Tua002. Estas máquinas vieram acompanhadas de um conjunto de material rebocado de eixos, composto por: um salão, três carruagens de primeira classe (série A), duas mistas de primeira e segunda (AB), oito de segunda (B), dez de terceira (C), seis furgões (D), 14 furgões de bordas baixas (L, um deles preservado na secção museológica de Bragança), 14 vagões de bordas altas (O) e 38 vagões cobertos (J)003. Este material foi entregue entre 1886 e 1890, produzido por quatro fábricas distintas: a Compagnie 001

Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa).

002

DAVIES, 1998: 91-93

003

Gazeta de Obras Publicas, n.º 4 (15.1.1888): 2.

309


A linha do Tua (1851-2008)

Internationale Braine-le-Comte, a Nicaise et Delcuve, a La Métallurgique Nivelles e a Bristol Wagon Works004. Figura 122 – Locomotiva CN5, Carrazeda005

Foi com este elenco que a Companhia Nacional se lançou na exploração da linha de Foz Tua até Mirandela, servindo as suas necessidades até aos primeiros anos do século XX e à abertura da secção entre Mirandela e Bragança. Por esta altura, a Companhia Nacional adquiriu ainda à Kessler outras seis locomotivas para o outro caminho-de-ferro que explorava: o ramal de Viseu. Eram muito semelhantes ao lote do Tua, embora fossem máquinas 0-6-0T. Foram também numeradas de CN1 a CN6 e nomeadas respectivamente Beira Alta, Vizeu, Santa Comba, Tondella, Dão e Viriato. Era aliás este detalhe que as distinguia das máquinas do Tua006. A partir de 1904, alguns trechos da linha de Bragança foram sendo sucessivamente 004

DAVIES, 1998: 101, 108, 109 e 110.

005

Boletim da CP, n.º 116 (1939).

006

DAVIES, 1998: 95.

310


125 anos de exploração

abertos e a Companhia Nacional viu-se na obrigação de adquirir mais duas locomotivas, tendo confiado novamente na perícia da casa Kessler007. Naquele ano, duas novas máquinas-tanque 2-6-0T chegaram ao Tua para trabalhar nas novas secções da linha. Foram numeradas CN7 e CN8 e denominadas de Vilalva e Macedo. Eram versões melhoradas, mais pesadas e mais potentes do lote anterior008. Custaram 26 contos, numa operação que envolveu ainda 30 vagões e que foi financiada pela casa Burnay com 40 contos de réis009. Segundo o relatório e contas da companhia, esta, dois anos antes, tinha também começado a reforçar o seu stock de material rebocado com a construção de alguns vagões010. Figura 123 – As locomotivas CN7 e CN9, aqui com os seus números no período da CP011

Em 1907, duas novas locomotivas-tanque 2-6-0T de Emil Kessler fechavam o conjunto de material a vapor comprado pela Companhia Nacional para a linha do Tua. Custaram 19,5 contos e foram destinadas especificamente para o serviço entre Mirandela e Bragança. Chegaram em Novembro e foram numeradas CN9 e CN10, sendo provável que tivessem sido chamadas de Sabor e Vinhaes012. Eram vistas como as estrelas da companhia e ainda na década de 1980 eram gabadas “pela sua enorme potência, esforço de tracção e capacidade de produzir vapor”013. Eram 007

Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1.ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].

008

PEDREIRA, 1991: 7.

009

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1904: 18. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1905: 10.

010

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1903: 15.

011

DAVIES, 1998: 90 e 95.

012

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 10-12. Gazeta de Bragança, n.º 873 (14.2.1909): 2. NUNES, 2007: 54.

013

PEDREIRA, 1991: 5.

311


A linha do Tua (1851-2008)

similares às máquinas CN7 e CN8, mas ligeiramente maiores e mais pesadas014. Naturalmente, a frota de material rebocado foi também reforçada com novas carruagens e vagões de bogies e ainda com remodelações do material preexistente015. Foi adquirido um novo salão (actualmente preservado na secção museológica de Arco de Baúlhe), três carruagens mistas de primeira e segunda classe (todos à Carl Weyer Dusseldorf Eisenbahn), sete vagões de bordas baixas, 24 vagões de bordas altas e 12 vagões cobertos (à Compagnie Centrale de Construction de Haine St. Pierre e à Hurst Nelson de Motherwell)016. Em 1910, a companhia passou também a dispor de veículos próprios para o transporte específico de malas de correio017. Na década de 1920 a Companhia Nacional procurou reforçar a sua frota circulante, aproveitando o programa de reparações de guerra imposto à Alemanha. Neste sentido, apresentou ao governo dois contratos para compra de duas locomotivas à Maschinenfabrik Esslingen e de 20 carruagens e 60 vagões à Linke-Hofmann. Segundo o relatório da direcção de 1923, só o último contrato foi aceite, apesar de as locomotivas terem sido efectivamente fabricadas pela fábrica de Emil Kessler. No entanto, a Alemanha tinha por esta altura suspenso o programa de reparações e a entrega dos vagões foi suspensa018. É provável que dos 60 vagões, só cinco tenham chegado a Portugal e ao Tua019. Em 1927, a ditadura militar decidiu reformular a gestão ferroviária e arrendar as linhas pertencentes ao estado (Minho, Douro, sul e sueste, Tâmega, Corgo e Sabor) à Companhia dos Caminhos de Fero Portugueses (CP), que por sua vez subarrendou os caminhos-de-ferro de via estreita às companhias que já exploravam este tipo de ferrovia. À Companhia Nacional couberam as linhas do Corgo e do Sabor e o seu material circulante. É de crer que nenhum deste material tenha vindo para o Tua; no percurso inverso caminharam as máquinas CN9 e CN10, que foram colocadas no Sabor. Outra mudança verificar-se-ia ao nível das suas designações. Para evitar confusões com o conjunto do Dão, as locomotivas CN1-CN6 passaram a CN11-CN16, enquanto as máquinas CN7-CN10 foram renumeradas para CN21-CN24020. Na década seguinte, mais precisamente em 1938, a Companhia Nacional adqui014

DAVIES, 1998: 95-96.

015

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 10-12.

016

DAVIES, 1998: 110.

017

Gazeta de Bragança, 17.4.1910, n.º 934.

018

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1924: 4. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1927: 4.

019

DAVIES, 1998.

020

PEDREIRA, 1991: 13.

312


125 anos de exploração

riu um novo item para o seu activo: uma locomotiva diesel 2-6-2 novinha em folha, comprada à firma Keutz de Colónia. Foi identificada com o n.º 31 e carinhosamente baptizada de Lydia. Chegou a Portugal literalmente em pedaços, sendo montada nas oficinas de Mirandela. Foi a primeira locomotiva diesel de via estreita a operar em Portugal, mas teve uma carreira bastante curta, em virtude do deflagrar da segunda guerra mundial. Ainda existia em 1957, acabando por ser desmantelada provavelmente antes de 1960021. Figura 124 – Locomotiva Lydya022

Quanto ao material rebocado, por volta de 1930 a Companhia Nacional detinha uma frota de 54 carruagens de passageiros: dois salões (AS1-2), sete carruagens de primeira classe (A11-17), dez carruagens mistas de primeira e segunda (AB51-57 e AB61-63), 11 carruagens de segunda (B81-91) e 24 carruagens de terceira (C121-144). Em 1951, todas as linhas que compunham a rede à excepção da linha de Cascais foram colocadas sob domínio da CP. Esta mudança de gestão traria alterações substanciais à composição do material circulante no Tua. Desde logo todo o conjunto original foi renumerado e incorporado na série E: as máquinas CN1 a CN16 passaram a E81 a E86 e as CN1 a CN24 tornaram-se E111 a 021

DAVIES, 1998: 76 e 97.

022

DAVIES, 1998: 96.

313


A linha do Tua (1851-2008)

E114 (e depois de 1974 a UIC 3-069081 a 086 e 3-089 111 a 114, respectivamente). Além disto, algumas destas máquinas que nunca tinham visto outras paisagens que não as do Tua, foram dispersadas pela rede: as locomotivas E83, E84, E85, E86, E111 e E114 foram colocadas nas linhas de via estreita do litoral (em torno do Porto e de Aveiro). Para substituir aquelas quatro máquinas, a CP transferiu do Dão para o Tua as locomotivas E51, E52, E55 e E56 (antigas CN1, CN2, CN5 e CN6 e futuras 3-059051 a 056023). Circularam sobretudo no troço entre Foz Tua e Mirandela, puxando comboios de serviço e mistos ou servindo como máquinas de manobras, tendo mais tarde circulado nas vias-férreas de bitola estreita do Corgo, Sabor e Porto024. Também uma das máquinas da linha de Guimarães (E71 ou E72, antigas n.º 4 e 5 da companhia de Guimarães) veio para Tua na década de 1950, tendo aqui ficado até 1963. Era uma 2-6-0T, construída em 1884 pela Societé Suisse pour la Construction de Locomotives et de Machines de Winterthur025. Em 1979, já não constavam do inventário da CP, pelo que terão sido abatidas entre 1963 e aquela data026. Figura 125 – Locomotiva E52, antiga CN2, Vizeu027

023

Arquivo CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985.

024

PEDREIRA, 1991: 10.

025

DAVIES, 1998: 35-36.

026

Arquivo CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979.

027

WINKWORTH, 2006: 38.

314


125 anos de exploração

A CP transferiu também diverso material rebocado entre as linhas de bitola estreita, o qual juntou ao que encontrou no Tua em 1951. Até 1980 e sobretudo na década de 1970, das linhas da Póvoa e de Guimarães vieram para o Tua duas carruagem de primeira classe, quatro carruagens mistas de primeira e terceira, nove carruagens de terceira, uma carruagem de bagagens e três carruagens mistas de terceira e bagagens/correio (as famosas napolitanas ou italianas assim chamadas por terem sido fabricadas em 1931 pela Oficine Meridionale SA de Nápoles). Das antigas linhas do estado, chegaram três carruagens de primeira classe, uma de terceira e três de bagagens. Por fim, desde a linha do Vouga arribaram ao Tua, cinco carruagens mistas de primeira e terceira classe, quatro de terceira, uma mista de terceira e bagagens e duas de bagagens. Em 1953, a CP desmantelou ainda os vagões-correio originais da CN, substituindo-os por novos veículos comprados à Linke-Hofmann. Todos estes veículos sofreram várias alterações ao longo dos anos e alguns deles operaram até à década de 1990, enquanto outros foram sendo desmantelados, vendidos ou transferidos para outras paragens. Uns poucos encontram-se preservados nos museus da CP028. Quanto a material de mercadorias, a CP manteve uma grande parte dos veículos que recebeu quando da Concessão Única, ao qual adicionou material do Vouga, do Dão e do caminho-de-ferro mineiro do Lena. Quase todo o material de dois eixos da CN foi usado até meados da década de 1980, altura em que foi sendo substituído por veículos de bogies provindos do Sabor. Segundo Davies, a CP geriu no Tua 50 vagões cobertos, 35 vagões de bordas baixas e 58 vagões de taipais altos, alguns deles reminiscências do tempo da CN, outros provindos de outras linhas. Os vagões cobertos incluíam três veículos especiais e 47 vagões ventilados com ligeiras diferenças entre si. A CP ficou ainda com os veículos especiais da CN: o guindaste móvel T1001 (renumerado para GE1381) e duas oficinas itinerantes. A empresa introduziu ainda 15 vagões cobertos JEy1-15, construídos por si em 1962. Eram grandes furgões com estrutura em aço e grandes portas deslizantes. Ficaram no Tua, até aos anos 1990 quando foram desmantelados à excepção de um que aparentemente foi reservado para museu029. A década de 1950 assistiu também à introdução do diesel no Tua, depois daquela tentativa fugaz na década de 1930 com a Lydya, e a algumas experiências com automotoras de dois eixos a gasolina. Estas eram veículos construídos em 1948 nas oficinas de Lisboa com peças de automóvel e motores Chevrolet. No Tua foram experimentadas as automotoras MEf2, MEf3 e MEf6 (depois de 1974, 9 0 94 6 019002, 3 e 6), no entanto os resultados das experiências não foram animadores e o uso destes 028

DAVIES, 1998: 55-62, 108-109, 151-152 e 205-212.

029

DAVIES, 1998: 113 e 169.

315


A linha do Tua (1851-2008)

railcars foi aqui descontinuado. O veículo MEf3 foi preservado em azul no museu de Macinhata do Vouga030. Figura 126 – Automotora a gasolina no vale do Tua031

Um muito maior sucesso seria alcançado pelas Allan, automotoras diesel-eléctricas de bogie dupla, compradas para as linhas de via estreita nacionais em 1955 à empresa com o mesmo nome, sedeada em Roterdão. Inicialmente, foi-lhes dado o identificador MEY 301 a MEY 310, que foi mais tarde alterado para 90 94 8 039301-9310 ou mais simplesmente, série 9300. Vieram acompanhadas de oito atrelados, originalmente, série REY 301-308 e depois série 50 94 28-29 301-308032. Chegaram numa altura em que os caminhos-de-ferro portugueses “viviam uma época de grande modernização e desenvolvimento devido à aposta na tracção diesel”, 030

Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário do Material Circulante. Situação referida a 31/12/79. [S. l.]: CP, 1979. Bastão-Piloto, n. 169 (Janeiro 1995): 13. DAVIES, 1998.

031

Agradeço ao dr. Albano Viseu por me ter cedido esta imagem.

032

Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Servicços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.]. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979. Trainspotter, n. 17 (2011): 11. GRILO, 1988: 56. GRILO, 1988-1989: 15

316


125 anos de exploração

com o propósito de melhorar a qualidade do serviço na rede de via estreita (que era à data considerado ineficiente em virtude da falta de material circulante e da antiguidade do mesmo) e de reduzir os custos com o dispendioso parque de locomotivas a vapor033. As Allan eram máquinas bastante modernas para a época, a nível de design, de parte mecânica, de caixa, de bogies e de freios (eléctrico combinado com pneumático), sendo consideradas mais rápidas, mais eficazes em termos de consumo e mais confortáveis para os passageiros034. A direcção da CP acreditava que elas podiam vir a ser uma maisvalia nas linhas de via estreita com alto tráfego ou com importante valor turístico035. Das dez automotoras que chegaram a Portugal, cinco foram colocadas nas linhas em torno do Porto e outras cinco no Tua036. Aqui os testes começaram nos primeiros meses de 1955 e foram bastante positivos, muito embora as Allan não fossem apropriadas para linhas tão curvilíneas – as experiências realizadas pela mesma altura no Corgo comprovaram isso mesmo: as Allan descarrilavam sempre entre Régua e Vila Real037. No dia 5 de Outubro de 1955 era realizada a primeira viagem oficial de uma Allan no Tua. A automotora, conduzida pelo maquinista Júlio dos Prazeres Pereira transportou altos membros da direcção da CP e alguns engenheiros holandeses da firma construtora desde o Tua até Bragança em boas condições técnicas e sem incidentes a registar038. O serviço propriamente dito iniciar-se-ia dez dias depois. Figura 127 – Automotora Allan em Mirandela039

033

OLIVEIRA, 1991: 17.

034

GRILO, 1988-1989: 15. WEEL & OLIVEIRA, 1991.

035

Boletim da CP, n. 321 (1956): 12.

036

GRILO, 1988-1989: 15.

037

CASTRO, 1996: 27. GRILO, 1988-1989: 36. OLIVEIRA, 1991: 29. VAZ, 1988: 44.

038

Boletim da CP, n. 317 (1955): 9.

039

Boletim da CP, n. 317 (1955): 9.

317


A linha do Tua (1851-2008)

Originalmente, foram pintadas de azul acinzentado claro com faixas horizontais vermelhas e numeradas com letras de bronze. No início da década de 1960 passaram a azul-escuro com faixa vermelha e tecto prateado. Algures nas décadas de 1960/1970, algumas perderam a lista vermelha. Na década de 1970, começaram por ostentar um vermelho e branco, com tecto e bogies castanhos e avental às riscas, mas mais tarde (1973?) o avental foi pintado unicamente de vermelho e tempos depois a frente foi remodelada às riscas diagonais vermelhas e brancas (para a tornar mais visível, uma preocupação pertinente em linhas com muitas passagens de nível, como era o caso das vias de bitola estreita portuguesas)040. O seu grau de sucesso foi bastante alto. Introduziram velocidades mais altas e tempos de viagem mais curtos, embora fossem obrigadas a fazer as curvas muito devagar e fossem algo propensas a incêndios, em virtude de os seus motores com sobrealimentação estarem instalados num espaço reduzido e não se adaptarem ao clima português. A sua robustez tornou-se lendária e qualquer avaria podia ser resolvida com as ferramentas mais simples041. A chegada das Allan teve impacto sobre o stock de carruagens de passageiros, pois também prestavam este serviço. Chegou, contudo, a verificar-se uma coexistência pacífica entre ambas: em alguns anos e em algumas viagens as automotoras holandesas chegaram a puxar carruagens de transporte de passageiros042. As Allan não mataram o vapor no Tua, que ainda foi usado na linha nas duas décadas seguintes, após melhoramentos introduzidos ao nível do consumo de carvão nas máquinas043. Depois da introdução das holandesas – como também eram chamadas – várias locomotivas a vapor foram colocadas ainda no Tua nas décadas de 1960 e 1970. Foi o caso do grupo que daqui foi transferido para o litoral nos anos 1950. As vias-férreas no litoral em torno do Porto ou de Aveiro eram naturalmente consideradas mais valiosas e como tal mais propensas à inovação. Nestas ferrovias, máquinas a vapor do século XIX ou de inícios do século XX tornavam-se obsoletas mais rapidamente e eram recambiadas para linhas de menor tráfego, como o Tua. Um bom exemplo desta política é a locomotiva E95, originária da linha do Vouga que veio para o Tua em 1976. Era uma locomotiva-tanque 2-6-0T construída em 1910 em França pela Decauville044.

040

GRILO, 1988-1989: 20. GRILO, 1996a: 8. OLIVEIRA, 1991: 21.

041

OLIVEIRA, 1991: 21. VICENTE, 2010: 93.

042

GRILO, 1988-1989: 36. OLIVEIRA, 1991: 29.

043

OLIVEIRA, 2010: 71-72.

044

Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1.ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. DAVIES, 1998: 199-200. OLIVEIRA & MARQUES, 1988: 34. PEDREIRA, 1991: 15.

318


125 anos de exploração

Figura 128 – Locomotiva E95, antiga VV2 do vale do Vouga045

Também algumas Mallet 0-4-0T, provenientes das antigas linhas do estado do Tâmega, Corgo e Sabor vieram para o Tua em 1975/1976. As Mallet eram locomotivas com rodados agrupados em dois bogies, um fixo e o outro articulado, o que, aliado à maior potência dos seus motores de dupla expansão, permitia uma melhor adaptação a vias mais curvilíneas046. Pelo menos as máquinas E163, E165, E166, E167, E169 e E170 (antigas MD403, MD405, MD406, MD407, MD409 e MD410 e futuras 3-069163-170) arribaram ao Tua, onde trabalharam até ao fim do vapor nesta linha. Faziam parte de uma série de locomotivas comprada à Henschel & Sohn entre 1905 e 1909047. O fim do vapor no Tua só seria precipitado em meados da década de 1970 pela introdução de locomotivas diesel-eléctricas na linha. Em 1974-1975, a CP adquiriu seis locomotivas usadas Alsthom (construídas em 1959) à empresa que geria o caminho-de-ferro de Tajuña, perto de Madrid, razão pela qual estas máquinas ficaram conhecidas como espanholas048. Eram máquinas Bo-Bo, com quatro eixos em dois 045

DAVIES, 1998: 190.

046

LUNA, 2003: 6. OLIVEIRA, 2010: 59.

047

Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1.ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. Trainspotter, n. 15 (2011): 29. CATALO, 1990: 15. DAVIES, 1998: 144-145.

048

Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. GRILO, 1997: 18. MUÑOZ RUBIO, 2005, vol. 1:

319


A linha do Tua (1851-2008)

bogies individuais, todos ligados aos seus próprios motores de tracção049. Chegaram a Portugal pintadas de azul, branco e cinzento050, mas foram redecoradas com o tradicional laranja escuro com riscas brancas diagonais na frente, castanho na cabine e o logotipo da CP em preto nos flancos. Foram também renumeradas com os n.ºs 9001 a 9006. Inicialmente cinco destas máquinas foram colocadas nas linhas do Tua e do Corgo, sendo depois reescalonadas para as linhas do Tâmega, Vouga e Porto051. Figura 129 – Locomotiva E166 na estação do Tua052

A CP ficou tão satisfeita com o desempenho destas máquinas que decidiu encomendar 11 novas locomotivas à Alsthom em 1976. Este lote tornou-se a série 9020/9030, com uma numeração entre o 9021 e 9031053. Funcionaram algum tempo na linha do Porto à Póvoa, tendo algumas delas vindo para o Tua054. As Alsthom trabalharam na rede nacional até meados da década de 1990/inícios do século XXI, sendo depois vendidas a diversos operadores africanos055. Trabalhavam sobretudo com as carruagens 445-449. 049

Maquetren, n. 42: 15-18. ALMEIDA, 2000: 17-18. DAVIES, 1998: 213.GOMES & GOMES, 2006: 159.

050

MARQUES, 1986: 22. PATULEIA, 1998: 21.

051

VAZ, 1988: 44. VICENTE, 2010: 95.

052

WINKWORTH, 2006: 35.

053

DAVIES, 1998: 213.

054

DIOGO, 1993: 22. GRILO, 1997: 19. MARQUES, 1992: 19.

055

GRILO, 1996b: 4. GRILO, 1997: 18. VICENTE, 2010: 95.

320


125 anos de exploração

napolitanas vindas das linhas do litoral para o Tua em meados da década de 1970. Figura 130 – Duas locomotivas da série 9000 e 9020/30056

A chegada destas máquinas nos anos 1970 levou à progressiva obsolescência dos seus antepassados a vapor. Em 1979, somente seis destas máquinas permaneciam no Tua: a E52, a E55, a E81, a E82, a E95 e a E114. Seis anos depois, em 1985, só quatro locomotivas se encontravam ainda ao serviço057. Em 1989, pelo menos a E114 ainda estava operacional, tendo realizado no mínimo uma viagem turística pelo vale do Tua058. O destino final das locomotivas que operaram no Tua foi diverso: ao passo que a E51, E53, E84 e E85 foram demolidas entre 1979 e 1985 e a E56 e a E112 alhures depois de 1986, a E52, E55, E83, E86, E111, E114, E163 e E167 foram preservadas em museus após a sua retirada de serviço: a E52 em Bragança e depois em Macinhata, a E55 também em Bragança, a E83 em Lousado, a E86 em Macinhata, a E111 primeiro em Bragança e depois em Macinhata, a E114 em Bragança, a E163 primeiro em Estremoz e depois no Entroncamento e a E167 em Lousado e mais tarde Arco de Baúlhe. A E53 foi colocada num pedestal na quinta do Santoinho, a E95 foi vendida para Espanha em 1979 para serviços turísticos, a E113 foi reparada em Guifões e armazenada em Sernada do Vouga, a E165 foi guardada em Livração, a E169 foi colocada num pedestal em Vila Real, enquanto a sua irmã E170 está a apodrecer na estação do Tua. O paradeiro da E166 é desconhecido, se bem que se saiba que estava a enferrujar no Tua em 1988/1992. Quanto à E81 e E82, foram usadas como fornecedoras de peças, mas a E82 acabou no museu de Bragança, onde ostenta orgulhosamente o N1059. 056

DAVIES, 1998: 284. Trainspotter, n.º 18: 17.

057

Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário do Material Circulante. Situação referida a 31/12/79. [S. l.]: CP, 1979. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985.

058

Bastão-Piloto, n.º 103 (Julho 1989): 12; n.ºs 113-114 (Maio-Junho 1990): 24. DIOGO, 1993: 22.

059

Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material

321


A linha do Tua (1851-2008)

Com a chegada das Alsthom, as Allan começaram também a ser transferidas para outras linhas designadamente para o Vouga060. Por volta de 1985, a CP só contava com quatro exemplares desta série 9300: 9301, 9303, 9308 e 9310. A automotora 9302 e a 9304 foram abatidas devido a incêndio em 1980 e 1984, respectivamente; as 9305 e 9307 foram guardadas em Sernada do Vouga; a 9306 foi transformada em comboiosocorro (embora alguns autores digam que ela foi destruída num incêndio em 1988061); e a 9309 foi destruída num incêndio em 1972 no Tua após colisão com a locomotiva E112062. As quatro sobreviventes foram renovadas com motores Volvo (1987), novos exteriores e novos interiores063. Foram mantidas em operação até 2001 quando foram armazenadas em Sernada do Vouga. Mais tarde, a 9301 foi vendida ao museu ferroviário do País Basco, a 9308 foi destruída num incêndio e a 9310 foi restaurada em Guifões, encontrando-se actualmente em exposição no Museu Nacional Ferroviário no Entroncamento064. Em 1980, a CP empreendeu novo processo de modernização do seu material circulante, adquirindo dez conjuntos usados de unidades quádruplas motorizadas a diesel aos caminhos-de-ferro jugoslavos. Eram unidades fabricadas entre 1963 e 1969 em Brod pela Duro Dakovic para efectuar serviço nas linhas de via estreita (760 mm) da Herzegovina, Sérvia e Dalmácia. Tinham sido bastante bem sucedidas, conseguindo melhorar (e substituir) o serviço prestado pelo vapor e diminuir os tempos de viagem com as suas velocidades máximas de 60 km/h em linhas com rampas até 25 mm/m. Apesar disto, as autoridades jugoslavas decidiram encerrar algumas destas linhas de via estreita e as Duro Dakovic passaram a ter como destino a sucata ou a reconversão para bitola de 1,44 m até que a CP apareceu com uma proposta de compra065. Chegaram a Portugal em 1980, tornando-se na série 9700 ou jugoslavas. Foram pintadas de vermelho e branco com tecto castanho e (mal) adaptadas à bitola métrica. Depois de alguns testes na rede centrada no Porto, foram enviadas para as linhas do

circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. Bastão-Piloto, n.º 92 (Agosto 1988): 41. BastãoPiloto, n.s 113-114 (Maio-Junho 1990): 24; n. 169 (Janeiro 1995): 13 e 20. Trainspotter, n. 15 (2011): 29. BONIFÁCIO, 1993: 15. DAVIES, 1984: 2, 23 e 24. DAVIES, 1998: 91-95. DIOGO, 1993: 22. FERREIRA, 1988: 27-28. GRILO, 1997: 19. MARQUES, 1989: 24 e 36. MARQUES, 1992: 13. PEDREIRA, 1991:8, 10, 13 e 16. 060

Trainspotter, n. 17 (2011): 11. GRILO, 1988-1989: 16 e 36. GRILO, 1988: 56.

061

GRILO, 1988-1989. OLIVEIRA, 1991: 29.

062

GRILO, 1988-1989: 15-16. OLIVEIRA, 1991: 29.

063

GRILO, 1988: 56. GRILO, 1988-1989: 18. OLIVEIRA, 1991: 27.

064

Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.]. Trainspotter, n. 17 (2011): 11. NUNES et al., 2008.

065

GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1989: 6. GRILO, 1996a: 6.

322


125 anos de exploração

Vouga, Tua (pelo menos as automotoras 9721, 9727, 9729, 9731, 9732 e 9737066), Corgo e Tâmega. Infelizmente, os motores FIAT davam muitos problemas, bem como a transmissão, a suspensão, as portas automáticas e as tubagens dos sistemas hidráulicos067. Os conjuntos foram alterados para unidades triplas e unidades duplas, mas nada disto resolveu aqueles problemas. Por tudo isto as Duro Dakovic foram alcunhadas de Xepas, em homenagem a Dona Xepa, uma personagem coxa de uma telenovela brasileira com o mesmo nome068. No Tua, as Xepas foram sucessivamente remendadas com peças das unidades encostadas no sentido de lhes prolongar a vida útil e melhorar as condições de utilização069. Apesar disto, o seu desempenho não melhorou sobremaneira, pelo que foram paulatinamente encostadas em favor das locomotivas das séries 9000 e 9020-9030. Em 1990, no Tua, já só circulava este material, tendo as Xepas sido transferidas para o Vouga070. Figura 131 – Esquema das automotoras da série 9500071

066

DIOGO, 1993: 22.

067

GRILO, 1989: 7-11 e 15.

068

GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1989: 7-8. GRILO, 1996a: 6. NUNES et al., 2008.

069

GRILO, 1989: 11-15.

070

DAVIES, 1998: 280. GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1996a: 7. NUNES et al., 2008. MARQUES, 1992: 14.

071

GRILO, 1996b: 5.

323


A linha do Tua (1851-2008)

Algumas das Xepas deram origem à série 9400, que por sua vez serviu de corpo em 1995 à criação dos LRV2000 ou série 9500072. Foram construídos nove veículos desta série na EMEF. As carroçarias tornaram-se mais altas e mais modernas, com grandes superfícies vidradas, assemelhando-se a um autocarro de passageiros. Podiam circular isoladamente ou em unidades duplas073. Depois de alguns testes nas linhas da Póvoa e de Guimarães, foram espalhados pelas linhas do Tâmega, Corgo e Tua, ao serviço do metro de superfície de Mirandela (veículos 9503 a 9506, respectivamente Lisboa, Bruxelas, Paris e Estrasburgo). Especificamente para o Tua, foram pintados em verdeclaro e bege074. A principal consequência da sua chegada foi a retirada das carruagens napolitanas. Já no século XXI, os LRV passaram a fazer serviço em toda a linha do Tua (até Mirandela), sendo em duas destas viagens que o Lisboa e o Bruxelas se envolveram em acidentes em 2007 e 2008, algo que levaria ao encerramento da linha entre FozTua e Cachão. Actualmente, somente o Paris e o Estrasburgo operam no serviço de metro ligeiro de Mirandela.

072

GOMES & GOMES, 2006: 195-196. GRILO, 1996b: 4 e 9. NUNES et al., 2008.

073

GRILO, 1996b: 5.

074

FERREIRA, 2013: 13-14.

324


125 anos de exploração

5.2. DA COMPANHIA NACIONAL À CP Eduardo Beira075

Os primeiros anos do século XX foram marcados por um aumento da procura e consequentemente do tráfego ferroviário. Entre 1895 e 1913 a distância anual percorrida por comboios em Portugal mais do que duplicou, de pouco mais de 3 milhões de km naquele primeiro ano para pouco menos de 7 milhões no segundo076. Em 1902, pela primeira vez, o caminho-de-ferro em Portugal ultrapassou a fasquia dos 3 milhões t de mercadorias transportadas (mais precisamente 3.445.000 t). Até 1916, os volumes transportados cresceram para lá da 6.500.000 t077. A linha do Tua reflectiu parcialmente este comportamento, como se pode ver nos gráficos seguintes. No Tua, o crescimento no transporte de passageiros e mercadorias foi paulatino desde finais da década de 1890 (com maior flutuação no caso das mercadorias). No entanto, a quebra no transporte de mercadorias (a partir de 1910) foi mais precoce do que no transporte de pessoas (em 1915). Em termos de receita bruta real (a preços constantes), a Companhia Nacional conheceu um período áureo no segundo lustro da primeira década do século XX (graças sobretudo ao transporte de mercadorias, na secção até Mirandela e aos serviços de bens e passageiros na secção de Bragança). A abertura da linha de Bragança contribuiu para este bem-estar económico, no entanto a própria via original de Foz-Tua a Mirandela registou também ela um significativo aumento da receita bruta. 075

IN+ Center for Innovation, Technology and Policy Research (Instituto Superior Técnico).

076

SANTOS, 2010: 149. SANTOS, 2011: 172.

077

VALÉRIO, 2001: 373.

325


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 6 – Evolução do número de passageiros/ano nas linhas de Mirandela e Bragança078

Gráfico 7 – Evolução do volume de mercadorias transportadas nas linhas de Mirandela e Bragança079

078

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

079

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

326


125 anos de exploração

Gráfico 8 – Receita bruta do transporte de passageiros e mercadorias nas linhas de Mirandela e Bragança a preços correntes080

Gráfico 9 – Receita bruta do transporte de passageiros e mercadorias nas linhas de Mirandela e Bragança a preços constantes de 1914081.

080

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

081

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

327


A linha do Tua (1851-2008)

Em virtude do aumento de procura verificado, foram realizados alguns melhoramentos nas linhas. Nas vias-férreas do estado, os troços de tráfego mais intenso (entre o Barreiro e Vendas Novas e entre Porto e Ermesinde) foram renovados e duplicados. Compraram-se também novas locomotivas e fabricaram-se novas carruagens e vagões. A CP conseguiu duplicar troços, instalar novos sistemas de sinalização, melhorar estações e obras de arte e adquirir material circulante. Nos caminhos-de-ferro das demais companhias também se realizaram alguns investimentos, sobretudo ao nível dos edifícios das estações e da renovação da via082. A implantação da república em 1910 levantou alguns obstáculos à exploração ferroviária em Portugal. Da mudança de regime resultou um aumento significativo da inflação, que veio acompanhada pelas reivindicações dos ferroviários nacionais, que encontraram no poder um apoio que nunca antes haviam usufruído. As greves sucederam-se até 1911, paralisando toda a rede. Da luta resultou um aumento dos benefícios dos trabalhadores083. Coincidentemente, foi a partir daquele ano que a receita bruta da Companhia Nacional passou a decrescer continuamente. Contudo, o maior desafio enfrentado pelos caminhos-de-ferro portugueses e europeus foi trazido pela primeira guerra mundial. O conflito pôs fim ao período de prosperidade verificado na primeira década de novecentos e impôs mudanças profundas nos sistemas de mobilidade e transporte. Se por um lado a procura do serviço aumentou (inclusivamente para lá das capacidades de transporte dos caminhos-de-ferro nacionais), os preços dos combustíveis e materiais necessários à exploração também subiram e mais que proporcionalmente. O crescimento da receita não foi capaz de cobrir o incremento das despesas de exploração, o que fez com que as operações ferroviárias entrassem em desequilíbrio económico. As principais companhias viram-se impossibilitadas de suportar integralmente as suas cargas financeiras, enquanto os operadores mais pequenos, como a Companhia Nacional, se viram forçados a suspender a distribuição de dividendos084. No caso da linha do Tua, a guerra afectou minimamente o serviço de passageiros. De facto é em plena guerra que a taxa de ocupação das carruagens da Companhia Nacional na secção de Mirandela ultrapassa os 50% (na linha de Bragança isto já acontecia desde 1911), como se pode observar no gráfico seguinte.

082

SANTOS, 2010: 149. SANTOS, 2011: 173-174.

083

SANTOS, 2011: 174.

084

SANTOS, 2010: 150. SANTOS, 2011: 185-188.

328


125 anos de exploração

Gráfico 10 – Taxa de ocupação dos passageiros nas linhas de Mirandela e Bragança085

Muito maior impacto foi sentido no serviço de mercadorias, que continuou a registar um contínuo e acentuado declínio (que já se fazia sentir desde 1909) até ao fim do conflito. Em termos de receita nominal, esta manteve-se, mas os efeitos da inflação fizeram-se sentir e a receita em termos reais entrou em queda livre (ver gráficos 8 e 9). A percepção deste problema por parte das autoridades portuguesas não foi imediata, sendo encarada como um sintoma de uma crise conjuntural ligada à situação de guerra que então se vivia. Os concessionários acreditavam que um aumento de tarifas podia restabelecer o equilíbrio económico perdido e fazer retornar a exploração ferroviária à prosperidade de início do século. No entanto, em virtude da inexistência de alternativas de transporte credíveis ao caminho-de-ferro, um aumento das tarifas reflectir-se-ia negativamente no nível de vida das populações e na economia em geral, além de ser impopular do ponto de vista político. Por outro lado, a falência das companhias e a paralisação do movimento ferroviário faria colapsar a economia pela mesma razão da falta de alternativas de viação acelerada086. Os governos acabariam por ceder aos argumentos das concessionárias e permitir aumentos sucessivos das tarifas. Estes incrementos eram considerados temporários, 085

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

086

SANTOS, 2010: 150. SANTOS, 2011: 188-189.

329


A linha do Tua (1851-2008)

mas acabaram por ser prorrogados indefinidamente087. A nível social, estes agravamentos estimularam os protestos das populações, que se viam a pagar mais por um serviço que, dias após dia, apresentava menor qualidade. Na tabela e nos gráficos seguintes, pode-se perceber que os anos mais próximos do conflito registaram um maior número de incidentes (acidentes, mortos e feridos) nas linhas nacionais. Nos primeiros anos da década de 1920, o número destes incidentes reduziu-se para aumentar novamente a partir do segundo lustro deste decénio. Tabela 5 – Evolução do número de acidentes, feridos e mortos nos caminhos-de-ferro nacionais e na linha do Tua (1917-1928)088 Ano

1917

1918

1919

1920

Linha de Mirandela

Linha de Bragança

Total linha do Tua

% linha do Tua

Evento

Total da rede

Acidentes

2.038

8

5

13

0,64%

Feridos

1.698

4

3

7

0,41%

Mortos

47

0

0

0

0,00%

Acidentes

2.504

9

8

17

0,68%

Feridos

1.704

4

5

9

0,53%

Mortos

84

1

0

1

1,19%

Acidentes

2.020

2

5

7

0,35%

Feridos

1.355

0

1

1

0,07%

Mortos

97

0

1

1

1,03%

Acidentes

1.261

0

1

1

0,08%

Feridos

1.085

1

1

2

0,18%

Mortos

122

1

1

0,82%

087

SANTOS, 2010: 150.

088

Anuario Estatistico de Portugal, 1917: 128; 1919:110-111; 1921: 276-277; 1923: 184-185; 1924:178-179; 1925: 206-207; 1926: 240-241; 1927: 312-313; 1928: 334-335. Não encontramos mais dados sobre este assunto nos anuários dos anos seguintes.

330


125 anos de exploração

Ano

1921

1922

1923

1924

1925

1926

1927

1928

Linha de Mirandela

Linha de Bragança

Total da rede

Acidentes

1.380

0

1

1

0,07%

Feridos

1.285

1

2

3

0,23%

Mortos

101

1

0

1

0,99%

Acidentes

350

s/d

s/d

s/d

s/d

Feridos

296

s/d

s/d

s/d

s/d

Mortos

71

s/d

s/d

s/d

s/d

Acidentes

664

1

1

2

0,30%

Feridos

406

0

1

1

0,25%

Mortos

90

0

0

0

0,00%

Acidentes

709

1

0

1

0,14%

Feridos

497

1

0

1

0,20%

Mortos

94

0

0

0

0,00%

Acidentes

1.975

2

7

9

0,46%

Feridos

1.952

1

5

6

0,31%

Mortos

92

0

0

0

0,00%

Acidentes

2.544

0

0

0

0,00%

Feridos

2.418

0

0

0

0,00%

Mortos

75

0

0

0

0,00%

Acidentes

774

0

0

0

0,00%

Feridos

2.876

0

1

1

0,03%

Mortos

134

0

0

0

0,00%

Acidentes

920

0

0

0

0,00%

Feridos

2.389

1

8

9

0,38%

Mortos

146

0

2

2

1,37%

331

Total linha do Tua

% linha do Tua

Evento


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 11 – Acidentes registados na rede geral e na linha do Tua089

Gráfico 12 – Feridos registados na rede geral e na linha do Tua090

089

Anuario Estatistico de Portugal, 1917: 128; 1919:110-111; 1921: 276-277; 1923: 184-185; 1924:178-179; 1925: 206-207; 1926: 240-241; 1927: 312-313; 1928: 334-335. Não encontramos mais dados sobre este assunto nos anuários dos anos seguintes.

090

Anuario Estatistico de Portugal, 1917: 128; 1919:110-111; 1921: 276-277; 1923: 184-185; 1924:178-179; 1925: 206-207; 1926: 240-241; 1927: 312-313; 1928: 334-335. Não encontramos mais dados sobre este assunto nos anuários dos anos seguintes.

332


125 anos de exploração

Gráfico 13 – Mortos registados na rede geral e na linha do Tua091

Contudo, os aumentos das tarifas não impediram que várias empresas, entre as quais a Companhia Real e a Companhia Nacional, decretassem a suspensão de pagamento de dividendos. Rapidamente se entendeu que a medida não era uma solução praticável. Pensou-se então em diminuir o peso dos obrigacionistas estrangeiros na gestão da ferrovia em Portugal, designadamente na gestão da CP. Em 1918, o parlamento aprovou uma lei que permitia ao estado reforçar a sua posição accionista na CP e tornar-se o principal detentor de ações da companhia092. Entretanto, o fim da guerra não trouxe o desejado regresso ao período de vacas gordas de inícios do século XX. As dificuldades resultavam agora da depreciação do escudo. Uma vez que o combustível e demais materiais para a operação ferroviária eram comprados no estrangeiro, a desvalorização do escudo traduziu-se num aumento dos custos operacionais (uma tonelada de carvão que custava 5 escudos antes da guerra, valia 270 escudos depois do fim do conflito). Simultaneamente, o sindicalismo ferroviário tinha acumulado suficiente poder para impor as suas reivindicações, agravando o estado financeiro das concessionárias. Até 1926 e o advento da ditadura, as greves sucederam-se, algumas das quais com excepcional duração e violência. O serviço prestado deteriorava-se e os governos tomaram consciência de que a sua regularização (e ainda o aumento da rede) não passaria pela iniciativa privada, mas sim pelo estado. As principais companhias ferroviárias (Companhia Real e Companhia da Beira Alta) 091

Anuario Estatistico de Portugal, 1917: 128; 1919:110-111; 1921: 276-277; 1923: 184-185; 1924:178-179; 1925: 206-207; 1926: 240-241; 1927: 312-313; 1928: 334-335. Não encontramos mais dados sobre este assunto nos anuários dos anos seguintes.

