Revista Harco #3

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[em dia com o mundo] Ano 2 | #3 - Julho de 2009

Mito da poesia Cultura popular [Uma saudação às tradições da oralidade e da poética nordestina, no centenário de Patativa do Assaré]



É

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preciso conhecer nossas raízes, representadas, ainda, por Patativa do Assaré. Em seu centenário, o terceiro número da Harco discorre um pouco mais sobre este mito da poesia. Poesia representada na MPB por Paulo César Pinheiro e seus relatos de viagem aos 60. Fomos a outros símbolos cearenses: Carlito, Tarcísio Félix, a inclusão social, o maracatu. E e enveredamos por outros horizontes: dança experimental alemã, em artigo da pesquisadora Thaís Gonçalves; a manifestação mundial em defesa do planeta, narrada pela ambientalista Geovana Cartaxo. O Cariri de Patativa sobrevoa outras terras. Celso Oliveira sobrevoa o sertão. Estamos próximos, apesar dos distanciamentos constatados por Batista de Lima.

matéria de capa [ Patativa | Uma troca de palavras em torno da Ave-Poesia ] página 2

dança [História | Thaís Gonçalves conta como a Dança Expressionista Alemã serviu de inspiração para estética nazista] página 30

fotografia [Celso Oliveira | Um sobrevôo no sertão do tempo] página 23

artes plásticas [Carlito | Os personagens de um criador autêntico] página 12 cinema [Análise | 1999 e os novos paradigmas do cinema] página 16 música [Letras | Viagens de Paulo César Pinheiro] página 24 afrocearensidade [Maracatu | A atualidade de um ritual] página 34 arte de viver [Hora do Planeta | Uma mobilização pela Terra] página 36

expediente [ harco | Ano 2 #3 - julho de 2009 ] [Diretores | Vavá Azim | Nauer Spíndola | Vinicio Del Pinto ] [editor e jornalista responsável | Henrique Nunes - CE 01207 JP] [redatores | Kélia Jácome e Síria Mapurunga] [colaboradores da edição | Tadeu Feitosa | Robson Melo | Gilmar de Carvalho | Arievaldo Viana | Dodora Guimarães | Fábio Freire | Mary Debs | Paulo Valdez | Ana Rita Fonteles | Celso Oliveira | Thaís Gonçalves | Geovana Cartaxo | Batista de Lima] [conselho editorial | Vavá Azim | Nauer Spíndola | Vinicio Del Pinto | Schubert Machado | André Spínola] [revisão | Henrique Nunes][projeto gráfico e diagramação | Eduardo Freire] [fotografia | Mauro Angeli | Robson Melo] [tratamento de imagens | Vinicio Del Pinto] [tiragem | 2.000 exemplares] [contatos | 85 3081 0555 | Rua Gal. Eurico 25 - Varjota - Fortaleza - CE | revistaharco@gmail.com | www.revistaharco.com]


[ matéria de capa ]

texto [Henrique Nunes] fotos [Robson Melo]

De realidade e de imaginação O centenário de Patativa do Assaré, celebrado em 2009, perpetua a importância das tradições orais populares 2 [julho de 2009] harco


A

título de perfil biográfico, fiquemos com um texto do próprio, ao menos que lhe é atribuído. “Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher. Eu sou o segundo filho. Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, freqüentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro me-

ses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los. De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Judas, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola

Foto: Mauro Ângeli

e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam. Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim”. Mas sua biografia já é tema batido, pontualmente falaremos dela, mas nossa intenção aqui é discutir um pouco mais sobre a importância deste mito da poesia, nordestina, universal. Para Gilmar de Carvalho, um dos primeiros pesquisadores da academia cearense a se debruçar com afinco sobre a obra do poeta, “Patativa não é pássaro por acaso. Talvez nunca tenha havido uma simbiose tão forte entre pessoa e epíteto: é como se, magicamente, ele abdicasse da sua condição humana para gorjear poesia. Canto que traz, de modo contundente, a complexidade das questões filosóficas da dor, da finitude, do amor e da cidadania”. Com sua própria poética, o autor de Patativa do Assaré (Edições Demócrito Rocha, 2000) e tantos outros estudos sobre o Poeta-Pássaro descrevia assim sua relação com a Serra de Santana, ao saudar seus 90 anos, em artigo publicado no jornal O Povo. “Um Patativa que espalhou seu canto, mavioso, como se fosse um vento que soprasse no final da tarde ou uma chuva que tudo fertilizasse, terra molhada em sua serra, paraíso particular, onde deixou a mais valiosa de todas as sementes: a da poesia. Uma serra solo fértil para o ofício poético, como a do Teixeira, na Paraíba, berço de tantos cantadores e cordelistas. Ou uma serra que se fez poesia, por conta da influência de um Patativa seminal, fundante e, por isso mesmo, mítico. (...) Patativa faz questão de subir a ser-

