EDIÇÃO ESPECIAL # 1 - BARRO Domingo, 14 de março de 2010 - Fortaleza, Ceará eva@diariodonordeste.com.br
Vidas do barro ESSENCIALMENTE FEMININO, O ARTESANATO EM CERÂMICA É TEMA DESTA PRIMEIRA EDIÇÃO DA SÉRIE DE REPORTAGEM COM ARTESÃS CEARENSES. DURANTE 65 DIAS, A EQUIPE DO EVA PERCORREU TODAS AS REGIÕES DO CEARÁ OUVINDO MULHERES QUE MOLDAM SUAS VIDAS COM AS PRÓPRIAS MÃOS GERMANA CABRAL E CRISTINA PIONER
Editora e repórter
eus criou o homem a partir do barro. Depois, injetou-lhe o sopro da vida. A explicação bíblica para a origem humana rende discussões de ordem científica e teológica. No Ceará, esse mesmo barro tem papel incontestável: é ele quem dá vida a famílias inteiras, tendo à frente mulheres de uma força extraordinária, muito além dos músculos. Por meio da terra, elas produzem peças de cerâmica, seja para uso doméstico ou decorativo. Tudo feito com o contorno das próprias mãos, habilidade e singela beleza. Numa tradução mais real, o ofício significa a pura sobrevivência. Em todas as regiões do Estado, mulheres de diferentes condições sociais e faixas etárias têm, em comum, o talento de transformar a terra nesse artesanato de origem indígena. Até crianças ensaiam os primeiros moldes nessa arte. O trabalho com o barro no território cearense é tão forte que proporcionou o maior número de Mestras da Cultura Tradicional do Estado na área de artesanato. Por meio da cerâmica, o título, concedido pelo Governo do Estado, chegou às mãos de
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Branca (Ipu), Lúcia Pequeno (Limoeiro do Norte), Maria de Lourdes Cândido (Juazeiro do Norte) e Francisca do Nascimento (Viçosa do Ceará). Todas com trajetórias contadas nesta edição. Destacamos também, entre outras artesãs, discípulas das mestras. Maria Cândido, filha de Maria de Lourdes, é exímia artista popular, enquanto Vanusa é a única das herdeiras de Francisca a seguir seus passos. Clara, sobrinha de Branca, é talentosa ceramista do Ipu. Em Missão Velha, no Cariri, Corrinha tornou-se revelação na terra de tradicionais louceiras. Com braços fortes e sensibilidade à flor da pele, já contou sua história num poema de cordel. Em Cascavel, no Litoral Leste, as mulheres da família Muniz são referências na produção com relevo rendado, comandadas pela matriarca Raimunda. No Sertão dos Inhamuns, as irmãs Marilene, Tante e Sandra vivem da agricultoras no período das chuvas e da cerâmica na estiagem. A arte de Benedita também brota em Caridade. Numa das regiões mais secas do Ceará, ela desenvolve louças com relevos florais de delicadeza ímpar. Uma prova que, nesta terra, “em se plantando tudo dá”, com boas colheitas de criatividade, exemplos de persistência e amor pelo trabalho. o
D I Cerâmicas
de artesãs cearenses: o sino da felicidade, feito por Corrinha, as flores de Clara, e a tigela assinada por Lúcia Pequeno
FOTOS: MARILIA CAMELO E PATRÍCIA ARAUJO
2 DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
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B I Flores de algodão colhidas do quintal da casa de Merandolina Costa Pereira, fiandeira e tecelã, residente no sítio Umari dos Costas, em Várzea Alegre, na região Centro Sul
Ô de casa! Podemos entrar ? m desejo antigo da equipe do Eva acaba de se tornar realidade: conhecer artesãs cearenses, indo além dos trabalhos nos centros de venda e livros de arte. Queríamos, sim, invadir suas casas, pedir permissão para entrar nas suas vidas. Saber quem são, como vivem e produzem. Enfim, dar nome e sobrenome a tantas Marias, Cíceras, Lourdes, Raimundas e Franciscas, quase sempre escondidas por trás de um bonito artesanato, como rendas, cerâmicas, trançados e redes de dormir. Entrevistamos 243 mulheres em todas as regiões do Ceará, com idades entre 8 e 94 anos. Ficamos emocionadas com suas histórias, ora de conquistas, ora de perdas. A maioria virou personagem desta série
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“Mãos que fazem história”. Serão oito edições especiais, incluindo esta, selecionadas por tipologias e publicadas até junho de 2010. Sabíamos que o trabalho seria árduo, mas gratificante. O primeiro roteiro, dos 10 realizados, teve início em 13 de abril de 2009, com destino ao Litoral Leste. Pegamos a estrada eu, Cristina Pioner, o motorista Átila e a fotógrafa Patrícia Araujo que, a partir de julho, foi substituída por Marília Camelo. Patrícia decidiu morar em São Paulo, como, certo dia, fizeram algumas das entrevistadas. Passamos por 71 cidades e percorremos mais de 11 mil quilômetros. O décimo roteiro, a Região Metropolitana de Fortaleza, acaba de ser concluído. Foram, ao todo, 65 dias. Para selecionar as personagens, mesclamos artesãs já conhecidas,
PERFIL
E Pedimos
permissão para invadir suas casas e saber como as artesãs cearenses vivem e produzem na imprensa e livros, com anônimas, descobertas durante as viagens. Destacamos as Mestras da Cultura, visitamos feiras e seguimos indicações da Central de Artesanato do Ceará (Ceart) e do Sebrae-CE. Por valer a história, incluimos mulheres que, mesmo sem produzir mais, vivem, de alguma forma, ligadas ao ofício. Cada uma delas é vencedora. São
bem casadas ou separadas, viúvas, felizes, tristes. Católicas e evangélicas, rezadeiras, cheias de fé ou quase nenhuma, conformadas ou rebeldes. Professoras, analfabetas, aposentadas. A maioria casou cedo, ainda adolescente, e tem muitos filhos. Algumas apresentam doenças comuns às pessoas que moram na cidade grande, outras esbanjam saúde. Trouxemos várias impressões. Muitas boas, outras nem tanto. Ouvimos relatos de superações, nos quais o artesanato foi essencial como fonte não só de sobrevivência, mas qualidade de vida. É preciso, no entanto, registrar: a maioria das nossas artesãs ainda não consegue sobreviver do trabalho, apurando menos de R$ 100,00 por mês. Talvez por isso, seja raro ver jovens seguirem a profissão das mães, como essas e suas avós
fizeram: aprendendo o ofício ainda na infância, passando-o de geração em geração. As clássicas rendeiras do bilro, no litoral, são belo exemplo. Nos roteiros, difícil mesmo foi encontrar quem não quisesse nos dirigir uma palavra. Mostraram, com orgulho, as criações, fizeram queixas da pouca valorização ainda sentida por quem trabalha essencialmente com as mãos. Algumas não acreditavam que iríamos, pensavam que o telefonema era trote. Às vezes, nem nós achávamos que chegaríamos tão longe. Fomos e agradecemos às artesãs por terem nos recebido. Com elas, aprendemos a valorizar mais a vida e este trabalho tão delicado, complexo e primoroso. o GERMANA CABRAL Editora
Imagens pelo caminho
B I Cena comum nas ruas de Jaguaruana, terra da rede de dormir C I Na Varjota, em Itarema, aonde só chegamos de moto por causa das chuvas, crianças indígenas se divertem na lagoa
B I Em Juazeiro, na estátua do Padre Cícero:
Cristina, a artesã Rosinha, Germana e Patrícia
D I Venda de
Litoral,Serrae Sertão.Por ondea equipe doEva passou,em todasas regiõesdoCeará, registroupaisagens epessoas, assimcomoas dificuldades. Ficamosem pousadas sem amínima infraestrutura,mas tambémembonshotéis.Sentimosfrio,abrisadomaretentamosnos protegerdosolinclementedo sertão. Percorremososlocais mais longínquos,aondemuitas vezesocarro dareportagem não conseguiachegar. Enfrentamosestradas esburacadas, quaseintransitáveis noperíododaschuvas oucheias de poeirana estiagem.Mas fomosde avião aoCariri. Subimose descemosserras,abrimos cancelas, ficamoscomo carro noprego,pegamoscaronaem motocicletas,masnada foiobstáculo parachegar àsartesãs.
B I O escultor Manuel Graciano e a mulher Ciça, uma de nossas entrevistadas em Juazeiro
D I Carlos, um
redes de dormir às margens da BR-222, em Irauçuba. Abaixo, na Serra da Ibiapaba, o ipê enfeita a paisagem
de nossos motoristas, ajuda na produção de fotos, levando a almofada da rendeira Neci, na praia do Iguape
B I Palhas de
B I Em pleno meio-dia, próximo a Quixadá, uma pausa para trocar o pneu furado
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carnaúba secando numa rua de Itaiçaba. Ao lado, clima de sertão: Cristina, o motorista Sandro, Marília e Germana, no distrito de Aracatiaçu, em Sobral
MÃOS QUE FAZEM HISTÓRIA | EDITORA VERDES MARES LTDA. - PRAÇA DA IMPRENSA - DIONÍSIO TORRES - CEP- 60135-690 -FORTALEZA -CEARÁ- TELEFONE: (085)3266-9796 - FAX: (085) 3266-9797 - DIRETOR EDITOR: ILDEFONSO RODRIGUES EDIÇÃO E TEXTOS: GERMANA CABRAL E CRISTINA PIONER - FOTOS: MARÍLIA CAMELO E PATRÍCIA ARAUJO - PROJETO GRÁFICO: EDUARDO FREIRE - DIAGRAMAÇÃO: ADRIANA RODRIGUES - MOTORISTAS (VIAGENS) : ÁTILA DAMASCENO, AUDÊNIO DOMINGOS, CARLOS COSTA, FRANCISCO IRANEUDO, SANDRO LUIZ E SÉRGIO RICARDO - AGRADECIMENTOS: CENTRAL DE ARTESANATO DO CEARÁ (CEART) E SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SE BRAE-CE)
Conheça os caminhos percorridos pela equipe do Eva, os municípios visitados e os principais tipos de artesanato desenvolvidos em cada região do Ceará por onde passamos: Região Metropolitana - Aquiraz, Caucaia, Fortaleza, Maracanaú, Maranguape, Pacatuba, São Gonçalo do Amarante | renda de bilro, artesanato indígena, bordado e crochê Maciço de Baturité - Aratuba, Baturité, Guaramiranga, Itapiúna, Pacoti, Redenção | palha de bananeira, cipó e joias Litoral Leste - Aracati, Beberibe, Cascavel, Icapuí, Pindoretama | labirinto, renda de bilro, areia colorida e cerâmica Vale do Jaguaribe - Iracema, Itaiçaba, Jaguaribe, Jaguaruana, Limoeiro do Norte, Nova Jaguaribara, Russas | filé, palha de carnaúba, rede e cerâmica Sertão Central - Boa Viagem, Canindé, Caridade, Choró, Madalena, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu | bordado,crochê,cerâmicaejoias LitoralOeste-Acaraú,Barroquinha,Itapajé,Itapipoca,Itarema,Jijocade Jericoacoara,Paracuru,SãoLuísdoCuru,Trairi,Tururu|rendadebilro, bordado,redededormireartesanatoindígena Serra da Ibiapaba - Ipu, Tianguá, Ubajara, Viçosa do Ceará |cerâmica, fibra de croá, palha de bananeira Vale do Acaraú - Irauçuba, Mucambo, Sobral | rede de dormir, tecelagem, palha de carnaúba Sertão dos Inhamuns - Aiuaba, Ararendá, Crateús, Independência, Nova Russas, Poranga, Tauá | Crochê e bordado Centro Sul - Icó, Orós, Várzea Alegre | rede, crochê e filé Cariri - Araripe, Barbalha, Caririaçu, Crato, Granjeiro, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda, Potengi | palha de milho e carnaúba, sisal, boneca de pano, babaçu, couro, cerâmica, crochê e bordado
NA PONTA DO LÁPIS
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Acompanhe a série As mulheres do barro, residentes em várias regiões do Estado, abrem hoje a série de reportagem sobre as artesãs cearenses. Destaque para quatro delas que se tornaram Mestras da Cultura por meio do ofício
O bordado ganha novos significados pelas mãos das artesãs. Entre os grupos, os de Tauá e Redenção se destacam. No crochê, há variação de linhas finíssimas (Nova Russas) a barbantes (São Gonçalo do Amarante)
O encanto das bonecas de pano continua vivo no imaginário das mulheres do Crato e Pacoti. Com tecidos, há ainda os fuxicos de Jericoacoara, a tecelagem de Mucambo e Tauá, além dos trabalhos com aproveitamento de retalhos
A bijuteria com elementos da natureza é uma das principais atividades do artesanato feito pelas índias, que também produzem trançados. De diferentes etnias, destacam-se em Crateús, Itarema, Pacatuba, Maracanaú e Aquiraz
CIDADES, ou seja, um terço dos 184 municípios do Ceará, foram visitadas. Estivemos em todas as 11 regiões. No total, contabilizamos 65 dias de muitas emoções e aprendizado As rendeiras são um dos principais atrativos do Ceará. Elas se dividem na produção da renda de bilro, em cidades litorâneas, o filé, no Vale do Jaguaribe, e o labirinto, que resiste em municípios como Aracati e Icapuí