092

SANTOS, 2011: 190-195.

333


A linha do Tua (1851-2008)

viviam em regime de convénio e nem podiam pensar em distribuir dividendos aos accionistas, quanto mais melhorar o serviço ou alargar as suas concessões. Empresas mais pequenas como a Companhia Nacional também se encontravam sob os efeitos de concordatas com os credores e nem sempre conseguiam remunerar os detentores das suas acções. Além do mais os valores reais dos subsídios garantidos pelo estado afundaram-se pelo efeito da inflação. A preocupação dos executivos centrou-se então em chegar a um novo ordenamento do sector, que unificasse a malha férrea sob menos entidades, no sentido de diminuir os custos de exploração, uma medida preceituada também em outros países europeus093. Apesar do aumento da receita real experimentado pela Companhia Nacional no pós-guerra, o aumento mais que proporcional dos custos de exploração colocaram-na numa situação financeiramente difícil. Como se pode ver nos gráficos seguinte, o lucro operacional após 1918 atingiu valores de finais do século XIX. Mas ao passo que neste período, a garantia de juro complementava robustamente o lucro operacional da empresa, na década de 1920, o valor real do subsídio era irrisório em virtude de este não acompanhar a evolução da inflação. Se a isto juntarmos os custos financeiros da companhia, compreendemos que a sua situação financeira estava longe de ser saudável. Gráfico 14 – Lucro operacional e garantia de juro das linhas próprias (Tua e Viseu/Dão) e das linhas arrendadas (Corgo e Sabor) da Companhia Nacional, a preços constantes de 1914094

093

SANTOS, 2011: 203-206, 213, 221 e 231.

094

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

334


125 anos de exploração

Gráfico 15 – Lucro líquido da Companhia Nacional, a preços constantes de 1914095

Em finais de 1919, o governo nomeou uma comissão para analisar o problema ferroviário. O plano delineado consistia em resgatar todos os caminhos-de-ferro e agrupá-los juntamente com os do estado sob a tutela de uma entidade única, que se encarregaria da exploração integral da rede. Com a redução dos custos permitida por esta medida, seria teoricamente possível melhorar o serviço e ampliar a quilometragem de ferrovias em Portugal. Porém, este plano enfrentava sérias dificuldades ligadas aos aspectos burocráticos dos resgates e ao volumoso capital que o estado teria que despender para os levar a cabo. A própria redução de custos preconizada poderia esbarrar na uniformização salarial dos funcionários das diversas companhias, que teria que ser feita pelos valores salariais mais altos096. A solução passou assim pela continuação da aplicação de sobretaxas sobre as tarifas, feita em moldes legais que não agravasse financeiramente o futuro resgate das linhas. O produto destes incrementos tarifários não seria tomado em conta na altura de calcular a anuidade a pagar em consequência do resgate e deveria ser aplicado à cobertura do défice de exploração e dos encargos financeiros, ficando o remanescente para o estado. Obviamente, as concessionárias não viram esta medida com bons olhos e até 1926 desenvolveram uma relação algo conflituosa com o estado. Em suma, começou-se a perceber que o plano de concentração da exploração tal como visionado até então não era praticável. Iniciou-se também o desenho de outra estratégia que passava pelo resgate das companhias mais pequenas e da linha da Beira 095

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

096

SANTOS, 2010: 153. SANTOS, 2011: 208-212.

335


A linha do Tua (1851-2008)

Alta e pela sua entrega, juntamente com os caminhos-de-ferro do estado, à CP097. Inicialmente, porém, acordou-se a manutenção das concessões e das companhias privadas, as quais seriam auxiliadas pelo estado através da aquisição de mais material circulante. As indemnizações devidas pela Alemanha a Portugal na sequência da sua derrota na primeira guerra mundial, que podiam ser pagas em material ferroviário, constituíram uma excelente oportunidade para pôr este plano em prática. Em troca, as companhias reconheciam a existência de um capital público, que podia ser remunerado e que podia ser descontado em caso de resgate antecipado da concessão098. Isto não afastou da ordem do dia o projecto de concentração da rede ferroviária nacional. Aliás, o congresso económico de Coimbra, realizado em 1922, confirmou que essa ideia não tinha sido excluída do debate, mas tinha sido depurada da necessidade de resgate das concessões por parte do estado. Era substituída por uma hipotética cooperação entre os poderes públicos e as companhias privadas e uma fusão voluntária destas numa só entidade, a quem seriam entregues as ferrovias públicas e privadas. Ademais, preconizava-se uma fusão selectiva conforme os caminhos-de-ferro fossem de via larga ou estreita099. Entretanto, os deficits das linhas nacionais agudizavam-se sem que os sucessivos aumentos das tarifas tivessem consequências reais. No início da década de 1920, o estado gastava 25 mil contos com as suas linhas: 12 mil para salários e 13 mil para cobrir o deficit de exploração. Só em 1921, a CP computava um deficit de 11.865 contos, aos quais se juntavam 6.953 dos exercícios anteriores100. Até finais de 1923, Portugal não conseguiu implementar mais que medidas circunstanciais para resolver o problema ferroviário. Estas medidas permitiram manter o serviço, se bem que com várias deficiências, mas ao mesmo tempo iam desgastando a fazenda pública, não se constituindo por isso como uma solução viável a médio e longo prazo. Só a partir de 1924 se começaram a estudar medidas destinadas a suprir as falhas estruturais do sector ferroviário nacional. Neste ano, foi nomeada uma comissão encarregada de determinar as melhorias a introduzir-se nos caminhos-de-ferro do estado no sentido de aumentar a qualidade do serviço. A comissão concluiu que a melhor solução era arrendar as linhas públicas a privados, algo que, porém, só seria possível se se alcançassem níveis de reorganização mínimos. Para os alcançar foi encarregado o engenheiro Pinto Teixeira, nomeado administrador geral dos caminhosde-ferro do estado101. 097

SANTOS, 2010: 150. SANTOS, 2011: 214 e 216-217.

098

SANTOS, 2011: 223-224

099

SANTOS, 2011: 226-230.

100

SANTOS, 2011: 231 e 234.

101

SANTOS, 2011: 235 e 278.

336


125 anos de exploração

Neste ano e nos seguintes, a moeda nacional conheceu uma valorização, o que teve como consequência uma diminuição do preço do carvão e dos materiais para a exploração. Simultaneamente, o volume de tráfego aumentou e as próprias companhias começaram a produzir internamente aquilo que usualmente importavam. Em 1925, inaugurou-se também a linha do Sado, que encurtou sobremaneira a viagem entre Lisboa e o Algarve. Com a chegada de novo material circulante alemão (à laia de compensação de guerra), o serviço prestado aumentou de qualidade. Tudo isto permitiu aos caminhos-de-ferro portugueses passar por um período de alguma recuperação económica102. Com o golpe de estado de 28 de Maio de 1926, que instaurou uma ditadura militar em Portugal, foram retomados os esforços de agrupamento das diferentes vias-férreas numa só entidade, que no fundo punham em prática a principal conclusão do relatório elaborado em 1924 (arrendamento das linhas do estado). O primeiro passo foi tomado no sentido de fundir as companhias de Guimarães e do Porto à Póvoa e Famalicão na recém-criada Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal. Ao mesmo tempo, o governo ditatorial negociava secretamente com a CP (de quem aliás era o principal accionista), tendo em vista entregar-lhe a gestão de toda a rede nacional, e fazia aprovar leis amplamente favoráveis às empresas ferroviárias. Por seu lado, a CP adquiriu a Companhia do Mondego (do ramal da Lousã) e a Companhia dos Caminhos de Ferro Meridionais (que detinha o ramal de Setil), as quais já dominava financeiramente desde a sua matriz103. Em 1926-1927, o estado colocou em hasta pública o arrendamento das linhas sob sua tutela (Minho, Douro, sul e sueste, de via larga, e Tâmega, Sabor e Corgo, de via estreita). Concorreram sete entidades, mas o contrato foi assinado com a CP (a 11 de Março de 1927). Contudo, perante a alegada falta de vocação da CP para a exploração de caminhos-de-ferro de bitola reduzida, a companhia decidiu subarrendar as linhas do Tâmega, do Corgo e do Sabor. A primeira ficou sob tutela da Companhia do Norte, ao passo que as restantes foram entregues à Companhia Nacional. Ambas as empresas estavam extremamente optimistas com o negócio, no entanto este optimismo era completamente descabido. A CP tinha consciência de que a exploração daqueles caminhos-de-ferro nunca seria remuneradora, pelo que criou a justificação da falta de vocação para os entregar a outrem104. A nível geral, a CP (cujo principal accionista era o estado) ficava com o domínio dos eixos mais importantes da rede, à excepção da linha da Beira Alta105. 102

SANTOS, 2011: 274, 276-277.

103

SANTOS, 2010: 155. SANTOS, 2011: 278-280

104

SANTOS, 2011: 443.

105

SANTOS, 2010: 155. SANTOS, 2011: 282, 284-285 e 288.

337


A linha do Tua (1851-2008)

As medidas da ditadura militar reflectiram-se modestamente no panorama do sector, não se construindo novos caminhos-de-ferro, não se introduzindo melhorias significativas nos já existentes (uma vez que a CP estava ainda sob os efeitos do convénio não podia fazer investimentos nas suas linhas), nem se reduzindo os custos de exploração (pois as explorações das vias da CP e das antigas ferrovias do estado se mantiveram separadas). A única grande conquista desta medida foi a severa repressão dos movimentos sindicais associados à ferrovia. Tudo isto fez com que se começasse a criticar a forma como o arrendamento das linhas públicas fora feito106. Do lado das companhias subarrendatárias das linhas de via estreita do estado, cedo se percebeu o erro que o negócio fora. Na Companhia Nacional, como se pode ver nos gráficos 14 e 15, a exploração dos caminhos-de-ferro do Corgo e do Sabor foi sempre deficitária até 1945, anulando por completo o lucro operacional que a empresa retirava da rede própria. Em consequência os prejuízos acumularam-se até 1945 (à excepção do biénio 1935-1936). Chegadas à década de 1930, as empresas ferroviárias nacionais e europeias tiveram que enfrentar uma dupla ameaça: a crise da economia ocidental e o advento da concorrência automóvel. Em Portugal, a gestão do sector dos transportes foi ainda marcada pela criação da junta autónoma de estradas (em 1927) e por uma maior aposta no desenvolvimento da rede viária, sobretudo a partir de 1930107. Em todo o caso, uma comissão técnica nomeada pelo governo ditatorial tinha uma interpretação diferente da relação entre caminho-de-ferro e estrada. Para estes técnicos, os automóveis destinavam-se a servir percursos curtos e a transportar cargas mais reduzidas, enquanto os comboios estavam vocacionados para distâncias mais longas e para o transporte de grandes volumes. Além do mais, em zonas de baixa densidade populacional, a estrada teria supremacia face à ferrovia. Em suma, o relatório final considerava que o automóvel não era concorrente, mas sim complementar ao caminho-de-ferro. A comissão era composta por homens prestigiados, mas cuja formação era tipicamente do século XIX. Gerações de técnicos mais novas preferiam que o investimento se direcionasse para os principais eixos ferroviários já existentes e para a construção de estradas em vez de novos caminhos-de-ferro. Fosse como fosse, a verdade é que em 1930 foi aprovado um novo plano ferroviário que praticamente duplicava a rede ferroviária nacional e que incluía linhas cuja racionalidade do investimento era muito duvidosa em face do desenvolvimento da tecnologia automóvel108.

106

SANTOS, 2010: 155. SANTOS, 2011: 302, 305 e 385.

107

SANTOS, 2011: 367, 383 e 408.

108

SANTOS, 2011: 336-341.

338


125 anos de exploração

Mapa 28 – O plano ferroviário de 1930109

De facto, a este plano ferroviário respondia o engenheiro Jales de Guimarães que “aconselhar a construção de 1.726 quilómetros de via larga e 2.077 de via reduzida num momento em que o tráfego automóvel está tomando um extraordinário desenvolvimento e provocando quebras importantes nas receitas das linhas férreas existentes

109

Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º 1167, 1.8.1936: 405.

339


A linha do Tua (1851-2008)

não me parece o melhor processo de servir o interesse colectivo”110. O governo da ditadura concordava. Na verdade, os efeitos do plano de 1930 foram nulos e as prioridades do investimento do estado incidiram sobre portos e estradas. As linhas construídas até 1950 tinham sido decretadas muito antes do advento da ditadura. Paralelamente, a rede viária nacional – de custos fixos e variáveis mais baixos – crescia robustamente. Entre 1925 e 1950 a extensão das estradas nacionais (não se incluem estradas distritais, nem municipais, nem de serviço) aumentou mais de 3 mil km, de 13.388 km no primeiro ano para 16.746 km no segundo, o que corresponde a um aumento de cerca de 25%. No mesmo período, a rede ferroviária cresceu apenas 200 km111. Nos distritos de Trás-os-Montes (Vila Real e Bragança), havia 806 km de estradas nacionais em 1917; em 1925, esse valor subira apenas 33 km para 839 km; em 1930 nota-se já um incremento substantivo na extensão da rede rodoviária nacional na província para 1.289 km (estradas nacionais de primeira e segunda classe); por fim em 1950, a soma da extensão das estradas nacionais em Bragança e Vila Real era de 1.718 km, valor mais que duplo do de 1925112. Através da análise do número de veículos automóveis registados anualmente em Portugal, em especial a partir de 1927, tem-se também uma clara percepção das palavras de Jales Guimarães e da profunda alteração que se iria sentir no quadro da mobilidade nacional. Em 1920, estavam registados em Portugal 5 a 7 mil veículos automóveis, mas em 1930 esse valor ascendia a 34-37 mil113. Só os veículos de transporte público rodoviário, combinados com as estradas, serviam uma extensão de 7.963 km em 1930. Em 1950, 1.876 veículos serviam pouco menos de 13 mil km. Isto contra os cerca de 3.500 km de linhas-férreas em operação no mesmo período. Em 1935, nos transportes rodoviários viajaram cerca de 11 milhões de passageiros. A ferrovia no mesmo ano transportou 25 milhões de pessoas. Em 1950, a diferença no transporte de passageiros entre estrada e caminho-de-ferro diminuiu: 31 e 44 milhões, respectivamente. Quanto ao valor do transporte de mercadorias, em 1930, os comboios nacionais transportaram mais de 8 milhões t de bens. Era o valor mais alto de sempre (que só seria superado na década de 1990). No entanto, até ao deflagrar da segunda guerra mundial o valor flutuou entre as 4 e as 7 milhões t. Depois do conflito o transporte de mercadorias por caminho-de-ferro entrou em declínio só superando a fasquia dos 4 milhões t por uma vez (em 1956) até à década de 1970114. Já os camiões conheceram 110

Apud. SANTOS, 2011: 342.

111

SANTOS, 2011: 418. VALÉRIO, 2001: 363-364 e 374-375.

112

Anuario Estatístico de Portugal, 1917: 112; 1925: 196; 1950: 211.

113

GOMES, 2014. VALÉRIO, 2001: 366.

114

VALÉRIO, 2001: 369 e 374-375.

340


125 anos de exploração

um extraordinário desenvolvimento da sua actividade: se em 1934 carregaram apenas 550 t de mercadorias, seis anos depois transportaram mais de 4 mil t115. Ademais, os novos serviços de transporte rodoviário não procuraram as áreas não servidas de caminhos-de-ferro, mas sim as regiões de maior densidade populacional e procura, entrando assim em concorrência directa com a ferrovia. O sector rodoviário era ferozmente concorrencial (sobretudo após a introdução dos motores diesel116) por estar assente em pequenas empresas mais pequenas, requerendo menor investimento, e por não estar onerado com custos fixos muito elevados. Não tinha a seu cargo a responsabilidade da infra-estrutura, nem tinha as obrigações que o estado impunha ao transporte por caminho-de-ferro. Este facto, derivado da falta de regulamentação legal sobre o sector das rodoviárias, comprova também que o caminho-de-ferro não conseguiu satisfazer integralmente a procura de transporte, ou por falta de capacidade ou por falta de qualidade do serviço prestado. Em consequência, as receitas flutuavam no sentido descendente e eram acompanhadas de agravamentos sucessivos dos deficits na contabilidade das companhias ferroviárias nacionais (sobretudo a partir de 1930 e por causa da concorrência automóvel). A CP, por exemplo, entrou nesta década em situação deficitária, vivendo desde então com as ajudas do estado, que se intensificaram sucessivamente ao longo dos anos. As concessionárias queixavam-se ao governo desta situação, solicitando medidas no sentido de transformação da relação estrada-caminho-de-ferro numa relação de cooperação, mas o governo só as auxiliava no mínimo do possível para evitar a suspensão do serviço117. Na região servida pela linha do Tua, podemos analisar os dados de Mirandela e freguesias circundantes. A partir da década de 1920, detecta-se no tecido empresarial deste concelho uma variedade de novas companhias e de novos serviços que preanunciavam o futuro. Em 1920, Mirandela já era servida por uma praça de táxis (automóveis de aluguer de Augusto César Ribeiro, Clemente de Sá Pinto e José Maria Teixeira), que faziam concorrência às carreiras diárias de diligência que partiam da princesa do Tua para Chaves, Valpaços e Torre de D. Chama. No resto da região, muitas das ligações eram ainda feitas por diligência118. Porém, em 1930, já existiam carreiras diárias de automóveis para Chaves, Valpaços e Torre de D. Chama, tendo crescido o contingente da praça de carros de aluguer. Naquele ano, a praça era composta por um total de sete alvarás (concedidos a António Joaquim Mota, António Pereira, Artur Pereira, Clemente de Sá Pinto, Empresa de Transportes Mecânicos, João Alves e Álvaro Moreno & C.ª). No dealbar da década de 115

SANTOS, 2011: 370.

116

SANTOS, 2011: 519.

117

GOMES, 2014. SANTOS, 2011: 370-371, 375-379, 408-409 e 539-540.

118

GOMES, 2014.

341


A linha do Tua (1851-2008)

1930, a cidade dotara-se de um estabelecimento de venda e reparações de automóveis (a sociedade Álvaro Moreno & C.ª acumulava a venda e a reparação de carros com o seu aluguer) e dois postos fixos de venda de gasolina das duas empresas do sector: a Shell (agenciada pela firma Simão Costa & Filho) e a Vacuum Oil (cujo revendedor era a sociedade Rocha & Almeida). Na freguesia de Torre de D. Chama, operava também uma empresa de transportes (a Auto Viação com gerência de António Gonçalves). Pouco menos de dez anos depois, novas companhias de camionagem foram inauguradas em Avidagos (camioneta de aluguer de João Pedro Rafael & Irmão), Lamas de Orelhão (camionetas de passageiros de Agostinho Rafael, Herdeiros) e Torre de D. Chama (garagens de automóveis de Alberto Piloto e da Auto Viação Transmontana, Limitada e transportadoras de mercadorias de Alberto Piloto, António C. Pinheiro, Francisco A. Pinheiro, João B. Miranda e Júlio C. Miranda). Por fim, em 1938, já se tinham estabelecido carreiras regulares entre Mirandela, Murça (e daqui a Vila Real e Alijó), Torre de D. Chama e Chaves e entre o Cachão e a estação do Tua. Neste ano, Mirandela contava com 38 automóveis e 28 veículos pesados119. A nível nacional, a malha de transportes rodoviários (de passageiros, mistos, independentes ou afluentes do caminho-de-ferro, o chamado serviço combinado) cresceu exponencialmente, apresentando novas soluções de transporte, mais rápidas e mais cómodas. Na tabela seguinte podemos observar a evolução da oferta de serviços de transporte rodoviário em Portugal. Observa-se simultaneamente uma diminuição do número de empresas em serviço acompanhada de um aumento do número de rotas efectuadas, o que induz uma forte política de agrupamento no sector120 Tabela 6 – Evolução da organização dos transportes rodoviários em Portugal121 Anos

119

Número de empresas em serviço

Número de carreiras Passageiros

Mercadorias

Total

1933

406

575

03

578

1934

393

581

23

604 689

1935

359

645

44

1936

335

675

44

719

1937

313

689

44

733

1938

300

726

44

770

1939

280

757

41

798

1940

261

760

41

801

Para todos estes dados, ver GOMES, 2014.

120

SANTOS, 2011: 370-371.

121

VIEIRA, 1980.

342


125 anos de exploração

As velocidades comerciais dos comboios rapidamente foram ultrapassadas a partir do momento que a junta autónoma de estradas começou a construir vias adequadas aos novos veículos, preparadas para cargas mais pesadas e com o recurso a soluções de pavimentação mais durável. A infra-estrutura ferroviária só foi modernizada pela ditadura em pequenos troços dos principais eixos de circulação e o material circulante usado nas linhas nacionais na década de 1940 era, na sua maioria, inadequado, pouco cómodo e pouco fiável. No Tua, a maior parte das carruagens eram em madeira e as locomotivas eram as originais a vapor compradas entre as décadas de 1880 e 1910. A camionagem, além de proporcionar a enorme vantagem de ir ao centro das povoações, não tinha classes, nem tinha que lidar com tantos obstáculos burocráticos no transporte de mercadorias como o caminho-de-ferro. A este propósito escrevia Hermínio Soares ainda em 1929: “os prazos de transporte em Caminhos-de-Ferro, não são já tolerados nos tempos actuais. Para a pequena velocidade, estabelece a TG [tarifa geral], que, para os primeiros 125 kms. ou fracção, se contarão 48 horas e 24 para cada 125 kms. mais ou fracção, não se contando os dias da entrega e o da chegada, e se houver transmissões, contar-se-á mais 24 horas para cada uma ou 72 horas se for para linha de bitola diferente! Assim uma mercadoria em pequena velocidade que tenha de percorrer 150 kms. e que tenha uma transmissão, precisa: 1 dia, o da entrega, mais 3 dias para o trajecto, mais 1 dia para a chegada. Ao todo 6 dias! N’um camião faz-se o trajecto, no máximo, em 5 horas!”122. Se juntarmos a estes predicados as tarifas praticadas, percebese a paulatina preferência dos consumidores pelo transporte rodoviário e o consequente agravamento da condição financeira das companhias ferroviárias. Mesmo assim, convém reter, que a Companhia Nacional detinha uma relativa vantagem comparativa por operar num território com uma baixa densidade de infra-estruturas rodoviárias. Na realidade, os transportes rodoviários acumularam-se em torno dos eixos de maior densidade populacional, ou seja Porto e Lisboa123. Assim, feiras, mercados e romarias transmontanas eram o pretexto para a oferta de transportes de passageiros e mercadorias por parte da companhia em concorrência com as empresas de camionagem. Tanto os horários dos comboios como os das empresas de camionagem anunciavam serviços para as feiras de gado de Mirandela de 3, 14 e 25 de cada mês, para os mercados às quartas e domingos e para a grande romaria de Nossa Senhora do Amparo no primeiro domingo de Agosto. A oferta destes serviços repercutia-se ao nível das freguesias do concelho124. Os gráficos 6 e 7 mostram que a quebra sentida pela Companhia Nacional no transporte de passageiros e mercadorias na viragem da década de 1920 para a década de 1930 foi real, mas muito ligeira. 122

Apud. SANTOS, 2011: 382.

123

SANTOS, 2011: 372-374.

124

GOMES, 2014.

343


A linha do Tua (1851-2008)

De qualquer modo, em meados da década de 1930, a Companhia Nacional apresentava uma situação “pouco satisfatória... diremos mesmo um tanto crítica”125. Em 1931, a empresa solicitava ao governo autorização para aumentar as tarifas, argumentando que, graças à concorrência rodoviária, perdera 351 contos entre Janeiro e Outubro de 1931 e contava perder um total de 470 contos até final do ano126. A situação, que o conselho de administração atribuía também ao nefasto contrato de subarrendamento das linhas do estado em 1928 (cujos custos eram quatro a nove vezes superiores às receitas127), levava a empresa a acumular deficits, malgrado a aplicação de sobretaxas nas tarifas. A companhia procurou imputar os prejuízos ao estado, alegando que as perdas resultavam de causas de força maior alheias à vontade da direcção (o automóvel) e ameaçando com a suspensão da exploração. Em 1932, o tribunal arbitral condenou o estado a pagar 70% das perdas sofridas entre 1929 e 1931, mas esta sentença não foi aplicada para lá deste último ano128. No entanto, o problema não se limitava apenas aos antigos caminhos-de-ferro do estado, pois a partir de 1937 a rede própria (linhas de Viseu/Dão e Tua) começou também a apresentar deficits de exploração. Nesta época, perante a panóplia de adversidades proporcionada pela concorrência da camionagem e pela alta dos preços do carvão e dos materiais subsidiários (e até pelo desenvolvimento da rede telefónica, que fazia com que muitas viagens fossem substituídas por meros telefonemas129), a Companhia Nacional, à semelhança de outros operadores ferroviários130, ensaiou as primeiras medidas de exploração económica. Este modelo de gestão foi uma solução praticada em linhas de baixo trânsito, que incluía decisões como a simplificação dos regulamentos, a alteração da gestão do tráfego (o avanço do comboio era dado pelo condutor em vez de pelo chefe da estação), a supressão de comboios mistos, a introdução de automotoras, o desguarnecimento de estações, os despedimentos, as baixas salariais e os cortes na despesa de manutenção131. A partir de 1935, fizeram-se cortes no pessoal dos partidos da conservação, o que na prática levou a que a manutenção fosse feita parcialmente. Em situações de reparações imprevistas, recorria-se à contratação de tarefeiros. O desinvestimento na manutenção da linha trouxe problemas acrescidos até pela própria natureza do caminho-de-ferro. Com o sistema de balastragem adoptado (em 125

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1935: 5.

126

SANTOS, 2011: 414.

127

SANTOS, 2011: 444.

128

SANTOS, 2011: 441-443.

129

SANTOS, 2011: 442.

130

SANTOS, 2011: 409.

131

GOMES, 2014.

344


125 anos de exploração

banqueta, rasando a cabeça do carril), acentuava-se o ataque do balastro (terra e saibro) aos materiais metálicos da via, incluindo carris, material de ligação (eclisses), tirefonds e os respectivos parafusos de fixação132. Outra lacuna na manutenção relacionava-se com a necessidade não completamente suprida de substituir periodicamente as travessas (chulipas). Em termos gerais as chulipas de pinho eram utilizadas nos alinhamentos rectos, ao passo que as travessas de carvalho e eucalipto eram usadas nas curvas, cruzamentos e pontes. Todas elas tinham que ser creosotadas, ou seja, colocadas em estufas e impregnadas de creosote para resistirem por mais tempo às intempéries. Em 1946, existia uma instalação de creosotagem em Mirandela, ainda que deteriorada133. Ao nível dos carris, desde os anos 40 que os relatórios da via e obra referiam invariavelmente a necessidade de os substituir pelo menos nas curvas, nos cruzamentos e nos resguardos das estações. Contudo, até final da década, e contando desde a inauguração do caminho-de-ferro (em 1887 e 1906), nunca a linha de Foz-Tua a Bragança foi alvo de trabalhos de renovação sistemática do material fixo. Era perfeitamente normal que os carris (de 20 kg/m com um comprimento de 6 m na secção até Mirandela, fornecidos pela B. Y. Bochum; e de 20 kg/m com extensão de 8 m no troço até Bragança, adquiridos à empresa J. Cockerill) apresentassem um desgaste apreciável depois de seis décadas de utilização134. Os trabalhos de conservação da via eram na generalidade executados apenas duas vezes por ano. Em especial, procedia-se a pregação dos carris às travessas, tarefa que era no início do tempo quente e com as primeiras chuvas, de modo a anular os problemas das dilatações. No período do Inverno, a atenção do departamento de via e obras concentrava-se na vigilância das trincheiras, na consolidação dos muros de suporte e na instabilidade das grandes massas de pedra que ladeavam a linha (em especial nos seus primeiros quilómetros). Os frequentes desabamentos tornavam necessária a existência em depósito de dinamite para acorrer a acções preventivas de desmonte e à movimentação das rochas nos desabamentos. A Companhia Nacional edificou junto à linha um paiol para guardar dinamite, mechas e rastilhos para estas operações de emergência135. Foi neste contexto de redução da actividade económica e de intensa concorrência por parte de inúmeras e minúsculas empresas rodoviárias (associadas no grémio dos industriais de transportes em automóveis) que as companhias ferroviárias tiveram que arranjar soluções para os graves problemas que afectavam o sector. A já referida con132

GOMES, 2014.

133

GOMES, 2014.

134

GOMES, 2014.

135

GOMES, 2014.

345


A linha do Tua (1851-2008)

tenção de custos amenizou os números nos balancetes, mas levou à degradação das condições de exploração e, a médio prazo, agravou os custos de conservação, tanto na via e obras como na tracção. Em suma, a redução das despesas acabou por gerar efeitos de sinal contrário. Os cortes no pessoal e a não-renovação da via colocaram o estado de conservação da infra-estrutura em situações de emergência. A adopção de automotoras, cujo processo transitaria para a CP, acabou por ter penalizações de velocidade, devido ao estado decrépito da via-férrea136. Simultaneamente, desenvolvia-se a corrente de opinião que responsabilizava o estado pelas condições do arrendamento da sua rede e atribuía ao transporte rodoviário os problemas do sector ferroviário. Desde inícios dos anos 1930 que a Companhia Nacional, tal como as demais empresas ferroviárias portuguesas, aguardava por soluções miraculosas, que “só o Estado pode pôr em acção”137. O governo da ditadura, por seu lado, continuava à procura de uma estratégia para o agrupamento global da rede ferroviária numa só empresa138. Todavia, as duas principais empresas nacionais (CP e Companhia do Caminho de Ferro da Beira Alta) continuavam dominadas por capital estrangeiro o que limitava os alegados benefícios da concentração. Urgia assim libertar as duas empresas das mãos dos obrigacionistas estrangeiros. Em 1931, Salazar conseguiu chegar a um acordo com os credores franceses da CP para que estes aceitassem trocar parte das suas obrigações por acções e receber o seu dividendo em escudos. O estado continuou a ser o principal accionista, mas perdeu a maioria absoluta. Em todo o caso, o seu controlo era assegurado pela dependência financeira da CP e pelo reforço da posição estatal no conselho de administração, que se libertava da influência do comité de Paris. Igual processo foi seguido em relação à Companhia da Beira Alta no início da década de 1940139. Entretanto, o governo em 1933 tomava conta da gestão da Companhia do Norte, alegando a má situação financeira da empresa e a possibilidade de esta suspender o serviço. O estado procurou fazer o mesmo em relação à Companhia Nacional, mas esta litigou em tribunal arbitral, que lhe deu razão e impediu que os intentos da ditadura fossem realizados. A Norte não fez o mesmo e foi dominada pelo estado. Em 1937 a gerência nomeada pelo governo vendia-lhe a maioria das acções da Norte. O estado apropriava-se assim de mais uma companhia. Era mais um passo para a agrupação do sector a para a resolução do problema ferroviário. Quanto à Companhia Nacional (e também à companhia que explorava a linha do vale do Vouga), devia importantes so136

GOMES, 2014. SANTOS, 2011.

137

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1940: 6.

138

SANTOS, 2011: 407.

139

SANTOS, 2010: 157 e 161. SANTOS, 2011: 407-412, 511 e 531-534.

346


125 anos de exploração

mas à CP à laia dos serviços combinados, sem os quais não podia sobreviver. Perante o volume do débito a CP ameaçou suspender os serviços combinados com a Companhia Nacional, o que inevitavelmente levaria à falência da concessionária da linha do Tua e facilitaria a acção do governo no agrupamento das linhas140. Contudo, o deflagrar da segunda guerra mundial deu um novo fôlego às companhias ferroviárias, uma vez que as dificuldades em adquirir combustível, pneus e todo o tipo de acessórios e peças suplentes praticamente paralisaram o tráfico rodoviário. Nos caminhos-de-ferro concentrou-se novamente o grosso da procura de transporte, muito para além da sua capacidade de oferta. Porém, as companhias não tinham a menor hipótese de levar a cabo uma modernização do seu material fixo e circulante141. Assim, depois da segunda grande guerra, os níveis de tráfego de mercadorias voltaram a cair para os patamares de inícios do século142. Em 1945, o governo tomou uma medida para solucionar definitivamente a questão ferroviária. A lei 2.008 de 27 de Setembro, que coordenava os transportes terrestre, previa a concentração de todas empresas ferroviárias (independentemente da bitola das linhas que exploravam) numa única concessionária, que viria a ser a CP. O agrupamento era uma operação comum a vários países europeus, mas o caso português foi específico por não passar por resgates mas pela entrega da exploração total da rede a uma companhia alegadamente privada, mas tão dependente do estado como uma repartição pública143. Nos meses seguintes, procedeu-se ao estabelecimento de negociações com as restantes companhias ferroviárias para a sua fusão na CP. À Companhia Nacional, bem como aos restantes operadores ferroviários em Portugal, colocavam-se três opções: o resgate das linhas pelo estado, a venda das suas concessões a uma entidade ferroviária ou a entrada da companhia numa nova entidade a constituir, em cujo capital participaria com os seus activos e passivos. A Companhia Nacional partiu para esta negociação demasiado fragilizada pela dívida acumulada do serviço combinado com a CP (em 31 de Dezembro de 1945 este débito ascendia a cerca de 15 mil contos). Por isso, a decisão dos accionistas da Companhia Nacional passou por vender as suas concessões à CP. O protocolo foi assinado em 15 de Maio de 1946 e fixou na sua base II o valor da transacção em 19 mil contos. A este valor foi acrescentado os encargos de amortização e pagamento de juros das obrigações em circulação da Companhia Nacional (que, em 30 de Junho de 1946, totalizavam 4.385 contos), num total de 23.385 contos. Era uma solução mais barata do que o resgate das linhas puro e simples, calculado em 140

SANTOS, 2010: 157-158. SANTOS, 2011: 423-429, 445 e 518.

141

SANTOS, 2011: 518 e 527.

142

VALÉRIO, 2001: 374-375.

143

SANTOS, 2010: 161. SANTOS, 2011: 541-544.

347


A linha do Tua (1851-2008)

24.449 contos. Mais tarde, a CP fez o encontro de contas pelo remanescente de 8.385 contos144. A partir das 00:00 do dia 1 de Janeiro de 1947, a CP iniciou a exploração conjunta de toda a rede nacional (à excepção da linha de Cascais, operada até 1976 pela Sociedade Estoril, onde pontificava a figura incontornável de Fausto Cardoso de Figueiredo). Quase de imediato, estado e companhia empreenderam esforços para tentar modernizar a rede. Em 14 de Junho de 1951, a situação foi oficialmente regularizada através de um contrato entre o governo e a CP, pelo qual aquele fazia a concessão a esta de todas as linhas nacionais145. Em conclusão, a Companhia Nacional era uma pequena empresa ferroviária a operar em linhas de bitola métrica, geograficamente separadas e afluentes da rede principal. Utilizou genericamente a tracção a vapor e manteve, no caso da linha de Foz-Tua a Bragança, uma matriz de exploração tipo vaivém (navette), estabelecendo correspondência na estação do Tua, com os comboios da linha do Douro. Se comparamos os itinerários dos comboios no início da exploração, com os de finais dos anos 1920 ou finais da década de 1940, rapidamente constatamos que não houve inovação no sistema de exploração146. As estações de transmissão, em especial as que serviam vias de bitola diferente (como a estação do Tua), nunca conseguiram resolver os problemas matriciais da sua operacionalidade. Mesmo após a integração na CP, jamais estas estações foram dotadas de equipamentos que permitissem o transbordo fácil e barato das mercadorias. Na década de 1980, a inexistência de batata nos mercados de Lisboa e Porto, enquanto a mesma apodrecia em Trás-os-Montes, é exemplo paradigmático da ausência de equipamentos apropriados nas estações. Em sentido contrário, no sentido ascendente, as empresas de adubos, que davam os primeiros passos na paletização dos mesmos, viam-se confrontadas com problemas ligados ao transbordo das cargas147. Para tentar melhorar a sua situação, a Companhia Nacional sempre se bateu por um projecto de ligação da sua rede (linha de Viseu a Foz-Tua), de modo a beneficiar de economias de escala. Porém, a partir de finais dos anos 1920 a revolução da estrada comprometeu irreversivelmente os projectos de expansão da rede da companhia e mesmo da rede nacional. Em 1933, o plano ferroviário de 1930 foi simplesmente suspenso, só avançando as construções já acordadas antes do estado novo148. De qualquer modo, a linha do Tua foi um importante vector de penetração numa 144

GOMES, 2014. SANTOS, 2011.

145

SANTOS, 2011: 549-550, 554 e 561.

146

GOMES, 2014.

147

GOMES, 2014.

148

GOMES, 2014. SANTOS, 2011.

348


125 anos de exploração

das províncias mais periféricas e subdesenvolvidas de Portugal. A sua acção fez-se sentir na quantidade (gráfico 7) e qualidade de mercadorias levadas e trazidas do distrito de Bragança, como se pode ver no gráfico seguinte.

Gráfico 16 – Total e qualidade de mercadorias transportadas em pequena velocidade na linha do Tua (valores em t)149

Da análise do gráfico anterior percebe-se que a Companhia Nacional transportava sobretudo produtos do sector primário com pouca ou nenhuma transformação, acentuando o carácter eminentemente agrícola da região. Destacam-se neste rol os cereais e os comestíveis. No sentido ascendente, seguia o sal, importante para a conserva e preservação dos alimentos. Muitos destes itens, por serem considerados de primeira necessidade, eram alvo de uma tarifa especial, que limitava também as receitas de tráfego da companhia. A partir de inícios do século XX, a linha foi também importante no transporte de adubos e fertilizantes para a região, malgrado as fortes flutuações no volume transportado, visível no gráfico seguinte.

149

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

349


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 17 – Adubos transportados pela linha do Tua (valores em t)150

Em todo o caso, com capacidades de investimento limitadas, a Companhia Nacional começou por cortar na despesa e esperou pela intervenção do estado. As breves retomas do trânsito ferroviário durante alguns anos da década de 1930 e 1940 foram sempre consequência de situações conjunturais e nunca de estratégias consciente que invertessem a situação. A 1 de Janeiro de 1947, a CP iniciou a exploração conjunta de toda a rede portuguesa (excepto a linha de Cascais). O caminho-de-ferro do Tua, tal como os restantes, foi integrado numa entidade, que, 20 anos antes, tinha abdicado de explorar a via estreita, alegadamente por falta de vocação151.

150

Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral (vários anos).

151

GOMES, 2014. SANTOS, 2011.

350


125 anos de exploração

5.3. DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS NO VALE DO TUA Eduardo Beira152

Foram feitos 15 censos, ou recenseamentos da população, em Portugal. O primeiro foi em 1864, ainda antes da abertura da linha do Tua (tal como o segundo, em 1878). O terceiro (1890) é o primeiro depois da abertura da linha entre Foz Tua e Mirandela. Os respectivos números mostram diferentes dinâmicas populacionais para o conjunto nacional versus Trás-os-Montes e o vale do Tua. Nos 147 anos, de 1864 a 2011 (gráfico 18): • a população de Portugal cresceu 2,6 vezes, de 4,1 para 10,6 milhões. O crescimento da população do continente foi semelhante: o continente representava 95,3% da população de Portugal em 1864, contra 95,1% em 2011: pouco se alterou o peso da população insular; • a população de Trás-os-Montes (medido pela soma dos distritos de Bragança e Vila Real) diminuiu de 372 mil para 344 mil pessoas: um decréscimo de 8%, exibindo portanto com uma dinâmica bem diferente da dinâmica nacional; • a população do vale do Tua (medido pela soma das populações dos cinco concelhos) também diminuiu: de 63 mil para menos de 55 mil pessoas, uma diminuição de 13%, superior portanto á redução de Trás-os-Montes O gráfico 19 representa as parcelas da população nacional que Trás-os-Montes e o vale do Tua representavam em cada um dos censos. Se Trás-os-Montes representava 9% da população nacional em 1864, em 2011 representava apenas 3.3%; e o vale do Tua representava 1.5% da população nacional em 1864, versus 0.52% em 2011, sendo 152

IN+ Center for Innovation, Technology and Policy Research (Instituto Superior Técnico).