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O centenário de Patativa do Assaré chama atenção para a cultura do Brasil Real, evocado por Ariano Suassuna. Nascido em 5 de março de 1909, na Serra do Santana, Cariri cearense, Antônio Gonçalves da Silva era um agricultor, do tempo em que agricultor era quem vivia com a enxada nas mãos. Terra, nem sempre, bem diferente dos fazendeiros e latifundiários que tiveram seu status “rebaixado”, por força dos novos tempos politicamente corretos. Agricultor. Cultivador da terra. Mesmo que seu pai o tivesse legado, alguma “glebazinha”. Mas naquele tempo, a peleja de Inácio da Catingueira e Romano da Mãe D’água ainda ecoava pelos mundões do Nordeste. Os cordéis de Leandro Gomes de Barros também. Padre Cícero e o beato José Lourenço eram lendas vivas, novos mitos do povo, como Conselheiro. Como estes demonstravam, a categoria mito não poderia excluir o sertanejo comum, o agricultor, o pai de família, muito menos o homem senhor de si e da importância de preservar sua memória coletiva pela força da oralidade e, ao mesmo tempo, crítico da sua condição. Poeta desde os 13, 14 anos, Patativa começou ouvindo, treinando, expressando seu verbo, inclusive na companhia da viola, mas não só com ela, até, quase sem querer, ver alguns dos seus versos publicados, já em 1956, além dos primeiros cordéis.

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[ matéria de capa ] A escrita era uma etapa em que a poesia oral de Patativa convivia em várias “dicções”

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ra, semanalmente. Freta um carro, faz algumas compras e vai ‘brincar’ de fazer poesia. Quando chega lá em cima, dezoito quilômetros de areia batida, muita pedra e pouca água, se concretiza seu sonho de lugar. Lá está a terra não prometida, mas possuída. Sua dignidade e altivez podem provir do fato de ter sido filho de pequenos proprietários rurais. Sua relação com a terra é de amor, não de luta ou de expectativa, como a de muitos outros. (...) Os poetas da serra formam uma comunidade cujo patrono é Patativa e a poesia continuará a ser um canto de trabalho, de amor à terra e de compromisso dessa gente com a palavra”.

O Ceará representa o Nordeste, a própria colonização brasileira, nas asas da poesia de um agricultor. A cultura popular era algo desvalorizado, antiprogressista. Era? Bem, felizmente, as visões se modificaram. Desde o século XIX, a cultura popular se tornou mote para a pesquisa, referenciada por Leonardo Mota, Rodrigues de Carvalho, Câmara Cascudo, Mário de Andrade, Juvenal Galeno e outros que já a haviam afastado do terreno da curiosidade, como aponta Gilmar de Carvalho no artigo O eterno retorno da tradição, em Harco no2, em que se inclui, entre os atuais pesquisadores do tema, ele próprio e nomes como Oswald Barroso,