243 ARTESÃS foram entrevistadas. Grande parte dos contatos foi feita, inicialmente, por telefone. Em outras vezes, fomos direto à fonte, perguntando à população como se chegar a tal localidade
A carnaúba é a principal matéria-prima para o trançado feito nos vales do Jaguaribe, Acaraú e Cariri. Mas, com muita criatividade, artesãs usam outros tipos de fibras: taboa, cipó, croá e as palhas de milho e bananeira
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De tudo um pouco. Artesãs se destacam em várias tipologias encontradas pelas regiões do Ceará, como os santos em madeira de Juazeiro do Norte, as bolsas de couro de Nova Olinda e as joias de Itapiúna e Quixeramobim
Todo cearense adora uma rede de dormir, seja de qual for a técnica. Esta edição traz trabalhos de tipologias como labirinto, almofada, crochê, travessa, tucum, bordadas com ponto estrela, além das produzidas em tear manual
PROFISSIONAIS estão envolvidos na série: duas jornalistas, duas repórteres-fotográficas, um designer gráfico e uma diagramadora, além de seis motoristas e nossos articulistas
11 MIL QUILÔMETROS . Esse foi o itinerário aproximado que nossa equipe percorreu pelas estradas do Ceará (somados os trechos de ida e volta entre Fortaleza e as diversas regiões )
Uma viagem de múltiplos olhares
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Quando criança, tive o privilégio de brincar com loucinhas de barro e bonecas de pano compradas por mim na Feira do Crato, no Cariri, onde nasci. Antigamente, a feira era um museu a céu aberto, reunindo peças do artesanato cearense, como trançados, flandres, redes de dormir e madeira. Agora, ao participar desta série “Mãos que fazem história”, senti-me voltando às origens. O que pode ser visto como vantagem ou não. De tão familiarizada com o tema, algo poderia me passar despercebido. Por isso, o olhar
forasteiro da gaúcha Cristina Pioner, repórter do Eva há 9 anos,foi fundamental. Com a parceria, redescobri a importância do trabalho feito à mão. Foram 65 dias fora de casa, mas valeu a pena. Tive a confirmação disso ao ouvir a confissão de Patrícia Araujo, nossa fotógrafa de 22 anos, com seu espírito essencialmente urbano: ‘Esta série me fez ver o artesanato de uma outra maneira, passei a valorizá-lo’. É assim também que espero envolver e emocionar os nossos leitores” GERMANA CABRAL
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B I Na Festa de Santo Antônio, em Barbalha, Germana e Cristina à procura de artesãs
A minha descoberta do artesanato cearense aconteceu há 14 anos, como turista. Queria conhecer tudo, percorri o antigo Mercado Central, naqueles labirintos sem fim, a Emcetur, a Ceart e a Feirinha da Beira-Mar. Fiquei enlouquecida com o que vi. Mesmo com pouca grana, levei duas colchas de filé e um jogo de lençol bordado à mão, que ainda guardo. Em 1996, vim morar no Ceará. Até hoje sinto-me como turista, que não se cansa de andar, descobrir e comprar. Espanto-me quando uma pessoa ignora essa riqueza artesanal.
Pior: quando pechincha, como se estivesse comprando uma máquina, sei lá! Para mim, por trás de cada pontinho, de cada movimento do bilro, de cada forma no barro, há uma emoção, e isso não tem preço. Como jornalista, conheci o processo de produção de várias tipologias. Eu, que já valorizava o trabalho das artesãs, passei a respeitá-lo ainda mais e contemplá-lo, como faço com os objetos de arte. A experiência foi um presente tramado, bordado e moldado pelas mãos de Deus” CRISTINA PIONER
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A trilha da reportagem
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Na casa da louceira, há muitas fotos e imagens de santos. Ela não tem protetor exclusivo. Se um não resolver, apela para outro. Em dois, deposita mais fé: Santo Expedito, quando está aflita, e Nossa Senhora Aparecida. No santuário, tem São Francisco e Padre Cícero
Da casa de Branca, embora distante, avista-se a Bica do Ipu. Talvez por isso ela só conheceu o cartão-postal da cidade em 2007, quando os filhos a levaram para comemorar seu aniversário de 66 anos DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
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A pureza de Branca lhar terno e risada que faz jus ao local onde mora: Sítio Alegria, comunidade no município de Ipu, Serra da Ibiapaba. Assim é dona Branca, mestra na arte da cerâmica. Aos 68 anos, Maria Alves de Paiva, nome de batismo, já criou 11 filhos, alguns netos e, agora, cuida do bisneto Marcílio, de dois anos, com necessidades especiais. Contudo, segue tomando conta da casa, da comida e de
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seu ofício, que aprendera ainda criança escondida do pai Antônio Alves Pereira. “Ele não queria que eu trabalhasse no barro igual à mãe dele”, recorda. Branca nunca se deu por vencida. Após a roça e a escola, sempre pedia um pedacinho de barro à avó Raimunda Alves de Souza, chamada de mãe Munda. Começou a criar as primeiras panelinhas. Porém, segundo ela, a avó não gostava de barro feito por “menino” e faltava-lhe paciência para ensiná-la. Branca, en-
tão, recorreu à tia e madrinha Maria Preta: “Ela endireitava minhas panelinhas e numa semana eu aprendi a trabalhar”. Quando o pai de Branca percebeu que não adiantava impedi-la de mexer com barro, pediu que a menina passasse a fazer peças maiores. “Nesse dia, parece que subi no céu”, lembra a felicidade diante da permissão paterna. A partir daí, suas peças começaram a ser comercializadas nas feiras do Ipu e no Piauí, para onde Antônio viajava de
jumento. Quando voltava, ele trazia outras mercadorias para vender na região. Por alguns anos, trabalhou ajudando no sustento da família. Dos cinco dias de produção, somente a quarta-feira era para si. Fazia a cerâmica e saía com as peças na cabeça para vendê-las na feira. Enfrentava sol, poeira e o mato estrada afora, percorria cerca de seis quilômetros. Devido às dificuldades da época, Branca estudou só até a 3ª série primária. Deixou a esJUVENTUDE
H Gostava de festa, mas meu pai nunca me deixou ir. Terminei casando cedo com um primo que nem sabia dançar”
B I Alvinha e
de olhos azuis, Branca se destaca pelo trabalho com traços rústicos. “É
difícilterum filtrotãobem feitocomoos meusna região.Pode atéterigual”, orgulha-se
cola para se casar, aos 15 anos, com o agricultor e primo legítimo Raimundo Alves Paiva. Com ele, teve 12 filhos. Desses, seis mulheres, que vivem apenas do barro. Desde 2005, é Mestra da Cultura, pelo qual recebe por mês um salário mínimo do Governo do Estado. “Foi muito bom, minha vida mudou. Fiquei mais conhecida”. Os encontros dos mestres cearenses são uma diversão para a artesã, que quase não deixa o Sítio Alegria. A rotina é intensa. Acorda às 4 horas, ainda escuro, e só se deita às 21 horas. Faz as tarefas domésticas e dedica as tardes à produção, sentada numa cadeirinha na sala principal. Em sua casa própria, mora com o bisneto Marcílio, o neto Marcelo e os filhos Antônio, José e João Paulo, único da família com ensino superior. Formado em Pedagogia, é ele quem cava o barro, enquanto espera conseguir emprego na área. Desde o nascimento do caçula Antonio Milton, há 24 anos, Branca vive sem o marido, embora não seja separada oficialmente: “Ele ficava agressivo quando bebia. Mas não tenho raiva. Como passou a morar aí na outra casa, se precisar de mim, ajudo”, fala com o coração cheio de amor. o
FRAGMENTOS
Argila na Ibiapaba ALÉM DO SÍTIO ALEGRIA, as localidades de Ipuzinho e Espraiado são famosas pela produção de cerâmica em Ipu, na Serra da Ibiapaba. Nelas, grande parte das famílias é envolvida com a atividade, como a de dona Branca. Suas seis filhas têm produção própria, bem como cinco netas. Dois tipos de argila estão disponíveis para as artesãs na região: vermelha e roxa. Geralmente os homens são os responsáveis por buscar o barro na sua origem, ajudam a amassá-lo e ainda a fazer a queima das peças. Mas se precisar, as mulheres arregaçam executam todo o processo. Para pintá-las, antes era usado o toá branco e vermelho. Foi substituído por tintas industrializadas. A produção é vendida em Ipu, na feira semanal, às sextasfeiras, e em cidades vizinhas.
D I Cinco das
seis filhas de Branca que seguem sua profissão: Francisca, 45 anos, Raimunda, 41, Maria de Jesus, 34 , Maria das Graças, 48 , e Maria da Conceição Alves, 38
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DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
O jardim florido de Maria Clara e existe um sinal de que o artesanato com barro no Sítio Alegria, em Ipu, continuará sendo feito pelas próximas gerações, Maria Clara Alves de Oliveira é uma das responsáveis por isso. Com traço suave e bem acabado, a artesã, sobrinha de dona Branca, impõe o próprio estilo. Aos 26 anos, casada, mãe de duas meninas - Ana Caroline, 6 anos, e Lara Lorrana, 3, Clara já contabiliza algumas conquistas materiais e tem orgulho em exibir o trabalho, como aconteceu na Casa Cor Ceará 2009. As rosas, feitas pétala por pétala, resultam em peças superdelicadas, podendo decorar paredes ou móveis. A artesã conta que aprendeu a fazê-las com a tia do marido, dona Francisca. Participante da Associação das Artesãs de
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Alegria (Adada), prefere trabalhar em casa do que no galpão da entidade. Sentada no chão da cozinha, passa horas esculpindo e polindo as peças. De vez em quando, interrompe para olhar as panelas no fogão a lenha. Afinal, precisa dividir a função de artesã, mãe e donade-casa. E assim, com muita paciência, vai moldando a vida.
Gratidão A história com o barro começou na infância quando aprendera a fazer peças em miniaturas com a mãe, Maria Oliveira. “Sempre agradeço por ter essa profissão. Com ela, comprei casa, moto e ajudo meu marido, Francisco Elton, no sustento da família”, diz. A rotina começa às 6 horas, quando arruma as meninas para irem à escola. A partir das 7 horas, co-
meça a por a mão na massa. Domingo é o único dia de folga, isso se não tiver com prazo para entregar encomendas. De vez em quando, representa a Adada em feiras do setor, levando produtos de todo o grupo. Também participa de cursos de aprimoramento. Tantas atividades não permitem o retorno à escola, abandonada na 8ª série do Ensino Fundamental. No Sítio Alegria, não existem atividades de lazer para a família. Eventualmente, ela e o marido levam as filhas para brincar na praça da igreja matriz, em Ipu, a seis quilômetros. “É o único divertimento que temos”, diz. As dificuldades não a impedem de ter sonhos. Um deles é o alpendre para trabalhar, o qual acabou de construir. O outro é poder lavar as mãos, sujas de barro, sem precisar recorrer ao chafariz. o
B I A artesã Maria Clara, do Sítio Alegria, em Ipu, tem como especialidade as rosas feitas com muita habilidade, pétala por pétala:“Sempreagradeçoporteressaprofissão”
“Tenho orgulho do meu ofício” Solitária no amplo galpão da Associação das Artesãs de Alegria (Adada), em pleno meiodia de uma quarta-feira, Francisca Franciné Fortuna Sampaio, 49 anos, produzia frigideiras de cerâmica encomendadas pela Ceart. Com muita paciência e habilidade, continuou trabalhando enquanto conversava com a nossa equipe. “Estou de castigo. As minhas colegas já concluíram sua parte”, diz, às gargalhadas, Ciné, como é conhecida em Ipu. E justifica; “Por estar na presidência da Adada, às vezes preciso recuperar o tempo que passo resolvendo a parte burocrática da minha função”.