351


A linha do Tua (1851-2008)

que o vale do Tua representava 17% da população transmontana em 1864, contra 16% em 2011. O peso da população do vale do Tua na população de Trás-os-Montes pouco se alterou neste período. No entanto a evolução da população transmontana e do vale do Tua não foi linear entre o primeiro e o último censo. A população de Trás-os-Montes (conjunto dos distritos de Bragança e de Vila Real) atingiu um máximo no censo de 1960, quando as populações dos dois distritos, Bragança e Vila Real, atingiram os seus máximos históricos (respectivamente 23 e 32,3 mil pessoas) (gráfico 20). Por sua vez a população do vale do Tua conheceu o máximo no censo de 1950 (gráficos 21 e 22). São perfeitamente identificáveis duas tendências diferentes no vale do Tua: crescimento da população entre o censo de 1864 e o censo de 1950 e depois um decréscimo populacional a partir desse censo (gráfico 23). Nesse ano, a população recenseada no vale do Tua foi de 93,5 mil pessoas, contra cerca de 63 mil em 1864, tendo depois regredido para 54,8 mil em 2011. Ou seja, depois do máximo de meados do século XX, a população no censo mais recente era já inferior à do primeiro censo. Até 1950 a população do vale do Tua cresceu a uma taxa anual composta de 0,49%, mas depois de 1950 a taxa foi de -0,89% (gráficos 24 e 25). No entanto as taxas correspondentes para os quatro concelhos, sem incluir Mirandela, foram de 0,37% de crescimento até 1950 e de -1,2% depois de 1950. As taxas de Mirandela foram respetivamente 0,66% e -0,44%: cresceu mais rapidamente do que os outros concelhos até meados do século XX, e a partir daí perdeu mais lentamente população do que os concelhos vizinhos no vale do Tua. O distrito de Bragança tem vindo a perder regularmente peso na população transmontana: de 42,7% em 1864 para 39,8% em 2011 – naturalmente a favor do distrito de Vila Real. No vale do Tua, a população do concelho de Mirandela começa agora a aproximarse de metade da população do vale (gráfico 26). Em 2011, representava cerca de 44%. Mas no primeiro censo (1864) representava apenas 27,5%, não sendo sequer o concelho mais populoso entre os cinco. O mais importante era Alijó (cerca de 30% em 1864), embora agora represente só cerca de 22%. Todos os concelhos do vale do Tua, excepto Mirandela, perderam peso, sempre a favor de Mirandela. A população deste concelho quase duplicou entre 1864 e 1950 e no último censo estava a 77% do máximo. A perda de população depois de 1950 foi mais violenta nos outros concelhos do vale do Tua: se Mirandela apenas perdeu 23% da população entre 1950 e 2011, o concelho de Carrazeda de Ansiães perdeu 60% em relação ao máximo histórico de 1950. Alijó perdeu 50%, Murça 41% e Vila Flor 46%. Por sua vez, e por contraste, a população nacional em 2011 era 1,25 vezes superior à registada em 1950. * 352


125 anos de exploração

Os gráficos 27 a 31 mostram os nascimentos, óbitos e casamentos em cada um dos cinco concelhos do vale do Tua. As séries de dados foram obtidas das estatísticas oficiais (Anuário Estatístico de Portugal e fontes posteriores), mantendo o hiato clássico entre 1887 e 1912. As escalas dos diferentes gráficos são comuns para permitirem uma comparação mais fácil. O gráfico 32 consolida os dados dos cinco concelhos do vale do Tua. O saldo demográfico (nascimentos menos óbitos) é negativo nalguns concelhos já desde a década de 80 (gráfico 33). O forte pico negativo em 1918, comum a todos os concelhos, deve-se ao surto de febre, cujo efeito foi devastador na região (assim como em Portugal, comparar os gráficos 34 e 35). No entanto o deficit demográfico faz-se sentir no vale Tua uma, duas a três décadas antes do conjunto nacional. O gráfico 36 representa o saldo demográfico como uma percentagem dos nascimentos, para o conjunto dos cinco concelhos do vale do Tua. No gráfico 37 faz-se uma representação semelhante para cada um dos concelhos. A situação negativa do concelho de Carrazeda de Ansiães destaca-se, mas é também visível uma maior volatilidade nas últimas décadas. O gráfico 38 contrasta a situação do vale do Tua com a situação nacional: uma vez mais o vale do Tua antecipa as quebras de saldo demográfico. Embora a razão nascimentos / casamentos não seja equivalente ao número de filhos por família (ou mesmo por casamento), é um indicador que regista bem as tendências de longo prazo (gráfico 39). A quebra brutal de natalidade no vale do Tua é bem patente, de cerca de cinco para cerca de 1,5 entre as primeiras e as últimas décadas do século XX – uma redução de natalidade superior a três, cujos efeitos são por si só, independentemente dos efeitos de fluxos migratórios, as grandes forças diretrizes da questão demográfica no vale do Tua. Gráfico 18 – População de Portugal, Continente, Trás-os-Montes (distritos de Bragança e Vila Real) e Vale do Tua (concelhos de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila Flor) nos 15 censos da população

353


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 19 – Percentagem que a população de Trás-os-Montes (distritos de Bragança e Vila Real) e do vale do Tua (cinco concelhos) representa da população de Portugal, em cada censo

Gráfico 20 – População dos distritos de Bragança e Vila Real, por censo

354


125 anos de exploração

Gráfico 21 – População total dos concelhos do vale do Tua, com e sem o concelho de Mirandela, por censo

Gráfico 22 – População dos cinco concelhos do vale do Tua, conforme censos

355


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 23 – População comparada dos cinco concelhos do vale do Tua, 1864 versus 1950 versus 2011

Gráfico 24 – Taxas anuais compostas de crescimento da população, de 1864 a 1950 e de 1950 a 2011 (concelhos do vale do Tua, distritos de Tras os Montes e Portugal)

356


125 anos de exploração

Gráfico 25 – Índices populacionais do vale do Tua (com e sem Mirandela), Mirandela e Portugal (1950=100%).

Gráfico 26 – Populações dos concelhos de Mirandela e Carrazeda de Ansiães como percentagem da população total do vale do Tua

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A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 27 – Demografia do concelho de Alijó (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

Gráfico 28 – Demografia do concelho de Carrazeda de Ansiães (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

358


125 anos de exploração

Gráfico 29 – Demografia do concelho de Vila Flor (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

Gráfico 30 – Demografia do concelho de Mirandela (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

359


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 31 – Demografia do concelho de Murça (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

Gráfico 32 – Demografia do vale do Tua (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos, por consolidação dos dados dos cinco concelhos do vale

360


125 anos de exploração

Gráfico 33 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) por concelho do vale do Tua

Gráfico 34 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) global do vale do Tua

361


A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 35 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) global de Portugal

Gráfico 36 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, vale do Tua, desde 1913

362


125 anos de exploração

Gráfico 37 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, por concelho do vale do Tua, desde 1913

Gráfico 38 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, Portugal e vale do Tua, desde 1913

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A linha do Tua (1851-2008)

Gráfico 39 – Razão nascimentos / casamentos, vale do Tua

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5.4. A LINHA NA LITERATURA153 Maria Otília Pereira Lage154

“Há livros que são no mundo como almas penadas. Andam, andam, tropeçam através de séculos pela obscuridade e pelo sofrimento, até que um dia apareça alguém que os tire do limbo do esquecimento. E isto, parecendo que não, dá esperança…”155 Muitos dos textos literários sobre a linha do Tua que vamos analisar de um ponto de vista socioliterário têm um percurso idêntico ao da epígrafe, citação de Miguel Torga, bem conhecido escritor do Douro e Trás-os-Montes. As histórias que aí se contam, impressões escritas de diversos autores, em diferentes momentos históricos, são ricas em experiências sensitivas, narrativas, linguísticas e de técnicas de escrita. A ambiência ficcional do vale do Tua descrita e/ou sugerida insere-se em espacio-temporalidades diversificadas que oscilam entre a escala do local e do translocal, em que se torna possível procurar, num passado reinventado pela produção ficcional atravessada por um realismo imaginário, fundamentos e alternativas para esperanças e utopias do presente. Nas ficções e textos literários, as personagens e episódios da sociedade interior transmontana em que estão genericamente inseridos, estabelecem entre si correlações dinâmicas e dialógicas próprias das representações sociais construídas no cruzamento do singular e do colectivo, com trocas múltiplas e mútuas entre ambientes e 153

Este texto é uma versão adaptada do trabalho da autora: LAGE, 2014a.

154

Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (Faculdade de Letras da Universidade do Porto)

155

TORGA, 1942.

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elementos culturais desenrolados em tramas narrativas e cenários descritivos de paisagens naturais e humanas, hábitos e costumes das populações que aí habitaram ou habitam, permitindo percepcionar transformações vivenciadas numa diacronia mais que centenária. Na leitura de cada um dos fragmentos e do seu conjunto, através das representações sociais construídas na e pela linguagem literária, pode-se ser levado a partilhar costumes, tradições, modos e regras de organização de comportamentos sociais influídos pela presença da via-férrea e das rotinas diárias da chegada e partida dos comboios do Tua. Essa compreensão, a um nível micro, de regras e práticas quotidianas que organizam as condutas sociais em torno de um elemento veiculador de abertura de novos horizontes, identificado, ideologicamente, como meio de progresso e desenvolvimento, implica e possibilita que se adira, numa empatia emotiva, a essas representações que veiculam elementos afectivos e sociais e contribuem para a construção de um sentimento de realidade comum identitário. Figura 132 – Rio Tua (Castanheiro)156

O discurso literário, de ficção e/ou testemunho, sendo construído num âmbito social de que autores e leitores fazem parte como sujeitos integrantes de uma dada sociedade – no caso presente, a sociedade transmontana em que a chegada do caminho-de-ferro abre um traço de ruptura e desenvolvimento ao nível de troca de produtos e mercadorias, trânsito e mobilidades populacionais e irrupção de novos e mais alargados mundos, pela via da chegada regular de notícias – transfere para a escrita/ 156

Fotografia de M. J. Fernandes Lopes

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leitura parte das experiências vividas no meio, vendo-se assim estimulados os actos que originam a sua compreensão. Partindo desses pressupostos, este texto propõe-se investigar as representações sociais, e as lógicas ou mundos sociais, possíveis de construir na e pela linguagem literária, e suas hipotéticas influências no decifrar desta colectânea literária sobre o significado sociohistórico da linha-férrea do vale do Tua, num horizonte desejado de encantamento de gerações subsequentes de leitores. Espelho de imagens refractadas de um património natural e humano invulgares, a amostra aqui analisada é constituída por testemunhos e ficções literárias produzidas num período longo (finais do século XIX até ao presente) e é composta de variados textos em diferentes estilos e de uma diversidade de autores, na generalidade portugueses, suas impressões e vivências imaginativas do vale, do rio, da linha e do comboio do Tua. As contingências históricas e sociais da produção literária díspar sobre o vale e a linha do Tua influíram nos resultados da pesquisa e compilação exaustivas do corpus literário analisado. A amostra estudada não surge de modo arbitrário. É formulação singular e expressão de uma prática social e intelectual regrada que se caracteriza assim: “as margens de um livro não estão nunca rigorosamente recortadas: (...) além de sua configuração interna e forma que o autonomiza, está envolvido em um sistema de citações de outros livros, de outros textos, de outras frases, como um nó numa rede”157. Considera as relações entre enunciados e acontecimentos, nós de uma rede extensa de sentidos e significados que não depende só do trabalho e escolhas do compilador e organizador da compilação. A sua apreciação crítica exige que se atenda à concepção dialógica dos géneros discursivos, pois as suas formulações não são meras produções subjectivas. Como qualquer outra, a colectânea examinada tem o seu estilo próprio que remete para o “grupo social representado pelo destinatário que participa de modo permanente no discurso interior e exterior do homem e encarna a autoridade que o grupo social exerce sobre ele”158. As respostas encontradas para a sua construção e organização não decorrem de gostos privados do compilador/organizador, embora o argumento das preferências pessoais esteja implícito e/ou explicito no intradiscurso que incide na materialidade linguística e histórica da colectânea.

157

FOUCAULT, 1970: 37 e 46-47.

158

TODOROV, 1981: 212. Ver também ADORNO, 1992. TODOROV, 1987.

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Figura 133 – Linha do Tua (Brunheda, Carrazeda de Ansiães)159

No horizonte de divulgação, preservação e consolidação de uma espácio-temporalidade histórica local e de um património e identidade regional, todos os textos reunidos se encontram em língua portuguesa, a quinta língua mais falada no mundo, com aproximadamente 280 milhões de falantes. Construção discursiva pluriperspectivada da memória literária do vale e linha do Tua, os textos reunidos dão a ver um objecto sociocultural e técnico, historicamente ancorado e enquadrado em suas dimensões espácio-temporais. O corpus literário, muito variado quer ao nível dos temas, géneros e autores, quer nas dimensões contextuais representadas, introduz-nos em ambiências históricas díspares, mas muito impressivas e num universo simbólico de grande riqueza literária, estética e sensitiva. Com a preocupação de traduzir a contextualização histórica, social, literária e cultural do vale e linha do Tua, objecto natural e técnico, as obras recolhidas compõem uma constelação espácio-temporal em que os autores operam de modo unifocado, produzindo uma trama de leituras susceptíveis de remeter quer à actualidade quer à genealogia do objecto, literariamente representado. Entendida também enquanto prática de análise crítica, este texto e a divulgação destas obras são relevantes para a afirmação de memórias identitárias, sempre fragmentariamente representadas, sendo ainda incentivo ao desenvolvimento investigativo, educacional e cultural de públicos diversos. No campo da investigação, propicia a renovação do género ao abrir para propostas 159

Fotografia de M. J. Fernandes Lopes.

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com enfoques não dicotómicos da história, língua e literatura160 e contribui para novos projectos que enriqueçam o conhecimento e o debate literário, cultural e histórico sobre o vale e linha do Tua. No domínio da educação, surge como incentivo a uma política de aprendizagem ao longo da vida, na medida em que: • • •

remete para textos para vários interesses e gostos, de diferentes escritores, génerose períodos; divulga diversos estilos de escrita: poemas e quadras, contos, lendas, crónicas, fragmentos de romances, narrativas de viagens, memórias e impressões de viagens, crónicas e reportagens jornalísticas e até letras de canções outrora em voga; todos os textos têm em comum referências e representações não só de traços distintivos do vale, rio, linha e comboio do Tua, de suas povoações ribeirinhas e populações, mas também condensados de emoções experimentadas em múltiplas vidas; cada leitor pode facilmente compreender de que autor ou de que género de escrita gosta mais, embora tais preferências mudem com o tempo e com o que se lê. Figura 134 – Vale e rio Tua161

Os textos estudados revelam e informam sobre estilos de vida, características socioculturais, económicas e históricas e diferentes meios físicos da região ou área

160

SERRANI, 2008.

161

Fotografia de Jorge Delfim.

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geográfica retratada162, o espaço regional do vale do Tua, que é seu pano de fundo e lhe confere substanciação. Essa substância decorre, quer de um dado fundo natural (clima, topografia, flora, fauna, etc., elementos que afectam a vida humana na região), quer das maneiras peculiares das sociedades humanas aí estabelecidas e que a fizeram distinta de qualquer outra. Nessa medida, podem reconhecer-se como documentos de certas realidades e características desta região, ao situar colectividades e indivíduos e reflectir criativamente visões de vida, de tempos e espaços, de homens e de lugares da sociedade transmontana, suas transformações entre finais dos séculos XIX e XX. Encontramos aí formas tradicionais e não tradicionais de narrar que, nalguns casos, romperam com as formas clássicas de contar um passado e um presente transformados pela sociotécnica, reinventados pela materialidade ficcional e recriados nas alternativas, esperanças e frustrações, o que permite conhecer mais profundamente os vários significados económicos, sociais e culturais da história do vale do Tua, o seu entrosamento geográfico local e a sua projecção num horizonte que ultrapassa a escala local e se aproxima do translocal, pela similitude de contingências históricas. Construídas nesse pano de fundo, as ficções literárias, reconstruções imaginadas de vivências, memórias e imaginários, sob uma variedade de percepções e afectos, marcando, na sua observação diacrónica, por diversas formas de realismo imaginado, as personagens e sociedades que retratam em experiências vulgares ou fantásticas, permitem visualizar, até por meio de objectos que se impõem, transformações várias do comum e do quotidiano do vale, do rio, da linha e do comboio do Tua, desde os movimentos de pessoas, bens e mercadorias, deslocações, mobilidades e emigração recorrente, acontecimentos históricos e modalidades de trabalho e lazer do dia-a-dia, ou mesmo pragas e doenças como a pneumónica e a gripe espanhola, remédios e mezinhas de cura, empreendimentos locais e transformações sociais, etc. As personagens e contextos sociais em que se inserem e as tramas narrativas que se desenrolam em cenários reconstruídos de paisagens, costumes e hábitos de uma geografia e história local que se vai transformando estabelecem entre si relações dinâmicas e dialécticas que são próprias das representações sociais simbólicas usadas pelos indivíduos, em gestos e palavras e construídas no encontro do singular/colectivo, com trocas mútuas entre ambientes naturais, sociais e culturais. Definir representações sociais não é tarefa fácil. As representações colectivas (Durkheim), enquanto conceito, foram recuperadas pelos historiadores das mentalidades, pelos antropólogos e pelos sociólogos nos últimos 50 anos, derivando no campo da psicologia social para a categoria analítica de representações sociais (Moscovici) a propósito das quais, em geral, se pode afirmar (Jodelet) que, aplicadas a uma dada 162

OLANDA & ALMEIDA, 2008.

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realidade, permitem a compreensão – ou pelo menos o acto de compreender –, a lógica dos actores sociais e alguns dos seus comportamentos, especialmente importantes para uma integração das atitudes sociais típicas em relação a diversos domínios da vida humana (sociedade, política, economia, justiça, etc.). Dada a sua composição polimorfa, podemos entendê-las como um conjunto de conceitos, proposições e explicações com origem na vida quotidiana no desenrolar das comunicações interpessoais163. Figura 135 – Linha do Tua164

Têm como objectivo abstrair o sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções que reproduzam o mundo de forma significativa. A sua função na sociedade actual pode ser vista como equivalente aos mitos e sistemas de crenças das sociedades ditas tradicionais. Podem ainda ser vistas como a versão contemporânea do senso comum165. Segundo outras definições, são modalidades de conhecimento prático socialmente elaborado e compartilhado, que se manifestam como elementos cognitivos (imagens, conceitos, categorias, teorias), mas que não reduzem os componentes cognitivos166, orientadas para a comunicação e compreensão do contexto social, material e cognitivo em que vivemos e que contribuem para a construção de uma realidade comum a um conjunto social167. Elementos simbólicos podem também ser entendidos como conteúdo mental estru163

MOSCOVICI, 2003.

164

Fotografia de Jorge Delfim.

165

SÁ, 1996.

166

SPINK, 1993.

167

JODELET, 2002. FRANCO, 2009.

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turado, ou seja, cognitivo, avaliativo e afectivo a respeito de um fenómeno social relevante, tomando a forma de imagens ou metáforas, mensagens mediadas pela linguagem, construídas socialmente e ancoradas na situação real e concreta dos indivíduos que as emitem, sendo esse conteúdo partilhado com os demais membros dos diferentes grupos sociais e culturais, de modo consciente. Nesse sentido, pode afirmar-se que “as representações sociais são comportamentos em miniatura”168. As representações sociais são aqui tomadas como saber popular, mitos, crenças, costumes, condensados de memórias e expressão de identidades múltiplas, convergentes e contraditórias que confluem num senso comum e que são histórica e socialmente partilhadas. Funcionam como um sistema de interpretação da realidade, actuando nas relações estabelecidas pelos indivíduos no seu meio de inserção orientando, assim, seus comportamentos e práticas e devem ser vistas como um modo específico de compreender e comunicar aquilo que já sabemos, sendo certo que não são as mesmas para todos os membros da sociedade, pois elas dependem tanto do conhecimento do senso comum como do contexto sociocultural em que os indivíduos estão inseridos. No estudo das representações sociais é então indispensável a realização de uma cuidadosa análise contextual: é preciso conhecer os diferentes contextos espacio-temporais em que elas são produzidas historicamente e como se relacionam, bem como as condições socioeconómicas e culturais em que os indivíduos estão inseridos. E devem ser estudadas articulando-se elementos afectivos, mentais e sociais e integrando-as, ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação, às relações sociais que afectam as representações e a realidade material, social e ideal sobre a qual vão intervir. Nesta perspectiva analítica, a amostra, sem obnubilar a singularidade própria de cada produção literária, pode então ser vista como composta desses diversos tipos de elementos, expressão de múltiplos contextos e relações sociais, cuja articulação encaminha para a compreensão das representações sociais, memórias e identidades múltiplas e para o entendimento das mensagens que são construídas com base nestas, uma outra forma afinal de conhecer também as comunidades transmontanas. De cunho regionalista, são os espaços-tempos do vale, da linha-férrea e do comboio do Tua, que aí invariavelmente se revisitam, não como uma cópia ou um reflexo, uma imagem fotográfica da realidade, mas antes como traduções, versões desta. As variações do clima e dos tempos, a fisionomia dos montes, a topografia do vale alcantilado, as margens abruptas e o leito pedregoso do rio, sempre na vivência de tudo isso pelas populações locais, que compõem os espaços literários, são objecto de distintos modos de abordagem e recriações sucessivas (memórias, impressões, percepções, observações, diversos pontos de vista), revestindo-se de um interesse mais vasto e abrangente, carregado de simbolismo. 168

LEONTIEV,1978.

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Comete-se à literatura, que coexiste como modalidade da arte e constituinte da cultura, a possibilidade de intermediar a compreensão da relação do homem com o meio por ele produzido e valorizado, como o grande depositário das relações – discursos ou vínculos – estabelecidas entre o homem e a terra. Ao longo dos tempos, os mundos-espaços vividos, narrados e representados, são considerados como substrato latente da experiência humana literariamente recriada. E os comportamentos e personagens, numa mediação entre realidade e representações sociais, são observados como movimentos constantes e superficiais de um iceberg. Figura 136 – O Pensador (Pinhal do Norte)169

O silvo do comboio do Tua, símbolo da revolução industrial que chegava, tardia e incompleta, que com o ruído metálico de suas carruagens nos carris perfura o silêncio do vale, na estreita via-férrea que percorre em ecos através das encostas graníticas o espaço interior transmontano surge como imagem forte de “progresso, desenvolvimento e comunicação” e organiza as possíveis leituras da amostra reunida, recentrando as vozes que a constituem em torno da representação social nuclear do caminho ferroviário170, a primeira grande máquina que revolveu sedimentos do atraso do nordeste transmontano transformando as suas ancestrais noções de espaço, tempo e velocidade. Os (des)compassos da máquina férrea, em movimento e/ou parada em ignotas estações e minúsculos apeadeiros, concitam novas e sucessivas configurações de tempos-es169

Fotografia de M. J. Fernandes Lopes.

170

Assinalam-se a negrito expressões que traduzem representações sociais da colectânea literária, identificadas através da análise de conteúdo de todos os textos que a compõem.

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paços, populações e mercadorias em trânsito não só pelas transformações induzidas mas também pelo ver passar o comboio. A abertura, passagem centenária e encerramento da linha-férrea e o funcionar/parar do comboio – na sua função de transporte de gentes e produtos permutados entre o interior e as grandes urbes do litoral – foram atraindo comércios e mercados, passageiros, visitantes e curiosos, trazendo notícias dos lugares mais distantes do mundo, revolucionando lenta mas decisivamente os quotidianos confinados, produzindo novas memórias e originando outras percepções colectivas e sociais. Este é um primeiro e determinante conjunto de representações sociais, transversal a todas as ficções literárias analisadas, em torno da qual gravitam outras representações sociais cuja identificação, em sua dimensão espácio-temporal, constituinte da ficção171 se prossegue. Das muitas imagens literárias e representações sociais construídas sobre o vale do Tua, desde o início até ao encerramento da sua linha férrea, infere-se uma vasta projecção humana e social contrastante com o carácter inóspito da região que aquela atravessa. De Foz-Tua a Mirandela, a região montanhosa e agreste de precipícios destaca ainda mais o acto público da inauguração da chegada do comboio pela família real portuguesa: ostentação e afluência, festa, música, fogo-de-artifício, aclamações e reclamações dos povos, comparência de fidalgos, notáveis e autoridades locais, discursos e cumprimentos, brindes aos melhoramentos materiais da província, ingredientes da crónica jornalística que relata o simbolismo oficial do novo traçado de comunicação que passaria a reduzir interioridades, organizando-se em redes num raio de acção curto, entre as pequenas estações e apeadeiros e as aldeias e vilas do interior transmontano. A construção da linha, à força de uma grande quantidade de explosivos para abrir a via, entre pedras e barrancos, ficaria marcada pela jocosa alcunha/estátua imaginária ao Dinamite, numa alusão também a lutas políticas acesas de regeneradores e progressistas, assim socialmente representada. Prosseguirá o comboio arrasta arrasta em lenta velocidade a sua marcha até Bragança, passando por Vila Flor e Mirandela, o maldito comboio que leva os primeiros amores para a vida militar ou para a emigração, em velhas e novas andanças transmontanas. Perpassam na imaginação literária da voz popular, a ausência e o afastamento dos naturais da terra, o medo da perda, a maldição e a imagem do diabo que impendem na edificação de pontes como a emblemática ponte de Abreiro, construída num abismo. Nessa densidade obscura de sentimentos, receios e crenças caldeadas nas dificuldades e contrariedades dos povos e numa letargia surda como a lenta velocidade do comboio ronceiro, encontramos para além desta, a representação social do diabolismo e dos medos associada à construção da linha, túneis e pontes e ao comboio arrastador. 171

SILVA, 1974. BISPO, 2009.

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Segue-se, impressiva e precisa, a localização da região do Tua no extremo leste da privilegiada zona vinícola do Douro, ao tempo, entre Alijó e Foz Tua, com seu calor de brasido, e Carrazeda, ligada pelo caracolear do macadame, a sua geografia física, humana e social em que se destacam ribas de proporções grandiosas, antigas quintas do Douro de grandes proprietários e reputados comerciantes ingleses do vinho do Porto, as alcandoradas povoações transmontanas, semelhantes a lugarejos luso-romanos, o enxame dos habitantes destas colmeias para a labuta do aro agrícola envolvente, onde se cultiva o pão, a vinha, e os nomeados olivedo e laranjais. Impõe-se então a atracção da tecnologia moderna e ferroviária da máquina de metal a carvão, escasso no período da guerra, turfa e lenha, e vapor, por entre o remexer e olear de manípulos, válvulas, alavancas e carruagens de passageiros, o atrelar de nove e dez vagões de mercadorias, o trabalho em série do fogueiro, maquinista, mão no freio, factor, carregador e agulheiro, condutor e guarda-freios, pondo o trem em marcha por entre baforadas de fumo e rolos de vapor, rodas tractoras chiando nos carris, apitos esporádicos, cornetadas de agulheiro, fazendo em estações e apeadeiros (Avantos, Romeu, Quadraçal, Cortiços…) “sempre especar as pessoas que lhe acenavam, saudavam com o chapéu, atiravam gritos. A máquina era o fascínio daquele comboio”172. Impõem-se, para além desses objectos humanos e não-humanos, os movimentos maquinais e em períodos de crise como a primeira república (1910-1926) e a primeira guerra mundial (1914-1918), actos de resistência, revolta e clandestinidade da propaganda política, lutas políticas entre republicanos e monárquicos, tumultos sociais (greves, assaltos ao comboio, roubos de mercadorias, mudanças constantes de governos, confrontos partidários, doenças e epidemias como a gripe espanhola ou pneumónica e vagas de mortalidade). Dramas pessoais e colectivos empurram o povo migrante para trabalhos sazonais e mendicidade, chegando e partindo todos os dias dos “sítios mais incríveis para os menos verosímeis”173, de comboio, como clandestinos, as mesmas caras das feiras de Bragança, dos arraiais de Macedo ou dos ajuntamentos do Tua, nas vindimas e apanha da azeitona. “Volta e meia surgiam zaragatas tremendas, resolvidas a varapau e a tiro”174. Atravessando agora outras temporalidades, na ditadura salazarista a personagem romanesca do proprietário agrícola absentista, coleccionador de livros e borboletas, dono de quinta em Foz do Tua, onde só passa as vindimas, vivendo em Lisboa, em imponente palacete com mordomo, criados e chauffeur particular, e que hospitaleiro, serve, sem cerimónias, vinho do Porto de sua lavra. Paralelo ao vale, o rio Tua, corre por entre escarpas e ravinas sem qualquer forma 172

CARDOSO, 2007.

173

CARDOSO, 2007.

174

CARDOSO, 2007.

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de vida, pedras que se olham com amor, parecendo que o homem “gosta da terra improdutiva, livre, rebelde, preguiçosa como um mendigo de chagas ao sol”175. Em Macedo de Cavaleiros, os bandos de ciganos, medida absoluta da liberdade, anarquistas, príncipes do nada, milionários do desinteresse, sacerdotes da preguiça, comendo a podridão e vestindo de absurdo, marcianos na terra. Continua a correr na margem do rio, o cíclico comboio duro e mecanizado rangendo nos ferros. A realidade física e humana transmuda-se em ficções poéticas e representações literárias. A poesia palpita e segue de comboio, por entre almas penadas, homens distraídos à janela, diluídos nas paisagens fugitivas, campos imprecisos de braços abertos às montanhas. Em carruagens lentas e entregues à aventura juvenil de passageiros despertos pelo controlo do revisor e o receio de um descaminho dos bilhetes, as viagens femininas de comboio, durante o estio, desde a tórrida Foz-Tua a terras de Bragança, fim de linha. O olhar estrangeiro estranha as diferenças sociais das carruagens de primeira, segunda e terceira classe do comboio, parando em todas as estações e apeadeiros que recebem o estranho de braços abertos e entre cochichos. No comboio, indiscriminadamente de mercadorias e passageiros, espantam as saudações e despedidas francas, conversas e confraternização, a partilha das merendas de petiscos regionais, como se todos fossem velhos conhecidos. Em época e ambiente fortemente concorrencial de vinhos e aguardentes do norte e sul do país, as revoltas sociais com incêndios e assaltos aos armazéns do Tua, sem temores nem medo, característica dos valentes povos transmontanos, ciosos do que é seu, para sobreviver em meio agreste. As quintas do Douro em mãos inglesas que se compram e vendem nas subidas e descidas dos mercados de vinho do Porto enquadram o início do vale e linha do Tua, numa ambiência rural económica e social, paraíso de memórias, aventuras e folguedos infantis, por entre a lenta luz subindo da água do rio, pontes, arcos, barqueiros, voos rasantes de aves, lendas de mouras e cavaleiros, o comboio seguindo o voo lento do milhafre nos penhascos, local de partida e de chegada. Explode de novo, anos 1940, a dinamite, nas construções de engenharia, agora ao serviço de técnicas mais modernas na abertura da nova ponte rodoviária na foz do Tua. E a viagem prossegue a par e passo de longa, pormenorizada e erudita descrição de outra prazerosa e antiga jornada de comboio, de Foz-Tua a Bragança pela linha do Tua (ramificação da linha do Douro) comparada às vias helvéticas ou francesas das cercanias dos Alpes. Regurgitando de sacos e passageiros, as janelas das carruagens, aos solavancos, desvendam lameiros verdejantes, esporões e píncaros graníticos, ribeiros descendo das serras, o leito cascalhento do rio, o vale recortado, campos arados 175

TORGA, 1973: 60.

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de cereais e pomares, alguns rebanhos, estradas e montadas, ermidas e monumentos, pequenas comunidades, píncaros graníticos, atalaias para perscrutar enigmas dos céus, em suma, toda uma paisagem histórica, onde se impõe a natureza construída em estranho convívio com a técnica. O comboio serpeja na estreita via-férrea, obra homérica de engenheiros e trabalhadores, paralela ao rio contorcido, no vale estrangulado, por entre rochas vivas, águas primitivas, cataclismos onde impera o mítico diabo e o mitológico enigma dos céus. A mutação de andamentos no não-lugar da estação de Foz Tua, em sonata ou gritos estridentes da figura feminina errante nos carris, antiga conhecida do agulheiro! Enquanto a canção do festival nacional da RTP celebriza o comboio do Tua e as gentes de Trás-os-Montes, que se cruzam em velhos e novos rumos: soldados, estudantes, namorados, crianças, emigrantes, lenços agitados em partidas e reencontros. Entre vagonetas, travessas, locomotiva e armazéns desactivados, agora objecto de reanimação nas mãos activas de vários (chefe da estação, capataz, assentadores e cozinheira), desenvolve-se a narrativa ficcional do drama da linha do Tua e seu último ferroviário. Segue com nostalgia o percurso do comboio pouca-terra de outrora na linha desactivada, a mudança dos tempos, da alma transmontana, avessa a contas de políticos, e a hospitalidade das gentes que acorrem a chegadas e partidas nos apeadeiros e estações. A antiga construção da linha férrea como coisa horrorosa e ganha-pão de muitos com pá e picareta nas mãos. Instala-se o medo, o pânico, a confusão do desastre da locomotiva em velocidade desenfreada e emergem superstições transmontanas, o socorro imediato. O rio Tua desenha-se em poesia, águas mornas e pedras e a viagem de comboio estouvado, saltimbanco, com as gentes esperançosas dentro, em sobressaltos, rompe o miolo da noite, com ruídos na linha que tem uma galáxia por destino, para lá do negrume das falésias e do transbordo. Ficcionam-se sonhos infantis da viagem de comboio, belo monstro de ferro, por mil mundos, rés ao rio que separa e aproxima vidas entre as duas margens e ao engrossar em cheias, engole adultos e crianças. Figuras masculinas de velhos solitários, desvalidos entre a morte e a vida, esperam o comboio nas estações desertas e fazem sua casa nos abandonados apeadeiros, enquanto abnegadas figuras femininas, professoras trota-mundos, ambas se impondo como autoridades sábias ao respeito e influência nas comunidades. Representada como memória de um povo debruçada sobre as fragas, a história centenária da linha do Tua, antropomorfizada, passa a ser a personagem central. De novo, o comboio como cavalo de ferro galopante, regida a vida pendular das gentes ao minuto, e a epopeia bíblica da construção da linha, por entre o ribombar constante do rio, por engenheiros eficazes e trabalhadores sem medo da morte, sob iniciativa de benditos homens de elites transmontanas, sob os olhares afluentes das

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gentes sorrindo surpresas à posteridade, obreiros colectivos da ideia de construção e de progresso de uma região. Na dispersão geral dos fragmentos, a evocação plurifacetada do vale do Tua: rio, linha e comboio, ventre de fragrâncias estranhas e passageiros absortos na beleza de Trás-os-Montes, breves paragens e votos de boa viagem, e ainda a percepção diacrónica do tempo, desde a data imemorial da inauguração da linha e do comboio, com honras de realeza, passando por sucessivos presidentes, repúblicas e ditadores até à sua paragem abrupta, a Noite do Roubo das máquinas, face à cara carrancuda do estado, em nome de outra ideia de progresso estranha aos que continuam a viver a linha do Tua, as águas termais do São Lourenço, liturgia termal de uma nação176. A partir das representações sociais citadas, pode perceber-se ainda: a força do sistema social que organizava costumes, hábitos, práticas e condutas sociais de personagens, mudanças e readaptações interiorizadas, no longo período relatado; as regras de funcionamento e organização da vida social e cultural que estabelecem uma realidade comum aos indivíduos que, incorporando e reelaborando em seus repertórios os valores que recebem do meio, se encontram umbilicalmente ligados à cultura destes lugares. Figura 137 – Linha do Tua (túnel)177

As representações sociais dessa realidade económica, social e cultural compósita que foi e é o vale, o rio, a linha e o comboio do Tua podem então agora ser reanalisadas 176

Para a lista de obras analisadas, ver: LAGE & BEIRA, 2013.

177

Fotografia de M. J. Fernandes Lopes.

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125 anos de exploração

a partir de uma tentativa da sua categorização sociológica mais abrangente, expressa no quadro analítico abaixo178, mais adequado à singularidade do objecto empírico em estudo e construído a partir das lógicas ou mundos sociais, conceitos da sociologia de acção, que podem ser mobilizados e operam pelo seu valor heurístico e hermenêutico no presente contexto de análise. Estes conceitos permitem perspectivar a realidade ficcionada e representada, agenciando recursos e denunciando ou justificando acções dos actores, servindo-nos para o efeito da prova pelos objectos, segundo as diversas lógicas ou mundos em que operam, nomeadamente a lógica doméstica (baseada na confiança, mais de cunho social e familiar), a lógica industrial (baseada na racionalidade e eficácia e de feição económica), a lógica do mercado (baseada na oportunidade), a lógica da inspiração (assente na imaginação e inovação, mais de cariz individual) e ainda a lógica cívica (inspirada na ética). Neste enquadramento teórico e heterogéneo de coordenação, construído para defrontar problemas e questões derivadas do uso plural de escalas micro e macro e da necessidade de integração entre acção e estrutura, se desenvolve esta categorização final das representações sociais tendente á leitura inteligível da realidade empírica complexa e híbrida até pela marca nela estruturante de um regime de pluriactividade derivado da presença simultânea da pequena agricultura e espaços tecnologizados pela linha-férrea e o comboio, o que permite também aproximar, ao nível interpretativo e explicativo, este caso de outros casos nacionais. Tabela 7 – Mundos ou lógicas sociais Lógica doméstica

Lógica industrial

Lógica de mercado

As quintas e o proprietário agrícola absentista

O comboio como cavalo de ferro e belo monstro de ferro

O comboio e a linha férrea, meio e via de ligação

A construção da linha do Tua

Transporte de pessoas e de mercadorias

Agricultura no vale do Tua, labuta do aro agrícola

178

BOLTANSKI & THÉVENOT, 1987. BOLTANSKI et al., 1989.

379

Lógica de inspiração

Lógica cívica

Ficções literárias

Denúncia do encerramento da linha e da Noite do Roubo das máquinas

Escrita poética

Defesa de um mundo de valores e de património natural e histórico


A linha do Tua (1851-2008)

Lógica doméstica

Lógica industrial

Lógica de mercado

Lógica de inspiração

Lógica cívica

As relações entre os ferroviários e as populações locais

Os trabalhadores ferroviários

Debates e polémicas em torno da abertura da linha

Perceptos e afectos

Apeadeiros abandonados e estações fechadas

Práticas, usos e costumes rurais locais

O silvo do comboio e o barulho dos carris

Mobilidades e emigração

Argumentos e enredos literários

Polémicas em torno da construção da barragem

Barcas de passagem do rio

Máquina a vapor, locomotivas, manípulos, alavancas

Escoamento de produtos agrícolas e mercadorias

Percepções eruditas e mitológicas

Tumultos, revoltas sociais e zaragatas

Hospitalidade das populações locais e confraternização

Ideia de progresso e desenvolvimento regional

Comerciantes ingleses do vinho do Porto

Percepção diacrónica do tempo

Inauguração oficial da linha, construção e progresso de uma região

Crenças e superstições (o diabo…)

A força explosiva dadinamite

Ambiente fortemente concorrencial de vinhos e aguardentes

Braços abertos às montanhas, ventre de fragrâncias estranhas

Direito à continuidade da vida das populações no vale do Tua

Os fragmentos literários que compõem a colectânea analisada, unidos na sua diversidade por uma temática comum do vale do Tua – a abertura, funcionamento mais que secular e encerramento da linha – percepcionada e reinventada em múltiplas perspectivas, constroem como que uma epopeia colectiva atravessada por diferentes sinais de um propalado progresso e desenvolvimento regional. Recorrendo de novo à literatura, terminamos, metaforicamente, com esta recomendação: “se fores ao Tua, esquece-te dos pronomes possessivos”179; e a seguinte advertência, escrita em Foz-Tua, há 60 anos: “o progresso muita pedra deixa ainda no seu caminho!”180. As polifónicas memórias que narram vivências e impactos sociais e culturais desse empreendimento técnico, historicamente marcante, que foi a linha-férrea do Tua em Trás-os-Montes, factor de transformação do modo de vida de pequenas e interiores comunidades rurais, apresentam-se aqui, num corpus literário, testemunhal e ficcional que nos remete para a história. Narrativas épicas, reflexões discursivas, impressivas 179

CABRAL, 1999.

180

TORGA, 1953.

380


125 anos de exploração

crónicas de quotidiano, percepções poéticas e discursos sensitivos, encontram-se saturados de representações sociais que partilham diferentes mundos ou lógicas sociais com que se recriam realidades que se transformam e transformam a ambiência envolvente, dando sentidos vários ao processo histórico em questão. Nesse processo de recriação, experiências vividas/imaginadas são transferidas para os textos escritos e aí transmudadas, proporcionando aos autores e leitores representar também os seus contextos. Daí que os repertórios de representações e lógicas sociais identificados possam ser importantes na interpretação da colectânea sobre o Tua, pois que enquanto leituras do mundo e dos contextos sociais e históricos, ora permitem criar elos de ligação e intersecção, em dinâmicas de identificação, ora possibilitam conhecer e experienciar de modos novos. Saliente-se por fim, que são transversais ao presente texto, diferentes acepções de verdade na literatura (identificada com o fabuloso, mas eminentemente social), na ficção (que põe a verdade em suspensão) e na história (narrativa da veracidade), as quais, através da análise sociohistórica aqui feita, questionam os aspectos ficcionais do relacionamento entre a literatura, a história e a sociologia, requerendo uma configuração particular entre as três disciplinas, numa solução de compromisso. A busca por uma referência universalizante a um objecto específico aplica-se à literatura e ao modo como a história lê a produção literária. A cor local e a permanência da natureza são aqui uma característica comum e ponte para o diálogo entre o escritor e o historiador social, revelando duas formas de saber diferentes do mesmo objecto. A ficção tem de ser regulada pelo documento, pela referência extra-narrativa para alcançar a verdade. A mediação entre o que pode ser ficcionado e a constituição da própria história passa pela figura da imaginação que possibilita a representação quer da história, quer da literatura, para ler as fontes de que se dispõe, reconstituir o passado e pôr diante do leitor, o ausente181. Este é, porém, todo um outro desenvolvimento deste argumento.

181

SILVEIRA, 2009.