Gabriela Reinaldo, Wellington Jr. e Tadeu Feitosa. Pois bem, duas guerras, algumas ditaduras, uma democracia capenga. E eis a cultura popular chique. Produto, mercadoria. Mote para novas pesquisas acadêmicas, mais próximas, auxiliadas pelos requintes tecnológicos, epistemológicos, pela sensibilidade acumulada após décadas dos seus primeiros registros. O poeta gostava das câmeras, microfones. Mesmo que nem sempre gostasse do que lhe perguntavam. Mesmo que deles debochasse muitas vezes. Sabia estar se tornando um mito dos novos tempos. E se resguardava, pelo menos até a velhice, acompanhada, a duras penas, pelo pesquisador Tadeu Feitosa, ao longo de seis meses, em 2001. Aí o mito se mostrava contraditório, humano. Mostrava sua maneira de ser, não apenas como o fazia para a mídia. Mídia que, segundo Tadeu Feitosa, sempre tratava de criar ou sedimentar uma “leitura preferencial”, em torno da figura do poeta. Tomando as categorias de “comunicação mediada” e “culturas híbridas”, de John B. Thompson e de Nestor García Canclini, respectivamente, o pesquisador da Universidade Federal do Ceará aponta, em sua tese de doutorado em Sociologia, como Patativa soube utilizar a mídia para expor e legitimar valores como a justiça social, que naturalmente faziam parte de sua poesia. Embora, uma leitura com mais profundidade identifique rupturas, transgressões, neste ideal, caso de sua “rabugice” e de algumas poesias eróticas trancadas a sete chaves do tempo. Preferia preservar e envaidecer-se com este reconhecimento, legitimação midiática, segundo Tadeu constatou de perto. Em relação à sua “dicção popular”,

Tadeu cita Gilmar de Carvalho: “Uma linguagem que Patativa usou a partir da vivência, e não como modelo estético”. Usando da memória e de sua visão de um mundo em “reestruturação simbólica”, a poesia de Patativa registra e informa sobre as mudanças sociais e a convivência entre a tradição e o moderno, por vezes criticando uma e outro. “Um recorte da experiência vivida, representada poeticamente”. Da realidade e do sonho, da fantasia suscitada pela tradição oral e pela leitura, aprendida em alguns meses de aulas, e apreendida pelo resto da vida por esforço próprio, e alguns incentivos iniciais. “E tudo quanto lia, ficava

O poeta gostava das câmeras, microfones. Mesmo que nem sempre gostasse do que lhe perguntavam. Mesmo que deles debochasse muitas vezes. Sabia estar se tornando um mito dos novos tempos.

na minha mente”. E tudo quanto lia na natureza, por certo. Ressalta Tadeu: “Inócuo, separar a habilidade poética da habilidade humana”. Patativa do Assaré: a trajetória de um canto foi defendida em 2002, no mesmo ano em que o canto do poeta não mais se ouviria. Século XXI Cem anos depois de nascer, seu mito sedimenta realidades. Contribui


em algumas rádios do interior, nos programas de Geraldo Amâncio, Carneiro Portela e Dilson Pinheiro, em nossa programação local de televisão, e, também por aqui, em alguma rádio AM que não é do meu conhecimento e ainda no programa Reouvindo o Nordeste, da Universitária FM, pelo apologista Zé Rômulo. Ah, a UFC o colocou na lista de seus livros indicados para o vestibular... Ah, mas quantos além de Klévisson e Arievaldo Viana, ou ainda Rouxinol do Rinaré e Zé Maria de Fortaleza, batalharam mais para a preservação da memória do cordel e das demais tradições orais nas escolas, daqui e de outros estados, através do seu projeto Acorda Cordel na Sala de Aula ou de suas versões para clássicos da literatura ocidental? Quanto, enfim, se valorizou a tradição oral cearense, além do Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, evento que Rosemberg Cariry preserva tão bravamente há quatro anos. Rosemberg, um dos herdeiros mais próximos do legado de Patativa e de outros mitos do Estado, não apenas da região Sul. Arievaldo Viana nos descreverá melhor, em prosa e verso, um pouco da trajetória de Patativa e de sua importância. Tadeu Feitosa e Oswald Barroso nos falaram um pouco mais informalmente deste mito, cujo vôo deveria estar mais próximo do século XXI, além do novo filme de Rosemberg Cariry, em sua homenagem, Patativa: Ave Poesia, e de uma estátua em um centro turístico-cultural cujo Memorial da Cultura Cearense guarda poucas referências ao Poeta. Além dos cadernos e reportagens especiais de seus 100 ou 110 anos... Poucas vezes teremos chance de voar tão longe.