No ofício desde os 12 anos, recebeu o incentivo da mãe, Maria Pereira Macêdo. “Já me apeguei ao artesanato. Tenho muito orgulho do que faço. Depois de pronto, acho tudo bonito. Melhor ainda é quando as pessoas reconhecem o trabalho. Só fico magoada mesmo quando o comentário vem acompanhado de críticas sobre o valor cobrado”, lamenta.
Produtos Ciné cria panelas, potes, vasos e travessas, entre outros produtos decorativos e utilitários. “Já participei de vários cursos. São importantes, pois desenvolvemos algumas mudanças, mas as
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As rosas produzidas por Clara foram usadas na ambientação do lounge “Meninas do Brasil”, um dos 61 ambientes da Casa Cor Ceará 2009
No Sítio Alegria, a louça pode ser vista na porta das casas, prontas para serem vendidas. As peças também estão expostas na sede da Adada
peças mesmo a gente já sabe fazer desde criança”. Casada com o agricultor Elias Valentim de Souza há 24 anos, tem quatro filhos. A única mulher, Samile, 15 anos, é quem ajuda no acabamento das peças. Esse envolvimento a enche de esperanças. “Admiro muito minha filha. Jovens como ela podem contribuir muito para o nosso barro não se acabar. Se ela começou cedo, a tendência é que continue ”. Mesmo assim, incentiva Samile a prosseguir os estudos e conta, entusiasmada, que está cursando o 3º ano do Ensino Médio. A garota também auxilia a mãe nas tarefas domésti-
B I As panelas
feitas por Ciné podem ser decorativas ou utilitárias, pois resistem a altas temperaturas
cas, pois a artesã passa mais tempo no galpão do que junto à família. Na verdade, Ciné mora quase lá. De segunda a sexta-feira, costuma chegar ao trabalho às 5 e sair às 19 horas. Até o almoço é no local. Se for preciso, nem aos domingos descansa. Isso para obedecer os prazos das encomendas. Ao seu lado, trabalham diariamente três artesãs. Porém, não reclama da árdua rotina. “Tudo que se faz por amor tem uma grande importância. Só em não precisar ficar pedindo dinheiro ao marido, já vale a pena. Com meu trabalho, me calço, me visto e ajudo financeiramente meus filhos.” o
FRAGMENTOS
Qualidade premiada COM TÉCNICAS de produção rudimentar, a cerâmica de Ipu é resistente e capaz de suportar altas temperaturas. Mas as louças também se destacam pela proposta decorativa. Na Associação das Artesãs de Alegria (Adada), são 22 pessoas, sendo 17 mulheres. No galpão, há área para a criação, exposição dos produtos e forno coletivo. Mas a maioria das ceramistas trabalha em casa. As peças são comercializadas junto à Ceart e em cidades próximas, como Sobral e Crateús. Criada em 1997, a Adada foi agraciada, em 2006, com o Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato, que seleciona as 100 unidades produtivas mais competitivas do Brasil no setor.
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Lúcia mora na casa da mãe com os dois filhos. Lá, trabalha numa das salas. O forno fica no quintal, dividindo espaço com cabritos, galinhas e bodes. “Tinha o sonho de possuir uma casa, mas nunca consegui”, diz a artesã
Dona Teresa, 82 anos, não cria mais cerâmica, embora acompanhe atentamente o trabalho das filhas. Ficou conosco boa parte da entrevista com Lúcia, fazendo intervenções de vez em quando DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
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Requinte no molde L ouças finas e delicadas. Essa é a marca de Lúcia Rodrigues da Silva, do Córrego da Areia, em Limoeiro do Norte. A mestra da Cultura pelo Governo do Ceará em 2004 trabalha desde os 10 anos. No começo, fazia casinhas e carrinhos para vender na feira. Com o dinheiro, comprava roupa e calçado. “A gente não tinha tempo de brincar. Quando não era no barro, estava na roça”, diz. Lúcia Pequeno, 50 anos, como é mais conhecida, parou os estudos na 2ª série primária. No entanto, possui pós-graduação na lida com o barro. Seu amor pelo ofício é tão grande que, mesmo se ficasse muito rica, garante: “jamais o deixaria”. Aliás, por motivo algum. Depois de cinco meses sem produzir devido a um acidente doméstico, voltava, aos poucos, à ativa. Em julho de 2009, quando a entrevistamos, a fratura do braço ainda lhe causava dores. Mas agora está feliz: após 40 sessões de fisioterapia trabalha como antes. “Mais do que a dor, o que me deixava triste era ficar parada”, relembra Lúcia, que acorda às 5 horas e dorme após 11 da noite.
Estilo Lúcia conta com a parceria das irmãs Maria e Raimunda para cumprir o prazo das encomendas. Embora tenha herdado o ofício dos pais, os louceiros Zé Pequeno e Teresa, cada uma desenvolveu estilo próprio. O de Lúcia é incomparável.
As peças são tão finas que mais parecem porcelana. Para chegar a esse resultado, as Pequeno enfrentam desafios diários. O barro é extraído próximo à casa de Lúcia. Para transportá-lo, a artesã, por meio de empréstimo, comprou carroça e cavalo, porém o animal morreu. A carroça está lá, abandonada. O forno de barro no quintal precisa de proteção adequada, pois não pode ser utilizado no inverno. Separada do marido há seis anos, Lúcia desabafa. “Ele me largou por outra, achando que estava velha e suja de barro. Mas não ligo não. Tenho é orgulho disso”. Só lamenta não ganhar o suficiente para sustentar os filhos, Vagner, 18 anos, e Vitor, 17. O mais velho está cursando Física, para orgulho da mãe, que recebe um salário mínimo por mês como Mestra da Cultura. Com o barro, a renda depende da produção e das vendas. Em Fortaleza, esteve duas vezes. Deslumbrou-se com as vitrines das lojas e o mar, vistos pela janela do ônibus. Quer, um dia, conhecer a Capital de verdade e fazer compras. Espera, no entanto, sobrar um dinheirinho, pois tem de pagar as despesas: “Sou doida por calça jeans. Dizem que lá tem um shopping bem grande, o Beco da Poeira, não é?”. o
B I A cerâmica de Lúcia é incomparável. Feita com esmero, parece porcelana, de tão fina na espessura e no acabamento
FRAGMENTOS
A família de Zé Pequeno CÓRREGO da Areia, distrito de Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, é tradicional pelo trabalho de suas louceiras. O acesso ao local, distante 6 quilômetros do Centro da Cidade, se dá por meio de via asfaltada. Um dos principais responsáveis por essa tradição foi Zé Pequeno, falecido em 1988, que também tinha a agricultura como fonte de renda para sobreviver. Iniciou os seis filhos no trabalho com o barro, mas, atualmente, apenas as mulheres continuam na lida. Segundo o jornalista Gilmar de Carvalho, a valorização desse artesanato no local, ocorreu, principalmente, no Governo Geisel, quando a filha do presidente, Amália Lucy, estava à frente do Instituto Nacional do Folclore. Ela visitou a localidade, dando a sugestão do serviço de feijoada, até hoje feito por Maria e Raimunda Pequeno.
Louceiras de tradição Raimunda Rodrigues da Silva não morre de amores pelo barro como a irmã Lúcia, porém reconhece e valoriza cada conquista obtida por meio do trabalho. Casada com o agricultor Nelson Ribeiro Filho e mãe de quatro jovens, agradece a renda obtida com a cerâmica, mesmo que incerta. Na casa própria onde vive com a família, tem quintal grande onde planta jerimum, feijão,
tempero verde, frutas e flores. Patos, galinhas e capotes dividem o mesmo cercado no fundo do quintal. Os filhos ajudam na lida e ainda fazem bicos, além de estudarem. Nenhum se anima para seguir os passos da mãe, nem ela mesmo os incentiva. Deseja que tomem outros rumos. Tanto que já comprou duas máquinas de costura para Dinara, 18 anos, e Débora, 17: “Aqui todo o conserto ou roupa nova são minhas filhas que fazem”.
Exportação Há 50 anos Maria Rodrigues da Silva, 62 anos, cria cerâmica. “Fui a primeira das filhas de Zé Pequeno a trabalhar com ele e sou a única que segue seu estilo. Sin-
to muita falta dele, pois era a mais apegada. Quase morri quando ele faleceu”, recorda. Casada há 30 anos com o agricultor Edivan Lima, Maria tem três filhos. Cria panelas, travessas, vasos, jarras e conjuntos de feijoada (três panelas com tampa), entre outras peças. Parte delas ganha contornos característicos de sua louça, remetendo ao formato do jerimum. A maioria tem destino certo: são vendidas para os Estados Unidos. “Acho muito bom fazer as peças. No inverno, quando temos de parar, me dá até uma coisa ruim”, diz Maria que, no período de estiagem, cria louças diariamente, com exceção do domingo. Nesse dia, lava roupa e coloca a casa em ordem. o
B I Maria,
Lúcia, dona Teresa e Raimunda têm a vida marcada pelo trabalho com o barro. As peças em formato de jerimum são feitas por Maria
A entrevista, iniciada às 10 horas, demorou mais do que o previsto. Na hora do almoço, a família nos ofereceu macaxeira cozida e feijão, recém-colhidos da roça, acompanhados de carne e arroz
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DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
Na sala de visitas, há uma foto de Corrinha com o presidente Lula: “Ah, isso foi meu sonho. Quando ele esteve aqui, em 2006, eu lhe dei de presente uma escultura que fiz sua”, diz
Entre barro e versos O tipo físico de Maria do Socorro Nascimento, 34 anos, solteira, lembra o das garotas que passam o dia malhando em academia. Nada disso. Ofício, lazer e vida se resumem ao artesanato feito com barro. Ao lado da casa onde mora com os pais, no Sítio Baixa do Quaresma, a 5 km de Missão Velha, no Cariri, a artesã construiu o ateliê e o forno, à custa de vários empréstimos. E tem como meta uma loja. A habilidade de Corrinha impressiona e encanta. Andando em torno de um suporte de cimento, ela vai moldando com as mãos a forma desejada. As únicas ferramentas são espátula, esponja, pente e um facão para aparar as peças grandes. Além dos potes e jarros, faz esculturas de animais e personagens famosos, como o poeta Patativa do Assaré e o presidente do Brasil, Luis Inácio, o Lula. Os sinos da felicidade são criações exclusivas, a partir da sugestão de um professor quando fazia a 8ª série. “Ele me trouxe uma cortina como modelo, mas, ao tentar desenvolver, surgiram outras ideias”, explica. Hoje, faz sinos com diversas modalidades de montagem, como borboleta, peixe, lua e estrela, frutas e pote em miniaturas. A artesã começa a trabalhar às 7 horas e só para ao meiodia. Almoça, volta à olaria e entra pela noite, fazendo as miudezas. Se depender da ajuda da família, vai longe. O único irmão, Francisco, 28, mototaxista, faz a parte pesada inicial e a queima das peças. A mãe, Terezinha, 68 anos, ajuda a amassar o barro. A cunhada, Maria Goreth, tem duas meninas pequenas, mas quando pode lhe auxilia nas peças menores. A sobrinha Dávila Ruth, 4 anos, ensaia os primeiros moldes, tal qual a tia.