381


A linha do Tua (1851-2008)

5.5. O PAPEL ESTRUTURADOR DA LINHA DO TUA EM FOZ-TUA, CACHÃO E MIRANDELA Pedro Venceslau182

O final do século XIX marcou o vale do Tua pela aceleração do tempo das viagens graças ao caminho-de-ferro, que veio ainda alterar os hábitos comerciais e culturais da região. O impacto da linha não foi o desejado, no entanto pode dizer-se que nas aldeias ribeirinhas houve transformações, sendo as mais significativas nas dinâmicas comerciais. Nas três localidades à frente analisadas – Foz-Tua, Cachão e Mirandela – o caminho-de-ferro teve consequências ainda mais vincadas, não só ao nível das dinâmicas comerciais, mas também ao nível da industrialização e do urbanismo. A primeira transformação no vale liga-se directamente à origem da infra-estrutura, passando o transporte de pessoas e bens a ser feito por comboio. Também durante a construção se sentiu um movimento diferente, mais regular, no vale, que foi também notado nas aldeias183. A mala-posta que existia entre Vila Flor, Samões e Carrazeda de Ansiães deixou de operar neste período, apontando como motivo a construção e funcionamento do comboio, que passou a desviar parte desse trânsito, e a construção da estrada entre Carrazeda e Vila Flor que também contribuiu para o fim do trânsito comercial pelas zonas ribeirinhas do vale do Tua. No mapa seguinte, listam-se as estradas e outras vias que existiam no vale do Tua no fim do século XIX. A falta de referências a vias na região é um indicador de que seriam utilizados outros percursos não-oficiais, principalmente no trânsito comercial. 182

Escola Superior Gallaecia.

183

LAGE, 2011: 35-39.

382


125 anos de exploração

Tanto as estradas de segunda ordem, como as vias romanas conhecidas (que poderiam ser utilizadas) têm posições transversais ao rio, portanto contrárias às movimentações comerciais, remetendo para a existência de uma outra via ou percurso de apoio. Mapa 29 – Mapa das vias de comunicação no vale do Tua no fim do século XIX

383


A linha do Tua (1851-2008)

Existem dois troços de calçadas empedradas que, embora estejam identificados, não foram estudados, desconhecendo-se a que períodos correspondem. No entanto, os dois troços encontram-se em posições paralelas, contíguos ou atravessados pela actual estrada municipal que liga a aldeia do Pombal a Paradela. Pode colocar-se a hipótese de essa estrada, na sua maioria, ter sido construída sobre a antiga via de acesso ao porto da foz do Tua, tanto mais quando é tido em conta o seu sentido (paralelo ao rio). As alterações nas dinâmicas mercantis/comerciais do vale foram de um modo geral positivas. A partir do início da construção da linha, os habitantes daquele território, que até então viam passar com grandes dificuldades mercadorias e mercadores passam a ter mais formas de subsistir, graças a toda a actividade comercial em torno da construção da infra-estrutura184. Das aldeias ribeirinhas do rio Tua saíram ainda pessoas, embora em número reduzido em proporção da escala do território, para trabalhar no caminho-de-ferro em diversas funções (desde chefe de estação a maquinista ou factor)185. No início do século XX, à semelhança do que aconteceu noutras zonas do país, ocorreu a procura (lícita e ilícita) de minério, aspecto importante para a história da relação entre a linha e o vale do Tua. O facto de o caminho-de-ferro estar em funcionamento facilitou o seu transporte. Ao mesmo tempo, verificou-se grande adesão à exploração livre, ou seja, o dito contrabando e mercado negro, que fazia transportar o minério em animais (ao contrário do concessionado, que seguia por comboio). Além de minério, refira-se também o granito e os mármores de Santo Adrião, igualmente explorados em Trás-os-Montes, com maior incidência nas áreas contíguas à via-férrea, pela qual era feito o seu escoamento186. Há dois momentos em que a transição foi sentida positivamente, tendo por isso dependido de forma directa do caminho-de-ferro: o trânsito comercial que termina com o início do funcionamento da linha e o movimento em torno da construção e manutenção da via, simultaneamente com o mercado do minério. Esta fase mais positiva resultou do facto de haver bastante procura de trabalho, não obrigatoriamente agrícola (embora esta estivesse em alta, não só pela facilidade de escoamento da produção, mas também pelo fácil acesso aos adubos). Porém, o dinheiro fácil da exploração livre do minério não teve grande repercussão no território, do ponto de vista de desenvolvimento regional ou mesmo local187. Numa região em que o desenvolvimento tecnológico e industrial era reduzido, a esperança de crescimento económico regional era baixa ou quase nula. Contudo, a retracção económica provo184

LAGE, 2011: 35-36.

185

LAGE, 2011: 38.

186

LAGE, 2011: 37.

187

LAGE, 2011: 37.

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125 anos de exploração

cada pelas duas grandes guerras, sentida em toda a Europa e, pelo menos, no litoral de Portugal, não teve reflexo na região. Em suma, a primeira alteração significativa no território diz respeito à alteração das dinâmicas comerciais das populações ribeirinhas que, até ao início do funcionamento da linha do Tua, tomavam algum partido do trânsito comercial que se fazia sentir, oriundo do entreposto fluvial da foz do Tua. Com o comboio em funcionamento, as populações passaram a ter o seu próprio dinamismo comercial, ilustrando a significativa importância da linha para as aldeias do vale e para a economia das localidades circundantes (para além da dinâmica criada pela exploração e contrabando/comercialização do minério, que era escoado pela linha e negociado a partir da estação do Tua, onde confluíam os negociantes). Até aqui deu-se relevância às questões das acessibilidades, que justificavam parcialmente a fragilidade económica da região. Também foi possível perceber o contributo do caminho-de-ferro na evolução do sector dos transportes no vale. De seguida, procede-se à análise morfológica de Foz-Tua, Cachão e Mirandela, para assim identificar o papel estruturador da linha do Tua no desenho urbano destas localidades.

385


A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 30 – Planta de Localização de Foz-Tua

*

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125 anos de exploração

Até ao final do século XVIII, as grandes cheias do Douro durante o Inverno e as altas temperaturas do Verão levavam a que Foz-Tua não fosse um local habitado188. Os pescadores da zona normalmente residiam no Fiolhal e somente durante o Verão lá permaneciam, usando pequenas choupanas para pernoitarem e guardarem as redes. No entanto, a existência de um porto fluvial naquele lugar, o mais importante a montante da Régua, motivou com o decorrer dos anos o desenvolvimento do espaço, embora inicialmente com propósitos diferentes de habitação. Em 1876, o visconde de Vila Maior fazia referência à foz do Tua, onde existiam grandes armazéns, mandados construir pela antiga companhia do Alto Douro, onde era depositado o vinho comprado na região e o que os guardas apreendiam do contrabando. O mesmo autor refere ainda que esses armazéns tinham capacidade para 500 pipas de vinho189. José Viriato Capela menciona também a existência de 80 armazéns neste porto, onde a maior parte da gente do concelho vinha negociar, vender o que produzia e adquirir o que não tinha190. Figura 138 – Ilustração da foz do Tua no fim do séc. XVIII191

188

CAPELA, 2007.

189

VILA MAIOR, 1876.

190

CAPELA, 2007.

191

VILA MAIOR, 1876.

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 31 – Planta provåvel do lugar da foz do Tua, em 1880

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125 anos de exploração

Mapa 32 – Planta síntese do lugar foz do Tua em 1880

No mapa anterior, o núcleo edificado inicial (NEI) surge na encosta mais próxima do porto fluvial da foz do Tua. Nesta síntese é perceptível a acentuada topografia e a consequente dificuldade que se levantava ao crescimento gradual do edificado, além

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A linha do Tua (1851-2008)

daquela estreita faixa com a mesma cota. A possibilidade de crescimento seria apenas ao longo da margem do rio Douro com variações mínimas de declive, facilitando a acessibilidade entre os armazéns e o porto fluvial. Esta mesma estreita faixa de terra condicionou o estado a construir a estação a cerca de 1 km para montante do NEI. Por um lado, era a faixa de terreno disponível mais larga e distante do rio; por outro, oferecia melhores condições para o início da futura linha em direcção ao interior da região (a linha do Tua). A chegada do comboio a Foz-Tua transformou este lugar. Toda a zona envolvente à Senhora da Guia, em especial a nascente, era ocupada por dezenas de armazéns, pertença de comendas, casas senhoriais e muitos comerciantes de todo o distrito. Muitos foram arrasados com a construção do caminho-de-ferro; outros foram abandonados e alguns conservaram-se adaptados a outas funções. As casas inglesas também recuperaram alguns armazéns, mantendo-os em actividade192. Com a chegada do comboio nos finais do século XIX o porto fluvial entrou em decadência, pois a transacção de produtos passou a ser feita por comboio, o que explica também o desaparecimento de alguns daqueles armazéns. Figura 139 – Excerto do projecto definitivo da linha do Tua (c. 1887)193

192

MORAIS, 2013.

193

Centro nacional de documentação ferroviária.

390


125 anos de exploração

Uma estação ferroviária com a importância que a do Tua teve na região deu à foz do Tua dinamismo, desenvolvimento e crescimento. Passavam por aquela estação milhares de pessoas em direcção ao Porto e Lisboa. No século XIX, passaram também os emigrantes em direção ao Brasil, São Tomé, Angola e Moçambique e no século XX (principalmente na década de 1960) os que se dirigiam para França e Espanha. A estação por si só foi um pólo de desenvolvimento que gerou algum crescimento em seu torno. Manteve-se sempre essa tendência e o crescimento foi acontecendo em função deste equipamento, preenchendo os interstícios entre o NEI e a estação. Figura 140 – Excerto da planta geral de melhoramento da estação do Tua (1943)194

194

Arquivo histórico municipal do Porto.

391


A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 33 – Planta de Foz-Tua (década de 1940)

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125 anos de exploração

Mapa 34 – Planta síntese de Foz-Tua (década de 1940)

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A linha do Tua (1851-2008)

No mapa anterior é perceptível a falta de área suficiente para implantar a estação do Tua que, conjugada com a necessidade de vencer o desnível (entre o NEI e o início da linha do Tua), forma os critérios de justificação da implantação do edifício da estação a cerca de 1 km do NEI para montante na faixa disponível. A estação por si só foi um pólo de desenvolvimento que gerou algum crescimento em seu torno. Manteve-se sempre essa tendência e o crescimento foi acontecendo em função deste equipamento, preenchendo os interstícios entre o NEI e a estação. O lugar da foz do Tua transformou-se numa aldeia onde a maior parte dos residentes subsistiam de pequenas casas comerciais (pensões e tabernas na maioria) ou em funções ligadas ao caminho-de-ferro. Quando a linha passou para a CP, esta empresa construiu o bairro da CP, de forma a alojar alguns funcionários. A aldeia chegou a ter alguns serviços como os da guarda nacional republicana, correios e escola primária. As quintas do Tua empregavam a maior parte da mão-de-obra disponível. Era trabalho duro, difícil, mal pago e sazonal, o que aliado a outras questões sociais fez crescer a procura por um emprego na companhia do caminho-de-ferro. Na aldeia do Tua, em meados do século XX, o poder económico estava directamente relacionado com a estação. A população mais abastada vivia de actividades ligadas à ferrovia. O lado sul da aldeia, a Foz, apenas possuía a vertente religiosa. A perda de importância do comboio como infra-estrutura de transporte, o atravancamento geográfico da foz do Tua (sentido até hoje pelas difíceis condições de acessibilidades rodoviárias) e a indisponibilidade topográfica de terrenos para construção ditou o retrocesso e abandono da aldeia nas duas últimas décadas do século XX. Figura 141 – Vista geral da estação do Tua195

195

Foto do autor.

394


125 anos de exploração

Mapa 35 – Planta de Foz-Tua (década de 1980)

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 36 – Planta síntese de Foz-Tua (década de 1980)

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125 anos de exploração

O mapa anterior demonstra a dimensão que Foz-Tua tomou, ocupando o espaço disponível entre a estação e a parte antiga da aldeia. O diminuto crescimento que se verificou nesta fase final (1950-1980) procurou lugares onde pontualmente seria possível construir, tendencialmente afastados da aldeia. Disto são exemplos os equipamentos bairro da CP e escola primária que foram implantados a alguma distância do NEI e até mesmo da zona da estação, mas seguindo sempre o mesmo princípio. * O caminho-de-ferro imprimiu um dinamismo ao vale do Tua e à economia do distrito. Ao longo do seu traçado, as estações e apeadeiros foram implantados de forma estratégica, para poder servir as povoações no seu ponto mais próximo da linha (mesmo nos casos das sedes de concelho que não foram atravessadas por esta infra-estrutura). A curta distância e a fácil acessibilidade que o relevo permitia foram, possivelmente, os dois fundamentos que justificaram que no lugar do Cachão fosse implantada uma estação para servir Vila Flor, o flanco nascente do concelho de Carrazeda de Ansiães e Alijó. Neste mapa faz-se referência à implantação da estação do Cachão para servir Vila Flor e como se dá o início à edificação civil deste lugar. A estação foi implantada num local estratégico, na confluência de duas vias, as quais davam acesso aos locais por ela servidos. As primeiras construções surgiram perto da gare. Ao longo da estrada foram-se estendendo casas comerciais que viviam da dinâmica da estação. As manchas representantes da área passível de crescimento, mais a norte e centro, eram zonas ricas para a agricultura, servindo portanto de apoio às casas comerciais. A mancha mais a sul, para além de ficar mais distanciada, era uma zona muito rochosa e com um declive acentuado. Localizado a uns escassos 13 km de Mirandela, o Cachão (lugar da freguesia de Frechas) fica inserido no sopé de duas serras na margem do rio Tua. A estação ali construída servia também o concelho de Alfândega da Fé e o vale da Vilariça, muito propício à produção agrícola devido ao seu microclima. Desde cedo, a estação do Cachão fez atrair movimento de pessoas e de mercadorias, impulsionando o desenvolvimento local. Na memória oral ficou a figura de D. Pulquéria, natural de Vilarinho das Azenhas, que foi a primeira a construir uma pequena casa de comércio e pensão no Cachão. Com o decorrer dos tempos, o negócio evoluiu, tomando a dimensão de uma casa comercial, retalhista e armazenista. Chegou a ter rebanhos para a produção de queijo que era exportado via comboio para o Porto. Pouco depois surgiram os Cardosos, família de comerciantes, que ali se estabeleceu para desenvolver o seu negócio196. 196

Entrevista a Maria Violante Pastor, neta da sra. Pulquéria.

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 37 – Planta de localização do Cachão

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125 anos de exploração

Mapa 38 – Plantas do Cachão 1910-1960

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 39 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1910-1960

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125 anos de exploração

O Cachão tornou-se assim um entreposto comercial, sendo um posto de distribuição de sal para toda a região. As mercadorias vinham de comboio e uma grande parte delas ficava nas casas comerciais ali estabelecidas, que posteriormente as revendiam através de intermediários distribuídos pela região. Por outro lado, os agricultores levavam as suas produções (sobretudo cereal e azeite) ao Cachão para as vender aos armazenistas, que posteriormente as negociavam e expediam pelo comboio, enraizando neste local uma cultura comercial197. Mais tarde, já em pleno século XX instalou-se no Cachão um complexo agroindustrial, pela mão do engenheiro Camilo de Mendonça, natural de Vilarelhos, concelho de Alfândega da Fé. Camilo de Mendonça ingressou na vida política na união nacional, organização política que suportava o estado novo. Desempenhou vários cargos ligados a sectores económicos (desde delegado do governo no grémio dos armazenistas e exportadores de azeite a presidente da junta de exportação do café ) e foi um dos membros do sector de desenvolvimento do regime. Foi o mentor e impulsionador do complexo agroindustrial do Cachão (CAICA), enquadrado na óptica desenvolvimentista para a região, ideia que defendeu durante anos, como seu projecto de vida. O local inicialmente pretendido para a implantação deste empreendimento foi Mirandela, mas, pela dificuldade e impossibilidade de negociação na aquisição de terrenos da dimensão necessária, foi necessário encontrar outra solução. O local mais próximo com as características necessárias para implantar o empreendimento era a aldeia do Cachão. Apoiado na sua proximidade ao regime, Camilo de Mendonça foi dando passos decisivos para a realização do projecto, conseguindo por exemplo a união dos grémios da lavoura. O projecto foi idealizado para suportar uma revolução agrícola, que colocaria a agricultura transmontana ao nível das melhores da Europa198. Para além de um complexo destinado à agro-indústria, o empreendimento incluía a extensão do regadio a uma vasta área, suportada pela construção de barragens de terra batida. Para conquistar a adesão dos grémios a este projecto, Camilo de Mendonça mostrou ele próprio obra, empregando muitas vezes capitais próprios. Defendeu que só com a união da região se conseguiria vencer o atraso e criar condições de vida para “segurar a gente”199, contrariando assim a emigração, através do fomento industrial com a criação de núcleos de mecanização e da implementação do ensino superior na região (depois de muita insistência, conseguiu Camilo de Mendonça a instalação da universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em Vila Real). Em 1963, através da federação dos grémios da lavoura do nordeste transmontano (FGLNT), que começou por traçar caminhos, sugerir soluções e perceber em que pro197

Entrevista a Maria Violante Pastor, neta da sra. Pulquéria.

198

VISEU, 2007.

199

Entrevista a Maria Violante Pastor 401


A linha do Tua (1851-2008)

duções se deveria apostar para valorizar a região, surge o CAICA, com o objectivo de revolucionar a agricultura da região através do desenvolvimento de actividades ligadas à produção, aquisição, transformação e comercialização de produtos agropecuários200. O CAICA foi dirigido por Camilo de Mendonça, com base numa nova política agrícola de aumento da rentabilidade e da produtividade. Graças aos esforços do seu dirigente máximo, o empreendimento do Cachão estendeu-se a vários núcleos dispersos por todo o distrito de Bragança. Pelos seus objectivos e dimensão, foi um projecto único no país, destacando-se também na Europa. Em suma, este complexo destinava-se, essencialmente, à valorização e expansão das produções agropecuárias da região, através da sua transformação industrial e comercialização, canalizando-as não só para o mercado interno, mas também para o exterior. Idealizado como o “Motor da Região Nordestina”201, o CAICA, em 1964, atingiu uma área coberta de 9 ha, tendo criado uma marca própria, a Nordeste.

200

VISEU, 2007.

201

VISEU, 2007: 330.

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125 anos de exploração

Mapa 40 – Planta do Cachão 1965-1970

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 41 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1960-1970

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125 anos de exploração

Um empreendimento desta natureza necessitava de uma grande área, pelo que foi implantado na mancha central, mais próxima da estação e do NEI. Camilo de Mendonça projectou o bairro social na parcela de terreno disponível mais a sul. Segundo Albano Viseu, esta escolha ficou a dever-se ao facto de o engenheiro pretender distanciar o bairro de apoio do complexo da aldeia202. Porém, analisando o redesenho cartográfico, percebe-se que aquele era o único local disponível para implantar o equipamento. Pouparam-se os terrenos agrícolas ao mesmo tempo que não se constringiu o NEI, que podia assim desenvolver-se e crescer, como aliás acabou por acontecer. O CAICA, constituído por unidades industriais (pavilhões) dispostas em planos sucessivos, na base do monte da Nossa Senhora da Assunção e perto do rio Tua, compreendia os seguintes sectores: fruticultura, horticultura, destilação e vinhos e azeites. A implementação do complexo foi gradual, embora o essencial para o início da laboração tenha sido montado de uma só vez. Algumas fábricas e equipamentos foram adicionados à unidade industrial com o decorrer dos anos. O bairro social foi executado por fases, sendo que a primeira correspondeu à data do início do complexo, altura em que se construíram as primeiras sete habitações para albergar alguns técnicos. O CAICA recebia mais de trinta produtos, vindos de toda a região, para vender e transformar. Desta forma, o projecto valorizou as culturas existentes na região em função da sua intervenção e dinamização. No sector pecuário, o matadouro foi a última fábrica a ser instalada, não só pela sua dimensão, mas também devido à complexidade do sector em questão. O matadouro era uma peça do plano de Camilo de Mendonça para o encabeçamento do gado transmontano, do qual faziam ainda parte núcleos de criação de animais espalhados pela região (alguns dos quais chegaram a ser realizados). Outra vertente deste plano era cruzamento de raças autóctones de ovelhas com carneiros que vinham da Grécia, para que cada cria nascesse logo com 6 ou 7 kg. No que respeitava à lã, foram criadas pela FGLNT, núcleos de artesanato destinados à manufactura de artigos daquela matéria, com o objectivo de dar saída à produção e manter ocupadas as mulheres, dando-lhes ainda a oportunidade de aumentar o orçamento familiar, evitando a emigração. Foi igualmente criado um centro de arte e design com um sector comercial que procurava exportar os têxteis artesanais do CAICA para o mercado internacional203.

202

VISEU, 2007.

203

VISEU, 2007.

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 42 – Planta do Cachão, 1970-1975

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125 anos de exploração

Mapa 43 – Planta síntese do crescimento do Cachão, 1970-1975

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A linha do Tua (1851-2008)

Energeticamente, o complexo era auto-suficiente, através de uma central de vapor, geradora de energia eléctrica. No sector da formação e da investigação, houve também uma grande aposta204. O bairro social foi criado para resolver o elevado custo do transporte de trabalhadores, para facultar a laboração das fábricas por turnos e ainda para enraizar famílias no Cachão, que garantiam assim mão-de-obra para as gerações seguintes. A ideia foi implantar o bairro no extremo sul do complexo, desconectando-o do espaço da aldeia. O novo conjunto habitacional foi crescendo a partir das primeiras sete moradias de trabalhadores atingindo um total de 130 fogos. Era composto de vivendas iguais, com luz eléctrica, saneamento e água canalizada, infra-estruturas inexistentes na aldeia do Cachão e na maior parte das outras aldeias do distrito. A este bairro, o engenheiro Camilo de Mendonça deu o nome de Vila Nordeste. A luz eléctrica era fornecida por geradores ou pela central de vapor do complexo. Foi projectada uma estação de tratamento de águas residuais, que, porém, não chegou a entrar em funcionamento. Figura 142 – Mulheres a trabalhar no sector da lã205

204

VISEU, 2007.

205

Arquivo Agro-Industrial do Nordeste.

408


125 anos de exploração

Inicialmente, o posto médico funcionava numa dependência do complexo e mais tarde passou para o bairro social (tendo médicos de todas as especialidades)206. A Vila Nordeste contava ainda com um infantário, duas escolas, correios e um campo de futebol. As escolas no Cachão tiveram um papel preponderante na emancipação das mulheres da região, que passaram a ter a possibilidade de deixar os filhos na escola e em actividades ocupacionais durante o seu turno de trabalho. Para além destas regalias, as famílias tinham ainda direito ao abono de família, aspecto também inovador no país207. Dentro do complexo, foi criada uma cooperativa de consumo, a COOPENORD, que colocava à disposição dos associados electrodomésticos e mercearia, a preços mais baixos do que no mercado e com facilidades de pagamento. Isto possibilitou aos trabalhadores do CAICA e aos moradores da Vila Nordeste o acesso a outro tipo de produtos (como televisores) e a melhores condições de vida208. Foi ainda criado, no âmbito da federação nacional de alegria no trabalho, o centro de alegria no trabalho, um projecto de apoio aos trabalhadores com uma grande dinâmica no campo cultural e desportivo209. O CAICA oferecia apoio ao agricultor, facilitando o cultivo e aumentando os rendimentos. Dispunha de uma equipa de técnicos para dar suporte local. Introduziu um núcleo de mecanização em Macedo de Cavaleiros, onde qualquer agricultor tinha acesso a meios mecanizados (ceifeiras-debulhadoras, enfardadeiras, tractores), os quais pagavam com as próprias culturas. Figura 143 – Primeiras ceifeiras-debulhadoras a operar na região. Núcleo de Mecanização do CAICA210

206

VISEU, 2007: 341.

207

VISEU, 2007.

208

VISEU, 2007: 406.

209

VISEU, 2007: 406.

210

Arquivo Agro-Industrial do Nordeste.

409


A linha do Tua (1851-2008)

O engenheiro Camilo de Mendonça planeou um sistema de irrigação com 130 barragens com paredões de terra batida para colmatar a falta de água na região. Foi sob este plano que se construíram as barragens do Cachão, da Carvalheira, em Macedo de Cavaleiros, Rebordelo, Alfândega da Fé e Vilariça. Mais tarde, foram adicionadas novas barragens (como por exemplo as do Azibo e Carrazeda de Ansiães), feitas por outras instituições, mas nos locais estrategicamente previstos pelo CAICA211. As barragens serviram também durante anos para abastecimento de água às localidades contíguas. O complexo dinamizou a agricultura e os produtos existentes na região e implementou outros que não eram conhecidos, através da criação de um sistema de produção de plantas em viveiros. O CAICA garantia o escoamento total da produção, chegando mesmo a exportar para a Rússia. A exportação iniciou-se em 1964 com um comboio de 17 camionetas com cerca de 15 t de castanha, que se dirigiu a Leixões para seguir para o Brasil. Em 1966, o CAICA produziu 60 t de bagaço de uva, 5 mil l de borras de vinho, 150 pipas de vinho e 1 milhão l de azeite, entre outros produtos212. Considerando a dependência da região do sector primário, a acção do CAICA relançou a economia regional. O mapa seguinte refere-se ao complexo na sua totalidade e ao bairro social na penúltima fase de construção. Em meados da década de 1970, o complexo não estava ainda a funcionar em pleno, devido a obstáculos burocráticos (o matadouro levou alguns anos a entrar em funcionamento, por exemplo). Este período corresponde aos primeiros anos de democracia, que influiu na entrada em laboração de alguns equipamentos. Foi também nesta época que se preencheu na totalidade a Vila Nordeste, com a construção de equipamento desportivos e a pavimentação das ruas. Durante esta fase final, e no que diz respeito ao crescimento do edificado, nota-se um considerável crescimento do NEI, facilmente justificado pelo CAICA se encontrar em actividade e empregar um elevado número de trabalhadores.

211

Entrevista a Mário Joaquim Mendonça Abreu Lima.

212

VISEU, 2007: 346.

410


125 anos de exploração

Mapa 44 – Planta do Cachão 1975-1980

411


A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 45 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1975-1980

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125 anos de exploração

Mapa 46 – Planta com indicação das vias de comunicação construídas sob influência do CAICA

O CAICA teve um grande impacto na agricultura por todo o distrito. As acessibilidades não eram as melhores, pelo que o complexo rasgou novas estradas (ver mapa anterior), que, além de facilitar o transporte de mercadorias, ligavam o extremo nordeste do distrito ao lado poente (Alfândega, Torre de Moncorvo, Freixo-de-Espada-àCinta), facilitando ao mesmo tempo a ligação a Mirandela, Vila Real e Porto. * 413


A linha do Tua (1851-2008)

No que diz respeito a Mirandela, uma série de factores ocorridos entre o fim do século XIX e o século XX alteraram a sua morfologia e romperam com o seu isolamento territorial, efectivando a sua centralidade geográfica. Esses factores ligaram-se intimamente ao desenvolvimento dos meios e vias de comunicação e à urbanização da região. Mapa 47 – Planta de localização de Mirandela

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125 anos de exploração

Um marco significativo para o desenvolvimento desta área foi a inauguração da linha do Tua em 1887, que, conjugado com a localização central de Mirandela no centro do nordeste transmontano, polarizou valências não só na localidade, mas também na sua área de abrangência. Mirandela fortificou-se como ponto de passagem obrigatório e tornou-se o cruzamento rodo e ferroviário mais importante da região213. Centro histórico do comércio agrícola e da indústria (foi um pólo sericícola até perto do final do século XIX), o seu desenvolvimento esteve intimamente ligado às vias de comunicação: à linha de Foz Tua Mirandela (1887); à linha de Bragança (1906); e à via rodoviária IP4, que redefiniu uma nova centralidade regional para a cidade, em finais do século XX (1995). Em Mirandela, o caminho-de-ferro fixou chefes de estação, guardas da linha, maquinistas, fogueiros, revisores, pessoal de conservação da via, fiscais, pessoal especializado na manutenção e na reparação das máquinas e equipamentos e respectivas famílias. Depois de 1887, e mais tarde nos anos 1960, Mirandela tornou-se urbanamente atractiva e a sua centralidade tornou-a num local dinâmico do nordeste transmontano214. Mirandela foi-se modernizando e a linha-férrea foi um dos factores responsáveis pelo aparecimento de novos serviços e de novos organismos públicos e particulares: a CUF, a SAPEC, bombas de gasolina, oficinas de madeiras, moagens, fábricas de cortiça, lagares de azeite, oficinas de metalomecânica, oficinas da CP, oficinas de reparação de máquinas e de automóveis, padarias, cafés, lojas de vestuário e calçado, farmácias, hotéis, pensões e residenciais, barbearias, talhos, peixarias, oficinas de sapateiros, alfaiates, pintores, trolhas, entre outros. O mapa seguinte apresenta o período antecedente à chegada do caminho-de-ferro a Mirandela. Observa-se que o aglomerado edificado encontrava-se entre três barreiras: a norte, a ribeira de Carvalhais; a poente, o rio Tua e a sul uma tímida linha de água e uma porção de terreno pertencente a um só proprietário. Desta forma, a vila só poderia crescer para nascente, pela disponibilidade de área e topografia acessível. A fábrica da CUF foi construída em Mirandela em 1926, num local conhecido por Vale da Azenha ou Cruzeiro, com área de 38 mil m2 (11 mil m2 de área coberta), contíguo à estação de caminho-de-ferro, da qual dependia directamente. A CUF tinha um ramal ferroviário ligado à estação, que a abastecia de adubos e outros produtos para a agricultura e escoava óleos e outras produções.

213

VISEU, 2007: 98-107.

214

VISEU, 2007: 150.

415


A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 48 – Planta de Mirandela, dÊcada de 1880

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125 anos de exploração

Mapa 49 – Planta síntese de Mirandela na década de 1880

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A linha do Tua (1851-2008)

Da área coberta faziam parte o lagar de azeite, a extracção de óleos, a caldeira, a central eléctrica, os secadores verticais, o armazém do bagaço de azeitona, as tulhas de azeitona, o armazém do subproduto, o armazém de matérias, as oficinas, a casa das bombas, a casa do boi, os balneários e os refeitórios do pessoal. Manteve em funcionamento uma rede regional de engenheiros agrónomos que cobriu todo o país e que, em estreita colaboração com as entidades oficiais, contribuiu para melhorar a produtividade da agricultura. A central eléctrica da fábrica da CUF era composta por dois geradores a vapor que produziam energia para toda a instalação e ainda para uma parte da vila, principalmente em dias de grande consumo215. Até à década de 1960, Mirandela foi um aglomerado pequeno, cujos pontos principais eram o Toural, a rua de São Francisco, a rua das Amoreiras, a rua de Santa Luzia, a rua da Portela, o São Miguel, o Bairro da Tarana, a rua D. Manuel II, a zona do Tanque, o Cardal e a rua da República216. Surgiram em seguida os seguintes bairros: Operário, Preguiça, Pinheiro Manso, São João e Convento. Nos anos 1960, foram concretizadas algumas realizações e deu-se início a um processo que levou a que Mirandela ficasse equipada com organismos, serviços, equipamentos, monumentos, pontes e espaços aprazíveis: resolveram-se os problemas mais urgentes da vila e do concelho (estradas e caminhos, abastecimento de água canalizada, electrificação, urbanização, saneamento, melhoria das habitações, serviços, escolas); a nível da educação, Mirandela muniu-se de estabelecimentos de ensino de qualidade, atraindo um grande número de estudantes217. No mapa seguinte, é possível perceber que o caminho-de-ferro limitou na totalidade o perímetro da área edificada, ou seja, o desenho da linha fechou o lado nascente, para onde poderia a vila poderia crescer e se desenvolver. Mirandela ficou assim completamente congestionada, pois a área disponível para a construção era reduzida, traduzindo-se em apenas algumas zonas de preenchimento. A via-férrea tornou-se em mais um limite físico, que demorou cerca de duas ou três décadas a ser transposto. Por outro lado, foi a infra-estrutura que deu o impulso de construção fora dos limites da cidade através da construção do bairro operário. O incentivo ao desenvolvimento de Mirandela naquele flanco foi reforçado pelos serviços ferroviários, que albergaram os trabalhadores das oficinas gerais da linha do Tua.

215

VISEU, 2013.

216

VISEU, 2012: 148-151.

217

VISEU, 2007: 142.

418


125 anos de exploração

Mapa 50 – Planta de Mirandela na década de 1950

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A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 51 – Planta síntese de Mirandela na década de 1950

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125 anos de exploração

Em 1954, foi elaborado um plano geral de urbanização pelo arquitecto Brito e Cunha, que, embora não tivesse sido aprovado, antevia muito daquilo que viria a acontecer. É assim de crer que foi levado em conta e seguido pelos técnicos da câmara em muitas decisões. Por esta altura, Mirandela estava dividida em duas partes, separadas pelo rio Tua: a vila, propriamente dita, urbanizada e desenvolvida, e a zona de Golfeiras, a precisar de melhoramentos essenciais (escolas, arruamentos calcetados, ajardinamentos e alguma indústria). A entrada em laboração, em 1964, do CAICA foi de grande importância para Mirandela por ter levado à fixação de organismos nesta localidade: a direcção-regional de Trás-os-Montes do ministério da agricultura (1978), a direcção-geral dos serviços pecuários, os serviços agrícolas regionais, os serviços de hidráulica, de viticultura e de oleicultura, bancos, escolas, hospital, a junta autónoma das estradas, o gabinete e apoio técnico da terra quente transmontana, etc. Por outro lado, a EPAC controlava as reservas de cereais e fazia o escoamento à lavoura. Por fim, a CUF construiu em Mirandela um armazém de venda de produtos de apoio à agricultura local (sobretudo adubos e alfaias agrícolas). Em 1965, foram ainda inauguradas as seguintes obras, que demonstram a importância e crescimento de Mirandela: hospital moderno, novo bairro próximo da estação, centro desportivo, quartel dos bombeiros, vários edifícios de habitação novos, jardins (junto ao rio e junto ao mercado) e seis modestas unidades hoteleiras. O final da década de 1960 ficou marcado pelo crescimento da população estudantil, que fez aumentar a procura de alojamento. Os estabelecimentos de ensino existentes (ensino preparatório, liceal e técnico: agrícola, comercial e industrial) eram factores de atracção da região. A vila começou a crescer e a desenvolver-se. A chegada de professores, técnicos e funcionários de vários serviços e dos retornados das colónias (após o 25 de Abril), levantaram problemas de alojamento que tiveram de ser solucionados. Antes da expansão da malha urbana, em Mirandela havia meia dúzia de casas nos seguintes bairros: São João, Operário, do Pinheiro, da Cadeia, dos Pobres, do Convento, da Boavista e do Sardão do lado de Golfeiras. O plano de urbanização permitiu articular o crescimento de todos estes aglomerados bem como resolver a questão dos bairros clandestinos218.

218

VISEU, 2012: 158

421


A linha do Tua (1851-2008)

Mapa 52 – Planta de Mirandela na dÊcada de 1980

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125 anos de exploração

Mapa 53 – Planta síntese de Mirandela na década de 1980

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A linha do Tua (1851-2008)

Nas décadas de 1970, 1980 e 1990, alguns bairros foram melhorados e ampliados (Preguiça, Pinheiro, Convento, Tarana, São João) e surgiram outros novos: Castanheiros, São Sebastião, Cadeia, Urbimira, Conde Fijó, Zona Industrial, Fundo de Fomento, Salesianos, Conde Redondo, Fontes Frias, Vale da Azenha e, do lado de Golfeiras, Sardão, Peleiros, Boavista, Entre Vinhas, Estanca Rios e São Bento. A década de 1980 foi marcada por um boom no crescimento de Mirandela. Foi também um momento de transição no que respeita à análise morfológica da cidade, em virtude da extensão do IP4 até Mirandela. As tendências de crescimento da cidade na margem direita do Tua ganharam ainda mais força com esta infra-estrutura rodoviária. O fim da linha do Tua começou a ser anunciado. Embora o efectivo encerramento deste serviço ainda tivesse demorado alguns anos, a perda de importância do comboio para a cidade aconteceu a partir de então. No mapa anterior, contudo, é possível perceber o poder de incentivo ao desenvolvimento da cidade proporcionado pelos serviços do caminho-de-ferro. Ao mesmo tempo a CUF também solidificou a sua malha edificada com o desenvolvimento da empresa e a necessidade de construir também edifícios para albergar alguns trabalhadores. As zonas de preenchimento disponíveis no aglomerado urbano inicial foram ocupadas. Com a falta de espaço para construção, foi procurada uma área que oferecesse condições para o crescimento urbano. Na década de 1980, o lado sul de Mirandela ainda reunia condições do ponto de vista infra-estrutural. Porém, há que ter em conta dois outros vectores de crescimento. O primeiro situou-se ao longo de uma via no sentido nascente, que comunicava com um pequeno aglomerado edificado que surgiu a alguma distância da vila e que resultou no bairro São João. O segundo estendia-se ao longo da estrada nacional no sentido norte. Na margem oposta do rio, apareceram pequenas manchas respeitantes a construções de apoio agrícola. No desenho cartográfico aparece um novo elemento, o actual hospital Trigo de Negreiros, no lado oposto do rio Tua. Com ele, surgiram também algumas manchas edificadas, salientando mais uma vez a força que um equipamento de carácter público pode ter no desenho de uma cidade.

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125 anos de exploração

Mapa 54 – Planta de Mirandela elaborada em função dos serviços na década de 1980

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A linha do Tua (1851-2008)

Relativamente à vila, com o decorrer dos anos a mancha edificada foi ganhando dimensão, mediante a estrutura seguida até então. Houve uma aposta no crescimento e desenvolvimento para sul, apoiados nas infra-estruturas que existiam, mas também na construção de novos equipamentos, seguindo políticas do estado novo (como por exemplo habitações associadas à educação como o bairro fundo fomento habitação, o liceu, a escola primária, a escola secundária ou o pavilhão gimnodesportivo). Um dos primeiros loteamentos projectados pela câmara surgiu no seguimento do bairro operário (bairro da Preguiça). O plano de urbanização de Mirandela previa o desenvolvimento da vila precisamente no sentido sul, factor que reforça a ideia do desenvolvimento da cidade ter uma justificação infra-estrutural, ao invés de outra apoiada na facilidade e disponibilidade de área. No mapa desenhado em função dos serviços (a seguir), é possível perceber que os equipamentos de carácter público de grande dimensão e importância (educação, transporte, industria) foram localizados a sul, ainda mais se a estes factores forem associados os equipamentos de habitação colectiva lá situados.

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125 anos de exploração

5.6. ALTERAÇÕES NA LINHA DO TUA (1895-1920) Albano Viseu219

A linha do Tua sofreu, ao longo dos tempos, um conjunto de alterações, o que demonstra a sua dinâmica, posta ao serviço das populações locais e das terras que sentiram o pulsar das suas várias actividades e que ganharam outra importância com esta via de comunicação. As actividades económicas ganharam outra vida, porque o caminho-de-ferro proporcionou a canalização para o mercado das suas produções e a captação para a região transmontana de produtos e matérias-primas que nela não existiam. A linha do Tua teve que responder às necessidades de circulação de pessoas e de mercadorias, suprindo carências, tornando-se mais funcional e dignificando uma região que precisava de ver resolvidos os seus problemas de interioridade e os seus estrangulamentos no relacionamento com o modus vivendi regional e nacional. A via-férrea não poderia ter ficado eternamente na mesma, pois a sua operacionalidade diária, os fenómenos resultantes do desgaste natural do território e os factores climáticos invasivos e influenciadores acarretaram problemas que tiveram que ser resolvidos. A linha passou assim por um conjunto de alterações que se tornaram essenciais nesse processo de transformação. As estações e os apeadeiros foram alterados, pois houve a necessidade de preservar a sua conservação, de os aumentar e de os adaptar às exigências do momento e de neles introduzir melhoramentos. Os apeadeiros nasceram em locais específicos e 219

Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (Faculdade de Letras da Universidade do Porto).

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A linha do Tua (1851-2008)

aqueles que se mostraram desadaptados deram lugar a outros, em lugares mais bem localizados, respondendo, assim, às necessidades de circulação. A abrangência deste processo acabou por envolver as entidades da Companhia Nacional e os directores dos seus vários serviços, responsáveis pela delineação, pela fiscalização e pela execução de vários projectos. As alterações concretizadas ao longo da linha, entre o ano de 1895 e o de 1920, ocorreram em determinados locais: 1) Mirandela e arredores; 2) estação do Tua; 3) outras estações (Cachão; Abreiro; Amieiro/Santa Luzia; São Lourenço; vedação de propriedade em Vilarinho das Azenhas), apeadeiros (Codeçais, Latadas, Vilar de Ledra, Salselas e Rebordãos) e num muro de espera (estrada Mirandela-Bragança, km 60,350). Entre 1895 e 1905. – 1895: demolição de uma casa de guarda em ruínas ao km 9 e reconstrução de outra, de igual tipo, ao km 26, dando origem à estação de Codeçais220. No dia 1 de Maio de 1895 o director de serviço da Companhia Nacional comunicou ao engenheiro director fiscal de exploração de caminhos-de-ferro que a casa de guarda, situada ao km 9 ameaçava ruir, pelo que pedia autorização para a demolir e para a reconstruir ao km 26, onde podia ser utilizada ao serviço de exploração. Paiva Couceiro pede ao engenheiro-chefe da segunda divisão fiscal de via e obras, cinco dias depois, que o informe sobre essa casa e ficou a saber que: “o estado de conservação da casa de guarda (…) não é bom, tem estado abandonada. Não resultará inconveniente para o serviço de exploração do caminho-de-ferro da sua supressão, porque ficando no extremo de dois partidos, os respectivos capatazes não a habitam, preferindo ficar nas estações de Amieiro e S. Lourenço e a passagem de nível que lhe fica próximo, não tendo guarda, por ser de pouca importância, a torna também dispensável”. A Companhia Nacional começou a fazer a escavação para o alargamento do recinto da estação de Codeçais e a reconstrução da mesma no início do mês de Agosto de 1895. A 16 de Agosto, o engenheiro-chefe da segunda divisão fiscal de via e obras informou a direcção fiscal que “só ali se andava procedendo ao alargamento do terreno que deve servir de estação de Codeçais”. A 3 de Setembro de 1895, a Companhia Nacional tinha terminado “a demolição da casa de guarda ao quilómetro 9 da sua linha de Mirandela, e principiou outra do mesmo tipo, destinada a estação do apeadeiro de Codeçais ao quilómetro 26”; e a 23 de Outubro de 1895 estava já construído “um cais coberto e descoberto”.