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para modificar outros. Sobrevoa sua roça imutável, cobra avanços no campo, na cidade. Saboreia a fama e sinaliza o futuro. O Brasil dos Big Brothers e de outros ídolos fabricados aos borbotões, das novelas aos campos de futebol; o Brasil, do primeiro ao próprio “quarto poder”, pouco comprometidos com o povo representado por Patativa; da briga desenfreada pela informação mais estéril e criminosa que as terras e seus eternos donos, este Brasil democrático e de ideais desenvolvimentistas (salve, Paraguaçu!) continua distante de seus personagens populares, maltrapilhos como aquele poeta do povo. Quantos darão olhos ou ouvidos a novos cordelistas, cantadores, poetas populares nordestinos, se nem mesmo a nossa prosódia e outros elementos da nossa tradição mais arraigada são considerados valores importantes para uma cidade, um Estado e um país que ainda tão pouco valoriza suas culturas, nem a da terra, nem a dos versos, das palavras “pensamenteadas” e faladas, mais até do que escritas. É fácil encontrar até mesmo entre intelectuais presumivelmente “mais conscientes”, como os jornalistas, gente disposta a ignorar a genialidade de Antônio Gonçalves da Silva, gente que “franze o cenho” à simples menção de seu nome, que não aceita, enfim, de maneira alguma, que se considere qualquer reflexão em torno de sua produção, de sua consciência. Nos últimos nove anos, quanto se falou em Patativa no Ceará? Bem, vá lá, depois de sua morte em 8 de julho de 2002, pelo menos...? Matérias cada vez mais esparsas nos jornais e... Mas... Quanto se ouviu sua voz entoar seus tantos versos, talvez, no máximo,

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Assaré

significa “atalho”, na língua da nação Cariri. Na véspera do centenário, os pesquisadores Tadeu Feitosa e Oswald Barroso, agentes da propagação e desmistificação do Antônio do Assaré em diferentes contextos, discutiram “o mito e o homem Patativa”, no programa Troca de Idéias, no cine-teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste. De maneira objetiva, apresentaremos suas interlocuções com a pequena assistência presente, na tentativa de estabelecer um roteiro mínimo, um atalho, para chegar ao nosso personagem. Passando a bola de um para o outro, segundo uma seleção de seus comentários, de suas oralidades. “Espero que este seja um rito de iniciação, de uma proximidade maior do Patativa, com sua obra, de vida e poética, com todos nós”, saudou Tadeu, no começo da conversa. E enfatizou: “Porque um cara quase centenário e que produziu maravilhas de quem teria vivido um milênio, não pode ficar silenciado. Porque ele nasceu numa condição adversa, de silenciado, uma condição que usou como

Patativa: um atalho

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grande laboratório perceptivo do mundo, para traduzi-lo da forma poética que tanto o apaixonava”. E citando o Poeta-Pássaro: “Falar de poesia, é falar de gente, da alma humana, da proximidade dos deuses com o povo”. Poesia que para Patativa significava estar próximo do chão, da terra. “Ele fez uma poesia sobre o sertão, mas que atinge o universal, e deveria fazer parte das nossas conversas cotidianas e da história, como ele tanto desejava”, diz o professor fortalezense, sertanejo de coração, que conviveu de perto com o poeta durante seis meses. Oswald Barroso, por outro lado, faz questão de manifestar que Patativa era mais “um amigo, um parceiro de poesias e de lutas, do que um objeto de estudo”. Um poeta que conheceu primeiro em 73, através

da narrativa de sua mãe que, acompanhando a irmã a uma internação no Hospital São Francisco, no Rio de Janeiro, onde Patativa se recuperava de um acidente na perna, contou ao filho as declamações que ele fazia aos pacientes. “Só em 75 o conheci pessoalmente, em Crato. Logo ele se tornou padrinho de batismo do meu filho”. Mote para mais história. “Fomos até um distrito de Lavras da Mangabeira, encontrar o Padre Manuel Machado, padre perseguido, daqueles padres subversivos de que Patativa gostava: Padre Henrique, Dom Fragoso, Dom Hélder”... Com o cineasta (e também compositor) Rosemberg Cariry (“Rosemberg conheceu muito antes de nós todos”, pontua Tadeu em outro momento da conversa) e outros pesquisadores da região, Oswald se aproximava de Patativa através do movimento político, da atuação da revista Nação Cariri. “Patativa era um guru”, diz, ressaltando seu esquerdismo, logo em seguida. “Eu dizia que ele tinha que cantar cá e lá, não só para os camponeses. Um poeta brasileiro, não da roça. Os grandes movimentos políticos nacionais, da Reforma Agrária, das Reformas de Base, da Anisitia, da Abertura, das Diretas Já, projetaram a palavra dele do rural para a cidade, para a poesia brasileira. Ele participava voluntariamente, ajudando a tornar sua poesia mais universal e mais militante”. Oswald diz que, diferente de Tadeu, seu contato se deu principalmente entre 75 e 1995, quando progressivamente mais gente se aproximou dele, com diferentes intenções. Tadeu lembra agora que Patativa reclamou da comida do hospital São Francisco. Reclamou ao santo e ao Rio, em um poema em que dizia que o Pão de Açúcar, com tanto açúcar, não adoçava seu suco “sem dentro nem fora”. Mas ressalta: “Ele não fazia gracejos para rir, apenas. Mas para fazer refletir, clamando por nossos direitos”. E lembra novamente o poeta: “A suposta inocência da poesia faz com que eu diga o que bem entender”. Uma aproximação maior com o homem, Tadeu chega, inclusive, a descortinar sua ambigüidade política. E vislumbra uma aproximação maior com o homem, com sua raiz. A terra foi uma companheira eterna. “Ele foi agricultor até 70 anos, quando não pôde mais por conta da perna e da vista. Nos últi-