Ao mesmo tempo em que trabalhava, a artesã estudava. Aos sábados, vendia na feira de Barbalha. Concluindo o 2º grau, começou a dar aula como professora. Nos dois expedientes, ganhava R$ 340,00 por mês. O dinheiro era pouco, mas economizava para poder investir no artesanato. Em 2006, construiu a olaria, inicialmente de taipa e coberta de palha, no terreno do pai. Precisou ainda recorrer a empréstimos do Banco do Nordeste. “Tinha medo de dever, mas não só consegui pagar tudo em dia, como ganhei bônus e pude fazer outros”, destaca. No segundo, a construção das paredes, agora de alvenaria, ficou pela metade. Então, veio o terceiro. “Deve ser o último. Quero caminhar com minhas próprias pernas”, diz. Ainda deseja ter loja e comercializar pela Internet. Na frente da olaria, já exibe o nome pintado: “Mão na massa - artesanato”. Cada etapa superada é registrada com fotografias. Enquanto não concretiza o desejo, ela vende em casa e participa das feiras de artesanato e agricultura familiar. Dessas últimas, participa por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Missão Velha, do qual é filiada.
Início
Também ministra cursos e diz, com orgulho, que conseguiu reproduzir, em barro, órgãos do corpo humano, encomendados por uma escola. Corrinha se dedica ao trabalho comunitário e à Igreja Católica, atuando como catequista. Tem muita fé em Padre Cícero, padrinho de batismo do pai. À noite, costuma rezar o terço. Prefere as festas familiares, culturais e o autêntico forró-pé-deserra. Solteira, sonha em formar um lar bem estruturado como o de seus pais. o
O contato com o barro aconteceu aos 13 anos, quando morava no sítio Passagem de Pedras, local de tradição na cerâmica. De tanto observar o trabalho, decidiu aprender. Orientada por Sebastiana Amaro dos Santos, louceira de renome em Missão Velha, a garota passou logo a produzir para a olaria de Paulo Teixeira, combinando de ficar com 50% do lucro das peças produzidas. História narrada por ela em um cordel.
D I No ateliê,
Aprendendo artesão
DETERMINAÇÃO
HPara fazer artesanato, é preciso ter força, coragem e amor pela arte. Por meio dele, ganhei muito, principalmente amizades. Além disso, me dá uma rendinha e estimula a mente a ser mais criativa “
B I Além dos
potes, jarros e esculturas, como a onça em tamanho grande, a artesã se destaca por fazer variados modelos de sinos da felicidade. Abaixo, detalhe vazado num pote
FRAGMENTOS
Emoção por meio do cordel DURANTE A entrevista, descobrimos que o talento da artesã não se resume ao barro. A veia poética, herdada do pai Manoel Vicente do Nascimento, 95 anos, se aflora. Corrinha mostrou um livro com as criações. Numa delas, revela a trajetória como artesã (veja ao lado). Noutra, critica as promessas, não cumpridas, de um candidato político. Há também uma baseada na história real contada pelo pai, com o título “O menino sonhador que deu a volta por cima”. Seu Manoel pede à filha para que leia. “Vocês ainda têm tempo?”, pergunta Corrinha, após quase quatro horas de conversa. Com a resposta positiva, começa a declamar com voz suave e empostada. O pai, cheio de orgulho, presta atenção como se a ouvisse pela primeira vez. De repente, uma lágrima escorre pelo rosto de seu Manoel. Com a própria camisa, ele a enxuga discretamente. A emoção toma conta e, por alguns instantes, a cerâmica fica em segundo plano. A verdade é que em casa de artista, sempre há espaço para toda manifestação de arte.
Meu amigo onde moro Desde a Antiguidade Tem uma atividade Que o povo nela trabaia Numa cabana de paia Indo lá ver movimento Muié roda no acento Que dá trocicó na saia _____ Um dia eu tava invocada E pisei pra olaria Cheguei lá disse bom dia Me responderam olá Senhorita vamo entrar O convite eu aceitei E ali já comecei Também a me interessar ________ No outro dia cedinho Com Paulo Amaro falei A ele então perguntei O que é que devo fazer Eu tou querendo aprender Trabaiá com sua gente Ele me disse ouxente Venha cá que eu vou dizer _______ Seu Paulo me disse ói Venha aqui ver como é Tá vendo essas muié Com as mãos toda melada A roupa toda grudada É um trabalho seboso Mas se você não tiver nojo Pode dar uma experimentada ________ Ói tem aqui minha sogra Que se chama Bastiana Essa sim é veterana Ninguém não pode negar Ela vai lhe explicar Como é que mexe no barro E aí não houve esparro Comecei logo a rodar _______ Meu amigo no começo É um serviço danado O negócio é complicado Pro caba aprender rodar Tem que primeiro amassá O barro bem amassado E depois de bem traçado É que pode começá
Comecei a levantar Uns pote todo ingembrado Muito torto e aleijado Com o fundo penso e fino E Bastiana sirrindo Dizendo é por aqui Mas eu ia por ali Findava o pote caindo _____ Era uma goga danada Ali dentro da olaria Pois o caba só se via Gente de cara grudada A minha era a mais melada Devido eu tá aprendendo E Bastiana dizendo Essa menina é danada ____ Compadre ela mandou Que eu fizesse uma cabaça Essa foi que deu pirraça Era que o povo sirria Até que afindava o dia E a cabaça não prestava “Quando eu ia ela voltava Quando eu voltava ela ia” _____ Então muito interessada Eu fui no barro mexendo Bastiana me dizendo Puxe pra qui pra aprumar E eu tentando arrumar Mas naquela confusão O pote bufe no chão E eu tornava a levantar ______ Ao chegar na olaria Todo dia bem cedim Eu dizia bem assim Bom dia meu pessoá Cheguei para começá Com Deus e Nossa Senhora Já tou começando agora Eu quero é ganhar reá _____ Aprendi com Bastiana Fazer o pote, a quartinha A jarra, a panelinha A cabaça, o potão Jarro de decoração Tudo isso duma vez Aprendi dentro dum mês Sou crac no artesão Corrinha
em Missão Velha, Corrinha modela peças. Usando a força das mãos, chega a “levantar” um pote em minutos: “Esqueço tudo. Fico ansiosa para terminar e ver o resultado”
Aos oito anos, Caroline exibe a peça moldada e pintada com as próprias mãos, seguindo o exemplo da avó Mestra da Cultura
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Histórias em cores silêncio invade as ruas de Juazeiro do Norte. Nessa Cidade fervilhante, onde a religiosidade está acima de tudo, o domingo é destinado ao descanso. Tudo para, inclusive a família Cândido, que faz esculturas e temas com barro. Ao chegar à casa das artistas, no Centro, percebe-se que a fé também fala mais alto. Na sala, um pequeno altar com imagens de santos divide espaço com trabalhos expostos. Lá, sentada numa cadeira, junto à mesinha de apoio, Maria de Lourdes, 71 anos, esculpe e pinta obras de cores fortes e formas variadas. Nesse ambiente, ela nos recebe, ao lado da filha Maria Cândido, para uma conversa que durou quatro horas. Recorda a infância pobre, na qual tudo o que aprendeu foi rezar e trabalhar na roça, aos sete anos. Quando terminava a colheita do milho e feijão, passava para a do algodão: “Não se tinha uma hora de fuga. Até nos domingos, acordava às três da madrugada para ir, a pé, à missa das cinco na Cidade”.
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A I Sincretismo religioso: Padre Cícero e Frei Damião são personagens frequentes nos temas da artesã católica, que também faz homenagens à rainha do mar, Iemanjá
B I No universo de Maria de Lourdes Cândido (MLC), personagens nordestino se destacam, como Lampião, Maria bonita e seu bando de cangaceiros
Gerações unidas pela terra
B I Religião e tradição popular nas peças de Maria Cândido Monteiro
Seis dos 11 filhos de Maria de Lourdes trabalham com o barro. Cícera, Maria Cândido (veja matéria ao lado), Maria do Socorro, Francisca e Maria das Dores representam a ala feminina. Dos quatro homens, apenas o caçula, Elias Cândido, 28 anos, se dedica ao artesanato. Imagens de São Jorge são o carro-chefe do seu trabalho. A mulher, Aucilene Reinaldo, 19 anos, já integra o grupo e, segundo a sogra, está se revelando talentosa. Aucilene começou meio por acaso, há dois anos, quando se apaixonou por Elias. Fugida da casa dos pais, no município de Aurora, foi viver com o namorado, em Juazeiro. Para não ficar parada, começou a trabalhar junto à nova família. “O Elias bate e eu ajudo a amassar o barro. Faço temas, máscaras e imagens de santos,” explica. Das filhas da Mestra, uma das mais talentosas é Maria do Socorro cujo trabalho é reconhecido nacionalmente. Pena que não quis dar entrevista nem deixar-se fotografar. “Ela é assim mesmo, não gosta de aparecer”, justifica a mãe. Se não conhecemos a artista, vimos algumas de suas belas obras, como a “Ciranda”. Cícera e Francisca também não compareceram. Maria das Dores Monteiro, 42 anos, já trabalhou como doméstica e em mercantil, mas somente há cinco anos assu-
B I Aucilene, Daiane, Maria das Dores, Caroline, Maria Cândido Monteiro e Maria de Lourdes na sala de visita transformada em ateliê e espaço para exposição. Abaixo, detalhe da obra “Ciranda”, assinada por Maria do Socorro Cândido
miu o ofício de artesã. Quando criança, ajudava a mãe a decorar as panelinhas. “Eu ainda hoje adoro pintar o barro. É como uma terapia”, compara.
Crianças Separada do marido e mãe de três filhos, Douglas, 13, Daiana, 11, e Caroline, 8, Maria das Dores conta com o apoio da família. Atualmente, mora na casa da mãe com as crianças. A
vantagem do artesanato, segundo ela, é o fato de poder administrar o próprio horário. “Assim tenho mais tempo para dar atenção aos meninos”, diz. E, para satisfação de Maria de Lourdes, as netas prometem prosseguir a tradição da família. “Gosto muito de fazer e de pintar as peças. Vou continuar quando crescer”, garante a pequena Daiana. As crianças são privilegiadas por contar com
uma professora especial: a paciente avó. “Tenho o maior prazer de ensinar e incentivar não só a família, mas todas as pessoas queiram aprender”, diz Maria de Lourdes, que já ministrou oficinas em Juazeiro, mas não vê muito interesse por parte dos jovens. Despedimo-nos com a certeza de que, naquele endereço, há muito além da arte popular: uma família unida pelo barro. o
Daiana, 11 anos, demonstra todo o envolvimento com os temas, criados pela avó Maria de Lourdes. Promete continuar a tradição
ARTIGO
O barro de que somos feitos
Lições Em 2004, foi submetida a uma cirurgia na tireoide, ficando dois anos sem trabalhar. Um momento difícil, contudo superado. No meio desses percalços, recorda muitas coisas boas, como a primeira viagem ao Rio de Janeiro, em 1987, a trabalho. “Ave Maria, adorei aquela praia, porém sou muito frouxa para a água”. Por ser analfabeta, preferiu não sair mais de Juazeiro. “Quem sabe ler, consegue entrar e sair de qualquer lugar”, justifica. Mas, na verdade, ela tem muito a nos ensinar. Estávamos nos despedindo quando Patrícia Araujo, sem querer, quebrou uma peça. Ao ver a aflição da nossa fotógrafa, Maria de Lourdes tratou de acalmá-la: “minha filha, não se preocupe. Isso faz parte da vida. Até o ser humano se quebra, quando mais uma peça de barro. Tudo que tem princípio, tem fim”. o
A I João,
maridode Mariade Lourdes,tem comofunção compraro barro, amassá-lo e,ainda, queimaras peças
Brinquedos Do casamento com João gerou 11 filhos. Após o nascimento dos quatro primeiros, no final da década de 1960, Maria de Lourdes encontrou uma forma de distrai-los. Criava pequenos brinquedos de barro e, assim, podia ir para a roça tranquila. Em pouco tempo, passou a comercializá-los em Juazeiro. O dinheiro era pouco, mas trocava as loucinhas por alimentos. Hoje, a família toda se envolve com o trabalho. O marido, por exemplo, é responsável pela compra da matéria-prima e o preparo da argila. Além disso, queima as peças no forno rústico do pequeno quintal. Em todos os cômodos, há um tema na parede, seja para secar, pintar ou ser restaurado. Curioso é como 12 pessoas, entre adultos e crianças, conseguem dividir o pequeno teto sem perder a criatividade.