220

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 162.001 a 162.012 de 1895.

428


125 anos de exploração

Figura 144 – Planta do projecto de obras no apeadeiro de Codeçais221

Figura 145 – Apeadeiro de Codeçais (km 25)222

– 1895-1896: reparação da estrada real n.º 38 (Chaves a Torre de Moncorvo por Mirandela), entre a vila de Mirandela e a sua estação de caminhos-de-ferro223. 221

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 162.012.

222

Fotografia de Eduardo Beira

223

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 85.001 a 85.009 de 18951896.

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A linha do Tua (1851-2008)

A câmara municipal de Mirandela apresentou ao rei uma representação, a 20 de Dezembro de 1895, para que fossem ordenados “os preciosos e urgentíssimos reparos, que a estrada Real n.º 38 de Mirandela a Vila Flor precisa na parte que desta vila conduz à estação de caminhos-de-ferro. Este troço de estrada, talvez trezentos metros, está há muito tempo no mais lastimável estado, sendo hoje quase impossível transitar por ela. Todos os dias se estão dando ali graves acidentes e não havendo outra estrada que ligue a vila com a estação é forçoso que tanto passageiros como carros se arrisquem a fazer aquele trajecto impossível”. Paiva Couceiro informa o director de serviços de obras públicas, Leite Bettencourt, a 29 de Janeiro de 1896, que aquele troço da estrada era “um desvio que por necessidade da construção do caminho-de-ferro (…) foi construído pela Companhia respectiva e faz parte integrante da estrada real n.º 38. A sua conservação, portanto, não pode incumbir à Companhia e o que falta é a formalidade da posse pela respectiva Direcção de Obras Públicas”. Um despacho de 7 de Fevereiro de 1896 do ministro das obras públicas determinava que se fizesse “a entrega à Direcção das Obras Públicas do distrito de Bragança do troço de estrada real n.º 38 compreendido entre Mirandela e a respectiva estação de caminhos-de-ferro”. – 1896-1897: construção de um novo edifício na estação do Amieiro224/ Santa Luzia. A 23 de Dezembro de 1896, a direcção fiscal de caminhos-de-ferro tomava conhecimento, através do engenheiro-chefe de divisão de via e obras, segunda divisão, da necessidade da construção de um novo edifício na estação do Amieiro que fora construída “na base de uma encosta para o que esta foi cortada quase verticalmente até a uma altura de 5 m aproximadamente, ficando-lhe o terreno superior da encosta com um pequeníssimo declive até a uns 14 metros. Quando se fez o corte reservou-se um espaço de 2,5 m de largo para o serviço da estação e do cais”. Devido às muitas chuvas que caíram no mês de Dezembro desse ano, destacou-se um grande rochedo da encosta que provocou grandes e profundas gretas no talude da mesma até à sua parte superior, o que fez prever o desabamento de toda aquela parte da trincheira, podendo aquelas terras entulharem ou demolirem o edifício da estação. A estação foi apeada, ficando o serviço concluído no dia 12 de Dezembro de 1896, e foi feito “o desmonte da trincheira até a colocar em regulares condições de segurança”. O serviço passou a ser feito no cais coberto, “efectuando-se a passagem para o 224

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 163.001 a 163.009 de 1896-1897.

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125 anos de exploração

cais pela gare da estação, sendo o embarque e desembarque dos passageiros na mesma gare, como era antes da demolição da estação”. A Companhia Nacional, a 24 de Abril de 1897, pretendia reconstruir a estação “próximo do local que ela ocupava, mas ao abrigo de qualquer desabamento da trincheira próxima” e seguindo o mesmo tipo da antiga estação, “pensando apenas em a fazer avançar proximamente dois metros, a fim de deixar à sua retaguarda espaço suficiente para a passagem dos carros que têm de fazer serviço no cais”. Figura 146 – Vista geral do Amieiro225

A reconstrução da estação do Amieiro começou no dia 10 de Maio de 1897 e ficou concluída a 4 de Agosto de 1897. – 1899: vedação de uma propriedade, em frente à estação de Vilarinho das Azenhas226. D. Maria Teresa Barroso Vilhena de Moura Carvalhais, residente na freguesia de Vilarinho das Azenhas, concelho de Vila Flor, pediu licença à divisão fiscal de via e obras da exploração de caminhos-de-ferro “para estabelecer uma vedação de prumos (postes) de madeira ligados com fios de arame na sua propriedade, denominada das Três Rodas, confinante com o caminho-de-ferro de Foz Tua a Mirandela, entre pontos quilométricos 36,218 e 36,426, defronte da estação de Vilarinho”. 225

Apud. BEIRA, 2014: 28.

226

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 86.001 a 86.005 de 1899.

431


A linha do Tua (1851-2008)

Figura 147 – Estação de Santa Luzia (Amieiro fica do outro lado do Tua)227

Como “a distância ao carril externo do limite da propriedade era de 7 m, a proprietária não precisou de licença para fazer a vedação e por ser o alinhamento da pretendida vedação, além do alinhamento legal, definido no C. n.º 1529, artigo 27º do Decreto de 31 de Dezembro de 1864”. – 1901: construção de um hangar na estação do Tua228. No dia 18 de Maio de 1901, o director de serviço da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro apresentou a Paiva Couceiro o pedido de aprovação da construção de um hangar na estação do Tua, “para resguardo da locomotiva que ali se acha estacionada, como reserva”. Paiva Couceiro concordou com a construção e deu conhecimento dessa resolução ao director de serviço e ao engenheiro-chefe da divisão de via e obras. Este projecto era acompanhado da respectiva planta.

227

Fotografia de Eduardo Beira

228

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 154.001 a 154.004 de 1901.

432


125 anos de exploração

Figura 148 – Planta do hangar para a estação do Tua229

Figura 149 – O hangar na estação do Tua230

– 1901-1904: mudança de lugar da Estação de Vilarinho das Azenhas e construção do apeadeiro da Ribeirinha231. 229

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 154.001.

230

Fotografia de Eduardo Beira.

231

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 80.001 a 80.031 de 1901-1904.

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A linha do Tua (1851-2008)

A câmara municipal de Vila Flor, através do seu presidente, José Manuel da Costa, pediu ao governo, no dia 5 de Dezembro de 1901, a construção de um apeadeiro no sítio da Ribeirinha232, pois que “para ficar a povoação de S. Pedro de Vale do Conde em magníficas condições de comodidade ficam enormemente prejudicadas as povoações de Vilas Boas, Longra e Barcel, as quais são de maior importância que aquela, havendo ainda mais a circunstância de que a povoação de S. Pedro de Vale do Conde tem muito fácil comunicação com Mirandela para onde é servido por bons caminhos, e para onde concorre com todos os géneros da sua produção agrícola”. A fim de evitar o “mal-estar” dessas povoações, com a mudança da estação de Vilarinho para a ponte de São Pedro de Vale do Conde, aquela câmara pedia a construção de um apeadeiro com cais de carga e de descarga no sítio da povoação da Ribeirinha. Figura 150 – Estação nova de Vilarinho das Azenhas (km 37,8)233

A estação de Vilarinho das Azenhas passou a situar-se, como refere o documento, junto da “ponte de S. Pedro de Vale do Conde”. A construção do apeadeiro da Ribeirinha foi sugerida em 1901, mas a obra só foi inaugurada em 1904. A decisão tardou em concretizar-se, estando em causa o tipo de estação, o ponto quilométrico onde esta deveria ser instalada, se ao km 33,650 ou se ao km 33,892, e o orçamento da mesma. O ponto quilométrico 33,650 era considerado impróprio, tanto pelas condições de 232

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 1669, pasta n.º 4, Companhia Nacional Foz Tua a Mirandela, com a chancela da Direcção Fiscal da Exploração de Caminhos de Ferro.

233

Fotografia de Eduardo Beira

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125 anos de exploração

acesso, como pelas dificuldades que adviriam para as construções. E o perfil transversal da linha, naquele ponto, era em trincheira de 7 m de altura do lado direito da linha. Outro parecer “era de que a projectada estação não era necessária, para satisfazer as conveniências das povoações (…), porque, para serviço de passageiros, seria bastante um simples apeadeiro constituído pela casa de guarda que já existe a 115 m de distância da agulha de entrada (lado do Tua) da estação projectada, e, para mercadorias, vê-se na planta (…) que as povoações são tão bem servidas pelas estações de Vilarinho e de Abreiro como pela estação projectada, tendo aquelas sobre esta a vantagem de haver pontes no Tua, quando nesta há somente um vau”. Figura 151 – As populações (Vilas Boas, Longra, Barcel, Vilarinho das Azenhas e Ribeirinha), as estações de Vilarinho (velha e nova), o apeadeiro da Ribeirinha e a linha de Foz-Tua a Mirandela234

Quanto ao orçamento, depois de o director-geral de obras públicas e minas ter reformado o projecto “suprimindo-se o cais coberto e a linha de resguardo com as suas duas agulhas, reduziu-se por esta forma o custo da obra em 1 990$000 réis”, este passaria a ser de 2,74 contos de réis, o que daria para construir o edifício de passageiros, estação de quarta classe, o cais descoberto de 10 m de comprimento com a sua linha de serviço e o caminho de acesso. A 25 de Setembro de 1903, a Companhia estava pronta “a executar a construção” e a 14 de Abril de 1904, a direcção fiscal dava conhecimento de uma inspecção dos trabalhos às obras do apeadeiro. “O edifício de passageiros ficou em boas condições de segurança, não sendo porém de grande perfeição o seu acabamento, mas os operários da região não sabem construir melhor. Houve o aumento de 0,80 m no comprimento e de 0,30 m na largura, tendo também o edifício ficado mais elevado 0,20 m do que 234

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 80.004.

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A linha do Tua (1851-2008)

a cota do projecto pela conveniência de o livrar quanto possível da humidade do solo, que tanto se faz sentir por ficar adjacente a uma trincheira muito húmida. Esta modificação porém não modifica a exploração. Foi aberta uma porta para o lado de trás do apeadeiro na casa correspondente à cozinha do projecto, tendo esta passado para a fachada da frente, e ficando também aquela casa em comunicação com a casa contígua por uma porta que não estava projectada. Sendo preferível a distribuição do projecto, principalmente pela colocação da cozinha, e porque tornava independente o serviço do apeadeiro, julgo contudo que poderá ser aceite a alteração feita que permite maior vigilância em todo o edifício. Ficaram em condições regulares a bilheteira, e a casa de despacho de bagagens com o respectivo balcão. Os fios telegráficos já estão comunicados para o edifício, mas faltam os aparelhos”. A linha de serviço do cais descoberto estava em boas condições e a agulha tinha sido deslocada 8 m para o lado de Mirandela e a passagem de nível tinha avançado 10 m para o mesmo lado. Os caminhos de acesso ao apeadeiro estavam transitáveis. A povoação da Ribeirinha, “adjacente e sobranceira à linha”, ficava em comunicação com esta, através de um dos caminhos. O recinto do apeadeiro foi ampliado, ficando adaptado, caso houvesse mais tráfego e se viesse a construir um cais coberto. De acordo com a inspecção, o apeadeiro da Ribeirinha podia abrir provisoriamente ao público, “devendo ser feita com brevidade a colocação do relógio e da balança, e assim como estabelecido o telégrafo”. A 21 de Abril de 1904 os caminhos de acesso ao apeadeiro da Ribeirinha encontravam-se concluídos, a 26 de Abril as obras ficavam concluídas e a 8 de Maio de 1904 ocorreu a abertura do apeadeiro da Ribeirinha ao serviço de exploração. Figura 152 – A estação da Ribeirinha (28 de Março de 1904)235

235

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 80.037

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125 anos de exploração

Figura 153 – O apeadeiro da Ribeirinha (aspecto actual)236

– 1905: deslocação do apeadeiro das Latadas237. Um grupo de proprietários residentes em Mirandela, Marmelos, São Salvador, Vila Verde e Latadas enviou um abaixo-assinado ao ministro das obras públicas, em 1905, comunicando que uma vez que lhes constara “que vai ser suprimido o apeadeiro denominado Latadas, na linha férrea de Foz Tua a Mirandela, vêm muito respeitosamente implorar a valiosíssima protecção de V. Ex.ª, a fim de que o mesmo seja conservado para o tráfego de passageiros, como está estabelecido há muitos anos, pela falta sensível e prejuízos que resultam para os habitantes das referidas povoações com a sua supressão”. Outro pedido, feito à Companhia Nacional, da deslocação do apeadeiro, do km 48,411 para o km 50,490, foi considerado vantajoso, em Janeiro de 1905 “pois o apeadeiro, na sua actual situação, poucos serviços presta (…) e é de esperar que depois de deslocada melhor possa aproveitar o público”. A acompanhar esta carta, seguia o projecto para execução da transferência do apeadeiro. 236

Fotografia de Eduardo Beira

237

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 143.001 a 143.009 de 1905.

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A linha do Tua (1851-2008)

Figura 154 – Planta do novo apeadeiro das Latadas238

Figura 155 – Planta do novo apeadeiro das Latadas239

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 143.005.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 143.006.

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125 anos de exploração

Figura 156 – Planta do novo apeadeiro das Latadas240

Figura 157 - Local do antigo apeadeiro das Latadas (entretanto demolido)241

240

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 143.007.

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Fotografia de Eduardo Beira.

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A linha do Tua (1851-2008)

A direcção fiscal de exploração de caminhos-de-ferro emitiu um parecer, em Março de 1905, dando-o a conhecer ao director da Companhia Nacional, contrário à deslocação do apeadeiro, porque “junto do actual apeadeiro passa a Estrada Real n.º 38, servindo a povoação de S. Salvador e de Vila Verde, na margem esquerda do rio Tua, e que ficam respectivamente às distâncias de 2.000 m e de 5.000 m, e a povoação de Marmelos, na margem direita, que está a 2.000 m. Do local para onde se pretende fazer mudança do apeadeiro fica a referida estrada Real n.º 38 à distância de mais de dois quilómetros, sem outro caminho público, e assim nas condições actuais não teriam os povos serventia para o apeadeiro projectado, que só aproveitaria ao proprietário do terreno adjacente à linha”. De 1907 a 1918. – 1907: travessia da linha por um tubo de ferro, para levar água para rega, no Choupim, em Mirandela242. Figura 158 – Planta da passagem do tubo de ferro243

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 81.001 a 81.012 de 1907.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 81.003.

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125 anos de exploração

Eduardo Pinto da Silva, casado, residente no Porto, na rua de Vilar, n.º 54, possuía um terreno que fora atravessado pela linha-férrea de Foz-Tua a Mirandela, no lugar de Choupim, freguesia de Santa Maria Maior, em Mirandela, ao km 50,333, pelo que apresentou, em 24 de Outubro de 1907, um requerimento a pedir uma licença para atravessar a linha, passando por dentro de um aqueduto um tubo de ferro de 0,09 m de diâmetro para condução de água de rega entre as suas propriedades. A água seria tirada do rio Tua com uma bomba, accionada por uma roda hidráulica244. As circunstâncias locais e as do projecto eram indicadas num desenho de planta e perfil longitudinal, juntamente enviado com o requerimento. O director da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro informava Paiva Couceiro, a 2 de Novembro de 1907, de que “não há nenhum inconveniente em que seja concedida a licença requerida”. Esta decisão foi também comunicada ao engenheiro-chefe de divisão de via e obras, a quem era dado conhecimento das condições de realização da obra pretendida: “1.ª Os trabalhos dentro dos limites do caminho-de-ferro serão executados pelo pessoal do serviço de via e obras ou pelo do concessionário sob a fiscalização e segundo as indicações daquele; 2.ª A despesa que se fizer com o pessoal que for empregado na execução ou na fiscalização do trabalho será paga pelo concessionário; 3.ª O trabalho será efectuado nas horas que forem designadas pelo serviço de via e obras; 4.ª O concessionário ficará obrigado à conservação do encanamento por forma que não prejudique a Companhia de caminho-de-ferro nem lhe ocasione qualquer despesa futura, seja quais forem a causa e a natureza das avarias que se derem; 5.ª A Companhia do Caminho-de-Ferro ficará isenta da responsabilidade por qualquer avaria que venha a dar-se no encanamento, tanto pelo uso natural como em consequência de quaisquer reparações que tenham de ser feitas na linha férrea ou no aqueduto. Além destas condições o concessionário ficava sujeito aos preceitos dos artigos n.º 99, n.º 100 e n.º 103 do Decreto de 19 de Setembro de 1900 e ao pagamento dos emolumentos devidos à Fazenda Nacional, nos termos da lei de 16 de Abril de 1867 e respectivos impostos adicionais”245: 3 mil réis de emolumentos e 540 réis de impostos a pagar à fazenda nacional. – 1907: depósito de petróleo e licença para instalação de um tubo em ferro, na estação de Mirandela, para carga e descarga de vagões de petróleo da companhia Colonial Oil246. 244

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 81.001 a 81.012.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 81.010 e 81.011.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 82.001 a 82.010 de 1907. 441


A linha do Tua (1851-2008)

Figura 159 – Estação ferroviária de Mirandela247

A Colonial Oil Company, possuidora de um terreno na freguesia de Santa Maria Maior, em Mirandela, perto da estação de caminho-de-ferro, pede licença, no dia 27 de Abril de 1907, para estabelecer um tubo para carga e descarga de vagões de petróleo a granel, ao km 54,139, entre as linhas de desvio da estação e o seu depósito (armazéns) existente naquele terreno. O encanamento atravessaria subterraneamente a última via de resguardo dos terrenos da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. A planta anexa a este processo ajuda a compreender a localização do referido depósito, em relação à estação de caminhos-de-ferro de Mirandela e à estrada real n.º 38 que ligava Chaves a Moncorvo e passava por Mirandela. Figura 160 – Localização do depósito da companhia Colonial Oil248

247

Fotografia de Hugo Silveira Pereira.

248

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 82.005.

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125 anos de exploração

O director da Companhia Nacional acusou a recepção do requerimento e autorizou a realização daquela obra a 21 de Junho de 1907, de acordo com as seguintes condições, fixadas no dia 28 de Junho de 1907: “1.ª A canalização será fechada à saída dos depósitos da Companhia Colonial Oil e na boca instalada no terreno do caminho-de-ferro por meio de torneiras encerradas em cofres munidos de duas chaves diferentes, das quais ficará uma em poder do chefe da estação e a outra em poder da Companhia Colonial Oil, não podendo fazer-se operação alguma sem autorização e cooperação do chefe de estação e a presença de um empregado da mesma estação; 2.ª A canalização será metida em um canal ou em outra canalização estanque e em declive na direcção dos depósitos, onde desembocará em um pequeno reservatório em que se reúna o petróleo proveniente das fugas; a boca no terreno da estação será colocada no centro de uma bacia estanque comunicando com o canal; 3.º A canalização deverá ficar vazia no intervalo das operações; 4.º As operações só se realizarão de dia; 5.º Os trabalhos do estabelecimento da canalização serão executados sob a fiscalização do serviço de via e obras do caminho-de-ferro e bem assim todas as reparações [não se lê esta parte] pela Fiscalização do Governo ou pela Companhia do Caminho-de-Ferro; 6.ª A Companhia Colonial Oil fica obrigada a obter as autorizações administrativas que forem necessárias tanto para a execução dos trabalhos como para a exploração; 7.ª A Companhia do caminho-de-ferro fica com o direito de mandar arrancar a canalização, quando esta lhe cause qualquer embaraço ou prejuízo, sem que a Companhia Colonial Oil possa reclamar por esse facto qualquer indemnização; Além destas condições, fica a Companhia Colonial Oil sujeita aos preceitos dos artigos n.º 99, n.º 100 e n.º 103 do Decreto de 19 de Setembro de 1900 e no pagamento dos emolumentos devidos à Fazenda Nacional, nos termos da lei de 16 de Abril de 1867, e respectivos impostos adicionais” (3.540 réis de emolumentos e impostos adicionais). – 1907: abertura de um portal em frente à estação do Tua249. Francisco da Rocha Leão apresentou um requerimento, no dia 8 de Março de 1907, pedindo ao rei para lhe conceder a licença para abrir um portal num terreno que comprara à Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, em frente à estação do Tua, pela quantia de 30 mil réis, para servidão da sua propriedade da Quinta da Chousa, 249

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 84.001 a 84.014 de 1907.

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A linha do Tua (1851-2008)

conforme tinha sido concedida, tempos antes, à dona de outro terreno, sua vizinha, Margarida de Jesus Gouveia. O requerimento era acompanhado por uma planta, onde estavam assinalados os terrenos dos dois proprietários e o portal requerido, assinalado com a letra a: Figura 161 – Planta da estação do Tua e do terreno de Francisco da Rocha Leão250

Figura 162 – Estação do Tua (km 0)251

O director da Companhia Nacional informou o engenheiro-chefe de divisão de via e obras do seguinte: “com o senhor Rocha Leão há contractada a venda de uma porção de terreno com a superfície de 77 m2, fora da faixa da linha férrea, e separado 250

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 84.014.

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Foto de Hugo Silveira Pereira.

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125 anos de exploração

dela por um muro de vedação, que corre ao longo desse terreno e se prolonga pela frente do que lhe fica contíguo, e onde desde muitos anos existe uma casa abarracada. Esta casa tinha serventia para a linha, que se lhe deixou, por meio de uma cancela, numa das extremidades do referido muro. Um dos pontos que tem demorado a realização do contracto com o Sr. Leão, tem sido a concessão de nova serventia, que ele solicita, mas a que até agora não temos dado deferimento, assunto que com o mesmo senhor temos tratado por cartas, tendo sido condição desde princípio posta por nós que só concederíamos abertura de serventia no terreno, que o senhor Leão deseja obter, se ele por acordo com o proprietário vizinho obtivesse que se vendesse a antiga serventia, servindo a nova para os dois proprietários”. A 9 de Abri de 1907, há um aditamento a este ofício, esclarecendo que “a casa de venda que tem serventia para a nossa linha, existia já antes da construção desta, tendo sido edificada por ocasião da construção da linha do Douro. Tendo nós vedado o recinto da estação, foi deixada a serventia alegando a proprietária os seus antigos direitos”. No dia 27 de Abril de 1907, Manuel Bello esclarece Paiva Couceiro sobre a serventia em causa: “1.º a serventia não serve para carga ou descarga, mas simplesmente para dar ao proprietário livre passagem e comunicação através do recinto da estação, com a estrada que passa do outro lado desse, e para a qual não pode ter serventia doutro modo. É apenas para peões. 2.º Não tem cancela, nem o uso da serventia está dependente do beneplácito do chefe da estação. 3.º O proprietário não possui título algum, que lhe dê direito a serventia. Esta foi feita logo na construção da linha, e teve portanto de ser mantida, quando neste local se fez a instalação da estação comum de Foz-Tua”. O requerente, segundo a Companhia Nacional, pretendia: “estabelecer uma abertura de 2 m de largura no muro de vedação desta Companhia para lhe dar serventia a um habitação que pretende construir no seu terreno, abertura que está indicada na planta, que devolvo a V. Ex.ª, que foi verificada e está exacta. Que a saída mais fácil que o mesmo tem é para o lado do caminho-de-ferro neste ponto, tendo entretanto outra saída, mas a 290 metros da propriedade, dando também sobre o terreno do caminho-de-ferro da dita Companhia, junto da placa e cocheira de locomotivas. Para a serventia que pretende, necessita o requerente de adquirir uma pequena superfície triangular de terreno, situado entre a aresta inferior da trincheira e o muro de vedação, terreno que parece pertencer à Companhia Nacional. Esta servidão é inconveniente por devassar o recinto do caminho-de-ferro, verdade seja que a propriedade já tem outra nestas condições como se disse, havendo a favor da pretensão o destinar-se a dar passagem para uma hospedaria em projecto

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A linha do Tua (1851-2008)

para serviço dos passageiros; mas esta circunstância pode desaparecer com o tempo. Informando sobre a serventia da propriedade vizinha, comunico a V. Ex.ª que dá também passagem para uma casa que pertence a Margarida de Jesus Gouveia, e serve de restaurante e hospedaria, dando a serventia passagem directa para a estação, não tendo esta proprietária outra servidão e não podendo ter outra, devido ao acidentado do terreno, sendo esta já do tempo da construção do Caminho-de-Ferro do Douro. Para V.Ex.ª ajuizar das circunstâncias locais é juntamente enviado um perfil transversal, tirado pelo eixo da estação. O requerente não obtendo a concessão não pode fazer a construção. A servidão requerida está projectada a 14 m aquém do eixo da estação, isto é 14 m antes do 0 da quilometragem, que começa neste eixo”. Figura 163 – Planta de perfil transversal a acompanhar o requerimento de Rocha Leão252

Figura 164 – Planta de perfil transversal a acompanhar o requerimento de Rocha Leão253

– 1907-1918: construção de um muro de vedação e respectivo cais de embarque na estação do Cachão254. 252

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 84.013.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 84.014.

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Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 83.001 a 83.020 de

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125 anos de exploração

Júlio de Araújo, residente no Porto, dono de um terreno e armazém, confinante com a estação do Cachão, requereu uma licença, a 3 de Abril de 1907, para abrir uma porta para o recinto da estação para por ela efectuar a carga e descarga de mercadorias do seu armazém, provenientes das suas propriedades localizadas em várias terras de Trás-os-Montes e ali arrecadadas. As circunstâncias ficavam indicadas numa planta e no perfil de um desenho que acompanhava o requerimento apresentado, onde constava a distância do armazém ao muro da vedação e desta ao carril mais próximo. Figura 165 – Construção de um muro de vedação e cais de embarque na estação do Cachão255

O vizinho, Manuel Maria Cardoso, obtivera a mesma licença da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, antes da fiscalização da linha estar a cargo da divisão de via e obras. Figura 166 – Construção de uma porta na estação do Cachão (corte transversal)256

1907-1918. 255

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 83.006.

256

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 83.004.

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A linha do Tua (1851-2008)

Segundo o parecer do director da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, de 15 de Abril, essa abertura era considerada inconveniente, “não só porque o recinto da estação ficava cativo dessa serventia particular, logo sem inteira possibilidade de fiscalização e guarda, mas ainda por ter o estacionamento de vagões para esse serviço de carga e descarga a fazer-se sobre a agulha, lado de Mirandela, o que demandaria precauções muito especiais para não prejudicar a livre circulação dos comboios e a sua segurança. Em tempo foi feita por esta Direcção concessão semelhante, de abertura de duas portas ao proprietário Camilo de Mendonça e que vão indicadas na planta junta pelas letra a e a’. Não podemos precisar os motivos, porque tal concessão se fez, sem prévia autorização da Direcção Fiscal, mas nos termos da concessão expressamente se declara que a Companhia poderá mandar tapar as portas, quando lhe convenha, sem que ao proprietário reste o direito de qualquer reclamação contra a Companhia Nacional”. Em vista do exposto, e para evitar o mau efeito que essa excepção poderia trazer, foi dado ordem ao chefe de serviço de via e obras para mandar tapar tais portas de comunicação, existentes entre o terreno de Camilo de Mendonça (e de Manuel Maria Cardoso) e o recinto da estação do Cachão. Figura 167 – As duas portas que deviam ser tapadas na estação do Cachão257

O director de serviço de via e obras informava Paiva Couceiro das atitudes tomadas por Júlio de Araújo, que “disse hoje na gare, ao entrar para o comboio, ao seu administrador da casa de Vale Frechoso e na presença do pessoal, tanto da estação como do comboio, que amanhã dia 11 (de Junho de 1907), mandasse deitar abaixo a parte do muro feito de novo e que abrisse o portal defronte do armazém, e caso fosse embargado, por qualquer empregado da Companhia, fosse ele quem fosse, que não só levantasse um auto contra todos os empregados presentes, como também à Companhia”. As ameaças não foram cumpridas, ficando a estação bem vigiada com pessoal para impedir e prender os delinquentes. 257

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 83.012.

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125 anos de exploração

Paiva Couceiro informava o engenheiro-chefe de via e obras, no dia 17 de Junho de 1907, que “não podem ser permitidas serventias particulares para o recinto das estações, pelo que a pretensão de abertura de uma porta na estação do Cachão não pode ter deferimento”. Mas, por volta de 10 de Setembro de 1917, o director da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro enviou a Paiva Couceiro outro parecer sobre a referida abertura: “não vemos inconveniente em que seja concedida a Júlio d’Araújo a serventia no muro da estação de Cachão, no sítio indicado na planta que V. Ex.ª juntamente nos enviou e que com o presente devolvemos. Parece-nos, porém, que se deve estabelecer, além de outras que V. Ex.ª determine, as condições seguintes: 1.ª Que a abertura seja fechada com cancela ou porta, com chave em poder do pessoal da estação; 2.ª Que a direcção e fiscalização de todo o serviço de cargas e descargas pertença exclusivamente aos agentes da Companhia; 3.ª Que todo o serviço de cargas e descargas se aplique o § 1.º do art.º 12.º Cap. VI do 1.º Aditamento à Tarifa de Despesas Acessórias de 31 de Maio de 1916, com os aumentos das sobretaxas em vigor ou de quaisquer disposições que de futuro se estabeleçam alterando a referida tarifa; 4.ª Que seja ressalvado para a Companhia o direito de fazer tapar aquela abertura, por conta do concessionário”. Figura 168 – Planta do requerimento de Júlio de Araújo258

Em Fevereiro de 1918, foi concedida a autorização feita por Júlio de Araújo e as condições a que o mesmo se sujeitava, perante tal concessão.

258

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 83.017.

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A linha do Tua (1851-2008)

Figura 169 – Planta do requerimento de Júlio de Araújo (recebida pelo chefe de fiscalização a 9 de Fevereiro de 1918)259

– 1907: construção de uma linha de resguardo na estação da Ribeirinha260. O director de serviço da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro enviou, no dia 26 de Junho de 1907, ao engenheiro director fiscal de exploração de caminhos-deferro, o projecto para a aprovação de uma linha de resguardo, na estação da Ribeirinha, para o cruzamento de comboios naquela estação. O projecto obteve a aprovação, no dia 27 de Junho de 1907. No mesmo dia, foi essa resolução comunicada, quer ao director da Companhia Nacional, quer ao engenheiro-chefe da divisão de via e obras. – 1909-1910: alargamento da estação do Cachão261. No dia 24 de Dezembro de 1909, Paiva Couceiro apresentou ao director da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro o seu acordo para que fosse realizada a obra de ampliação da estação do Cachão e participou este parecer também ao engenheirochefe de divisão de via e obras. O alargamento da estação do Cachão viria a ficar concluído no dia 28 de Junho de 1910.

259

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 83.019.

260

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 168.001 a 168.005 de 1907.

261

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 167.001 a 167.004 de 1909-1910.

450


125 anos de exploração

Figura 170 – Estação do Cachão (km 41,8)262

– 1910: alargamento da estação de Abreiro263. Figura 171 – Ponte de Abreiro264

262

Fotografia de Eduardo Beira

263

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 159.001 a 159.002 de 1910.

264

Apud. BEIRA, 2014: 37.

451


A linha do Tua (1851-2008)

A estação de Abreiro ficava localizada exactamente em frente à ponte do Diabo, ponte rodoviária que ligava naquela zona as duas margens do rio Tua, e que desapareceu com a grande cheia de 1909. Essa ponte “seria constituída por um tabuleiro horizontal ou de cavalete assente sobre três arcos em alvenaria de pedra”265. Em 1910, esta estação sofreu um alargamento, conforme pode ser comprovado pela planta de execução do projecto, assinada pelo director de serviço da Companhia Nacional, Manuel Bello. Figura 172 – Planta do alargamento da estação de Abreiro (21 de Abril de 1910)266

Figura 173 – Estação e nova ponte rodoviária de Abreiro (23 de Junho de 1957267), km 29,2268

265

BEIRA, 2014: 116.

266

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 159.001.

267

VISEU, 2007, vol. 1: 55.

268

Fotografia de Eduardo Beira

452


125 anos de exploração

– 1911: modificação interior da estação de São Lourenço269. O director de serviço da Companhia Nacional, Manuel Bello, enviou ao engenheiro director fiscal de exploração de caminhos-de-ferro, no dia de 8 de Junho de 1911, a planta de modificação interior da estação de São Lourenço, a fim de obter a respectiva aprovação. Em 12 de Junho de 1911, Paiva Couceiro comunica à Companhia Nacional que concordava com a alteração proposta. E no dia 14 de Junho de 1911 comunica ainda que estavam concluídas as modificações na estação de São Lourenço, “sendo o trabalho executado em boas condições e conforme o projecto aprovado”. Figura 174 – Planta de modificação do interior da estação de São Lourenço270

Figura 175 – Estação de São Lourenço (anterior à modificação)271

269

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 165.001 a 165.005 de 1911.

270

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 165.002.

271

http://os-caminhos-de-ferro.blogspot.pt/2012/12/linha-do-tua-um-pouco-de-historia.html.

453


A linha do Tua (1851-2008)

Figura 176 – Estação de São Lourenço (após a modificação, ao km 15,5)272

– 1911: projecto de construção de um muro de espera num aterro ao km 60,350 na estrada de Mirandela a Bragança273. A 15 de Fevereiro de 1911, Manuel Bello, director de serviço da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro envia a planta de um projecto de construção de um muro de espera ao aterro do km 60,350, na estrada de Mirandela a Bragança. Figura 177 – Planta da construção de um muro de espera (km 60,350)274

272

https://www.flickr.com/photos/valeriodossantos/9312020225/in/set-72157631420478028/.

273

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 169.001 a 169.002 de 1911.

274

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 169.001.

454


125 anos de exploração

Figura 178 – Planta da construção de um muro de espera (km 60,350)275

– 1915: construção de uma passagem de nível na estação do Tua276. A 11 de Janeiro de 1915, António de Castro apresenta um requerimento ao engenheiro director fiscal de exploração de caminhos-de-ferro para que o autorize a estabelecer uma passagem de nível, “através da mesma linha-férrea, próximo às agulhas da estação de Tua”, pois que a sua propriedade, situada junto a esta estação, tinha sido “interceptada pela linha de Tua a Mirandela”, e a continuar a usufruir da servidão que tinha para a estrada nacional do Pocinho ao Pinhão, conforme o estabelecido para outros proprietários em idênticas circunstâncias às dele. A Companhia Nacional de Caminhos de Ferro não teria nenhuma despesa nem qualquer prejuízo e a propriedade do requerente não poderia prescindir dessa passagem, porque a linha de Mirandela a separara da estrada. A decisão tomada pelo engenheiro-chefe de divisão de via e obras foi comunicada a 30 de Junho de 1915 ao director fiscal de exploração de caminhos-de-ferro, “em relação ao requerimento de António de Castro para abrir uma passagem de nível na linha Tua-Mirandela, no prolongamento da passagem de nível da linha do Douro, numa propriedade confinante com o recinto da estação do Tua (…) o pedido é de justiça, porque o proprietário não tinha acesso para a estação e estrada nacional senão atravessando a linha da Companhia Nacional. E que o deferimento obviaria a prática abusiva que se fazia de se atravessar a linha naquele ponto sem haver a passagem de nível”. E acrescenta: “a passagem de nível deve ser estabelecida para trânsito de carros”. A primeira decisão, tomada em relação a este requerimento, a 3 de Julho de 1915, pelo director da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, foi de que deveria ser informado o requerente sobre as “condições que no caso de deferimento devam ser impostas”. 275

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, proc. 169.002.

276

Centro nacional de documentação ferroviária. Direcção de caminhos-de-ferro, procs. 87.001 a 87.013 de 1915.

455


A linha do Tua (1851-2008)

Manuel Bello, director de serviços da Companhia Nacional escreve, no dia 14 de Julho de 1915, a Paiva Couceiro sobre o pedido, em que refere: “A passagem pedida pelo requerente António de Castro, possuidor de uma propriedade confinante com a linha de Tua a Mirandela, nas proximidades do Km 0,134, é dentro das agulhas da estação de Tua, tendo de atravessar duas linhas pertencentes a esta Companhia, um terreno entre as linhas da Companhia e as do Minho e Douro, e ainda 3 linhas do Douro. Por tais motivos, esta Companhia julga inconveniente que se conceda a passagem de nível requerida”. Esta opinião, de considerar inconveniente o pedido formulado, foi aceite, a 16 de Julho de 1915, por aquela direcção que considerava que a planta que acompanhara o requerimento não estava exacta. A divisão de via e obras remeteu à direcção fiscal de exploração de caminhos-deferro, no dia 26 de Julho de 1915, a opinião de José Vitorino Damásio, chefe da sexta secção, sobre o requerimento: “tenho a honra de informar que a posição da agulha que indicou na planta está exacta. A passagem que requereu António de Castro é só sobre uma linha fora da agulha. Para mim, é surpresa a Direcção da Companhia Nacional achar agora inconveniente na concessão da passagem de nível, quando ela consentiu que ali próximo, mesmo de fronte da estação, se estabelecesse uma passagem, essa é que está em más condições e perigosa, porque as pessoas que para ali se dirigem terem de atravessar os comboios, que quase sempre estão ali estacionados e é de bastante movimento por estar ali estabelecida uma taberna. O proprietário o que deseja é legalizar por não ter outra servidão para aquele local e já no tempo do outro proprietário que era João da Cruz, concessionário da construção do Caminho-de-Ferro de Mirandela a Bragança, a Companhia autorizou-o a desmontar a trincheira naquele local e atravessar a linha com carros de bois para o transporte da pedra para o lado do rio e autorizava-o também a construir um armazém naquele local com servidão para a linha. Tenho a honra de informar a V. Ex.ª que é de toda a justiça a pretensão de António de Castro porque me parece que judicialmente não lhe podem tirar o direito de passar para a sua propriedade, não tendo outro acesso”. A 6 de Agosto de 1915, Manuel Bello comunica ao engenheiro director fiscal da exploração de caminhos-de-ferro que “nenhuma dúvida há em conceder a António de Castro a construção de uma passagem de nível (…) desde que as despesas de construção da referida passagem e as de conservação sejam por ele satisfeitas”. O director da Companhia Nacional recebe, a 2 de Agosto de 1915, a informação de que a passagem de nível requerida atravessaria “apenas uma linha dessa Companhia, e não duas, sendo portanto o cruzamento realizado fora das agulhas estabelecido no prolongamento da passagem de nível já existente sobre a linha do Douro da estrada

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125 anos de exploração

de acesso à estação de Foz-Tua. Igualmente sou informado de que o requerente não tem outro acesso para a sua propriedade”. A licença requerida foi, de facto, concedida por alvará de 6 de Setembro de 1915, passada pelo engenheiro director, nas seguintes condições: “será munida de cancelas que deverão abrir-se somente na ocasião de serviço, sob a responsabilidade do concessionário, com a condição de pagar à Companhia Nacional de Caminhos-de-Ferro a importância que há a fazer com o estabelecimento da mesma passagem”, ficando ainda sujeito à legislação em vigor, às condições regulamentares, relativas a passagens de nível, e ao pagamento dos emolumentos à fazenda nacional. * As transformações ocorridas na linha do Tua, entre 1895 e 1918, nas suas estações e apeadeiros, e ao longo do seu percurso, deixam em aberto a necessidade de continuar a procurar saber como se processaram outras transformações posteriores às referidas no presente trabalho. O material circulante sofreu um desgaste constante e foi necessário proceder à sua manutenção, reparação e reposição, tendo sido esse trabalho executado com empenho dos vários especialistas que ao serviço das oficinas de Mirandela libertaram as máquinas e os equipamentos das várias anomalias que foram apresentando. Foram esses funcionários, inclusive, os responsáveis pela resolução de problemas que ao longo da via apresentaram as máquinas, os vagões, as carruagens, e lhes deram o acerto necessário para as repor em circulação. Houve também o cuidado indispensável dos maquinistas, dos fogueiros e do pessoal responsável pelas manobras e pela fiscalização. A linha passou um trabalho contínuo e necessário de modernização e de resolução de problemas que foi enfrentado ao longo da sua vida, ao logo de um trajecto complicado que sempre justificou um olhar atento e contínuo. A modernização, contudo, foi pouco ajustada às necessidades verificadas no seu percurso, pelo CAICA, pela Sociedade Clemente Menéres no Romeu, pelos agricultores e criadores de gado de Macedo de Cavaleiros e de Bragança. A aposta numa linha de bitola larga, reclamada por estas entidades, não foi ouvida num tempo em que a história poderia ter registado outro impacto e outra projecção para estas e para outras unidades de produção do distrito de Bragança.