Figuras As obras de MCM, assinatura artística de Maria Cândido, ora surgem com imagens de santos, ora do candomblé. Figuras negras são recorrentes, tanto que elegeu Nossa Senhora Aparecida e São Benedito como os santos preferidos. A vida de Maria Cândido é de sincretismo. Criada na religião católica, diz ter sido muito
beata, mas hoje revela certo desgosto em relação à igreja e à política. Embora leia pouco, tendo só a primeira série primária, gosta da literatura de cordel e de esculturas. “Eu me inspiro nessas artes, rabisco aquilo que entendo e depois faço os meus temas”, completa. A artesã não demonstra ressentimentos pelo casamento fracassado, mas descarta qualquer possibilidade de outros relacionamentos. Sua dedicação hoje é exclusiva ao barro e, mais recente, ao neto Francisco, 3 anos, que já demonstra interesse pelo ofício, pintando algumas peças. MCM ainda não se considera uma artista. Só admitirá ser chamada assim quando conseguir contar a própria história, por meio dos temas. Antes disso, no entanto, acumula prêmios, a exemplo da Categoria Folclore, em 2004, e Crença no Nordeste, em 2006, concedidos pelo Governo do Paraná. Também ganhou o troféu de Mulher Empreendedora, em 2006, e o Prêmio Mulher de Negócios, em 2007 e 2008, todos pelo Sebrae-CE. Seus trabalhos já ilustraram livros, calendários, agendas e um CD do violonista cearense Nonato Luís. o
GILMAR DE CARVALHO
Jornalista
barro fez e faz parte de todas as culturas e civilizações. Os povos antigos já amassavam essa argila que serviu para objetos dos rituais religiosos, como ídolos, cachimbos e objetos que ainda hoje são encontrados nas escavações arqueológicas e muitas vezes nos intrigam. Servia também para urnas mortuárias. No dia a dia, o barro era a matéria-prima para panelas, potes, vasos, o que homens e mulheres ainda usam em casa. E assim o barro esteve presente em todos os povos e continentes, com técnicas diferentes, expressando medos, alegrias e expectativas, como objetos utilitários, decorativos ou rituais. No Brasil, quando os índios eram donos das terras, tivemos a cerâmica do Tapajós e da Ilha de Marajó, onde hoje é o estado do Pará, como exemplos de excelência.
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Polos
Maria cheia de arte Maria Cândido Monteiro, 49 anos, segunda filha de Maria de Lourdes, é uma das mais engajadas na arte com o barro. Aos 9 anos, além de brincar com as panelinhas, já ensaiava as primeiras peças. Quando criança, o compromisso maior era cuidar dos irmãos mais novos para os pais poderem trabalhar na roça. Não curtiu a infância nem a adolescência. Quando menos esperava, aos 17 anos, a família lhe arrumou um casamento. Em poucos meses, estava grávida, mas antes de a criança nascer, deixou o marido e voltou a morar com os pais. Com um filho para criar, tornou-se doméstica, porém não deixou o ofício. Assim, conseguiu se manter e conquistar a independência financeira. Hoje mora em casa própria com o filho José Cândido Rafael, 31 anos, que herdou o dom da avó e da mãe. Ele, ao lado da esposa Cidália, faz um trabalho com máscaras de barro, típicas da cultura cearense.
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Embora com todos os filhos criados, a vida é de batalha. Ainda hoje mora numa casa alugada. Aposentada, recebe um salário mínimo mensal. O mesmo valor que tem direito por ser diplomada Mestra da Cultura pelo Governo do Ceará, em reconhecimento ao trabalho.
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Por muito pouco, não entrou no convento, como desejava o pai. Num dos poucos momentos que ousou desobedecê-lo, casou-se, em 1959, com o agricultor João Américo Monteiro, “trabalhador e sem vícios”. Do pai, Elias, falecido há três anos, guarda boas lembranças. Apenas lamenta que não tenha se esforçado para colocá-la na escola, apesar da insistência da mãe, Maria. Sem saber ler nem escrever, aprendeu apenas assinar o nome no curso de alfabetização para adultos que frequentou no ano passado. “Só parei porque acabou, mas se voltar, tô dentro”, promete. A falta das letras, no entanto, não a impede de “escrever” suas histórias, desde 1973, por meio dos “temas” (peças tridimensionais sobre estruturas de barro para parede ou mesa). Neles, retrata ícones nordestinos como Padre Cícero, Lampião e Maria Bonita, influenciada pelos relatos do avô, Manoel, que trabalhava com o “santo de Juazeiro” e presenciou visitas do Rei do Cangaço ao sacerdote. Cenas do cotidiano também inspiram as obras: quermesses, casais de namorados, quadrilhas e banda cabaçal. Mas há outras distantes da realidade, como o mar. Só não gosta de fazer imagens de santos porque “tem pena de queimá-las”.
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D I Maria
aindanãose considera umaartista. Sóadmitirá serchamada assim quando conseguir contar,por meiodos temas, aprópria história
No Ceará, nossos ancestrais dominavam a técnica, transmitida ao longo das gerações, deixando as marcas de uma herança a ser valorizada. Temos importantes polos de produção de cerâmica em Cascavel, no Ipu e Viçosa do Ceará, na Serra da Ibiapaba; no Cariri; no litoral de Amontada; em Iguatu, que se chamou Telha; no Vale do Jaguaribe, nos Inhamuns e no Sertão Central. Temos barro em todo canto e quem dele se ocupe. Essa gente criativa faz potes, quartinhas, panelas, jarros, cuscuzeiras, fogareiros e tudo o que ouse a nossa imaginação. Também são feitas bonecas; máscaras decorativas; temas (peças que contam uma história); ex-votos (para pagar promessas pelas graças alcançadas) e santos que vão pedir a Deus por todos nós. Curioso como essa manifestação cultural não tem fronteira. Interessante como nem tudo é igual, mas a base é a mesma. O primeiro passo é encontrar gente habilidosa que tenha aprendido com os pais que, por sua vez, aprenderam com avós, bisavós, e assim por diante. Depois, escava-se o lugar onde o barro se acha. Às vezes, precisa ser misturado com outros barros para a liga ficar mais forte, resistir à queima e poder voltar ao fogão. Esse trabalho é mais masculino, porém são muitas as mulheres que escavam, enchem latas ou carrinhos de mão e levam o barro para suas casas, geralmente de taipa (armações de madeira recheadas de barro que parecem extensão do barro do chão). Lá no terreiro é pilado, peneirado e posto de molho com pouca água, geralmente enrolado em sacos plásticos. Quando homens e mulheres vão tra-
balhar o barro, é comum se sentarem no chão, em círculos, como se fossem crianças brincando. Os utensílios são toscos: pedaços de cuia e couro, sabugos de milhos, faquinhas, canivetes e pedras. Desses instrumentos saem maravilhas de mãos calejadas, com as unhas cheias de barro e a experiência de quem viu muitas vezes aquilo ser feito até se aventurar na arte. Aos poucos, as peças vão ganhando forma. Depois de prontas, vão para o forno, que geralmente fica no quintal e, às vezes, é comunitário. Uma de nossas ceramistas mais importantes, Dona Ciça, do Juazeiro, preferia trabalhar com o barro cru. Modelava, deixava a peça secar ao vento e depois a pintava. Elas ficavam bem mais frágeis. Quem se importava com isso? Quando a peça vai para o forno, sobre grelhas de ferro, com o fogo no chão, a partir da lenha, pode acontecer de ela trincar e até quebrar. Isso ocorre quando fica no barro um pedaço de pedra ou uma bolha de ar. Todo cuidado é pouco. E dá uma dor no coração ver tanto trabalho se transformando em cacos. Depois de muitas horas de fogo, com o forno coberto por restos de cerâmicas, está na hora de ver o resultado final. Mas o forno pode ser ainda mais antigo. Ao invés de se fazer circular, como cacimba, com o suporte de ferro e a tampa de cacos, pode-se empilhar as peças, recobri-las com madeiras, folhas e até estrume de gado. É o que se chama de forno de coivara nos Inhamuns e no Cariri.
Pintura Queimar é tão difícil quanto fazer a modelagem. Muitas panelas são arranhadas com sabugos de milho para aderir melhor às mãos na hora do uso. O mesmo vale para potes e quartinhas que deixam a água bem fresquinha no calor do sertão. Muitas peças são pintadas, como panelas, máscaras e os temas. Antes, usava-se o “toá”, um barro ora branco, ora com nuances de vermelho, substituído hoje pela tinta látex. A Terra gira em torno do sol, amanhã não será como hoje e o povo do barro estará sempre inventando algo novo, descobrindo o que fazer e tentando sobreviver num mercado cada vez mais competitivo. Muitos levam suas peças, no lombo do burro, para as feiras. Outros têm clientes, como a Ceart, em Fortaleza, ou lojas que vendem artesanato em Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro. o
B I Gilmar
de Carvalho estuda as relações da Comunicação com a cultura. Acima, esculturas da família Cândido
FOTO: FRANCISCO SOUSA
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O tradicional porquinho em barro, com o qual as crianças aprendem a poupar, é produzido pela Associação dos Artesãos do Tope
No Tope, o trabalho com o barro continua em muitas casas. Aos sábados, a produção é vendida na feira de Viçosa. No retorno, os artesãos levam o apurado em forma de alimentos e outros artigos DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
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Profissão como presente D I As galinhas
são marca registrada de Vanusa, que faz ainda peças tradicionais, seguindo os passos da mãe, a mestra Francisca
la nasceu numa véspera de Natal e seu maior presente foi ter puxado à mãe. Em talento e persistência. Vanusa Emídeo do Nascimento, 44 anos, pode se considerar uma pessoa privilegiada. Afinal, é a única que trabalha como artesã entre os seis filhos de dona Francisca Nascimento (veja matéria na página ao lado). Ainda menina, aos oito anos, começou a dar os primeiros passos na arte de fazer cerâmica. Sempre, é claro, de olho nas mãos da sua mestra. “Fazia pote, panela, quartinha e também acompanhava a mãe à feira de Viçosa do Ceará, todos os sábados”, relembra. Presidente desde 2005 da Associação dos Artesãos em Cerâmica do Tope, Vanusa se divide entre a produção das peças e a administração da entidade. Dependendo das encomendas, chega a apurar um salário mínimo por mês. “Acho meu ofício muito importante. Além de ajudar meu marido nas despesas da casa, tenho o maior orgulho de ser reconhecida pelas minhas criações. Antes, a gente era chamado de ‘comedeira’ de barro. Hoje, somos respeitadas como artesãs”, comemora. A convivência com os colegas, a liberdade de não cumprir horários, o compromisso de entregar as encomendas no prazo, tudo isso integra o cotidiano de Vanusa. “Faço todos os modelos, principalmente as galinhas. A cada curso que
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Com inspiração na natureza Nada de peças pequenas. Hilda Calais, de Viçosa do Ceará, gosta mesmo é de fazer trabalhos enormes e com formas diferenciadas. A natureza está sempre presente, seja nas flores, nos troncos e animais que surgem em suas criações. Não sabe dizer de onde vem tanta inspira-
A I O jarro
grande, com desenhos florais , é especialidade de Hilda Calais, residente em Viçosa do Ceará
Atração em Viçosa A VISITA à sede da Associação dos Artesãos em Cerâmica do Tope é uma das atrações para quem visita Viçosa do Ceará. A 3 km da sede do Município, é possível ver artesãos criando peças e comprá-las, a exemplo de panelas, travessas, xícaras e bules. Parte da produção é vendida nas lojas da Ceart.
Dos 22 associados, 12 trabalham no galpão. O espaço, conquistado com apoio do Governo do Estado em 1996, tem sala de exposição, ateliê e forno. Agora, os artesãos esperam que a conclusão das obras da nova rodovia CE-311 (Viçosa a Granja), onde fica localizado o galpão, reflita no aumento das vendas.
temos oportunidade de fazer, a gente se aperfeiçoa mais”. Vanusa trabalha no galpão da Associação, onde tem a companhia de 11 artesãos, um deles é o filho Luís Paulo, 22 anos, cuja principal função é preparar o barro. Casada com o agricultor Luís Carlos Gregório há 26 anos, é mãe também de Vilani, 28, e de Carlos Luis, 16. Recentemente, a família cresceu, pois a mulher de Luís Paulo, Rejane, passou a morar com eles. Vanusa tem casa própria, com três quartos, sala e cozinha, o suficiente para acolher bem a família. o
Miniaturas valiosas
ção. Mas bastava olhar, ao seu redor, o verde exuberante da Serra da Ibiapaba. Ainda criança ajudava a pisar e alisar o barro e, aos 15, já criava peças. “Era coisa pouca, prato, quartinha, copo. Mamãe levava para vender na feira, todos os sábados”, recorda.
Brincar com miniaturas de cerâmica já foi uma prática comum entre as crianças do interior cearense. Contudo, com tanta tecnologia, está cada vez mais raro esse tipo de criatividade. No Sítio Tope, em Viçosa, Madalena Rosa da Silva, 64 anos, é uma das poucas artesãs que continua contribuindo com o entretenimento infantil . Na casa de taipa, onde mora com sete adultos e mais cinco crianças, ela ainda consegue espaço para fazer cerâmica. Graças ao trabalho garante uma renda extra à família. Durante a semana, a artesã prepara o barro com ajuda de duas filhas, Daiane, 25 anos, Adriana, 22, e também da neta Lucileide, 27. Na sexta-feira, é dia de queimar as peças que, no sábado, são levadas para a feira na sede do Município. O dinheiro apurado é praticamente para pagar as despesas da bodega.
Doméstica Aos 16 anos, Hilda deixou o barro para trabalhar como doméstica, em Fortaleza. Ficou no emprego durante quatro anos. De volta para o Sítio Tope, onde nasceu e se criou, retomou a vida, casou-se e teve quatro filhos, três homens e uma mulher. “Nenhum seguiu os meus passos nem os meninos quiseram se casar com as louceiras daqui”, lamenta. Toda a família de Hilda vive em torno da agricultura. A filha, Juraci, é a única que mora em Fortaleza. Quando a mãe a visita, não economiza na bagagem. “Levo de tudo um pouco, feijão, jerimum, batata, café torrado. Quando chego lá os netos fazem a festa”, diz. A rotina de Hilda inicia às cinco da manhã, quando acorda, dá comida aos pintinhos e acende o fogo para fazer o café. Às seis horas, começa a caminhada por indicação médica. Às sete, já está no galpão da Associação dos Artesãos do Tope, onde trabalha diariamente. Aos 62 anos, toma remédios para pressão alta, diabetes e colesterol, mas é no artesanato que, segundo o próprio diagnóstico, encontra a cura para tudo. “Gosto muito de contemplar minha arte”, confessa. o
FRAGMENTOS
B I Madalena é
uma das únicas no Sítio Tope que continua fazendo peças lúdicas
Mesmo sendo pouco, Madalena diz não conseguir viver sem o trabalho. Submetida a uma cirurgia recente no rosto, ainda aguarda o resultado da biopsia. Sem poder se expor ao sol e precisando de cuidados, passou somente um mês longe do barro. Para fazer os exames e a cirurgia precisou ir a Sobral, onde um médico de bom coração fez tudo, sem cobrar nada. As despesas com passagens foram pagas por um bingo realizado entre os seus amigos. Abandonada pelo marido com os filhos ainda pequenos, Madalena nunca mais se casou. Aposentada, recebe um salário mensal. Desse valor, desconta R$ 100,00 do empréstimo que fez para erguer a casa, destruída pelas chuvas em maio passado. O jeito foi buscar refúgio no galpão de taipa, espaço que usava como ateliê. Para se ter ideia do improviso, até a porta é de trançado de palha. Apesar de tudo, Madalena transmite paz infinita e paciência capazes de modelar qualquer dificuldade que encontrar pela frente. o
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ORGULHO
HNunca escondi a minha arte. Graças a Deus, foi com ela que criei minha família. Além disso, os tijolos da minha casa eu comprei tudinho à custa das minhas bonecas de cerâmica”
mais tarde. Também conseguiu o galpão para acomodar os artesãos em cerâmica da comunidade do Tope. Até 2007, a casa da ceramista era de taipa. Agora, na alvenaria, tem três quartos, duas salas e banheiro. A ampla cozinha serve ainda de ateliê. Só não está mais feliz por conta dos recentes problemas de saúde. Tem colesterol alto, pressão arterial desregulada e diabetes. “Quase que vocês não me viam mais. Eu me apaguei”, diz, referindo-se a uma crise séria em agosto do ano passado. E admite a extravagância: “Comi galinha à cabidela, bolo, doce. Não reservei nada”. Após o susto, Francisca passou a cuidar mais da saúde, principalmente com relação à alimentação. Acorda às cinco horas e faz logo um mingau de aveia com leite, come frutas e verduras. No jantar, apenas merenda. E só dorme após 9 da noite. No tratamento, está incluído o barro. “Se eu ficar sem trabalhar, aí que eu fico doente mesmo”, confessa.
C I Na casa
nova, a artesã Francisca montou o ateliê na cozinha: “Acho bom trabalhar aqui porque fico perto do fogão”. Na mesa, há duas bonecas em fase de conclusão, assim como as canecas
Devoção Os santos também fazem sua parte. Até foi preciso apressar a entrevista, pois naquela noite ela pagaria mais uma promessa. Desta vez, a 30 km de casa, a Nossa Senhora da Saúde. Em três ocasiões, já visitou a cidade de Canindé para agradecer as graças alcançadas com São Francisco: “Fui descalça e vestida de marrom, como é a vestimenta do santo”, planeja. Movida por essa fé, Francisca continua produzindo. Aposentada como trabalhadora rural e com o salário mínimo por mês de Mestra da Cultura, a artesã nem precisava mais colocar a mão no barro, mas confessa não conseguir viver sem a sua arte. o
D I As
senhoras buchudas foram inspiradas nas grávidas que Francisca observava no Sítio Tope
FRAGMENTOS
Mudança para melhor AOS 10 ANOS, Francisca já ganhava um trocadinho carregando água na cabeça para os vizinhos. “Comprava um par de tamancos e aquelas chitinhas para fazer roupa. Ficava toda faceira. Era o traje da missa. Pois, para usar em casa, minha mãe fazia as roupas com saco de cereais”. Depois, com 12 anos, começou a criar peças de barro, incentivada pela tia Adelaide. Produzia pote, quartinha, jarra para dar água ao animal, cuscuzeira e alguidar para bater rapadura. “Aí não comprava mais tamanco, era alpargatas. As coisas foram mudando, de melhor para melhor”, conta. Somente em 1997 passou a modelar as bo-
necas grávidas, hoje a principal produção. “Antigamente, as mulheres daqui tinham muitos filhos e, quando avançavam na idade, ficavam com cerimônia. A partir daí, passei a fazer as buchudas mais velhas”, recorda. Em 2001, numa viagem à Bahia, viu tantas baianas e voltou para o Tope cheia de inspirações. Mesmo com o título de Mestra da Cultura, desde 2004, Francisca diz não ter mudado nada na sua vida, apesar de ter ficado orgulhosa com o reconhecimento. Além disso, acredita que outras artistas mais importantes poderiam ter recebido tal reconhecimento no seu lugar.
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DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
A mestra das bonecas o Sítio Tope, em Viçosa do Ceará, está a casa de uma das quatro Mestras da Cultura em cerâmica do Ceará. Francisca Rodrigues Ramos do Nascimento, 71 anos, já trabalhou muito com o barro, buscando na mata, carregando na cabeça, limpando e amassando, até ficar no ponto de modelar as louças. Com a arte, orgulha-se de ter conseguido criar os filhos e construir a casa própria. Atualmente, as bonecas são seu principal artigo. Casada há 46 anos com o agricultor Francisco Emídeo, a artesã nunca teve vida fácil. Dos oito filhos, seis estão vivos. Apenas Vanusa segue seu ofício. Motivo de orgulho para a mãe, assim como é a formatura em Biologia da filha Erivan, a única que concluiu o ensino superior. “Fiz até a 4ª série primária, mas hoje só consigo escrever meu nome usando os óculos”, diz a artesã. No passado, tudo era mais difícil para Francisca. “Fazia 40 potes por semana e colocava no animal para ir vender na feira de Viçosa, a 3 quilômetros daqui”, recorda. O barro e a agricultura eram suas fontes de sobrevivência. E a luta não se restringia apenas à família. Como presidente da Associação dos Moradores do Tope, lutou por várias melhorias, como a energia, instalada em 1997, e a água, conquistada cinco anos
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Devido ao tipo de barro, as panelas de Viçosa do Ceará (foto) são decorativas. Francisca cozinha com as produzidas em Ipu porque são mais resistentes ao fogo
Francisca atualmente não precisa mais amassar o barro, uma das etapas mais pesadas do processo da cerâmica. Na Associação dos Artesãos, uma máquina faz esse trabalho
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Para a produção das peças, Benedita conta com a ajuda da irmã Ivanir Araújo, que alisa as peças com uma pedra, e do marido Francisco, responsável por pegar o barro e amassá-lo. Também é ele quem leva as peças ao forno DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
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Bendita lição de vida O
A I Para
trabalhar, Benedita usa peças com modelo rudimentar, mas sua louça é muito delicada. Nela, a marca registrada são as flores em alto relevo
cenário é bucólico, com direito à igrejinha cor-derosa. Na Fazenda Pató, a 6 km de Caridade, Sertão Central, encontramos a tradicionais louceira da região: Maria do Carmo Pereira Teixeira, 85 anos. Era uma sexta-feira de julho, meio da tarde. Ela estava rezando o terço. Aguardamos na varanda da aconchegante morada. E, após algum tempo, aparece junto a uma das filhas. Explica que deixou o ofício e apresenta Benedita Gomes de Araújo, 58 anos, como a única sucessora. Professora aposentada, Benedita tem casa e família, mas passa as tardes mexendo com barro numa das dependências da casa da matriarca. O ateliê é um pequeno quarto ao lado da cozinha, com janela para o quintal. Várias peças, a exemplo dos conjuntos de feijoada, já estão prontas para serem queimadas e, posteriormente, entregues à Ceart. Para demonstrar a rotina de trabalho, a artesã pega uma porção de barro. Sentada no piso de cimento frio, passa horas modelando e alisando a matéria-prima como se o mundo não existisse. Ela recorda que, no passado, o alumínio não fazia parte da realidade, e as louças eram todas de barro. “Até 1973, nós só fazíamos panelas e potes. Com a visita e o pedido de vigário Ernesto, da Alemanha, começamos a produzir outras peças, inclusive com detalhes em alto relevo”, recorda.
Exposições O talento das ceramistas ganhou reconhecimento por meio de exposições no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza e, no Museu de Canindé. Mas o trabalho de Be-
nedita não se restringe ao artesanato. O envolvimento com a igreja é intenso. Aos sábados, dá aula de catequese. Em 2000, conseguiu, com ajuda da comunidade, erguer a igrejinha. Antes disso, as celebrações eram realizadas no alpendre da casa da mãe. Não por acaso, o templo é dedicado à Nossa Senhora do Carmo. Casada com o agricultor Francisco Salviano Araújo há 37 anos, Benedita tem cinco filhos e quatro netos. Paralelo ao trabalho com o barro, sempre se dedicou à educação. Atuou durante 28 anos como professora e merendeira pela Prefeitura de Caridade. Antes porém, já alfabetizava em casa. “Dava aula de dia e estudava à noite, na escola particular da vizinha. Por não ter curso completo (fiz somente a primeira série do primário), fui afastada da escola, mas três meses depois me chamaram de volta”, relembra. o
FRAGMENTOS
Continuar é preciso
B I Dona Maria
A I Conjunto de
feijoada pronto para ir ao forno, uma das especialidades da artesã de Caridade
do Carmo, 85 anos, deixou de fazer louças por problemas de saúde, mas demonstra, ao lado de Benedita, como se produz uma bacia
ENQUANTO conversamos com Benedita, dona Maria do Carmo acompanha de pé, na porta do quarto. De vez em quando, faz interferências. Começou a produzir barro aos 10 anos, com a avó Francisca Pereira. “Ela já era velhinha. Trabalhávamos para comprar comida. Graças a Deus nos criamos tudo. Se pudesse, ainda continuava trabalhando”, relembra a artesã, afastada do ofício por problemas de saúde. Dos filhos de Maria do Carmo, sete são mulheres e dois homens. Todos sabem modelar, contudo somente Benedita prossegue na profissão. E ela parece mesmo ser a única na Fazenda Pató. Por isso, preocupa-se com o futuro: “Minha mãe não faz mais, minhas tias já morreram. Quem vai dar continuidade? Acho que um dia vai acabar. Às vezes, até penso em parar, mas não consigo. Gosto muito e faço desde criança, ajudando minha avó”. Benedita diz que nem mesmo os seus filhos se interessaram. Segundo ela, os jovens de hoje não têm mais paciência para esse trabalho: “É igual a farinhada, pra fazer é preciso se sujar, só que ninguém quer ficar sujo”.