457


A linha do Tua (1851-2008)

5.7. EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE MOBILIDADE E DECADÊNCIA DA LINHA Ana Carina Azevedo277 Ângela Salgueiro278

As vicissitudes que marcaram os destinos finais da linha do Tua, principalmente no que diz respeito ao troço entre Tua e Mirandela, encontram-se profundamente ligadas às conjunturas nacionais que afectaram o sector ferroviário no último terço do século XIX e inícios do século XXI. Desde as lógicas económicas, passando pelos condicionalismos políticos e sociais, até às várias estratégias gizadas em ordem ao desenvolvimento do país, a conjuntura que pauta o período indicado é essencial para a compreensão do tema. A decadência da linha, a sua baixa rentabilidade e a possibilidade do seu encerramento eram temas já tratados no início da década de 1970, em pleno estado novo. Em Janeiro de 1970, foi elaborado, pelo departamento de organização e planeamento da CP, um estudo de rentabilidade sobre este caminho-de-ferro279. Foi feita uma análise às condições socioeconómicas da via-férrea e da região do vale do Tua e concluiu-se que era necessário manter a linha em operação. As conclusões não foram, porém, abonatórias, quer em termos de número de passageiros e mercadorias transportados, 277

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

278

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

279

CP, 1970.

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125 anos de exploração

quer no que diz respeito à tendência de desenvolvimento populacional e económico da região. Usando dados da década de 1960, este relatório começou por constatar a diminuição populacional ocorrida nos municípios servidos pela linha, à excepção do conselho de Macedo de Cavaleiros, que apresentou uma taxa de crescimento positiva. As implicações desta realidade no tráfego de passageiros eram evidentes. Este factor foi ainda agravado pela predominância da agricultura na zona, sector que, ao contrário do secundário e terciário, conduz a uma maior sedentarização, não originando tráfego associado aos horários de trabalho. Em termos do transporte de mercadorias, esta predominância conduzia também a um predomínio de produtos agrícolas, que se encontravam sujeitos a uma tarifa especial. Por outro lado, a escassez de indústrias não permitia, igualmente, que o caminho-de-ferro fosse utilizado em escala suficiente para o transporte de matérias-primas e de produtos acabados280. Além destes elementos limitadores do aumento do tráfego de passageiros e mercadorias, o mesmo relatório referia o estado de deterioração da linha e a necessidade de investimento na substituição dos carris e do material circulante, nomeadamente a compra de quatro locomotivas diesel e de três automotoras Allan e atrelados281. O total dos investimentos necessários facilmente ascenderia aos 151 mil contos, o que correspondia a encargos anuais de 20 mil contos durante 15 anos282. Em 1970, as despesas de exploração da linha eram bastante superiores às receitas, situando-se as primeiras na ordem dos 33.018,6 contos e as segundas nos 12.633,7 contos283. Por todas estas razões, os relatores não tinham dúvidas: “face às características actuais da exploração e aos resultados daí decorrentes, a primeira perspectiva que ocorre quanto ao futuro da sua exploração é, indubitavelmente, o seu encerramento. (…). A manutenção da linha só poderá admitir-se, por conseguinte, desde que o Estado, em regime de normalização de contas, cubra integralmente o deficit e assuma os encargos com os investimentos previstos. (…) [S]erá legítimo pôr a pergunta se o Estado terá capacidade financeira para suportar, durante anos, o conjunto de todos estes encargos. Se a resposta for negativa, então há que estabelecer um critério de prioridade, em função do interesse geral, de modo a que se possa tirar o maior proveito dos investimentos concretizáveis”284. O ano de 1974 marcou o início de um período de instabilidade económica, no qual os períodos de crise e recuperação se alternaram. Ainda antes da revolução, Portugal havia começado a sentir os efeitos adversos da crise internacional pautada pelo choque 280

CP, 1970: 9-12.

281

CP, 1970: 47-48.

282

CP, 1970: 48.

283

CP, 1970: 42.

284

CP, 1970: 44 e 52.

459


A linha do Tua (1851-2008)

petrolífero e pelo aumento dos preços ao consumidor, situação que provocou o declínio das exportações nacionais. Por outro lado, o período revolucionário e as transformações que este implicou no que diz respeito às relações laborais (estabelecimento da semana de 45 horas, instituição do salário mínimo nacional e generalização dos descontos de 75% aos militares) acabaram também por causar uma situação gravosa no sector dos transportes285. A CP, detentora da linha do Tua desde 1 de Janeiro de 1947286, não foi imune a esta realidade, bem como às nacionalizações que decorreram neste contexto, principalmente após as movimentações de 11 de Março de 1975. A partir do processo revolucionário em curso, as flutuações conjunturais e económicas sucederam-se. O país passou por momentos de crise e retrocesso económico, que implicaram a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), mas também por períodos de relativa prosperidade, como aquele que se viveu de 1985 até 1990. Nesta época, as condições que haviam levado à crise transformaram-se, devido à redução do preço do petróleo, à depreciação do dólar, à adesão à comunidade económica europeia, à conjuntura económica internacional benéfica, à estabilidade política que se começou a sentir no país e a políticas expansionistas. A CP foi nacionalizada a 16 de Abril de 1975 (decreto n.º 205/75), numa época em que se encontrava numa difícil situação a nível económico e de recursos humanos. Pelo decreto-lei n.º 109/77, de 25 de Março, foi transformada numa empresa pública, sujeita ao regime geral287. Nesta conjuntura, o sector ferroviário não foi entendido como prioridade económica, dando-se primazia à saúde e educação. O estado pôs fim ao contrato de concessão detido pela CP e procedeu à reestruturação do sector dos transportes, com a formulação da lei de bases do sistema de transportes terrestres288. Porém, o estado não teve sucesso na viabilização da CP, que entrou num período de estagnação. As dificuldades financeiras da empresa foram reforçadas pela fixação das tarifas, que dificilmente cobriam os custos de exploração. Para tentar solucionar a situação, foi ponderada a reorganização da CP e de todo o sector ferroviário, tendo o I governo constitucional, em parceria com o conselho de gerência da empresa, decidido contratar a francesa Sofrerail e a canadiana Canadian Pacific para estudar uma solução. A Sofrerail teve um importante papel na elaboração de relatórios sobre a modernização dos caminhos-deferro nacionais e de alguns estudos sectoriais sobre determinados troços. Estes estudos influenciaram as políticas que viriam a ser tomadas até à década de 80, nomeadamente 285

ALMEIDA, 2006: 161.

286

CP, 1947: 51. SANTOS, 2011: 549.

287

Diário da República, I série, 16.41975, n.º 89: 576; I Série, 25.3.1977, n.º 71: 607-615.

288

CHENRIM, 2008: 64.

460


125 anos de exploração

no que diz respeito ao plano nacional de transportes289. Em 1977 foram publicados os novos estatutos da CP (decreto-lei n.º 109/77 de 25 de Março) e, até 1983, surgiram várias propostas no sentido de sanear financeira e economicamente a empresa. No entanto estas sugestões não tiveram aplicação concreta ou resumiam-se a pequenas mudanças não-estruturais. Assim, o final da década de 1970 foi marcado na CP por uma relevante diminuição das receitas. Esta situação permaneceu inalterada até à segunda metade da década de 1980, quando a conjuntura se tornou mais favorável. Nesta década, o estado introduziu medidas de reforço do controlo sobre as empresas nacionalizadas, o que resultou numa maior disciplina nos investimentos da CP, numamaior flexibilidade na política de preços e no encerramento de algumas linhas de pouco movimento e de baixa viabilidade económica290. Simultaneamente, tornava-se visível um aumento da importância atribuída pelo estado à modernização do sector, nomeadamente através do aumento das verbas atribuídas. Contudo, este reforço financeiro não resultou em verdadeiras vantagens para a rede ferroviária. A promulgação dos decretos-lei n.º 361/85 (de 5 de Setembro) e 387/85 (de 2 de Outubro) inseriram-se nesta lógica. Ambos tiveram implicações positivas na recuperação sentida pela empresa, ao promulgarem medidas para o saneamento económico do sector e para um aumento dos investimentos em infra-estruturas ferroviárias291. A adesão de Portugal à comunidade económica europeia (CEE) foi, igualmente, responsável por esta melhoria, tendo aumentado a consciência da necessidade de melhorar tecnológica e financeiramente o sector e tendo contribuído para a promulgação de medidas tendentes à sua reorganização. À data da entrada do país na CEE, em 1986, a rede ferroviária nacional apresentava um forte atraso tecnológico, financeiro e de gestão em comparação com as congéneres europeias. Nesse mesmo ano, o partido popular (CDS-PP) propôs ao parlamento a realização de um inquérito sobre a situação do caminho-de-ferro, sendo este aceite pelo partido social democrata (PSD), na altura no governo. Esta questão levou ao plenário os atrasos que pautavam a ferrovia portuguesa, bem como os deficits apresentados pelas empresas ferroviárias. Apesar da constatação política da necessidade de definição de uma rede de caminhos-de-ferro estruturada e viável para o progresso nacional, a principal aposta governamental foi feita na construção e requalificação de estradas, sendo que os investimentos no caminho-de-ferro apenas começaram a ganhar importância na segunda metade da década de 1990. No entanto, após a entrada de Portugal na CEE, as directrizes europeias come289

CHENRIM, 2008: 64-65.

290

LOPES, 1996: 359-360.

291

CORDEIRO, 2010: 26.

461


A linha do Tua (1851-2008)

çaram a fazer parte das normas que orientavam o sector nacional, modificando as suas formas de gestão e reservando ao estado a tarefa de manutenção das ferrovias e de outras infra-estruturas de apoio292. De facto, no final da década de 1980, o caminho-de-ferro perdia terreno na Europa, o que levou a comissão europeia a legislar no sentido de revitalizar as ferrovias europeias para que estas mais bem se adaptassem às exigências do mercado interno. A directiva 91/440/CEE (29 de Julho de 1991) foi o primeiro passo desta adaptação da legislação nacional às normas comunitárias, sendo transposta para o direito português pelo decreto-lei n.º 252/95 de 25 de Setembro293. Este novo quadro de interesses resultou, em 1988, na resolução do conselho de ministros n.º 6/88, que aprovava um plano de modernização e reconversão dos caminhos-de-ferro (1988-1994). Este plano passava a ser a base dos investimentos feitos e das políticas adoptadas no sector, não obstante o mesmo também prever a construção de vias rodoviárias que progressivamente substituiriam a rede ferroviária294. A resolução 6/88 apresentou-se, porém, bastante selectiva nos investimentos feitos, privilegiando os sistemas ferroviários suburbanos e os principais eixos de longo curso, em detrimento dos troços menos utilizados. Em consequência, 933 km de via-férrea e 250 estações e apeadeiros foram encerrados295, quer pelo reduzido número de passageiros que apresentavam, quer pelo facto da ausência de investimentos colocar em causa a qualidade do serviço: “a administração da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses tem um ponto de vista aparentemente indestrutível. O caminho-de-ferro tem de dar dinheiro ou, no mínimo, prestar bom serviço às populações”296. As linhas de via estreita foram as principais afectadas por esta decisão. Já em Setembro de 1985, a CP assinara com o governo um contrato-programa que previa a redução da rede explorada de 3.610 km para 2.796 km, sobretudo em troços de via reduzida. Estabelecia também que a CP podia adequar os serviços em qualquer linha à procura existente. Da mesma forma, dois anos depois, em 1987, a gerência da empresa anunciava que não pretendia investir nas linhas de bitola métrica297. No norte do país, os encerramentos iniciaram-se em 1988, com o fecho da linha do Sabor (1 de Agosto) e dos últimos quilómetros da linha do Douro, entre Pocinho e Barca de Alva (18 de Outubro). Seguiram-se as linhas do Tâmega e Corgo, que foram parcialmente encerradas no final de 1989. No primeiro caso, foi fechado o troço entre Amarante e Arco de Baúlhe e, no segundo caso, o troço que ligava Vila Real a Chaves. 292

CHENRIM, 2008: 46.

293

www.refer.pt/MenuPrincipal/TransporteFerroviario/OSetorFerroviario/UniaoEuropeia/Legislacao.aspx

294

CHENRIM, 2008: 65-66.

295

CORDEIRO, 2010: 27.

296

Sábado, 1-8.10.1988, n.º 76: 101-104.

297

CHENRIM, 2008: 78.

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125 anos de exploração

A 1 de Janeiro de 1990, foi cancelado o troço da linha do Minho entre Valença e Monção. Seguiu-se, no final de 1991, a linha do Tua. Como contrapartida às populações afectadas, o ministro do equipamento social, arquitecto Rosado Correia, assinou vários protocolos atribuindo aos municípios respectivos compensações financeiras para obras de carácter social298. Os protocolos tardaram, porém, a ser colocados em prática e, em todo o caso, não impediram que as populações se manifestassem contra as intenções de encerramento das linhas propostas pelo governo e pela CP. No parlamento, essas manifestações foram secundadas pelo partido comunista português (PCP) e pelo partido ecologista Os Verdes. Já o PSD, na altura no poder, defendia a procura de alternativas rodoviárias de maior qualidade. Como resultado desta difícil situação política nasceu a lei de bases do sistema de transportes terrestres, de Março de 1990, que revogou a legislação anterior e regulamentou as especificidades de cada meio de transporte, classificando as ferrovias em linhas principais, complementares ou secundárias299. A formulação desta lei deu azo à apresentação de propostas por parte do PCP e do PSD, sendo o primeiro contrário ao encerramento de caminhos-de-ferro, devido aos custos sociais associados, enquanto o PSD defendia apenas a manutenção de vias-férreas de interesse geral300. A linha do Tua foi um dos caminhos-de-ferro visados pela política do governo. Para a compreensão do contexto que levaria ao seu encerramento, os Diários das Sessões da Assembleia da República são uma importante fonte. Na verdade, os debates referentes à possibilidade de encerramento da linha do Tua, após a revolução de Abril, iniciaram-se logo nos finais da década de 1970. As premissas que tentavam justificar o fecho da linha prendiam-se já com a sua falta de rentabilidade e mau funcionamento. Por outro lado, a lógica que a enquadrava enquanto serviço público era manifestamente utilizada como justificação para a sua manutenção. Em 1979, o deputado social-democrata Amândio de Azevedo afirmava que “se a linha funciona mal, pois ponha-se a funcionar bem, se a linha não é rentável, poderá passar a sê-lo. Mas, mesmo que o não seja, na política de transportes do nosso país tem-se afirmado muitas vezes que este é um dos sectores onde é admissível que haja deficits porque se trata de uma empresa destinada a prestar um serviço social”301. Durante toda a década de 1980, os debates, apelos e representações dirigidos ao parlamento pela renovação e manutenção das linhas do Tua, Tâmega, Sabor e Corgo sucederam-se. Argumentavam que as ligações ferroviárias no interior transmontano aliavam a si as problemáticas do isolamento e das deficitárias vias de comunicação 298

MARTINS, 1996: 135-136.

299

CHENRIM, 2008: 66-67.

300

CHENRIM, 2008: 78-79.

301

Diário das Sessões da Assembleia da República, 26.7.1979: 3384.

463


A linha do Tua (1851-2008)

que serviam a zona e a ligavam ao restante país. Eram vistas ainda como elemento essencial, não apenas no que respeitava ao transporte de passageiros, mas também ao de mercadorias. Através da linha do Tua, com especial incidência no seu km 0, onde se ligava ao caminho-de-ferro do Douro, circulavam bens essenciais como adubos, ferro, materiais de construção e outras mercadorias a preços de transporte acessíveis. Da mesma forma, pelo caminho-de-ferro se escoavam as produções regionais como a batata, o cereal e a castanha302. Para os habitantes das povoações entre o Tua e Mirandela, o caminho-de-ferro era, assim, essencial em termos económicos e de quotidiano. Esta certeza não era partilhada pela CP, para quem as linhas de via estreita eram causa de um deficit que deveria ser combatido. Se não o fosse pelo simples encerramento das vias, devia-o ser pelo menos através de uma redução das viagens diárias, o que acabou por ter como consequência, não apenas transtornos na vida das populações, mas também a acumulação de mercadorias na estação do Tua. Segundo o deputado do PSD, Eleutério Alves, em sessão de Maio de 1980, “aí estiveram retidas grandes quantidades de adubo, a fazer falta aos lavradores transmontanos, falta essa cujos prejuízos ainda não podem ser avaliados mas que serão de certeza elevados, já que muitas culturas foram mesmo abandonadas devido à falta de adubos em tempo oportuno”303. Cinco anos depois, o encerramento progressivo de infra-estruturas continuava. Quanto às estações, “hoje, estão praticamente todas encerradas e o património imobiliário de certo valor completamente abandonado e destruído. É desolador ver casas que outrora albergaram famílias inteiras, confortavelmente, apesar de tudo, completamente arrasadas, quando há tantas famílias sem casa neste país. E casos houve de famílias que pretendiam continuar a habitá-las, tendo sido compelidas ao despejo. Para, afinal, ficarem à mercê de quem quisesse destruí-las, como aconteceu, e agora proporcionarem o espectáculo de uma criminosa destruição. Agora, os eventuais passageiros não têm ninguém que os receba, não têm onde se abrigar do frio e da chuva e sentem-se totalmente inseguros nomeadamente nas noites de Inverno. Do mesmo passo, ninguém pode fazer qualquer despacho, por ausência de quem o processe”304. A redução do número de composições em circulação, bem como o encerramento de algumas estações, relaciona-se com um acordo estabelecido entre a CP, o ministério do equipamento social e algumas câmaras municipais, no sentido de criar condições para a viabilização da linha do Tua. No entanto, esta solução não teve em conta as necessidades das populações e, além disso, as contrapartidas, nomeadamente a construção da via rápida entre Porto e Bragança, tardaram em chegar. 302

Diário das Sessões da Assembleia da República, 20.5.1980: 2306.

303

Diário das Sessões da Assembleia da República, 20.5.1980: 2306.

304

Diário das Sessões da Assembleia da República, 12.7.1985: 4100.

464


125 anos de exploração

A remodelação e o pleno funcionamento do troço, que, segundo a CP, ultrapassariam 1 milhão de contos305, foram defendidos, ainda em 1980 por vários partidos com assento parlamentar, contrários às pretensões de encerramento da linha manifestadas pela aliança democrática (PSD-CDS). Esta, por seu lado, esquivava-se a afirmações contundentes sobre o futuro dos caminhos-de-ferro de via estreita. Exemplo desta situação é a intervenção do deputado Arménio Matias, do PSD, que afirmava que “relativamente à questão das vias estreitas e do seu eventual encerramento, penso que isso são fantasmas que o Sr. Deputado Mário Tomé vê. O Governo, em sucessivas afirmações públicas, tem demonstrado à evidência o interesse em servir as populações por onde passam essas vias e portanto nunca esteve em causa o abandono das populações. Pelo contrário, o Governo preocupa-se em assegurar meios de transporte adequados a essas populações, mas aí há a situação económica das zonas servidas e, por isso, o Governo nunca encarou, de facto, a hipótese de encerrar pura e simplesmente estas linhas”306. Esta foi uma retórica que se manteve até ao fecho efectivo da linha. Durante bastante tempo, os partidos da oposição solicitaram ao governo uma resposta oficial relativamente ao futuro do caminho-de-ferro. No entanto, a resposta foi sendo consecutivamente adiada e envolvida em relatórios técnicos e em entendimentos com os municípios envolvidos, alguns deles propondo alternativas de transporte para os seus concelhos307. A linha do Tua estava, de facto, incluída no plano de viabilização da CP, sendo alvo de estudo e de discussão com as autarquias por ela servidas. Todavia, o fecho de algumas estações e a degradação do material circulante, pela falta de investimento, eram uma realidade, o que contribuía para o deficiente serviço prestado e para justificar o seu encerramento. “Com efeito é perfeitamente inconcebível que, para transporte de passageiros, se forneça composições constituídas por uma máquina e uma carruagem, antiquíssima, sem aquecimento, sem casa de banho, com bancos de madeira partidos e janelas, já tapadas com folhas de tabopan, quando outras estão imobilizadas no Porto” – referia em 1984, Hernâni Moutinho, do CDS308. Os problemas de segurança na via começaram, igualmente, a ser cada vez mais visíveis, dada a falta de investimento da CP. Luís Vaz, deputado do partido socialista, descrevia em Março de 1985 o “espectáculo trágico-cómico de ver parar o comboio antes e depois de cada passagem de nível, para que o próprio revisor vá fechar e abrir as can-

305

Diário das Sessões da Assembleia da República, 28.10.1981: 181.

306

Diário das Sessões da Assembleia da República, 30.10.1981: 208.

307

Diário das Sessões da Assembleia da República, 25.11.1983: 2267.

308

Diário das Sessões da Assembleia da República, 10.2.1984: 3267.

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A linha do Tua (1851-2008)

celas, ou apenas abrandar a marcha adivinhando-se a todo o momento o acidente”309. As condições da infra-estrutura não eram, também, as melhores, sendo que já em 1985, se alertava no parlamento para “o abandono da via em matéria de assistência, o que se traduz na criação de condições para que graves acidentes possam ocorrer. Por falta dessa assistência, a linha está em deploráveis condições a impor que os comboios transitem a velocidades ridículas, rondando por vezes os 20 km/h”310. Pela mesma altura, o porvir do troço Tua-Mirandela começava a ser pensado segundo as lógicas da futura adesão de Portugal à CEE. Em Dezembro de 1984, o deputado socialista José Lello lembrava que “nesta medida, impõe-se uma racionalização nos investimentos e na utilização dos fundos de apoio comunitário de pré-adesão, de molde a que, com urgência, se minimizem e corrijam as assimetrias regionais existentes e se atinjam níveis de desenvolvimento mais harmónico no todo do território nacional”311. As discussões acerca do estado de conservação da via, do encerramento e degradação das estações, da redução das viagens e do estado do material circulante mantiveram-se durante toda a década de 1980. Salientava-se também a tentativa de racionalização do serviço prestado pela CP, que se deparava na época, como vimos, com problemas económicos. A aposta da companhia noutras áreas, como o serviço intercidades, conduziu a uma reorganização da rede e das prioridades da empresa. As linhas de via estreita foram assim ainda mais relegadas para segundo plano, além de que continuavam sem serviço rodoviário de substituição. Nos finais da década de 1980 o encerramento de vias de tráfego reduzido foi retomado. O fecho de linhas e estações e a redução do número de comboios, enquadrados numa lógica puramente economicista, conduziram a protestos por parte de populações e autarquias, que, contudo, não foram levados em consideração nem pelos governos nem pela CP. O encerramento de linhas de baixa procura e de via estreita constituiu-se como solução para a viabilização económica da empresa, quer para os governos, quer para a CP. A sua situação financeira continuou a agravar-se na década de 1990, tendo o deficit aumentado de 101,8% em 1994 para 126,2% em 1996312. A linha do Tua encontrava-se no âmbito daquelas que apresentavam as características acima referidas. De facto, já no plano de modernização e reconversão dos caminhos-de-ferro (1988-1994) havia sido considerada secundária. Os investimentos feitos pela CP concentravam-se no eixo Braga-Porto-Lisboa-Faro, bem como nas 309

Diário das Sessões da Assembleia da República, 21. 3.1985: 2476.

310

Diário das Sessões da Assembleia da República, 11.7.1985: 4100.

311

Diário das Sessões da Assembleia da República, 21.12.1984: 1278.

312

ANTUNES, 2010: 168.

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125 anos de exploração

áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e numa ligação a Espanha pela linha da Beira Alta. A ferrovia do Tua foi incluída no conjunto daquelas que apresentavam possibilidades de aproveitamento em sistemas de metro ligeiro313. Neste plano, para toda a rede secundária (que contava com cerca de 1.076 km) ficaram consignados apenas 0,2% dos investimentos previstos314. O início da década de 1990 foi marcado por alterações estruturais na CP, que se repercutiram no serviço prestado, bem como no encerramento de vários troços. Na assembleia da república foi aprovada nova lei de bases do sistema de transportes terrestres que definia “um plano ferroviário nacional e todo um mecanismo de audição das autarquias, dos cidadãos e das suas organizações. [Porém] tudo isto tem vindo a ser suplantado e, na prática, denegado ao sistema democrático e às suas instituições”315. As desconfianças contra a política traçada pela CP manifestavam-se no parlamento. O deputado Jerónimo de Sousa, do PCP, afirmava em 1992 que “os ferroviários recusam-se a aceitar a lógica economicista com que o actual governo e o conselho de gerência da CP encaram este problema. O que dá lucro mantém-se (para depois entregar ao privado); o que dá prejuízo, em termos de receitas directas, fecha-se! Os benefícios sociais da manutenção das linhas hipoteticamente deficitárias não são minimamente ponderados. Segue-se, deliberadamente, uma política de «terra queimada», que começa pela degradação consciente das infra-estruturas e do serviço, para, numa segunda fase, justificar o encerramento. O recente caso da Linha do Tua é paradigmático. Primeiro, houve um plano, obviamente não publicitado, para levar a degradação das condições de segurança até aos limites do impossível; depois, houve a tentativa de encerramento, com a hipócrita desculpa da falta de segurança”316. Apesar da oposição aos planos do governo e da CP, os primeiros troços da linha do Tua foram efectivamente encerrados. A 15 de Dezembro de 1991, a CP procedeu ao fecho do troço entre Mirandela e Macedo de Cavaleiros, deixando isolada a ligação entre Macedo e Bragança. Dois dias depois, um descarrilamento em Sortes ditou o fim deste último troço. Apesar de a CP garantir que o encerramento era apenas provisório, menos de um ano depois, em Outubro de 1992, a companhia retirou das estações de Macedo e Bragança as locomotivas, vagões e carruagens, por via rodoviária, durante a noite e sob escolta policial. Com o fim deste trecho da linha, a luta centrou-se na manutenção do que havia permanecido aberto (entre Tua e Mirandela) e na tentativa de reabrir a via até Bragança. Apostou-se, em vão, em argumentos culturais e turísticos e, inclusivamente, numa hipotética ligação a Espanha através de Bragança, em vão. 313

REFER, 1998.

314

Diário das Sessões da Assembleia da República, 9.1.1990: 1041.

315

Diário das Sessões da Assembleia da República, 31.1.1992: 724.

316

Diário das Sessões da Assembleia da República, 31.1.1992: 725.

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A linha do Tua (1851-2008)

Três anos após o fecho do troço Mirandela-Bragança, foi criada a empresa Metro de Mirandela, pelo decreto-lei n.º 24/95 de 8 de Fevereiro. Tratava-se de uma empresa municipal com participação da CP, criada no seio de um programa de medidas de racionalização de linhas de baixa procura, como forma de evitar o seu encerramento317. O projecto foi alvo de várias críticas, principalmente por parte de autarquias vizinhas. Um excerto da revista Grande Reportagem é bastante revelador desta situação: “o Presidente da Câmara de sucesso (Mirandela) defende-se das invejas como pode (…). Diz que o complexo agro-industrial do Cachão, espécie de elefante branco da região é um “gigante adormecido que começa a acordar” por isso se justifica que o metro chegue lá, e que as outras câmaras da linha só não conseguiram a colaboração da CP para um idêntico ao seu, porque não quiseram. “Não queremos metro nenhum, que só serve para um aglomerado urbano de grande densidade”, responde o vice-Presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros. «Queremos é o comboio para servir as nossas populações rurais que estão cada vez mais isoladas. Isso é que nos preocupa», retorquiu”318. Apesar das críticas dos municípios vizinhos, a câmara municipal de Mirandela manteve o projecto, aproveitando a estrutura da linha do Tua para servir a cidade e os seus dois pólos educativos319. Assim, a 28 de Junho de 1995, era inaugurado o metro de superfície de Mirandela, circulando no percurso compreendido entre Mirandela e Carvalhais, localidade onde existe uma escola agrícola. A 21 de Outubro de 2001, o metro passou a circular, também, entre Carvalhais e Tua, fazendo a ligação à linha do Douro. No entanto, em 2007 e 2008, quatro acidentes vieram ditar o encerramento de um dos troços usados pelo metro. A 12 de Fevereiro, um rochedo destruiu parte da linha fazendo com que o comboio n.º 6205 do Metro Ligeiro de Mirandela, que havia partido da estação do Tua, descarrilasse ao km 6+925, caindo ao rio quando da sua passagem pelo local. O acidente provocou três mortos e dois feridos graves320. A 10 de Abril de 2008, a dresine DPE 207 e o reboque RE 016, que estavam a “verificar a disponibilidade da infra-estrutura, antes da primeira circulação regular de passageiros no troço Abreiro-Tua (…) por motivo das condições climatéricas serem adversas (chuvas fortes)”, descarrilaram ao km 2,17, entre Mirandela e Tua, devido à queda de alguns blocos de pedra na plataforma. Do acidente resultaram ferimentos ligeiros em três colaboradores da equipa de via e geotecnia do Tua321. 317

BELO, 2013: 117.

318

Grande Reportagem, Fevereiro de 1995, n.º 47.

319

Diário das Sessões da Assembleia da República, 24.5.1995: 2547.

320

REFER, 2007.

321

REFER, 2008b.

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125 anos de exploração

Menos de dois meses depois, a 6 de Junho de 2008, uma outra composição do metro ligeiro descarrilou perto da estação do Tua, provocando ferimentos sem gravidade ao maquinista e a dois passageiros. Por fim, a 22 de Agosto de 2008, um descarrilamento próximo da estação de Brunheda causou a morte a uma passageira e feriu quarenta e três322. Após estes acidentes seriam encerrados mais 41 km de via e o metro passou a operar apenas entre Carvalhais e o complexo industrial do Cachão323. A ligação do Cachão ao Tua passou a ser realizada, oito vezes por dia, por uma frota de quatro táxis contratados pela CP, num custo anual de 125 mil euros pagos pelo Metro de Mirandela. Este elevado custo, que resultava em prejuízo para a empresa, fez com que fosse considerado o fim da circulação do metro entre Mirandela e o Cachão a partir de 2012. O encerramento foi, porém, evitado através da assinatura de um protocolo de entendimento entre as autarquias servidas pela empresa – Tua, Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Alijó e Murça –, a administração da CP e a REFER. Até 2012, muitas foram as campanhas realizadas por populares, autarquias e forças políticas partidárias, tentando evitar o fecho da via-férrea. As cartas e representações dirigidas aos governos multiplicaram-se, tentando forçar ao recuo da decisão. Além disso, a possibilidade de aproveitamento turístico da linha do Tua encontrava-se, também, presente nas agendas da época, nomeadamente no que diz respeito ao plano de desenvolvimento turístico do vale do Douro324. Este preconizava a qualificação de “eixos de âmbito intermunicipal e/ou regional com elevado interesse turístico-paisagístico de âmbito rodo-ferroviário, tendo em vista a estruturação de vias panorâmicas que contribuam de forma decisiva para a valorização da oferta turística regional», bem como a «criação, expansão e dinamização de actividades de animação turística, nomeadamente, negócios ligados à actividade turístico-fluvial, turístico-ferroviária e/ ou turístico-ambiental”325. Ainda na área do património, uma outra campanha giraria em torno da tentativa de classificação da linha do Tua como património de interesse nacional, através do projecto de resolução 418/X (4.ª) do grupo parlamentar Os Verdes, de Janeiro de 2009, cujo texto reproduzimos: “A Linha do Tua, linha de caminho-de-ferro de via estreita, com 54 quilómetros, que liga a estação de Foz do Tua, na Linha do Douro, a Mirandela, é, sem dúvida alguma, uma peça importante do nosso património, pelo papel que desempenhou na História, pelo testemunho que nos lega da capacidade que os nossos antepassados tiveram para conviver e superar os obstáculos e as adversidades 322

REFER, 2008a.

323

BELO, 2013: 54-55.

324

PORTUGAL, 2007.

325

PORTUGAL, 2007: 26 e 33.

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A linha do Tua (1851-2008)

da Natureza e, ainda, pela capacidade que tem de nos deslumbrar com os encantos paisagísticos que o Vale do Tua nos proporciona. Esta obra-prima da engenharia portuguesa, tal como foi logo na hora apelidada, ainda é hoje considerada por especialistas e entidades desta área, entre os quais a Associação Portuguesa do Património Industrial, representante em Portugal do Comité Internacional do TICCIH – The International Committe for the Conservation of the Industrial Heritage, Organismo Consultor da UNESCO para o património industrial. A linha do Tua é uma peça única e sem equivalente do património ferroviário português, ocupando, por essa via, um lugar relevante no Património Industrial que é cada vez mais valorizado a nível mundial. Exemplo disso foram as duas linhas férreas noutros países, classificadas como Património Mundial pela UNESCO em 2008. Esta linha entre Foz do Tua e Mirandela, inaugurada oficialmente no dia 29 de Setembro de 1887, e que ainda continua a funcionar, corresponde ao primeiro troço da linha ferroviária que viria, em 1906, a ligar o Douro a Bragança. A inauguração desta linha foi um acontecimento regional e nacional que contou com a presença do Rei D. Luís, de D. Maria Pia e do Infante, e cujo registo nos chega até aos nossos dias por diversas fontes, entre as quais pelo delicioso relato do jornalista e humorista Bordalo Pinheiro, que acompanhou a comitiva oficial, e que no seu precioso testemunho atesta da importância do evento, do acontecimento ímpar que representou para Trás-os-Montes e para a sua população, a qual compareceu massivamente no acto. O contributo inegável que esta linha veio dar para quebrar o isolamento desta região com o resto do País e do mundo e o papel relevante que veio a desempenhar no desenvolvimento de Trás-os-Montes e no bem-estar das suas populações, não são estranhos às manifestações de apoio que esta obra teve na época e ao apego que, ainda hoje, as populações locais demonstram ter por esta, mesmo depois do abandono a que tem sido votada em termos de investimento público e das contingências de que tem sido alvo nos últimos anos, que muito geraram um atenuar do contributo que esta infraestrutura poderia dar para o desenvolvimento da região. (…) Notável ainda, e importante sublinhar, é o facto desta linha, no troço ainda activo, ter sido construída em apenas três anos e ter-se afirmado como uma obra de grande qualidade ao longo dos seus 121 anos de vida, registados no passado mês de Setembro de 2008, o que se traduziu por um número reduzido de acidentes registados. Um dos valores desta Linha, e que constitui, sem dúvida, uma das suas grandes potencialidades de atracção, respeito e admiração sentidos por todos os que conhecem a Linha, ou pelos milhares de turistas nacionais e estrangeiros que todos os anos a visitam, reside nas dificuldades que o Homem conseguiu contornar e «o arrojo que permitiu a passagem dos comboios pelos rochedos intransponíveis do Vale do Tua e

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pelas serras do Nordeste Transmontano» (extracto do texto da petição pela Linha do Tua, lançado pelo Movimento Cívico pela Linha do Tua, entregue na Assembleia da República em Junho de 2008). Outro dos valores que não pode ser, de maneira alguma, omitido é o valor do Património Natural que o Vale do Tua constitui ao nível paisagístico, graças à beleza, à rudeza e à diversidade das suas paisagens. A Linha e o Vale do Tua constituem um binómio indissociável Linha/Vale do Tua que integra a identidade cultural das populações deste Vale e no qual a Linha se assume como um elemento unificador. «Mesmo para os mais idosos, a quem a paisagem diz menos, a Linha importa (…). Ela marca a dimensão cultural destas paisagens vivas, onde a acção do Homem foi capaz de submeter a Natureza selvagem e indomável» (extracto do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidroeléctrico da Foz do Tua). Por fim, na avaliação patrimonial que deve ser feita da Linha do Tua e das suas potencialidades, não pode esquecer-se o facto de parte desta Linha, os seus primeiros quilómetros, se inserirem na Região do Alto Douro Vinhateiro, classificada como Património da Humanidade pela UNESCO. Classificar este Património é um dever e é urgente: como forma de homenagem à obra de engenharia que nos foi legada, e a todos os trabalhadores que com risco para as suas vidas nos legaram este Património e tão bela obra; como forma de reconhecimento e valorização da paisagem constituída pelo Vale e pela Linha do Tua; como forma de potencializar este Património Natural e Cultural, dando-o a conhecer e a usufruir às gerações presentes e futuras; como forma de potencializar e integrar, de maneira inteligente, um conjunto de Património já hoje em dia classificado: as gravuras de Foz Côa, o Douro Vinhateiro e a Linha do Tua (esta última ainda não classificada); como forma de promover um desenvolvimento sustentado desta Região e compatível com os compromissos assumidos no quadro da UNESCO. Assim, face ao exposto, os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes”, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de resolução: A Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que desencadeie o processo de classificação da Linha Ferroviária do Tua como Património de Interesse Nacional. Palácio de S. Bento, 16 de Janeiro de 2009. Os Deputados de Os Verdes: Heloísa Apolónia — Francisco Madeira Lopes”326. De facto, por diversas vezes se tentou usar o interesse patrimonial da linha do Tua como uma alavanca para o seu aproveitamento na área do turismo. Ainda em 2010, “foi determinada a abertura do procedimento administrativo relativo à classificação da Linha Ferroviária do Tua, concelhos de Carrazeda de Ansiães, Vila Flor e Mi326

Diário das Sessões da Assembleia da República, II série A, 23.1.2009: 77-78.

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randela, distrito de Bragança, e concelhos de Alijó e Murça, distrito de Vila Real” (anúncio n.º 8665/2010)327. Porém, não obstante as tentativas de viabilização do caminho-de-ferro, aliadas aos estudos e debates que preconizavam a construção da barragem de Foz-Tua, a sua completa eliminação encontrava-se já expressa no plano líder 2010. Neste plano, a CP procurava atingir a liderança ibérica na ferrovia, equilibrar as suas contas e criar valor para o accionista na ordem dos 3,2 mil milhões de euros. Deste modo, a CP preconizava “redimensionar a oferta adequando-a aos volumes e padrões de mobilidade regional”328, antecipando assim a redução de comboios ou o próprio encerramento de troços e vias de uso reduzido. Na verdade, os estudos realizados pela CP indicavam um aumento crescente das despesas nas vias-férreas de menor tráfego. Em alguns casos, os custos de cada passageiro por quilómetro chegavam a ser 5000% superiores aos registados nos principais troços. No caso da linha do Tua o custo de cada passageiro por quilómetro situava-se nos 1,90€, muito acima do valor na rede principal, que girava em torno dos 0,5€, a valores de 2008329. A resolução do conselho de ministros n.º 45/2011 indicava, assim, “que o modo ferroviário é muito pouco eficiente nos eixos de baixa procura e que é possível assegurar uma adequada satisfação das necessidades de mobilidade das populações, com custos substancialmente mais baixos para a sociedade, através de modos de transporte público muito mais vocacionados para estas situações”330. Estas conclusões conduziram à suspensão do processo de reactivação das linhas de baixa procura, nomeadamente, do Corgo, Tâmega, Figueira da Foz e Tua. Os resultados financeiros da sua operação, ligados à sua crescente deterioração, à possibilidade de construção da barragem de Foz-Tua e ao compromisso assumido pelo estado português no memorando de entendimento no sentido de “rever a dimensão da sua rede ferroviária, racionalizando-a de acordo com a verdadeira vocação do caminhode-ferro, de modo a aumentar a sustentabilidade financeira do sector ferroviário”331 levaram ao encerramento definitivo da linha do Tua em 2012. O metro ligeiro de Mirandela manteve-se como o único elo ferroviário de ligação entre algumas das zonas anteriormente servidas pelo caminho-de-ferro centenário.

327

Diário da República, II série, 8.9.2010, n.º 175: 46459.

328

CP, 2010.

329

Diário da República, I série, 10.11.2011, n.º 216: 4809.

330

Diário da República, I série, 10.11.2011, n.º 216: 4809.

331

Diário da República, I série, 10.11.2011, n.º 216: 4809.

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5.8. O ENCERRAMENTO DA LINHA DE BRAGANÇA NA IMPRENSA REGIONAL Ana Carina Azevedo332 Ângela Salgueiro333

O encerramento da linha do Tua, nomeadamente do troço entre Mirandela e Bragança – o primeiro a ser fechado e aquele que acabou por originar episódios que marcaram duradouramente a memória das populações –, constituiu-se como um acontecimento que captou o interesse do País e dirigiu a atenção nacional para as idiossincrasias do nordeste transmontano entre os anos de 1990 e 1992. A imprensa nacional e regional acompanhou, de forma mais ou menos contínua, o processo que conduziu ao encerramento definitivo do troço, a luta e resistência das populações e as acções da CP, do governo e das autarquias locais. Como seria de esperar, entre os jornais nacionais e locais são evidentes algumas diferenças na forma como os acontecimentos foram tratados. Os primeiros, mais directos e factuais; os segundos, marcados por uma maior afectividade e emotividade no tratamento dos temas. Assim, para tentar criar uma amostra representativa procurou-se escolher um conjunto abrangente de fontes, seleccionando-se dois jornais de circulação nacional – um de Lisboa e outro do Porto, respectivamente o Diário de Notícias e O Comércio do Porto – e cinco jornais de âmbito regional, de grande circulação nas zonas servidas pela Linha 332

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

333

Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

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do Tua e cujo acompanhamento da temática se revelou de maior interesse: O Cardo. Jornal do Nordeste; Terra Quente. Periódico de Informação Regional; Notícias de Mirandela; A Voz do Nordeste e O Mensageiro de Bragança. A 15 de Dezembro de 1991, o troço da Linha do Tua que ligava Mirandela e Macedo de Cavaleiros foi encerrado pela CP, deixando a ligação entre Macedo e Bragança isolada da restante rede ferroviária. Dois dias depois, também este troço foi encerrado devido a um descarrilamento em Sortes. Estes acontecimentos – e o seu prelúdio durante o ano de 1990 – marcaram o início de uma época de maior dinâmica nas notícias referentes à linha do Tua, quer nos jornais nacionais, como nos regionais. Figura 179 – Descarrilamento em Sortes334

De facto, as notícias sobre as possibilidades de encerramento da linha do Tua tiveram início em 1990 e estenderam-se até 1992, altura em que este se encontrava já efectivado, sendo principalmente da responsabilidade da imprensa regional. Logo em Junho de 1990, dizia o jornal Terra Quente: “A incerteza paira sobre o futuro negro do Caminho de Ferro do Tua, mais concretamente no troço entre Mirandela e Bragança, cujo encerramento esteve previsto para finais do passado mês de Março. De facto, e talvez procurando iniciar um processo de “tratamento mental” das populações a C.P., deu início à suspensão do transporte de algumas mercadorias a norte da Régua, ensaiando o fecho do cais da estação de Mirandela”335. A imprensa regional mantinha-se, assim, atenta às acções levadas a cabo pela CP, fazendo suas as preocupações e os rumores populares que interpretavam o fim do transporte de mercadorias como um prenúncio do encerramento do serviço de passageiros. Porém, após um período quente marcado pelos rumores sobre o encerramento, a acalmia regressaria às páginas dos jornais, sendo somente 334

O Mensageiro de Bragança, 20.12.1991: 28.