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Conquista da terra sangue que corre nas veias não é a única ligação das irmãs Marilene, Francileuda e Sandra. Elas vivem no Assentamento Cachoeira do Fogo, em Independência, no Sertão dos Inhamuns. São casadas com agricultores, moram vizinhas, têm filhos, trabalham na roça, cuidam da casa e se garantem, ainda, como artesãs de cerâmica. Cada uma possui estilo próprio. A técnica foi repassada pela mãe, Francisca. Aos 66 anos, ela está aposentada e largou a lida. Também fizeram cursos pelo Sebrae-CE e pela Ceart. A maior parte da produção segue, por meio de atravessadores, para feiras de cidades próximas, como Crateús. As irmãs ainda expõem em eventos de agricultura familiar. Na casa de Marilene Alves da Silva, 38 anos, as peças se espalham por vários locais, seja decorando a parede, como utensílio ou em fase de finalização. No alpendre, ela estoca o barro. Na área de trás, trabalha no torno, feito de madeira e ferro. Passa horas alisando suas criações refletidas no cotidiano rural. Além das panelas e quartinhas, esculpe galinha caipira, porco, pato e flores. Casada com Joaquim Rosa há 20 anos, tem dois filhos, Laiane, 19, e Sérgio Ranieri, 17. Quando recebe encomendas, levanta de madrugada, mas conta com a ajuda de Joaquim e do filho no preparo do barro. Além disso, é primeira secretária da Associação Comunitária Organização e Trabalho do Assentamento. Concluiu o Ensino Médio após ter os filhos e participou ativamente do movimento para construção da igreja local cuja padroeira é Nossa Senhora das Graças. Porém, é o trabalho com o barro que a deixa mais realizada e feliz. Por conta dessa dedicação, chega, às vezes, a ser repreendida pelo marido. E, segundo ela, com muita razão. “Quando estou criando, esqueço o resto”, justifica.
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Curiosa Despachada e bem-humorada, Francileuda Alves da Silva, a Tante, 33 anos, a mais nova das irmãs, está sempre sorrindo. Tem um casal de filhos, Antonio Carlos, 15 anos, e Débora, 10, frutos do feliz casa-
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No quintal de casa de Sandra, no Sertão dos Inhamuns, as galinhas caipiras põem ovos dentro de potes “levantados” pela artesã DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO - 14 DE MARÇO DE 2010
No assentamento, a telefonia celular só funciona em determinadas áreas. A Internet ainda não chegou, mas na casa de Marilene tem computador, usado, principalmente, pelos filhos
mento de 17 anos com o agricultor e pedreiro Raimundo Nonato da Silva. Seu dinamismo parece com o de uma mulher urbana, executando mil coisas ao mesmo tempo. Para ajudar nas despesas domésticas, faz depilação, crochê e redes de dormir com sacolas de plástico. Vende picolé nos dias de futebol na cidade, trabalha na roça e cria animais. Porém, Tante é, acima de tudo, uma artesã desde os 14 anos. E valoriza a profissão, pois reconhece ser uma fonte de renda certa, mesmo que pouca. Com o auxílio da esposa, Raimundo pôde comprar uma moto para a família. A casa é pequena, tanto que o quarto da filha virou seu ateliê. Curiosa, Tante gosta de experimentar formas fora do convencional. Uma das criações é a escultura do macaco, um tanto, digamos, obscena, na qual investe todo o seu humor. “Já sou conhecida como a mulher do macaco”, brinca. Ah! E nos momentos de folga, gosta também de jogar futebol.
Compromisso Na casa de Sandra Alves de Freitas, 46 anos, a mais velha das três, a varanda está repleta de potes e quartinhas. Ao lado, sacos de milho, colhidos na roça da família. Chama atenção a boneca amarela, apenas de busto. “Que bonita!”, comentamos ao chegar. E a artesã, às gargalhadas, diz: “não acho muito“. Ela aprendeu a fazer a peça, que lembra as namoradeiras de Minas Gerais, num curso. Observada pelo marido, Manoel Vasconcelos, começa a contar sua vida. Com cinco filhos, dois casados, só fez até a 4ª série primária: “Tinha menino demais”. Além dos legítimos, adotou três do marido cuja mulher morreu de parto. “Eu era vizinha do casal. Não teve namoro. Ele apressou o negócio e casei com 16 anos”. Sandra, dentre todas as atividades que executa, tem compromisso maior com o barro, de domingo a sexta-feira. Desenvolve as peças num quartinho que chama de escritório. “Quando menos espero, a comida tá no fogo queimando”. Culpa do ofício iniciado aos 12 anos: “A gente vive dele. Não dá para parar”. Três dos filhos fazem potes, prometendo continuar a tradição da família. o
FRAGMENTOS
Agricultura familiar DAS 72 CASAS do Assentamento Cachoeira do Fogo, seis pertencem à família das irmãs Marilene, Tante e Sandra. Lá, os habitantes desenvolvem a agricultura familiar numa terra conquistada há 12 anos, por meio do Incra. Plantam e criam diversos animais para consumo próprio. O excedente é comercializado. Lá, só não tem a matéria-prima das artesãs, colhida no Jaburu, a 14 quilômetros . As casas são semelhantes, com varanda, quartos, cozinha e banheiro. Cada assentado utiliza o quintal como deseja. Marilene, por exemplo, cultiva um pomar. Para se chegar ao assentamento, são 18 quilômetros de terra batida a partir do município de Independência. É preciso ter cuidado com as carretas, que provocam enorme poeira, prejudicando a visibilidade. Elas transportam calcário de uma mineradora, que emprega muitos habitantes locais. Talvez seja por esse motivo que as irmãs saiam pouco do lugar onde moram. Marilene costuma ir somente uma vez no mês à Cidade para a feira. Sandra, apenas para pegar o pagamento do Bolsa Família e a aposentadoria do marido. “Se a gente solta os ‘véi’ aposentado por aí, eles chegam aqui sem o dinheiro”, brinca a artesã.
B I As irmãs Marilene, Tante e Sandra, no Assentamento Cachoeira de Fogo: durante o período de chuvas são agricultoras. Na estiagem, artesãs de louças utilitárias e decorativas
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As peças da Associação de Russas são vendidas para a Ceart e o Centro de Artesanato de Aracati, mas o sonho de Eliana é um espaço para comercialização na cidade. O terreno já foi doado pela Prefeitura local
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Sempre que possível, Eliana participa de feiras no Ceará e em outros estados. Acha importante marcar presença em eventos desse gênero pela oportunidade de receber encomendas
B I Eliana
A cada dia, um novo desafio orriso largo, daqueles que cativam de cara. Conversadeira, determinada e, ao mesmo tempo, cheia de sonhos. Ou melhor, desafios, como prefere defini-los. Eliana Machado Oliveira de Sousa, 45 anos, nasceu em Fortaleza, porém há uma década se mudou para a cidade de Russas, interior do Ceará. Presidente da Associação dos Artesãos e Artistas Plásticos de Russas há cinco anos, ela recorda que a ligação com o artesanato começou quando ainda morava no bairro Granja Portugal, na Capital cearense. “Sempre me envolvi com a comunidade, pois minha mãe, Raimunda Eunice, era presidente da Associação de Moradores da Serrinha. Ao chegar à Granja Portugal, descobri a importância do trabalho manual na minha vida”. Na época, Eliana fazia pintura, crochê, sabonetes e velas decorativas. Começou também a ministrar palestras para a formação de grupo, visando ao cooperativismo.
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Mudança Uma das principais lutas da comunidade era conseguir recursos para a segurança. Mas foram justamente três assaltos sofridos pela artesã que a fizeram migrar para o Interior em busca de melhor qualidade de
B I Oterçoeas bijuteriasse destacamna produçãoda artesã,que tambémcria lumináriase arandelas
OTIMISMO
HAdoro trabalhar
com artesanato. Ele é praticamente a minha vida. Sempre ressalto para os meus filhos que dele vem o sustento da nossa família”
vida e oportunidades profissionais. Chegou perdida, sem saber o que fazer. Na Cidade do Vale do Jaguaribe, conhecida por ter um dos melhores barro do Ceará, viu a necessidade de resgatar o artesanato produzido com a matéria-prima. “Decidi formar a associação. Então, em 2002, pedi à Ceart um curso de cerâmica artesanal e capacitamos 22 pessoas”, relembra a artesã, que concluiu o Ensino Médio. Apaixonada pelo ofício, conta que sua principal criação são os terços. “Consegui desenvolvê-los durante um curso. Faço-os em qualquer canto, principalmente à noite, em frente à televisão”. Outro destaque são as bijuterias, de barro, compostas com diferenciadas matérias-primas. As luminárias e arandelas são o carro-chefe do trabalho do marido, José Nilo, embora ela também saiba produzi-las. “Tudo é moldado à mão. A gente faz os furinhos com uma faca. Essa ferramenta foi criada especialmente por nós”. Casada desde 1988, Eliana tem dois filhos: Maira Alana, 20 anos, e José Mateus, 14. O seu entusiasmo, no entanto, não conseguiu envolvê-los. Como supermãe, ela entende e dá forças para seguirem as profissões desejadas. Contudo, procura sempre mostrar aos jovens que do barro vem todo o sustento da família. “Por isso, acredito no artesanato. Meu maior sonho é que seja construído um galpão para o desenvolvimento do trabalho e um centro de vendas em Russas”. Segundo ela, a maior dificuldade dos artesãos é a comercialização das peças. “O básico do ser humano é comer, vestirse e calçar. Infelizmente, artesanato não é um artigo de primeira necessidade”. o
Machado deseja, um dia, representar o artesanato do Vale do Jaguaribe, incentivando as pessoas e buscando recursos para a melhoria da vida de cada uma delas
FRAGMENTOS
Residência como galpão DE PEÇAS decorativas às utilitárias. A Associação dos Artesãos de Russas produz travessas de feijoada, kit de escritório, jarros, fruteiras, porta-guardanapos, saleiros, pimenteiros, castiçais, entre outras opções. “Elas são diferenciadas e de muita qualidade”, ressalta Eliana Machado. No grupo, há 58 participantes. Desses, 15 se dedicam à cerâmica, sendo 12 mulheres. A maior parte do trabalho é feita na própria residência da presidente, principalmente quando recebem encomendas. Isso porque a entidade ainda não possui sede própria.
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B I Raimunda, uma das tradicionais louceiras de Cascavel, e as filhas Liduína, Lucinete, Luciana e Francisca, a única que não segue o ofício da mãe
A renda da família Muniz o quilômetro 52 da CE-040, em Cascavel, a loja e ateliê com produções em cerâmica chamam atenção de quem trafega pela rodovia. No entanto, essa é apenas uma amostra das criações da família Muniz. A dois quilômetros dali, no Sítio Boa Fé, distrito da Moita Redonda, vale a pena conferir a matriarca Raimunda Silva de Sousa Muniz, 66 anos, conhecida como Raimundinha. De longe avistamos uma mulher franzina, simpática e de baixa estatura. Sentada no chão da varanda, fazia o acabamento em meio a peças prontas empilhadas num canto. Mesmo tendo de concluir 100 bacias encomendadas, deixa o serviço para nos atender.
N Processo
Se beber água direto da fonte é mais gostoso, o mesmo acontece com o artesanato. Acompanhar o processo de produção de uma peça feita toda à mão é algo indescritível. Raimundinha explica etapa por etapa.
Referências de estilo na Moita Redonda Com pais trabalhadores e criativos, o destino dessas mulheres não poderia ser diferente. Todas começaram a fazer as primeiras peças ainda crianças. Lúcia de Fátima, 36 anos, Antonia Lúcia, a Luciana, 34, Liduína, 32, e Lucinete, 30, vivem basicamente da produção de cerâmica. Cada uma tem o seu estilo, identificandose com a mãe ou pai. A única que não seguiu esse caminho é a caçula, Francisca Silva de Sousa, 25 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Durante o curso, residiu na Casa do Estudante. Não tinha onde ficar em Fortaleza nem condições financeiras para se manter. Após formada, voltou a morar com os pais. Leciona espanhol numa escola estadual em Cascavel. Planeja fazer mestrado e comprar uma casa em Fortaleza.
Primeiro quebra o barro, coloca no tanque com água, depois amassa com os pés, molda, seca um pouco no sol, tira os excessos, alisa com esponja molhada ou sabugo, seca, alisa novamente - dessa vez com uma semente - e, então, é queimada no forno. Após 4 ou 5 horas, a peça está pronta. Com exceção da queima, realizada apenas uma vez por semana, o ritual acontece diariamente, de segunda a sexta-feira. Se precisar, avança pelo sábado e domingo. A vantagem de dona Raimundinha, que trabalha cerca de 8 horas por dia, é ter a ajuda de quatro das cinco filhas mulheres (veja matéria ao lado), além dos genros e de alguns sobrinhos. Há cerca de três anos, o marido, Francisco Muniz, teve a ideia de incrustar o desenho da renda na cerâmica. Ainda hoje é considerada a fórmula do sucesso, guardada a sete chaves. No galpão atrás da casa, no qual o processo é realizado, há um aviso na porta: “Não entre sem convite”. Disponíveis nas lojas da Ceart, as peças são também vendidas para países como Itália e Portugal.
Opção Na contramão dessa história, está Antonia Lúcia Silva Sousa, a Luciana. Mesmo formada em Pedagogia e pós-graduada na área de Educação, deixou o artesanato falar mais alto. Chegou a conciliar o barro com um expediente numa escola: “Trabalhava muito e ganhava pouco, além do mais, tinha que cumprir horário. Aqui não, faço o meu dia”.
Rústico Segundo a artesã, que trabalha com barro desde os sete anos, é o marido quem pensa mais nas inovações. Reconhece que a partir da renda tudo começou a melhorar. “Até pouco tempo o nosso galpão era de taipa, agora é de alvenaria”, diz satisfeita. No mais, continua tudo igual. A rusticidade do trabalho é primorosa. Todas as peças são moldadas à mão. Em nenhum momento são utilizados tornos. É pela habilidade de Raimundinha que surgem as quartinhas, panelas e jarros, modelos preferidos. Porém, com problemas de artrose, deixou de criar peças grandes. Mas não é só de barro que a louceira vive. Nas horas de folga, reza, faz novenas e ainda leva comunhão aos doentes. Além disso, confessa: um bom papo sempre lhe faz muito bem. o
Luciana, sócia da irmã Liduina na loja, fica a maior parte do tempo no local, coordenando produtos que entram e saem, o balanço das vendas e a divisão do lucro. Ao mesmo tempo, desenvolve novos trabalhos, principalmente a cerâmica vitrificada. Embora já tenha participado de cursos na área, deseja estudar e conhecer mais a parte teórica da tipologia. A loja da família foi aberta em 2006, vizinho à casa de Liduína. Ela herdou o talento do pai com a criação de esculturas e, ao lado do marido Francisco Otávio Dantas, Nildo, não para de produzir. Faz tanto peças grandes e miniaturas, a exemplo dos presépios. Lucinete, casada com o mototaxista Josenildo, é mãe de Lucas, 10 anos. Além do trabalho com cerâmica, complementa a renda vendendo roupas de porta em porta. Lúcia de Fátima, a mais velha, parou de estudar na 6ª série, engravidou e casou. Mora ao lado dos pais com a filha e o marido Aloísio, que também atua na olaria. Mesmo com sacrifício, conseguiu construir a casa de alvenaria. E, todas juntas, constroem a história da família Muniz, referência em Cascavel na arte de fazer cerâmica. o
D I Habilidosa,
Raimunda amassa o barro e molda as peças. No trabalho dos Muniz, o diferencial é a aplicação com desenhos de renda
FRAGMENTOS
A louça de Cascavel FAMOSA pela produção de cerâmica, Cascavel, no Litoral Leste, realiza aos sábados sua feira semanal. Nela, podem ser encontradas as mais variadas peças, como potes, quartinhas e panela produzidas com barro avermelhado, característico da região. Mas a oferta já chegou a ser bem maior. No dia em que nossa equipe de reportagem visitou o local, o espaço restringia-se a um quarteirão, com pouquíssimos exemplares de cerâmica.
Segundo o presidente da Associação Comunitária da Moita Redonda e Círculo Vizinho (Sítio Boa Fé e Mataquiri), Francisco Muniz, muitos artesãos preferem vender os produtos na própria casa. “O material é muito pesado e, às vezes, nem compensa ir à feira”, justifica. Por isso, a visita ao distrito de Moita Redonda é imperdível para quem está na Cidade. Lá, conforme Muniz, 40% das famílias tiram o sustento do trabalho nas olarias.
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Vale o registro No roteiro do barro, tivemos muitas surpresas. Em cada região, uma peculiaridade: tipo de argila, cores, tamanhos e relevos. Além da beleza da arte, registramos momentos marcantes com as artesãs. A convite das entrevistadas, demos pausas para um delicioso café ou almoço, regado a feijão- de-corda, macaxeira e galinha caipira
B I Almoço com a família de Corrinha Nascimento em Missão Velha. À esquerda, Francisco, nosso motorista no Cariri
D I Sentindo
na pele: a fotógrafa Marília Camelo é desafiada a fazer a mesma pose da artesã Hilda, no Sítio Tope, onde Germana entrevista Francisca (abaixo)
B I No ateliê, Benedita conversa com Cristina na
B I Bebedouro à moda antiga: potes à disposição dos visitantes no
B I Aos 4 anos, Dávila Ruth imita a tia Corrinha,
B I Encontro com a família Muniz, de Cascavel, na loja que fica na CE-040, no
Fazenda Pató, em Caridade
em Missão Velha, no Cariri
Museu Vivo do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte
primeiro roteiro, Litoral Leste, quando fomos guiadas pelo motorista Átila
B I Mulheres trabalham no galpão da Associação dos Artesãos do Sítio Tope, em Viçosa do Ceará
B I Em Juazeiro, na casa de Maria de Lourdes Cândido. Com dona Branca, no Sítio Alegria, Ipu, e as irmãs Tante, Marilene e Sandra, no Assentamento em Independência
Direto à fonte
Em Fortaleza, há várias opções para se comprar o artesanato cearense, como as lojas da Ceart, a Feirinha da Beira-Mar, a Emcetur e o Mercado Central. Mas, se você preferir, pode entrar em contato direto com as artesãs, residentes em várias regiões do Ceará. Além de adquirir produtos, terá o prazer de conhecê-las CONTATOS
C PÁGINAS 4 E 5 Maria Alves de Paiva - Branca - (88) 9984.4095 Maria Clara Alves de Oliveira - (88) 9903.7673 Francisca Franciné Fortuna Sampaio - Ciné - (88) 9954.3346 Sítio Alegria - Ipu ( 294,2 km *)
C PÁGINA 6 Lúcia , Maria e Raimunda Pequeno - (88) 9221.3675 Córrego da Areia - Limoeiro do Norte (194,1 km *)
C PÁGINA 7 Maria do Socorro Nascimento - Corrinha - (88) 9619.3610 Sítio Baixa do Quaresma - Missão Velha (504,8 km *)
C PÁGINAS 8 E 9 Maria de Lourdes Cândido e Maria Cândido Monteiro - (88) 3511.6991 Juazeiro do Norte (493,4km*)
C PÁGINAS 10 E 11 Vanusa Emídeo do Nascimento - (88) 9935.3937 Hilda Calais - (88) 9935.3937 Madalena Rosa da Silva - (88) 9614.8532 ou 3632.5707 Francisca Nascimento - (88) 9932.0356 Sítio Tope - Viçosa do Ceará (365,8 km *)
C PÁGINA 12 Benedita Gomes de Araújo - (85) 8828.3832 - Fazenda Pató - Caridade (100,4 km*)
C PÁGINA 13 Marilene Alves da Silva - (88) 9247.9757 Francileuda Alves da Silva - (88) 9249.8284 Sandra Maria Alves de Freitas - (88) 9249.6849 Assentamento Cachoeira do Fogo - Independência ( 309 km *)
C PÁGINA 15 Eliana Machado Oliveira - (88) 9610. 1765 - Russas (162,1km *)
C PÁGINA 16 Raimunda Muniz - (85) 9928.2605 - Moita Redonda - Cascavel (64,3 km *) * Distância de Fortaleza
Confira depoimentos, em vídeos, de artesãs no site www.diario do nordeste.com.br | Comente a série “Mãos que fazem história”: eva@diariodonordeste.com.br
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FORTALEZA, CEARÁ | DOMINGO | 14 DE MARÇO DE 2010 | ANO XXIX | N. 10.087 | R$ 2,50
Com o tema Barro, começa a ser publicada hoje a série de reportagem que destaca a vida e o talento das artesãs cearenses. A equipe do Eva percorreu 71 cidades, em todas as regiões do Estado, e entrevistou 243 mulheres CLASSIFICADOS
5.535 OFERTAS NESTA EDIÇÃO
GRANDE FORTALEZA
Trabalho informal modifica economia
FVendedor ambulante, costureira e doméstica são as principais ocupações Dados da pesquisa realizada pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), DieeseeFundaçãoSeadapontam que quase metade da po-
pulação ocupada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) atua sem vínculos formais, ou seja, sem a carteira assinada. A conta é a seguin-
te: do total de ocupados em dezembro último, 209 mil não têm registro em carteira laboral (13,8%). Outros 404 mil são autônomos (26,7%) e
141 mil (9,3%) são empregados domésticos. A informalidade abrange 754 mil trabalhadores (49,8% dos ocupados). NEGÓCIOS P.1,2,3,4,5, E 8
CADERNO3
CONTAGEM REGRESSIVA PARA NONA BIENAL DO LIVRO DO CE C PÁGINAS 1,3,4, 5 E 8
FÓSSEIS
Da terra para as telas
AMÉRICA LATINA
Transplante: Estado vira referência De janeiro a 11 de março deste ano, 146 pacientes receberam um novo órgão e tecidos no Ceará. A solidariedade dos parentes das vítimas, investimentos em tecnologia e qualificação dão ao Estado status de referência no setordetransplantedaAmérica Latina. CIDADE P.14 E 15 C JOGADA
Ceará enfrenta Ferroviário hoje no Castelão
HOSPITAL DA MULHER
Prefeitura não presta contas ao MS O Hospital da Mulher está com as obras em atraso devidoàausênciaderecursosfedereis. O Ministério da Saúde (MS) informa que só vai liberar mais verbas após a prestação de contas das parcelas já repassadas, condição imprescindível que não vem sendo respeitada pela Prefeitura de Fortaleza. POLÍTICA P.6
C EMPREGOS
ZOEIRA
Caixa publica editais para três concursos
DOCE OU MÁ. CONHEÇA AS C ÚLTIMA HORA PERSONAGENS GP de Bahrein: DE LETÍCIA Vettel faz pole SPILLER
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e Massa em 2º
CORRIDA PRESIDENCIAL
Dilma passa de Serra em pesquisa Pesquisa a ser divulgada na próxima quarta-feira mostra que Dilma Rousseff (PT) está com1pontopercentualàfrente de José Serra (PSDB) nas intenções de votos para presidente. NACIONAL P.8
A A ESCAVAÇÃO defósseis
naChapada doCariri vira documentárioembuscada preserva-
çãoe comodenúncia do tráfico daspeças.REGIONAL P 1.FOTO: CRISTIANE VASCONCELOS (30/12/2005)
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EDIÇÃO 186 PÁGINAS
k FECHAMENTO 12h20
OACOMPANHAM OS CADERNOS NEGÓCIOS, CADERNO3,
REGIONAL, JOGADA, EVA, VIVA, GENTE, CULTURA, EMPREGOS, INFANTIL, ZOEIRA E CLASSIFICADOS
Q EDITORIAL: A força do crack está tão presente em todo o País, que a
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Secretaria Nacional de Segurança Pública vem organizando uma força-tarefa capaz de enfrentá-la. Só a implantação deste programa custará R$ 8 bilhões.
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