335

Terra Quente. Periódico de Informação Regional, 1.6.1990, a. 1, n.º 8: 2.

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quebrada em Dezembro de 1991, altura em que efectivamente o troço seria fechado. Nesta fase foram, de facto, os jornais regionais que mais acompanharam a situação e mais se insurgiram contra o encerramento, mesmo que temporário, do troço entre Mirandela e Bragança. O Notícias de Mirandela referia, em Janeiro de 1992, ter sido “por entre o silêncio da madrugada que no passado mês de Dezembro o comboio do Tua, deixou de circular no troço entre Mirandela e Bragança.”336. No mesmo mês, o periódico Terra Quente lançava críticas ao encerramento das linhas ferroviárias e ao aumento do isolamento da região, principalmente se ao fecho do caminho-de-ferro se juntassem as debilidades dos outros meios de transporte existentes. “Escandaloso! A CP quer isolar e desertificar ainda mais o Nordeste Transmontano. Com a anuência do Governo! Abaixo aqueles que fazem sofrer o povo Nordestino!”337. Da mesma forma, também O Mensageiro de Bragança enfatizava os malefícios do fim do caminho-de-ferro numa zona economicamente frágil. “Será justo retirar o comboio a uma região que começa em pedra e acaba em pedra, e onde a força do rio Douro tornou Trás-os-Montes e Alto Douro a maior potência hidroeléctrica de todo o território português?”.338 Figura 180 – Cartoon relativo à actuação do governo na questão da linha do Tua339

A Voz do Nordeste manifestar-se-ia no mesmo sentido. Na edição de Abril de 1992 pode ler-se: “nasceu democraticamente, através de resolução do Parlamento, que autorizou sucessivamente os dois troços que a compõem; morre ocultamente, por determinação despótica de alguém que não ouviu ou não quis ouvir os muitos beneficiários da sua exploração”340. 336

Notícias de Mirandela, 31.1.1992: 12.

337

Terra Quente. Periódico de Informação Regional, 1.1.1992, a. 3, n.º 27: 8.

338

O Mensageiro de Bragança, 31.1.1992, n.º 2373: 6.

339

O Cardo. Jornal do Nordeste, 28.2.1992: 1.

340

A Voz do Nordeste, 7.4.1992, n.º 153: 16.

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A linha do Tua (1851-2008)

Paralelamente às críticas das páginas dos jornais decorriam as negociações com o governo, tendo os representantes do poder local solicitado aos populares o fim das hostilidades para que a CP pudesse iniciar “os trabalhos na via ferroviária” e para “que os autocarros iniciem o transporte que os cidadãos necessitam para que a sua imagem não fique deslustrada”341. De facto, no início de 1992, a esperança de que o encerramento da linha fosse apenas temporário persistia. A própria CP difundiu, a partir das reuniões que realizou com representantes do poder local e de associações nordestinas, três soluções distintas para a rentabilização do troço entre Mirandela e Bragança. Segundo O Mensageiro de Bragança, o primeiro destes cenários “prevê a «manutenção das actuais condições de circulação, entre os 25 e os 30 km/hora, reduzindo ao mínimo os trabalhos de reparação, que mesmo assim, atirariam para custos da ordem dos 300 mil contos. (...) O segundo preconiza «a realização de trabalhos, que se consideram necessários (…). Esta opção permitiria reduzir para uma hora a ligação BragançaTua (…). Esta alternativa implicaria um investimento da ordem de um milhão e meio de contos. O terceiro ponto aponta para «a construção de um novo traçado, para poder competir com o IP4, e seriam necessários 12 milhões de contos”342. O turismo também não deixou de fazer parte das alternativas para a manutenção da linha. Porém, a CP acabou por não passar da retórica à prática, mantendo encerrado o serviço ferroviário no troço em questão, o que intensificou visivelmente o sentimento de traição do povo nordestino relativamente aos decisores nacionais. Neste contexto, O Mensageiro de Bragança alertou para o facto de o governo e a CP serem influenciados pelos lobbies das empresas rodoviárias e da construção civil e também por agentes externos, como o FMI e o Banco Mundial, os quais vinham pressionado as autoridades portuguesas para o encerramento das linhas de via estreita. Estas pressões manifestavam-se na falta de investimento na superstrutura ferroviária e no desinteresse do poder central em obter soluções alternativas para a rentabilização das linhas: “Pode-se ainda perguntar: o que tem sido feito para minorar e inverter a situação económica e financeira dos caminhos-de-ferro, nomeadamente em Trás-os-Montes e Alto Douro? Os investimentos correctos e atempados na renovação da via? A melhoria das condições de transporte de passageiros e de eficiência e competitividade no transporte de mercadorias? A introdução de novo material circulante? Nada disto tem sido feito”.343 Mas não só o governo central é considerado responsável pelo encerramento da linha do Tua. Também contra os eleitos locais são viradas as baterias da contestação popular. “Outro aspecto muito gravoso de toda esta política é a efectiva colaboração, activa ou pelo silêncio, que muitas autarquias nela têm tido. Na maior parte dos casos 341

O Comércio do Porto, 20.12.1991, n.º 202: 15.

342

O Mensageiro de Bragança, 31.1.1992, n.º 2373: 6.

343

O Mensageiro de Bragança, 14.2.1992, n.º 2375: 12.

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tem sido fácil à CP fechar as linhas devido ao consentimento dos poderes locais”344. No entanto, até ao Verão de 1992, a esperança de reabertura da linha, quer nos moldes anteriores, quer com um reforçado teor turístico, permanecia. No final de Junho de 1992, porém, a notícia da proximidade do encerramento definitivo chegava ao jornal O Cardo. “Ao fecharmos esta edição chegou-nos a informação, por fonte fidedigna, de que a CP apronta o processo de encerramento definitivo do troço da Linha do Tua entre Mirandela e Bragança, para logo de seguida fechar os restantes quilómetros entre o Tua e Mirandela”345. No final do ano surgia a confirmação sobre o carácter definitivo do encerramento do troço entre Mirandela e Bragança e a possibilidade de este representar o fim de toda a linha do Tua. Iniciou-se então uma época marcada pelas tentativas das câmaras municipais e das associações locais, como o núcleo empresarial do distrito de Bragança (NERBA) e a comissão regional de turismo, de chegar a acordo com o governo e a CP sobre a reabertura do troço ou a obtenção das contrapartidas no caso de encerramento do mesmo. Viveu-se também um momento de forte resistência popular, a qual originou episódios de grande tensão em algumas aldeias anteriormente servidas pelo caminho-de-ferro, com grande eco na imprensa regional e nacional. Tabela 8 – Cronologia do encerramento do troço Mirandela-Bragança Suspensão do serviço da CP no troço Mirandela-Macedo de Cavaleiros. Início do serviço de carreiras entre Bragança e Mirandela. 15 Dez A população de Fermentãos retém o autocarro e corta a estrada. Na povoação de Salsas corta-se a estrada e impede-se a circulação do autocarro fretado. Intercepção de um autocarro da CP em Macedo de Cavaleiros. Descarrilamento da composição n.º 36207, perto de Sortes.

1991

Suspensão temporária da circulação entre Mirandela e Bragança. 17 Dez Reunião, em Bragança, de empresários ligados à NERBA e à associação comercial e industrial de Mirandela, exigindo a reabertura da linha. A população de Salsas arranca carris da linha. Populações de Salsas, Cernadela e Cortiços sequestram autocarros. 18 Dez O governador civil de Bragança e vários representantes das autarquias, da indústria e do comércio das zonas afectadas deslocam-se a Lisboa e reúnem com o secretário de estado dos transportes e com o presidente do conselho de administração da CP. Reunião entre representantes das populações de Sortes e Salsas e o governador civil de 21 Dez Bragança, o presidente da câmara de Bragança e a CP para tentar chegar a uma solução de compromisso. 22 Dez

Retidos sete autocarros da empresa do Tâmega, ao serviço da CP: dois em Sortes, três em Cortiços e dois em Salsas.

344

O Mensageiro de Bragança, 14.2.1992, n.º 2375: 13.

345

O Cardo. Jornal do Nordeste, 30.6.1992, n.º 54: 1. 477


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1992

20 Janeiro

Crítica pública do NERBA ao presidente da república, Mário Soares.

23 Janeiro

Novo encontro entre o governador civil de Bragança e o secretário de estado dos transportes.

23 Março

Manifestação pública contra o encerramento em Bragança.

13/ 14 Outubro

Transporte das locomotivas e carruagens da estação de Bragança para Mirandela, pela madrugada. Detenção do presidente do NERBA.

A resistência das populações ao fecho do troço foi, talvez, o aspecto mais marcante dos meses que antecederam a confirmação do seu encerramento definitivo. A primeira notícia relacionada com o tema teve origem num jornal nacional, O Comércio do Porto que, em Dezembro de 1991, referia a forte oposição dos trabalhadores da CP, da população local e do NERBA ao encerramento, procurando sensibilizar a empresa para a necessidade de discutir soluções de compromisso que impedissem o fim da linha do Tua. De facto, apesar de a CP afirmar o carácter provisório do encerramento, os “funcionários da CP consideraram a interrupção da circulação de comboios entre a cidade de Mirandela e a vila de Macedo de Cavaleiros o «primeiro passo para o encerramento definitivo do troço Bragança-Mirandela e a primeira fase do encerramento da linha do Tua»”346. As acusações contra a CP continuariam pela voz do NERBA. “O presidente do Núcleo Empresarial da Região de Bragança (NERBA), Fernando Guilherme, acusou o conselho de gerência da CP de «falta de competência para rentabilizar a linha do Tua e de seguir o caminho mais fácil que é fechá-la». Segundo o NERBA, «não houve diálogo» com os agentes económicos da região e «deixou-se degradar deliberadamente a linha e os serviços»”347. Entre os partidos políticos, três destacaram-se neste processo: Os Verdes, que mantiveram a sua oposição ao encerramento e envidaram vários esforços para garantir a rentabilização turística da linha; o PS, cujas críticas se dirigem maioritariamente ao PSD, na altura no poder; e o PSD local, cujas acusações incidiam, particularmente, no conselho de gerência da CP. Já as manifestações populares, de grande impacto político e social, iniciaram-se no final do ano de 1991, na sequência da criação de carreiras de autocarros, pagas pela CP, entre Bragança e Mirandela, as quais foram introduzidas sem conhecimento dos utentes da linha. “No dia 15 do corrente efectuou-se a viagem inaugural das novas carreiras que a CP coloca ao serviço da população de Mirandela e Bragança, em autocarros de luxo, dos mais modernos que funcionam no Nordeste. (…) Desde que, há alguns dias, se começou a falar na implementação do novo sistema de autocarros da CP, alguma imprensa

346

O Comércio do Porto, 18.12.1991, n.º 200: 17.

347

O Comércio do Porto, 18.12.1991, n.º 200: 17.

478


125 anos de exploração

associou desde logo esse facto ao encerramento da linha”.348 No Diário de Notícias podia ler-se o seguinte. “Para já, a linha do Tua, que liga esta estação a Bragança, vai continuar a funcionar nos mesmos moldes, mas a entrada em funcionamento dos autocarros é sinal mais que evidente de que está para breve o encerramento entre Mirandela e Bragança, onde os comboios cada vez andam menos por o estado da linha não permitir uma velocidade superior a 40 quilómetros por hora, e alguns troços a 30 km/h”349 . Cientes desta realidade, cedo os populares optaram pela retenção dos autocarros como forma de luta. Em Dezembro de 1991, “a população de Salsas reteve, na povoação, o autocarro que se dirigia para Mirandela, tendo colocado no meio da estrada uma pedra com cerca de 500 quilos, impedindo, assim, o andamento do veículo. Entretanto, o autocarro que seguia em direcção a Bragança foi interceptado em Macedo de Cavaleiros (…). De manhã, o autocarro que fazia o percurso entre Mirandela e Bragança foi interceptado, cerca das 8 e 30, pela população de Cortiços e Cernavela, que acabou por sequestrar outro, uma hora depois, na povoação dos Cortiços. Entretanto, a população de Salsas, que já tinha retido um autocarro, na noite de terça-feira, deteve outro, ontem à noite”350. Na segunda quinzena de Dezembro de 1991 vários foram os autocarros retidos pelas populações, que não se encontravam dispostas a recuar enquanto o troço entre Mirandela e Bragança não fosse reaberto. “Os AUTOCARROS só vão seguir viagem quando «virem» passar os comboios. Era assim que um popular de Sortes desabafava em relação à retenção dos autocarros da CP, apesar de as garantias dadas pelo Secretário de Estado dos Transportes de que a linha do Tua não irá encerrar”.351 Estas manifestações populares ganhariam, cada vez mais, uma visibilidade nacional, na medida em que os principais órgãos de comunicação social davam conta do descontentamento local. Porém, no final de Dezembro, as populações decidiram aceitar o serviço de autocarros, como medida provisória até à reabertura da linha. De facto, a reabertura do troço mantinha-se como prioridade para as populações e as trocas de acusações sobre a responsabilidade do fecho da linha repercutiram-se nos jornais, tendo como alvo a CP e a sua política de não-investimento na modernização da via. Porém, a consciência da necessidade de obras de remodelação na linha era uma realidade para as populações nordestinas, que entendiam os riscos associados ao estado da ferrovia: “Só os mais sentimentalistas persistem na manutenção da Linha do Tua, tal como ela está. A maioria é de opinião que a via deverá ser adaptada aos novos tempos”352. Sobre este assunto O Cardo referia: “a linha do Tua é um pouco como a questão 348

A Voz do Nordeste, 16.12.1991, n.º 146: 28.

349

Diário de Notícias, 16.12.1991, a. 127, n.º 44827: 28.

350

Diário de Notícias, 19.12.1991, a. 127, n.º 44830: 27.

351

Diário de Notícias, 20.12.1991, a. 127, n.º 44831: 26.

352

O Cardo. Jornal do Nordeste, 22.12.1992, n.º 60: 6.

479


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de Timor. A tempo e horas ninguém se importou com a modernização da linha do Tua, ninguém exerceu influência no sentido de essa via de comunicação ser beneficiada de forma a ser rentável e rápida (...) ninguém hoje em dia quer largar nove horas de tempo, que é quanto demora uma viagem ronceira entre o Porto e Bragança (...). E, sejamos francos: quantas pessoas defensoras da linha do Tua andam nos comboios dessa linha? Poucas. Aposto”353. De facto, cerca de nove meses depois, em Dezembro de 1992, o mesmo jornal depositava as suas esperanças nos fundos adstritos ao Pacote Delors II como forma de reabilitar e modernizar a linha do Tua: “não choremos pelo comboio enferrujado que com comiseração nos iam dando. Sejamos também realistas, aquilo não passava de um émulo dos vagões que apinhados chegavam a Auschwitz num passado não muito distante (...). Queremos que o dinheiro do Pacote Delors II sirva o Nordeste pelo menos durante 8,3 dias, ou sejam 12 mil e picos minutos... (...) É por esse comboio que devemos lutar denodadamente”354. Assim, a resistência popular manteve-se ao longo do ano de 1992. A 23 de Março tinha lugar uma grande manifestação pública, amplamente divulgada pelo jornal O Cardo. “No sentido de se reagir contra a iminente intenção do Governo em encerrar a Linha do Tua, vai realizar-se, em Bragança, no dia 23 de Março, uma manifestação em que se espera que toda a população esteja presente e saiba reagir com severos protestos, contra mais um acto discriminatório, contrariador de todas as regras políticas de solidariedade regional e que nos arrastam para o isolamento e para fora das vias do progresso. Basta de isolamento...”355. A edição seguinte, de Março de 1992, daria testemunho dessa manifestação, enfatizando as vitórias alcançadas e dando voz a alguns nordestinos que na mesma haviam estado presentes. “No dia 23 de Março, a Praça Cavaleiro de Ferreira foi palco de um levantamento popular contra as intenções do Poder Central e da CP em quererem fechar a Linha do Tua”.356 Figura 181 – Manifestação popular contra o encerramento da linha do Tua357

353

O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 2.

354

O Cardo. Jornal do Nordeste, 22.12.1992, n.º 60: 6.

355

O Cardo. Jornal do Nordeste, 28.2.1992, n.º 50: 1.

356

O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 9.

357

O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 1.

480


125 anos de exploração

Esta manifestação acabaria por surgir também nas páginas de alguns jornais nacionais, como o Público e o Jornal de Notícias. Diz o Público, a 24 de Março, num artigo intitulado Milhares de manifestantes contestam encerramento da Linha do Tua. Bragança chama Cavaco: “mais de três mil pessoas saíram ontem à rua em Bragança, para protestar contra o encerramento da linha férrea do Tua, entre Mirandela e aquela cidade”358. E, no artigo Três mil desfilam em Bragança. ‘Queremos o comboio’, referia “MANIFESTANTES nordestinos vieram ontem de novo para a rua, para exigirem a reabertura da linha ferroviária do Tua, no percurso Mirandela-Bragança, que se encontra encerrado desde o passado dia 15 de Dezembro. Cerca de três mil pessoas concentraram-se em Bragança, na praça do Cavaleiro Ferreira, e desfilaram de seguida até ao Governo Civil, gritando palavras de ordem como «Bragança também é Portugal» e «Queremos o comboio»”359. Por sua vez, o Jornal de Notícias, na mesma data, publicava: “Brigantinos revoltados exigem o “seu” comboio. Manifestantes desfraldaram bandeira espanhola”360. Em 1991, aquando do encerramento do troço que ligava Mirandela a Bragança, a CP afirmou que este era apenas provisório. Porém, menos de um ano depois, em Outubro de 1992, teria lugar um acontecimento que marcaria as populações locais e que para muitos significaria o início do fim da linha do Tua. Trata-se daquela que ficaria conhecida como a Noite do Roubo, quando a CP retirou, por via rodoviária, durante a noite e sob escolta policial, as locomotivas e carruagens que se encontravam nas estações de Macedo de Cavaleiros e Bragança. Este acontecimento fez manchete na imprensa nacional e regional, tendo igualmente sido profusamente relatado nos restantes meios de comunicação social. Figura 182 – Notícia sobre a Noite do Roubo n’O Mensageiro de Bragança361

358

O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 12.

359

Apud. O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 12.

360

Apud. O Cardo. Jornal do Nordeste, 31.3.1992, n.º 51: 12.

361

O Mensageiro de Bragança, 23.10.1992: 13.

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Refere O Mensageiro de Bragança: “Pela calada da noite de 13 para 14 de Outubro de 1992, e usando métodos que o ordeiro povo transmontano não pode tolerar, o Governo de Cavaco Silva (…) roubou os símbolos da esperança na manutenção da linha do Tua (...) alguém combinado com a CP procedeu ao corte dos circuitos de rádio e de telefone em toda a área de Bragança, Vinhais, Macedo de Cavaleiro e Mirandela! Ainda não tinha dado a meia-noite quando os «piratas», cerca de três dezenas, davam início ao saque (…) a operação teve a duração de cerca de três horas. O primeiro carregamento deixava Bragança por volta das 00,30 horas, protegido por batedores da Brigada de Trânsito e por jipes da GNR, com homens armados (…). Em Macedo de Cavaleiros também decorreram idênticas operações, sendo levada daquela estação da CP uma automotora”362. Mas não foram só os jornais regionais a encarar a chamada Noite do Roubo com emotividade. Também o Diário de Notícias expressou a consternação das populações locais pela forma como a operação foi conduzida. “Pela calada da noite, com aparato policial que o receio ordenava, a CP procedeu, em Bragança, à retirada de duas carruagens e de duas locomotivas da ferrovia do Tua”363. Figura 183 – A Noite do Roubo, Outubro de 1992364

362

O Mensageiro de Bragança, 23.10.1992: 13.

363

Diário de Notícias, 15.10.1992: 23.

364

A Voz do Nordeste, 20.10.1992: 1 e 13.

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Acompanhando as várias manifestações populares contra o encerramento da linha do Tua deve destacar-se, também, um activo movimento de crítica social através da literatura, presente na publicação regular de poesias na imprensa local, nas quais se fazia a apologia dos tempos áureos do comboio do Tua e se recordava os momentos mais marcantes da sua história. Poema – Vieram de noite e levaram365 (A partir de uma canção de José Afonso – Era de Noite e Levaram Vieram de noite e levaram enquanto o povo dormia Os restos que deixaram da primeira razia Levaram-nos o nosso comboio Escoltado, qual perigoso bandoleiro Deixam-nos as margaças e o joio levam o trigo pró celeiro O Nordeste colonizado uma espécie de Timor Onde o sonho é massacrado e o abandono o invasor Adeus ó linha do Tua Adeus ó comboio roubado à socapa!... Só já falta roubarem-nos o Sol e a Lua Pró nordeste ser riscado do mapa.

365

O Cardo. Jornal do Nordeste, 30.10.1992, n.º 58: 3.

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5.9. VALE DO TUA: UMA PAISAGEM TECNOLÓGICA366 Ellan F. Spero367

A investigação feita sobre a linha de Foz-Tua a Bragança feita nos últimos três anos analisou diversos aspectos da vida, tecnologia e ambiência dos vales do Tua e Douro, no norte de Portugal. Foi discutido e debatido a forma como estas e outras categorias mudaram ao longo do tempo e em muitos casos até se fundiram. Depois de três anos de investigação, com várias publicações lançadas e planos para um núcleo de memória do vale do Tua, o momento é propício à reflexão. Esta região do norte de Portugal é um veículo para a compreensão do conceito de paisagem tecnológica como história em feitura. É uma forma de interrogar a fronteira entre a natureza e o artificial, o invisível e o visível. Figura 184 – O vale do Douro368

366

Texto baseado em SPERO, 2014 (tradução de Hugo Silveira Pereira).

367

Massachussests Institute of Technology e Singapore University of Technology and Design.

368

SPERO, 2014.

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Com as suas impressionantes fragas, inclinações e clima, com os seus socalcos para a vitivinicultura, com as suas linhas de caminho-de-ferro, estradas antigas, auto -estradas novas e uma barragem em construção, os vales do Tua e do Douro fornecem um contexto único e útil para reflectir sobre o que constitui progresso tecnológico, distância e isolamento, conectividade e ligação, práticas tradicionais e de alto nível tecnológico e a complexidade da preservação. Talvez seja algures entre o irónico e o perfeitamente adequado que o facto que deu origem ao projecto de investigação sobre o caminho-de-ferro do Tua ter sido a construção de uma barragem, ela própria um empreendimento de grande transformação e impacto tecnológico. Este evento serviu de catalisador para virar a atenção dos investigadores do projecto para as grandes alterações no terreno anteriores à barragem, designadamente o caminho-de-ferro e a agricultura em socalcos. Como historiadores, a sua tarefa passou por encontrar uma forma de preservar e difundir o património cultural do vale e da sua via-férrea, agora simbolizado em parte pelo troço de via que irá ser inundado pela albufeira da barragem. Esta história, ilusoriamente local, mas genuinamente global, de um sistema de transporte de alta tecnologia que se tornou obsoleto e que depois se transformou em capital cultural é em si de realçar. Os diversos sub-projectos de investigação surgidos no âmbito do projecto geral de investigação sobre a linha e o vale do Tua examinaram as mudanças demográficas na região, os fluxos locais e globais de produtos e pessoas, incluindo ainda a logística política, financeira e tecnológica por trás de uma prévia construção de um caminhode-ferro. Os responsáveis por esses sub-projectos recolheram provas de fontes locais, incluindo de indivíduos e memórias orais preservadas fora dos sistemas tradicionais de arquivos. Criaram também repositórios digitais para estes e outros materiais. Outros investigadores focaram a sua pesquisa nas mudanças no próprio território, através do recurso a novas técnicas de mapeamento geo-espacial. Para estabelecer pontes com o público em geral, equipas de arquitectos e designers concentraram-se nos desafios físicos e práticos associados ao núcleo de memória de Foz-Tua. Recolheram, analisarem e aprenderam com exemplos de outros projectos internacionais de património ferroviário (na Europa e em especial em Inglaterra). Ao longo de todo este trabalho (heterogéneo, mas ao mesmo tempo integrado) existe um tema unificador, ao qual damos o nome de paisagem tecnológica. Pensemos primeira na paisagem em si. Apesar de tudo, é difícil não se aperceber de algum conceito de paisagem quando rodeados por uma região como a do Alto Douro no norte de Portugal. Na obra de J. B. Jackson, Discovering the Vernacular Landscape, a paisagem é

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definida como uma “composition of man-made or man-modified spaces to serve as infrastructure or background for our collective existence”369. No volume Technologies of Landscape, David Nye cita Jackson, mas vai mais longe, afirmando que “Landscape is thus defined not as natural, but cultural. It is not static, but part of an evolving set of relationships. Landscapes are part of the infrastructure of existence, and they are inseparable from the technologies that people have used to shape land and their vision”370. Para Nye e para os seus colegas, a paisagem e a tecnologia não são opostos, mas antes elementos subtilmente interligados. Nas palavras de Nye, a paisagem é “a process embedded in narrative, or time”371,“a verb as well as a noun, referring to an active process in which human beings do not merely intervene, but improve a site so that it becomes a more useful or pleasing prospect”372. Figura 185 – Detalhe do vale do Tua373

369

JACKSON, 1984.

370

NYE, 1999: 3.

371

NYE, 1999: 7.

372

NYE, 1999: 5.

373

SPERO, 2014.

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Intimamente ligado às technologies of landscape de Nye, usamos o termo technological landscape (ou paisagem tecnológica), que é ligeiramente diferente. No caso da região do Tua e do Douro, a paisagem tecnológica pretende incluir num só cenário tanto os actores humanos como os actores não-humanos do vale. Através deste conceito, não é nossa intenção privilegiar na discussão nem somente as pessoas, nem somente a terra, nem somente as tecnologias, mas sim fazer esvanecer as fronteiras entre elas e analisá-las como um todo dinâmico e interligado. Contudo, ainda que esta abordagem interligada ou – indo mais longe – co-produzida não seja uma novidade para os académicos de história da ciência e da tecnologia, este conceito mais unificado ainda não se impôs na compreensão popular da ciência, tecnologia e ambiente374. Isto é algo que merece uma consideração cuidada, especialmente porque um dos objectivos do projecto FOZTUA é ir para lá do discurso académico e chegar a públicos mais populares, oferecendo-lhes novas formas de desafiar as assumpções pré-concebidas sobre o mundo tecnológico que está frequentemente escondido no seu dia-a-dia. Em vez de se enredar em juízos de valor contemporâneos sobre o vale, o caminho-de-ferro ou a barragem, através deste projecto de investigação de índole histórica procurou-se atingir os valores em si, e como estes se modificaram ao longo do tempo e mediante o público e o contexto económico. Para além da bipolaridade entre a romantização e subsequente demonização da mudança tecnológica no passado, procurou-se ver the whole picture como um processo contínuo de história que se escreve constantemente. Nye recorda-nos que “human beings have repeatedly shaped the land to new uses and pleasures, and what appears to be natural to one generation often is the end result of a previous intervention”375. Esta naturalização de processos transformativos anteriores é realçada não apenas pelo caso do caminho-de-ferro submerso (em consequência do novo projecto da barragem), mas talvez ainda mais pela forma como os socalcos esculpidos nas íngremes fragas do vale do Douro também se diluíram numa espécie de ideia bucólica e pastoral na imaginação popular. Apesar desta naturalização dos socalcos da vinha nos vales do Tua e do Douro, o negócio da produção de vinho é na verdade um sistema tecnológico dinâmico. Escondidos dos olhos dos consumidores estão processos de melhoramento em termos higiénicos, de segurança, controlo de qualidade e velocidade de produção. Estas tecnologias de bastidores estão escondidas do público em geral, no entanto estão perfeitamente incorporadas no produto final. Os novos métodos científicos também oferecem novas formas de olhar para a produção, desde uma perspectiva micro (com as técnicas 374

Para mais detalhes sobre co-produção, ver JASANOFF, 2004. JASANOFF, 2007

375

NYE, 1999: 3.

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como a análise química espectral e cromatográfica) até uma perspectiva macro (usando a fotografia aérea ou a análise cromática como ferramenta para determinar o altura das colheitas e das vindimas). Ao mesmo tempo que novos processos são desenvolvidos e usados para melhorar e manter a qualidade e tornar a produção mais eficiente, a ligação física à terra e a noção de tradição artesanal, mesmo como conceitos abstractos, são igualmente importantes para criar valor. Olhemos com mais atenção para um exemplo específico e local que serve para realçar esta interligação. Não muito longe da estação do Tua fica a quinta dos Malvedos, a mais importante quinta vinícola da casa de vinho do Porto Graham’s. Aqui, um lagar de pedra, o instrumento tradicional para pisar e esmagar a uva partilha o mesmo espaço com um lagar robotizado de aço inoxidável. Os dois aparelhos estão separados apenas por uma baixa parede e podem ser apreciados ao mesmo tempo desde ambos os lados da sala. Figura 186 – O lagar de pedra na quinta dos Malvedos376

A secção do lagar de pedra, albergada na parte original do edifício, e as paredes e chão de granito fecham o espaço e lançam ténues e rugosas sombras sobre as suas superfícies. A imagem de homens em condizentes camisas vermelhas ao xadrez e calções azuis, imersos até meio da coxa em uvas, com os seus braços à volta dos ombros uns dos outros estimula a imaginação do espectador sobre este agora vazio tanque de pedra. Embora a imagem, com a roupagem dos actores, pareça uma acção um pouco 376

Foto de Hugo Silveira Pereira.

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encenada de produção artesanal, desenhada para o consumo do público, não deixa de ser notável. A sala seguinte parece ter sido desenhada para fazer realçar o contraste entre a velha tecnologia e a nova tecnologia. É brilhantemente iluminada com suaves paredes rebocadas a branco e um tecto arqueado, certamente um acrescento mais recente à estrutura do edifício original. O próprio lagar robotizado exibe um grande tanque de aço inoxidável, um rectângulo superficial parecido na sua forma com o seu antepassado de pedra. A máquina trituradora mexe-se para a frente e para trás ao longo da cuba, embora quando não esteja a ser usada seja guardada no extremo mais afastado do lagar. O verdadeiro contacto entre a máquina e as uvas é feito através de almofadas de silicone, moldadas na forma de lingotes invertidos. O gerente da propriedade explica que este material foi escolhido pela sua equipa de engenheiros consultores para imitar a distribuição de pressão dos pés humanos. O mecanismo, que se assemelha a um pisoamento em cadência regular ao longo da cuba, foi inspirado na antiga e arcaica acção de pressão exercida por uma fila de pessoas pisando ritmicamente, usualmente ao som de um acordeão. Esta prática do pisamento, aqui replicada através da mecanização, muitas vezes se assemelha a danças folclóricas, que variavam de região para região. Nesta região em particular, essas danças tomaram a forma de linhas em movimento (como demonstrada na foto anteriormente referida), embora outras danças seguissem padrões diferentes (circulares ou outros). Este pisamento à base da força humana pode ser comumente caracterizado de tradicional, carregando uma conotação que muitas vezes assume uma prática estática. Contudo, estas danças foram frequentemente influenciadas pelas culturas regionais dos próprios trabalhadores, que num passado mais recente também incluíam imigrantes de leste. O próprio vinho do Porto, embora identificado com Portugal, nasceu em parte para criar um nicho entre o mercado britânico. Na realidade, muitas das famílias produtoras de vinho no Douro partilham uma herança britânica e passam as suas vidas divididas entre ambos os países. Os vinhos exportados chegavam muitas vezes estragados quando chegavam ao seu destino e a sua fortificação era usada como solução para tornar o vinho mais estável ao parar a fermentação numa fase mais serôdia. Portugal não produz uvas suficientes para fazer este tipo de álcool, pelo que esta estabilização é feita através de álcool de carácter mais neutro, importado na maioria das vezes de França. Assim, através de um exame mais cuidado, este bem, produzido num aparentemente isolado contexto rural, cujo nome deriva desse mesmo contexto rural, é na verdade mais global do que aquilo que aparenta. Este exemplo de tecnologia em particular serve para realçar a interligação existen-

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te entre a produção humana e mecânica. Ajuda-nos a interrogar o que significa produzir algo a nível local, bem como a questionar o que significa participar num mercado global constantemente em mutação. O lagar robótico foi criado por engenheiros portugueses em colaboração com a quinta e a família dos Symingtons, não só como uma forma de introduzir novas tecnologias na produção vinícola, mas também para responder às limitações do mercado de trabalho, tanto português como estrangeiro. Figura 187 – Linha de enchimento de vinho do Porto377

Podemo-nos indagar se esta maquinaria torna o vinho um produto mais português do que se fosse pisado por pés de imigrantes. Ou, em outras palavras, será a eliminação da mão-de-obra estrangeira pela sua substituição por tecnologia um processo usado pelos produtores para manter a mão-de-obra local numa economia com salários mais altos? Será este tipo de tecnologia mais ou menos globalizante? Não é a aparente contradição, mas sim a combinação de métodos novos e arcaicos, de produtos locais ligados a uma economia global, do rural com o urbano, dos negócios familiares luso-britânicos que fazem com que o vinho nesta região seja uma peça fundamental da paisagem tecnológica.

377

SPERO, 2014: 244.

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Fontes e bibliografia

6. FONTES E BIBLIOGRAFIA 6.1. Fontes 6.1.1.Fontes Manuscritas

ARQUIVO Agro-Industrial do Nordeste. ARQUIVO contemporâneo do ministério das finanças. Direcção-geral dos Impostos. ARQUIVO da REFER. Direcção de Património. Linha do Tua. ARQUIVO da universidade de Coimbra. Universidade de Coimbra. ARQUIVO distrital de Bragança. Fundo da antiga junta autónoma das estradas. ARQUIVO distrital de Bragança. Juízo de direito da comarca de Bragança. ARQUIVO distrital de Bragança. Passaportes. ARQUIVO distrital de Bragança. Registos paroquiais. ARQUIVO distrital de Lisboa. Fundos judiciais. ARQUIVO distrital de Lisboa. Registos notariais. ARQUIVO distrital do Porto. Empresas. ARQUIVO distrital do Porto. Registos notariais. ARQUIVO do supremo tribunal de justiça. Registo de acórdãos comerciais da primeira secção. ARQUIVO histórico-diplomático. Caminhos-de-ferro. Ligações por intermédio de pontes. ARQUIVO histórico da CP. Documentação diversa.

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A linha do Tua (1851-2008)

ARQUIVO histórico do ministério das obras públicas. Conselho Superior de Obras Públicas e Minas. Vários livros e caixas (vários anos). ARQUIVO histórico do ministério das obras públicas. Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas. Vários livros e caixas (vários anos). ARQUIVO histórico do ministério das obras públicas. Mapas e Desenhos. ARQUIVO histórico do ministério das obras públicas. Processos individuais. ARQUIVO histórico militar. Processos individuais. ARQUIVO histórico municipal do Porto. ARQUIVO histórico parlamentar. Vários documentos. ARQUIVO Menéres. Arquivador da correspondência. ARQUIVO municipal de Bragança. Actas das sessões da câmara municipal de Bragança. ARQUIVO nacional Torre do Tombo. Arquivo Burnay. ARQUIVO nacional Torre do Tombo. Memórias Paroquiais de 1758. ARQUIVO nacional Torre do Tombo. Registo Geral de Mercês. ARQUIVO pessoal de João Sampaio. Vários documentos. ARQUIVO pessoal de Vasco Beça. Vários documentos. ARQUIVO regional de Ponta Delgada. Fundo Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro. Vários documentos. BIBLIOTECA nacional digital. Vários documentos. CENTRO nacional de documentação ferroviária. Caminhos de Ferro do Estado. Construção. CENTRO nacional de documentação ferroviária. Direcção de Caminhos-de-Ferro. CENTRO nacional de documentação ferroviária. Fiscalização. Linha de Foz-Tua a Bragança. CENTRO nacional de documentação ferroviária. Projectos da linha do Tua. CENTRO português de fotografia. Vários documentos.

6.1.2. Fontes impressas 6.1.2.1. Compilações ALMEIDA, Ribeiro de; CAMBEZES, Eduardo (19--) – Legislação dos caminhos-de-ferro. Santarém: Gráfica. 492


Fontes e bibliografia

FINO, Gaspar Cândido da Graça Correia, compil. (1874) – Legislação e disposições regulamentares sobre empreitadas. Lisboa: Imprensa Nacional. FINO, Gaspar Cândido da Graça Correia, compil. (1876) – Legislação e disposições regulamentares ácerca do serviço de obras publicas. Lisboa: Imprensa Nacional. FINO, Gaspar Cândido da Graça Correia, compil. (1883-1903) – Legislação e disposições regulamentares sobre caminhos de ferro. Lisboa: Imprensa Nacional. 3 vs. SANTOS, Clemente José dos, compil. (1884) – Caminhos de ferro. Pareceres parlamentares de 1845 a 1884, 226/1910. 3233-3234.

6.1.2.2. Periódicos ANNUARIO Estatistico de Portugal (vários anos). Lisboa: ministério das obras públicas, comércio e indústria. ANNUARIO Comercial de Portugal (vários anos). Lisboa: vários editores. ANTONIO Maria (O) (1882 e 1896). Lisboa: [s. n.]. BOLETIM do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1853-1868). Portugal. Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, ed. Lisboa: Imprensa Nacional. BOLETIM Parlamentar do Districto de Bragança (1901). COELHO, Trindade, ed. Lisboa: Tipografia da Rua Ivens, 35 e 37. BRIGANTINO (O) (1886). Bragança: vários editores. CARDO (O): Jornal do Nordeste (1990-1992). Bragança: [s. n.]. COLLECÇÃO Official de Legislação Portuguesa (vários anos). Lisboa: Imprensa Nacional. COMMERCIO do Porto (O) (1887; 1991-1992). Porto: [s. n.]. COMMERCIO de Viseu (O) (1911). Viseu: [s. n.]. COMPANHIA Nacional de Caminhos de Ferro – Itinerário dos comboios (vários anos). Lisboa: Imprensa Nacional. COMPANHIA Nacional de Caminhos de Ferro – Relatórios do conselho de administração apresentados à assembleia-geral (vários anos). Lisboa: vários editores. CONSELHO Superior de Viação – Relatório de 1931. Lisboa: Imprensa Nacional. CORREIO da Manhã (1887). Lisboa: [s. n.]. DIARIO da Camara dos Deputados (vários anos). Portugal. Câmara dos Deputados, ed. Lisboa: Imprensa Nacional.

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DIARIO da Camara dos Dignos Pares do Reino (vários anos). Portugal. Câmara dos Pares, ed. Lisboa: Imprensa Nacional. DIÁRIO da República (vários anos). Portugal. Governo, ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. DIÁRIO das Sessões da Assembleia da República (vários anos). Portugal. Assembleia da República. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. DIARIO de Lisboa (vários anos). Portugal. Governo, ed. Lisboa: Imprensa Nacional. DIARIO de Noticias (1887). Lisboa: Tipografia do Diario de Noticias. DIARIO do Govêrno (vários anos). Lisboa: Imprensa Nacional. DIARIO do Senado (vários anos). Portugal. Senado da República, ed. Lisboa: Imprensa Nacional. DIARIO Ilustrado (1887). Lisboa: [s. n.]. DIARIO Popular (1887). Lisboa: [s. n.]. DISTRICTO de Bragança (1902-1907). Bragança: vários editores. GAZETA de Bragança (vários anos). Bragança: vários editores. GAZETA de Obras Publicas (1888). Lisboa: [s. n.]. GAZETA dos Caminhos de Ferro(vários anos). Leonildo de Mendonça e Costa, ed. Lisboa: Tipografia da Gazeta dos Caminhos de Ferro. GAZETA dos Caminhos de Ferrode Portugal e Hespanha (vários anos). Leonildo de Mendonça e Costa, ed. Lisboa: Tipografia da Gazeta dos Caminhos de Ferro. GRANDE Reportagem (1995). Lisboa: [s. n.] ILLUSTRAÇÃO Portugueza (1904 e 1910). José Joubert Chaves, ed. Lisboa: Tipografia d’O Século. JORNAL do Comercio (1887). Lisboa: [s. n.]. MENSAGEIRO de Bragança (O) (1990-1992). Bragança: A. Falcão. NORTE Transmontano (1895-1897). Bragança: vários editores. NOTÍCIAS de Mirandela (1990-1992). Mirandela: A. A. Rego. NOTICIAS de Viseu (1922). Viseu: [s. n.]. NOVIDADES (1902). Lisboa: Tipografia das Novidades. OCCIDENTE (O), revista illustrada de Portugal e do estrangeiro (1878). Lisboa: Tipografia do Ocidente.

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6.1.2.3. Monografias ASSENTIZ, Visconde de (1910) – Caminhos de ferro económicos e suas vantagens. «Gazeta dos Caminhos de Ferro», a. 23, n.º 538 (16 de Maio). Lisboa: Tipografia da Gazeta dos Caminhos de Ferro, p. 145-147. ASSOCIAÇÃO Comercial e Industrial de Coimbra (1936) – Caminhos de Ferro das Beiras. Coimbra: Casa Minerva. ASSOCIAÇÃO dos engenheiros civis portugueses (1871-1872) – Caminhos de ferro economicos. «Revista de Obras Públicas e Minas», t. 2, n.ºs 21-22 e 24 e t. 3, n.º 25. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 315-447 e 1-22. ASSOCIAÇÃO dos engenheiros civis portugueses. Comissão encarregada de estudar a rede dos caminhos de ferro em Portugal (1878) – Relatorio ácerca do plano da rede geral dos caminhos de ferro em Portugal. «Revista de Obras Públicas e Minas», t. 9, n.ºs 102-103. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 289-304. ARNOUX, M. C. (1860) – De la necessité d’apporter des économies dans la construction des chemins de fer et des moyens de les obtenir. Paris: Imprimerie Administrative. BEÇA, José de Madureira (1902) – Orçamento do Ministério das Obras Públicas: discurso proferido na Camara dos Senhores Deputados em sessão de 22 de Março de 1902; Caminho de ferro de Bragança: considerações feitas na sessão de 24 de Abril de 1902. Lisboa: Imprensa Nacional. BRANDÃO, Francisco Maria de Sousa (1879a) – Caminhos de ferro de via reduzida. Caminho ligando os cantões de Saint Gall e Apentzel. «Revista de Obras Públicas e Minas», t. 10, n.º 115. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 367-369.

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6.1.3. Fontes electrónicas Bibliothéque Nationale de France. Gallica. Bibliothéque numérique (gallica.bnf.fr/) Casa Comum (casacomum.net). Exército português (www.exercito.pt). Google maps engine (mapsengine.google.com/map/?hl=pt) Historical atlas (atlas.fcsh.unl.pt/) Les annales des mines (www.annales.org) Library of congress. Prints and photographs reading room (loc.gov). Ministerio de agricultura, alimentación y medio ambiente (www.magrama.gob.es).

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Fontes e bibliografia

Museu da presidência da república (www.museu.presidencia.pt).

6.1.4. Fontes orais Entrevista a João Sampaio (neto de João da Cruz) no Candal (Vila Nova de Gaia) em Dezembro de 2011. Disponível em docs.google.com/file/d/0BVS0gfkFDyNQUJwVnVZU3RTaWc/edit. Entrevista a Maria João Matos Lopes da Cruz Alves Martins (neta de João da Cruz) em Cascais em 27 de Setembro de 2014. Entrevista a Maria Violante Pastor (neta de D. Pulquéria) em Vila Flor em 2013. Entrevista a Mário Joaquim Mendonça Abreu Lima em Mirandela em 2013.

6.2. Bibliografia

6.2.1.Periódicos BASTÃO-PILOTO. Vários números. Lisboa: Associação de Amigos dos Caminhos de Ferro. BOLETIM da CP. Vários números. Lisboa: CP. MAQUETREN. Vários números. Madrid: Aboyment Maquetren, SL. TRAINSPOTTER.Vários números. Disponível em www.portugalferroviario.net.

6.2.2. Monografias ABRAGÃO, Frederico de Quadros (1955-1960) – No Centenário dos Caminhos de Ferro em Portugal. Algumas notas sobre a sua história. «Gazeta dos Caminhos de Ferro», as. 68 a 73, n.ºs 1628-1741 (16 de Outubro de 1955 a 1 de Julho de 1960). Lisboa: Tipografia da Gazeta dos Caminhos de Ferro, p. 411-489, 5-550, 275-363, 183-605 e 71-142. ABRAGÃO, Frederico de Quadros, compil. (1956) – Cem anos de caminho de ferro na literatura portuguesa. Lisboa: CP. ABREU, Carlos d’ (2006a) – A construção da linha do Tua: um comboio do Douro a Bragança. «IX Jornadas Culturais de Balsemão» Disponível em ocomboio.net/ PDF/045_2007.pdf (consulta em 16 de Abril de 2014).

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A linha do Tua (1851-2008)

Índice de figuras 005

Figura 1 – Auguste Perdonnet (à esquerda), Michel Chevalier (ao centro) e Fontes Pereira de Melo (à direita)

012

Figura 2 – José de Salamanca e a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses

017

Figura 3 – Relatório e contas da Companhia Nacional apresentado em 1887

021

Figura 4 – Cândido Celestino Xavier Cordeiro

024

Figura 5 – A Memoria ácerca dos caminhos de ferro de via reduzida de Xavier Cordeiro

025

Figura 6 – Francisco Maria de Sousa Brandão

029

Figura 7 – Aspecto do porto de Mormugão antes do início da construção

030

Figura 8 – Aspecto da linha de Mormugão atravessando as cataratas de Dudhsagar em 1929 (à esquerda) e actualmente (à direita)

059

Figura 9 – O duque de Loulé (à esquerda) e o marquês de Sá da Bandeira (à direita)

060

Figura 10 – A estação de Caíde em finais da década de 1870

061

Figura 11 – Estação da Régua (à esquerda) e do Pinhão (à direita) na década de 1880

063

Figura 12 – Lourenço António de Carvalho, ministro das obras públicas

064

Figura 13 – Burnay, o titereiro da salamancada.

065

Figura 14 – Ponte sobre o Tua no caminho-de-ferro do Douro

067

Figura 15 – João Crisóstomo de Abreu e Sousa

069

Figura 16 – Bases da adjudicação das linhas

072

Figura 17 – Parte inicial do decreto de 18 de Outubro de 1845

073

Figura 18 – Articulado inicial do decreto de 31 de Dezembro de 1864

074

Figura 19 – Artigo 1.º da lei de 5 de Maio de 1860

078

Figura 20 – Primeiro artigo do contrato assinado pelo conde da Foz

081

Figura 21 – As concessões que o governo fazia à companhia

083

Figura 22 – Pagamento da garantia de juro

086

Figura 23 – Troço da linha férrea de Foz Tua a Mirandela nos 21 km iniciais

086

Figura 24 – Características da linha férrea de Foz Tua a Mirandela: nos primeiros 30 km (esquerda) e após os primeiros 30 km (direita) 520


Fontes e bibliografia

087

Figura 25 – Viaduto das Fragas Más (esquerda) e túnel e viaduto das Presas (direita)

087

Figura 26 – Projectos do caminho-de-ferro do Tua

088

Figura 27 – Representação esquemática do anteprojecto (esquerda) e projecto definitivo da linha do Tua

089

Figura 28 – Traçado em planta e perfil longitudinal da linha (nas Fragas Más) no anteprojecto e no projecto

091

Figura 29 – Representação esquemática do projecto definitivo (1884) e do projecto rectificado (1885) da linha do Tua

091

Figura 30 – Traçado em planta e perfil longitudinal no local das Presas segundo o projecto definitivo e o projecto rectificado

092

Figura 31 – Traçado em planta e perfil longitudinal no local das Fragas Más segundo o projecto definitivo e o projecto rectificado

093

Figura 32 – Traçado em planta e perfil longitudinal no local da Paradela segundo o projecto definitivo e o projecto rectificado

093

Figura 33 – Traçado em planta e perfil longitudinal no local do Amieiro segundo o projecto definitivo e o projecto rectificado

096

Figura 34 – Traçado em planta entre os kms 5,45 e 5,72 km na região das Fragas Más

096

Figura 35 – Forças actuantes devido à curvatura

098

Figura 36 – Secções de construção da linha do Tua: primeira à esquerda e segunda à direita

102

Figura 37 – Pontes metálicas: Paradela, Pk 11+358; Cabreira, Pk 26+600; Vieiro, Pk 29+200; Meireles/Cachão, Pk 41+741

103

Figura 38 – Viaduto das Fragas Más: original (esquerda); danos causados pela queda de rochas em 1962 (direita)

104

Figura 39 – Viaduto das Fragas Más: betão ciclópico no tramo do lado de Mirandela (esquerda); cofragem da laje de travação e apoio da estrutura celular no tramo de FozTua. Armaduras dos contrafortes (direita)

104

Figura 40 – Viaduto das Fragas Más: contrafortes contraventados no tramo do lado de Foz Tua

105

Figura 41 – Viaduto das Fragas Más: cofragem e armaduras prontas a receber betão na estrutura celular no tramo do lado de Foz-Tua (esquerda); cofragem da estrutura celular – segunda betonagem de 1,2 m no tramo do lado de Foz-Tua (direita)

105

Figura 42 – Viaduto das Fragas Más: betonagem do pilar central; cofragem e armaduras da laje de travação e apoio da estrutura celular no tramo do lado de Foz-Tua

521


A linha do Tua (1851-2008)

106

Figura 43 – Falso Túnel: túnel de Frechas ao km 46,2

107

Figura 44 – Túnel da Falcoeira: túnel sem revestimento interior (esquerda); túnel com acabamento interior (centro); fractura do maciço granítico superior do túnel das Fragas Más II (direita)

107

Figura 45 – Túnel tipo: alçado e corte transversal (esquerda); corte longitudinal (direita)

108

Figura 46 – Perfil transversal dos muros: muro de suporte (esquerda); muro de espera (direita)

108

Figura 47 – Muros de suporte nos primeiros 21 km da linha do Tua

109

Figura 48 – Tipos de muro: de suporte (esquerda); de espera (direita)

116

Figura 49 – Clemente MenéresFigura 50 – Placa evocativa da chegada de Clemente Menéres ao Romeu

117

Figura 50 – Placa evocativa da chegada de Clemente Menéres ao Romeu

117

Figura 51 – Vista panorâmica dos vinhedos e do olival da Quinta do Romeu

118

Figura 52 – Transporte de cortiça

122

Figura 53 – Descarga de cortiça e de outros produtos na estação de Mirandela

123

Figura 54 – O palácio Foz nos Restauradores em Lisboa

124

Figura 55 – Mariano Cirilo de Carvalho

127

Figura 56 – Acção da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro

130

Figura 57 – A questão do caminho-de-ferro e a dança dos títulos

130

Figura 58 – Casa da Torre de Santo António, na quinta de Santo António em Torres Novas

136

Figura 59 – Almeida Pinheiro e o seu staff

138

Figura 60 – José António Ferro de Madureira Beça

139

Figura 61 – O motim, segundo a Companhia Nacional

142

Figura 62 – Rua Engenheiro José Beça na actualidade

143

Figura 63 – Dinis Moreira da Mota, c. 1886

145

Figura 64 – Dinis da Mota, segundo os traços de Rafael Bordalo Pinheiro

147

Figura 65 – Aspectos dos trabalhos no porto de Ponta Delgada

148

Figura 66 – Extracção de pedra na pedreira de Santa Clara para a construção do quebra-mar

522


Fontes e bibliografia

149

Figura 67 – O caminho-de-ferro na Revista Michaelense

150

Figura 68 – Dinis Moreira da Mota, c. 1912

152

Figura 69 – Pormenor do quadro O Rei D. Luís e a Rainha D. Maria Pia visitando o Porto de Leonel Marques Pereira (palácio nacional da Ajuda)

155

Figura 70 – Rafael Bordalo Pinheiro

157

Figura 71 – Alguns convidados em Campanhã, segundo Rafael Bordalo Pinheiro

157

Figura 72 – Detalhes da carruagem da imprensa, segundo o mesmo artista

158

Figura 73 – Um presidente de câmara dirige-se ao rei durante uma paragem

159

Figura 74 – Gravuras de um músico e de pessoas esperando o rei... para lhe pedir dinheiro, de acordo com Bordalo Pinheiro

161

Figura 75 – Belchior Azevedo lendo o seu poema ao rei

161

Figura 76 – Uma locomotiva preparando-se para a bênção

162

Figura 77 – O almoço, segundo Bordalo Pinheiro

164

Figura 78 – O dilema do presidente da câmara de Mirandela

168

Figura 79 – Carl Emil Biel

169

Figura 80 – Emílio Biel, fotógrafo da casa real

170

Figura 81 – Túnel da Valeira, fotografado por Emílio Biel

173

Figura 82 – Comboio saindo do túnel das Presas

175

Figura 83 – Composição saindo do túnel das Fragas Más

178

Figura 84 – Fotografia e gravura do vale do Tua

179

Figura 85 – Fotografia do túnel das Fragas Más, panorâmica de Mirandela e gravura da inauguração

189

Figura 86 – Anselmo Braamcamp (à esquerda) e Hintze Ribeiro (à direita)

190

Figura 87 – António de Serpa Pimentel

191

Figura 88 – Manifestações populares contra o ultimato inglês

194

Figura 89 – Joaquim Pedro de Oliveira Martins

197

Figura 90 – Bernardino Machado

202

Figura 91 – Elvino José de Sousa Brito, ministro das obras públicas

214

Figura 92 – Abílio José Augusto Ferro de Madureira Beça

523


A linha do Tua (1851-2008)

215

Figura 93 – Eduardo José Coelho

216

Figura 94 – O Solar dos Barrigas

218

Figura 95 – Artur Alberto de Campos Henriques

223

Figura 96 – Manuel Afonso de Espregueira

227

Figura 97 – João Lopes da Cruz “auzentou-se da sua Patria no dia 12 de Outubro de 1870 para o Rio de Janeiro”

231

Figura 98 – João Lopes da Cruz

234

Figura 99 – Telegrama enviado pela câmara de Mogadouro

235

Figura 100 – Francisco Manuel Vargas, ministro das obras públicas

240

Figura 101 – A autorização do trespasse

244

Figura 102 – Portaria aprovando o projecto (à esquerda) e base primeira do programa e caderno de encargos da linha de Bragança (à direita)

247

Figura 103 – A lei de 24 de Maio de 1902, que aprovou o contrato com João da Cruz

249

Figura 104 – Preâmbulo do contrato assinado por João da Cruz

250

Figura 105 – A empresa Lopes da Cruz

252

Figura 106 – Outorgantes e testemunhas do adicional de 31 de Maio de 1905

253

Figura 107 – Abílio Beça, segundo gravura d’O Seculo

255

Figura 108 – Letra aceite por João Lopes da Cruz para financiar a construção

258

Figura 109 – Manuel Francisco da Costa Serrão

259

Figura 110 – Clemente Menéres entre dois sobreiros (1908)

261

Figura 111 – Carril Cockerill (secção museológica de Bragança)

270

Figura 112 – A chegada da locomotiva a Bragança

274

Figura 113 – Costa Serrão

276

Figura 114 – Aspecto da capa da brochura de João da Cruz

277

Figura 115 – A resposta da Companhia Nacional ao empreiteiro

281

Figura 116 – O funeral de Abílio Beça

282

Figura 117 – Aspecto actual da rua Abílio Beça

283

Figura 118 – Jazigo dos Beças em Bragança

285

Figura 119 – As homenagens em bronze a Abílio Beça e João da Cruz

524


Fontes e bibliografia

289

Figura 120 – Brito Camacho

301

Figura 121 – Títulos dos manifestos dirigidos à cidade de Viseu (c. 1930) a favor do traçado da companhia (à esquerda) e do traçado regional (à direita).

306

Figura 122 – Locomotiva CN5, Carrazeda

307

Figura 123 – As locomotivas CN7 e CN9, aqui com os seus números no período da CP

309

Figura 124 – Locomotiva Lydya

310

Figura 125 – Locomotiva E52, antiga CN2, Vizeu

312

Figura 126 – Automotora a gasolina no vale do Tua

313

Figura 127 – Automotora Allan em Mirandela

315

Figura 128 – Locomotiva E95, antiga VV2 do vale do Vouga

316

Figura 129 – Locomotiva E166 na estação do Tua

317

Figura 130 – Duas locomotivas da série 9000 e 9020/30

319

Figura 131 – Esquema das automotoras da série 9500

362

Figura 132 – Rio Tua (Castanheiro)

364

Figura 133 – Linha do Tua (Brunheda, Carrazeda de Ansiães)

365

Figura 134 – Vale e rio Tua

367

Figura 135 – Linha do Tua

369

Figura 136 – O Pensador (Pinhal do Norte)

374

Figura 137 – Linha do Tua (túnel)

383

Figura 138 – Ilustração da foz do Tua no fim do séc. XVIII

386

Figura 139 – Excerto do projecto definitivo da linha do Tua (c. 1887)

387

Figura 140 – Excerto da planta geral de melhoramento da estação do Tua (1943)

390

Figura 141 – Vista geral da estação do Tua

404

Figura 142 – Mulheres a trabalhar no sector da lã

405

Figura 143 – Primeira ceifeira debulhadoras a operar na região. Núcleo de Mecanização do CAICA

425

Figura 144 – Planta do projecto de obras no apeadeiro de Codeçais

425

Figura 145 – Apeadeiro de Codeçais (km 25)

427

Figura 146 – Vista geral do Amieiro

525


A linha do Tua (1851-2008)

428

Figura 147 – Estação de Santa Luzia (Amieiro fica do outro lado do Tua)

429

Figura 148 – Planta do hangar para a estação do Tua

429

Figura 149 – O hangar na estação do Tua

430

Figura 150 – Estação nova de Vilarinho das Azenhas (km 37,8)

431

Figura 151 – As populações (Vilas Boas, Longra, Barcel, Vilarinho das Azenhas e Ribeirinha), as estações de Vilarinho (velha e nova), o apeadeiro da Ribeirinha e a linha de Foz-Tua a Mirandela

432

Figura 152 – A estação da Ribeirinha (28 de Março de 1904)

433

Figura 153 – O apeadeiro da Ribeirinha (aspecto actual)

434

Figura 154 – Planta do novo apeadeiro das Latadas

434

Figura 155 – Planta do novo apeadeiro das Latadas

435

Figura 156 – Planta do novo apeadeiro das Latadas

435

Figura 157 – Apeadeiro das Latadas (km 48,4)

436

Figura 158 – Planta da passagem do tubo de ferro2

438

Figura 159 – Estação ferroviária de Mirandela

438

Figura 160 – Localização do depósito da companhia Colonial Oil

440

Figura 161 – Planta da estação do Tua e do terreno de Francisco da Rocha Leão

440

Figura 162 – Estação do Tua (km 0)

442

Figura 163 – Planta de perfil transversal a acompanhar o requerimento de Rocha Leão

442

Figura 164 – Planta de perfil transversal a acompanhar o requerimento de Rocha Leão

443

Figura 165 – Construção de um muro de vedação e cais de embarque na estação do Cachão

443

Figura 166 – Construção de uma porta na estação do Cachão (corte transversal)

444

Figura 167 – As duas portas que deviam ser tapadas na estação do Cachão

445

Figura 168 – Planta do requerimento de Júlio de Araújo

446

Figura 169 – Planta do requerimento de Júlio de Araújo (recebida pelo chefe de fiscalização a 9 de Fevereiro de 1918)

447

Figura 170 – Estação do Cachão (km 41,8)

447

Figura 171 – Ponte de Abreiro

448

Figura 172 – Planta do alargamento da estação de Abreiro (21 de Abril de 1910) 526


Fontes e bibliografia

448

Figura 173 – Estação e nova ponte rodoviária de Abreiro (23 de Junho de 1957267), km 29,2

449

Figura 174 – Planta de modificação do interior da estação de São Lourenço

449

Figura 175 – Estação de São Lourenço (anterior à modificação)

450

Figura 176 – Estação de São Lourenço (após a modificação, ao km 15,5)

450

Figura 177 – Planta da construção de um muro de espera (km 60,350)

451

Figura 178 – Planta da construção de um muro de espera (km 60,350)

470

Figura 179 – Descarrilamento em Sortes

471

Figura 180 – Cartoon relativo à actuação do governo na questão da linha do Tua

476

Figura 181 – Manifestação popular contra o encerramento da linha do Tua

477

Figura 182 – Notícia sobre a Noite do Roubo n’O Mensageiro de Bragança

478

Figura 183 – A Noite do Roubo, Outubro de 1992

480

Figura 184 – O vale do Douro

482

Figura 185 – Detalhe do vale do Tua

484

Figura 186 – O lagar de pedra na quinta dos Malvedos

486

Figura 187 – Linha de enchimento de vinho do Porto

Índice de gráficos

109

Gráfico 1 – Baixa por doença dos trabalhadores da primeira e segunda secção da construção da linha do Tua em 1886

110

Gráfico 2 – Causas de morte dos trabalhadores envolvidos na construção da linha

111

Gráfico 3 – Número de trabalhadores mortos nas duas secções da linha do Tua

112

Gráfico 4 – Número de trabalhadores acidentados durante a construção

278

Gráfico 5 – Evolução da garantia de juro e dos resultados líquidos (receitas – despesas) da exploração das linhas do Tua e do Dão e extra-tráfego, a preços constantes de 1914 (1892-1910)

322

Gráfico 6 – Evolução do número de passageiros/ano nas linhas de Mirandela e Bragança

527


A linha do Tua (1851-2008)

322

Gráfico 7 – Evolução do volume de mercadorias transportadas nas linhas de Mirandela e Bragança

323

Gráfico 8 – Receita bruta do transporte de passageiros e mercadorias nas linhas de Mirandela e Bragança a preços correntes

323

Gráfico 9 – Receita bruta do transporte de passageiros e mercadorias nas linhas de Mirandela e Bragança a preços constantes de 1914.

325

Gráfico 10 – Taxa de ocupação dos passageiros nas linhas de Mirandela e Bragança

328

Gráfico 11 – Acidentes registados na rede geral e na linha do Tua

328

Gráfico 12 – Feridos registados na rede geral e na linha do Tua

329

Gráfico 13 – Mortos registados na rede geral e na linha do Tua

330

Gráfico 14 – Lucro operacional e garantia de juro das linhas próprias (Tua e Viseu/ Dão) e das linhas arrendadas (Corgo e Sabor) da Companhia Nacional, a preços constantes de 1914

331

Gráfico 15 – Lucro líquido da Companhia Nacional, a preços constantes de 1914

345

Gráfico 16 – Total e qualidade de mercadorias transportadas em pequena velocidade na linha do Tua (valores em t)

346

Gráfico 17 – Adubos transportados pela linha do Tua (valores em t)

349

Gráfico 18 – População de Portugal, Continente, Trás-os-Montes (distritos de Bragança e Vila Real) e Vale do Tua (concelhos de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila Flor) nos 15 censos da população

350

Gráfico 19 – Percentagem que a população de Trás-os-Montes (distritos de Bragança e Vila Real) e do vale do Tua (cinco concelhos) representa da população de Portugal, em cada censo

350

Gráfico 20 – População dos distritos de Bragança e Vila Real, por censo

351

Gráfico 21 – População total dos concelhos do vale do Tua, com e sem o concelho de Mirandela, por censo

351

Gráfico 22 – População dos cinco concelhos do vale do Tua, conforme censos

352

Gráfico 23 – População comparada dos cinco concelhos do vale do Tua, 1864 versus 1950 versus 2011

352

Gráfico 24 – Taxas anuais compostas de crescimento da população, de 1864 a 1950 e de 1950 a 2011 (concelhos do vale do Tua, distritos de Tras os Montes e Portugal)

353

Gráfico 25 – Índices populacionais do vale do Tua (com e sem Mirandela), Mirandela e Portugal (1950=100%).

353

Gráfico 26 – Populações dos concelhos de Mirandela e Carrazeda de Ansiães como 528


Fontes e bibliografia

percentagem da população total do vale do Tua 354

Gráfico 27 – Demografia do concelho de Alijó (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

354

Gráfico 28 – Demografia do concelho de Carrazeda de Ansiães (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

355

Gráfico 29 – Demografia do concelho de Vila Flor (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

355

Gráfico 30 – Demografia do concelho de Mirandela (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

356

Gráfico 31 – Demografia do concelho de Murça (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos

356

Gráfico 32 – Demografia do vale do Tua (1886 a 2012): nascimentos, óbitos e casamentos, por consolidação dos dados dos cinco concelhos do vale

357

Gráfico 33 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) por concelho do vale do Tua

357

Gráfico 34 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) global do vale do Tua

358

Gráfico 35 – Saldo demográfico (nascimentos – óbitos) global de Portugal

358

Gráfico 36 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, vale do Tua, desde 1913

359

Gráfico 37 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, por concelho do vale do Tua, desde 1913

359

Gráfico 38 – Saldo demográfico como percentagem dos nascimentos, Portugal e vale do Tua, desde 1913

360

Gráfico 39 – Razão nascimentos / casamentos, vale do Tua

Índice de mapas

003

Mapa 1 – Rede ferroviária europeia em 1860

004

Mapa 2 – Rede férrea inglesa em 1865

006

Mapa 3 – Rede ferroviária francesa e belga em 1865

008

Mapa 4 – Rede férrea norte-americana em 1865

529


A linha do Tua (1851-2008)

009

Mapa 5 – A rede férrea italiana e centro-europeia

013

Mapa 6 – A rede ferroviária ibérica em 1870

015

Mapa 7 – Propostas de rede da associação de engenheiros civis (à esquerda), de João Crisóstomo (ao centro) e de Lourenço de Carvalho (à direita)

028

Mapa 8 – A linha de Mormugão e a rede da Índia Britânica

032

Mapa 9 – Proposta governamental de Junho de 1888 para complementar a rede férrea a norte do Mondego

033

Mapa 10 – As linhas de via estreita do Porto à Póvoa e Famalicão e de Guimarães e projectos para as suas extensões

036

Mapa 11 – Tempo de demora do correio em 1810 (à esquerda) e 1874 (à direita)

038

Mapa 12 – Estradas propostas pelo governo de Costa Cabral em 1843 (à esquerda) e 1848 (à direita)

039

Mapa 13 – Representações cartográficas de Trás-os-Montes e Alto Douro em finais do século XVIII

040

Mapa 14 – Sistemas gerais de comunicação do reino de 1854 (à esquerda) e 1860 (à direita)

042

Mapa 15 – Comunicações postais em Portugal em 1818

043

Mapa 16 – Representações cartográficas de Trás-os-Montes e Alto Douro em inícios do século XIX

046

Mapa 17 – Percursos terrestres para Trás-os-Montes e dentro da província (itinerários a preto, estalagens representadas com um E, barcas de passagem identificadas com uma bola vermelha e pontes designadas por | |)

052

Mapa 18 – A localização das barcas de passagem em Trás-os-Montes nos séculos XVIII e XIX

053

Mapa 19 – Áreas com maior densidade de estradas (1884)

063

Mapa 20 – As propostas de Sousa Brandão

098

Mapa 21 – Representação em planta de Castanheiro do Norte em relação ao rio Tua e à linha férrea

099

Mapa 22 – Mapa das pontes e viadutos da linha do Tua

140

Mapa 23 – Mapa corográfico de Portugal, coordenado por José Beça

183

Mapa 24 – A evolução da rede ferroviária ibérica entre 1880 e 1890

211

Mapa 25 – Proposta de rede das comissões nomeadas por Elvino de Brito

530


Fontes e bibliografia

296

Mapa 26 – Variantes do troço entre Espinhosa e Foz-Tua

298

Mapa 27 – Concelhos favoráveis ao traçado regional (verde) e favoráveis ao traçado da companhia (azul).

335

Mapa 28 – O plano ferroviário de 1930

379

Mapa 29 – Mapa das vias de comunicação no vale do Tua no fim do século XIX

382

Mapa 30 – Planta de Localização de Foz-Tua

384

Mapa 31 – Planta provável do lugar da foz do Tua, em 1880

385

Mapa 32 – Planta síntese do lugar foz do Tua em 1880

388

Mapa 33 – Planta de Foz-Tua (década de 1940)

389

Mapa 34 – Planta síntese de Foz-Tua (década de 1940)

391

Mapa 35 – Planta de Foz-Tua (década de 1980)

392

Mapa 36 – Planta síntese de Foz-Tua (década de 1980)

394

Mapa 37 – Planta de localização do Cachão

395

Mapa 38 – Plantas do Cachão 1910-1960

396

Mapa 39 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1910-1960

399

Mapa 40 – Planta do Cachão 1965-1970

400

Mapa 41 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1960-1970

402

Mapa 42 – Planta do Cachão, 1970-1975

403

Mapa 43 – Planta síntese do crescimento do Cachão, 1970-1975

407

Mapa 44 – Planta do Cachão 1975-1980

408

Mapa 45 – Planta síntese do crescimento do Cachão 1975-1980

409

Mapa 46 – Planta com indicação das vias de comunicação construídas sob influência do CAICA

410

Mapa 47 – Planta de localização de Mirandela

412

Mapa 48 – Planta de Mirandela, década de 1880

413

Mapa 49 – Planta síntese de Mirandela na década de 1880

415

Mapa 50 – Planta de Mirandela na década de 1950

416

Mapa 51 – Planta síntese de Mirandela na década de 1950

418

Mapa 52 – Planta de Mirandela na década de 1980

531


A linha do Tua (1851-2008)

419

Mapa 53 – Planta síntese de Mirandela na década de 1980

421

Mapa 54 – Planta de Mirandela elaborada em função dos serviços na década de 1980

Índice de tabelas

054

Tabela 1 – Extensão da rede rodoviária transmontana em comparação com a rede rodoviária nacional (em km)

094

Tabela 2 – Comparação entre o anteprojecto, o projecto e o projecto rectificado

098

Tabela 3 – Lanços da primeira e da segunda secção da linha do Tua

100

Tabela 4 – Cadastro das pontes, viadutos e pontões da linha do Tua

326

Tabela 5 – Evolução do número de acidentes, feridos e mortos nos caminhos-de-ferro nacionais e na linha do Tua (1917-1928)

338

Tabela 6 – Evolução da organização dos transportes rodoviários em Portugal

375

Tabela 7 – Mundos ou lógicas sociais

473

Tabela 8 – Cronologia do encerramento do troço Mirandela-Bragança

532


Timeline

História ferroviária

História da linha do Tua

História de Portugal e do mundo

1843 – Nasce Clemente Menéres 1845 – assinatura do primeiro contrato para a construção de um caminho-de-ferro em Portugal entre o governo e a Companhia das Obras Públicas 1849 – nascimento de Tristão Guedes de Queirós Correia Castelo Branco, futuro conde da Foz 1851 – início da Regeneração 1853 – morte de D. Maria II e subida ao trono de D. Pedro V 1856 – inauguração do troço Lisboa-Carregado 1857 – nasce José Beça 1859 – criação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses 1860 – nasce Dinis Moreira da Mota 1861 – a linha do sul chega a Vendas Novas e Setúbal

1861 – morte de D. Pedro V e coroação de D. Luís

1863 – inauguração da linha do leste até Espanha e do serviço ferroviário até Évora 1864 – inauguração da linha do norte até Vila Nova de Gaia e do troço entre as Vendas Novas e Beja 1864 – decreto de 31 de Dezembro cria a lei geral sobre caminhos-de-ferro a aplicar em Portugal

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A linha do Tua (1851-2008)

História ferroviária

História da linha do Tua

História de Portugal e do mundo 1868 – governo da janeirinha (partido reformista) suspende o programa de melhoramentos materiais 1872 – os janeirinhas/reformistas são apeados do poder e a política de fomento é continuada

1873 – início da construção da linha do Douro 1873 – abertura do caminho-deferro larmanjat entre Lisboa, Sintra e Torres Vedras 1874 – Clemente Menéres adquire várias propriedades em Jerusalém do Romeu 1875 – abertura da primeira linha de via reduzida em Portugal, a linha do Porto à Póvoa 1875 – chegada do comboio a Braga 1876 – formação do partido progressista (resultado da fusão do partido histórico e do partido reformista) e consolidação do rotativismo e bipartidarismo no regime parlamentar português

1875-1879 – discussão do plano de rede na associação de engenheiros civis portugueses 1877 – inauguração do ramal de Cáceres 1878-1880 – estudos de caminhos-de-ferro de via reduzida a norte do Douro por Sousa Brandão 1879 – estudos sobre caminhosde-ferro de via estreita de Cândido Celestino Xavier Cordeiro 1879 – chegada do caminho-deferro a Trás-os-Montes (Rede)

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Fontes e bibliografia

História ferroviária

História da linha do Tua

História de Portugal e do mundo

1880-1881 – leis que autorizam o governo a financiar um caminho-de-ferro de via de reduzida nas montanhas dos Ghats em Goa (Índia) 1881 – Fontes Pereira de Melo assume o cargo de presidente do conselho de ministros pela terceira vez

1881 – a linha da Póvoa chega a Famalicão 1882 – lei que aprova a atribuição de um subsídio para a construção das ligações ferroviárias entre Portugal e Salamanca 1882 – inauguração da linha da Beira Alta 1882-1883 – representações da câmara de Mirandela pedindo a construção do caminho-de-ferro do Tua 1882-1883 – Clemente Menéres relata nos jornais sublevações em Trás-os-Montes pela nãoconstrução da linha do Tua 1883 – chegada do caminho-deferro do Douro a Foz-Tua 1883 – a 12 de Janeiro Almeida Pinheiro é incumbido de realizar um estudo para a construção da linha do Tua 1883 – a proposta de lei de 12 de Fevereiro transformava-se na carta de lei de 26 de Abril, que autorizava a abertura de concurso para a construção das linhas do Tua, Beira Baixa e Viseu 1883 – decreto de 28 de Setembro abre concurso para a concessão da linha do Tua

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A linha do Tua (1851-2008)

História ferroviária

História da linha do Tua

1884 – o conde da Foz conquista o poder na Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses

1884 – carta de lei de 26 de Maio oficializa a adjudicação da linha do Tua ao conde da Foz

1884 – chegada do comboio a Guimarães

1884 – José Beça e Dinis da Mota são contratados pela Companhia Nacional

História de Portugal e do mundo

1884 – início da construção da linha do Tua a 16 de Outubro 1885 – trespasse da concessão à Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, fundada pelo conde da Foz 1886 – abertura da linha do Minho até Espanha

1886 – Dinis da Mota assume a direcção dos trabalhos da linha do Tua

1886 – queda do governo de Fontes Pereira de Melo

1887 – inauguração da linha de Sintra

1887 – chegada do primeiro material circulante Kessler à linha do Tua

1887 – morre Fontes Pereira de Melo a 22 de Janeiro

1887 – abertura da linha do Douro até Espanha

1887 – inauguração da linha do Tua a 29 de Setembro

1888 – apresentação a 1 de Junho de proposta de lei para complemento da rede férrea nacional a norte do Mondego (incluindo a extensão de Mirandela a Bragança) 1888 – abertura da linha do oeste até à Figueira da Foz 1888 – inauguração do ramal da alfândega do Porto 1889 – chegada do comboio a Faro

1889 – morte de D. Luís, substituído no trono por D. Carlos

1890 – inauguração do ramal de Viseu

1890 – ultimato inglês

1890 – abertura da estação do Rossio e da linha urbana de Lisboa

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Fontes e bibliografia

História ferroviária

História da linha do Tua

1891 – o ramal de Alfarelos entra em funcionamento

1891 – a Companhia Nacional suspende unilateralmente os pagamentos do juro das obrigações

1891 – inauguração da linha de cintura de Lisboa

1891 – o conde da Foz é preso pelas autoridades

História de Portugal e do mundo

1891 – revolta republicana falhada no Porto

1892 – bancarrota do estado português 1893 – inauguração da linha da Beira Baixa 1895 – abertura da linha de Cascais 1896 – inauguração da linha urbana do Porto 1898 – decreto de 6 de Outubro de Elvino de Brito, nomeando três comissões para a retoma da construção ferroviária em Portugal 1899 – lei de 14 de Julho aprovando um plano técnico e financeiro para o complemento da rede férrea nacional (incluindo o troço da linha do Tua até Bragança) 1900 – inauguração da fábrica de Clemente Menéres em Mirandela junto à estação 1902 – morte de José Beça 1902-1903 – convénio com os credores estrangeiros 1903-1904 – renovação do material circulante da linha do Tua com a chegada de novas locomotivas Kessler 1906 – o comboio chega a Vila Real, pela linha do Corgo

1906 – inauguração da linha até Bragança

1909 – chegada do comboio a Amarante (linha do Tâmega)

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A linha do Tua (1851-2008)

História ferroviária

História da linha do Tua 1910 – inauguração do serviço de ambulâncias postais na linha do Tua

História de Portugal e do mundo

1910 – implantação da República

1910 – morte de Abílio Beça em Salsas 1911 – abertura do primeiro troço da linha do Sabor até Carviçais 1913 – encerramento da fábrica de Clemente Menéres junto à estação de Mirandela 1914 – conclusão da linha do vale do Vouga

1914 – morte de Dinis da Mota

1916 – inauguração da estação de São Bento no Porto

1916 – morte de Clemente Menéres

1914 – início da I Grande Guerra com as consequentes dificuldades de abastecimento de carvão às locomotivas

1917 – morte do marquês da Foz 1918 – fim da I Guerra Mundial e tentativa de aquisição de novas locomotivas alemãs para o Tua à laia de indemnização de guerra 1919 – monarquia no Norte (tentativa de restauração da monarquia) 1921 – o comboio chega a Chaves 1925 – abertura da linha do Sado 1926 – golpe militar do 28 de Maio 1927 – a Companhia Nacional arrenda as linhas do Corgo e do Sabor à Companhia Real 1929 – Inauguração do busto de Abílio Beça em Bragança 1933 – constituição do Estado Novo

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Fontes e bibliografia

História ferroviária

1938 – conclusão da linha do Sabor (em Duas Igrejas)

História da linha do Tua

História de Portugal e do mundo

1938 – compra da locomotiva a diesel Lydya a uma fábrica alemã 1939 – início da II Grande Guerra com novos problemas de abastecimento Década de 1940 – experiências com automotoras a gasolina no Tua

1945 – fim da II Grande Guerra 1947 – morte do Abade de Baçal

1949 – conclusão da linha do Tâmega, que chegava a Arco de Baúlhe 1952 – integração da linha do Tua na CP 1955 – inauguração do serviço das Allan (compradas à fábrica holandesa com o mesmo nome) na CP 1958 – campanha de Humberto Delgado 1961 – início da Guerra Colonial Década de 1960 – emigração portuguesa para os países do centro da Europa 1968 – inauguração da nova variante da linha do Tua (troço de chegada a Bragança) 1970 – morte de Salazar Década de 1970 – as Allan mudam o esquema de cores para o tradicional vermelho e branco 1974 – 25 de Abril

1975 – nacionalização da CP

1975 – compra de locomotivas diesel-eléctricas Alsthom aos caminhos-de-ferro de Espanha para operarem no Tua (entre outras linhas)

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A linha do Tua (1851-2008)

História ferroviária

História da linha do Tua

História de Portugal e do mundo

1976 – chegada de novas locomotivas Alsthom ao Tua e restantes linhas de via reduzida nacionais 1979 – Florência leva a canção O Comboio do Tua ao Festival da Canção 1980 – compra à Jugoslávia das automotoras Duro Dakovic, conhecidas, pela sua fraca qualidade, como Xepas 1986 – entrada de Portugal na CEE 1987 – visita de Mário Soares a Bragança 1987 – centenário da linha do Tua 1992 – encerramento do troço Mirandela-Bragança e “roubo” das locomotivas 1995 – inauguração do metro de Mirandela 2007-2008 – acidentes com os LRV2000 2012 – 125 anos da linha do Tua

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A linha do Tua esteve em operação por mais de 120 anos no caso do troço entre FozTua e Mirandela e por pouco menos de 90 na secção de Mirandela a Bragança. A exploração deste caminho-de-ferro foi marcada por diversas alterações e mudanças, ao nível do material circulante, das instalações fixas e até da própria gestão – em meados do século XX a linha deixa de ser gerida pela Companhia Nacional e passa para as mãos da CP. O seu impacto foi também marcante, a nível económico, demográfico, urbanístico, paisagístico e cultural. Apesar de tudo isto, a linha do Tua entrou em decadência em consequência das suas próprias características, da falta de investimento e, acima de tudo, da evolução do sistema de mobilidade rodoviária da região. A consequência mais imediata e sonante foi o encerramento da linha de Bragança em 1992. Em 2008, após vários acidentes na via, a operação é reduzida para as estações em torno de Mirandela, exploradas pelo serviço de metropolitano local, promovido pela autarquia de Mirandela. Pelo meio ficaram as expectativas de outra conexão à rede ferroviária nacional, pela ligação de Foz-Tua a Viseu, que chegou a ser projectada e adjudicada nos anos trinta do século XX, mas que nunca chegou a ser construída, gorando-se uma oportunidade sistémica que porventura poderia ter tido impacto na geografia regional das Beiras e Trás-os-Montes.

PROJECTO FOZTUA coordenadores ANNE MCCANTS (MIT, EUA) EDUARDO BEIRA (IN+, Portugal) JOSÉ MANUEL LOPES CORDEIRO (U. Minho, Portugal) PAULO B. LOURENÇO (U. Minho, Portugal) www.foztua.com


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