Simples e midiático: Poeta-Pássaro A relação dele com a mídia, com os intelectuais e os movimentos da cultura mais massificada, como o Massafeira (que, em março de 79, o reuniu a outros nomes de diversas linguagens artísticas do Cariri e da capital, no Theatro José de Alencar, em um seu primeiro registro em áudio, produzido por Ednardo), é abordada por Oswald, em termos do que representava para ele este contato com a cidade grande, através da sua própria cultura anterior. “Ele fazia de conta que era um roceiro ingênuo, mas com 20 anos já estava em Belém, no Amapá, voltou por Fortaleza. Não era matuto não. E foi resultado da cultura do Crato, popular, com as bandas cabaçais e outras tradições, e ainda de professores e intelectuais como Jota Figueiredo, Elói Telles, Plácido Cidade Nuvens”... Oswald Barroso só não o perdoa muito por não gostar de Padre Cícero, atribuindo-o à sua ligação com “o pessoal de Crato”. E, claro, fala mais um pouco da sua visão política. “Ele andava em sindicatos, lia Marx, Lenin, como consta neste novo filme do Rosemberg”. Empolga-se e conta a participação dele, também em 79, no Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, maior encontro dos intelectuais de esquerda durante a ditadura. “Era no TJA, e ele calmo... Rosemberg chamou de ‘A Invasão dos Bárbaros’. Quando ouviram Patativa, depois do silêncio, veio o Theatro abaixo, em deslumbramento, até porque ele falou de política’”, lembra. E declama os versos que fez para saudar o poeta. “Toda a natureza silencia/quando a Patativa chora”... “Não foi Patativa que foi à cata da intelectua-

Ele fazia de conta que era um roceiro ingênuo, mas com 20 anos já estava em Belém, no Amapá, voltou por Fortaleza. Não era matuto não. E foi resultado da cultura do Crato, popular, com as bandas cabaçais e outras tradições, e ainda de professores e intelectuais como Jota Figueiredo, Elói Telles, Plácido Cidade Nuvens

Oswald Barroso

lidade”, destaca Tadeu Feitosa. “Foi sua relevância política que levou Miguel Arraes e outras pessoas até ele”. Diz que menino foi incentivado a nutrir sua veia poética, ganhando livros de presente. Logo daria início a seu processo midiático, mesmo que apenas em seu contexto. “A mídia de hoje anuncia um Patativa limitado. Aos 10 anos, ele declamava os versos dele. Daí ele foi apenas amplificando o seu próprio canto, das casas para a feira de Assaré, para a feira de Crato, para a rádio de Crato. E então os artistas de Crato queriam este gênio perto dele.

Ele se notabilizou no Cariri, um celeiro de artistas”. Oswald: “Aqui só tem valor depois de reconhecido lá fora. Mas Patativa já era reconhecido, adorado, antes de ser reconhecido pela elite, depois da Sorbonne anunciar seu estudo, um estudo muito fuleiro, que não vale um Cibasol, perto dos estudos do Tadeu e de Gilmar de Carvalho. Estudos insignificantes. Mas foi preciso esta autorização para que houvesse esse reconhecimento”. “Patativa era simples apenas na hora de traduzir o mundo. Era simples como gente, mas a trajetória dele era uma trajetória filosófica”, Tadeu. E o colega: “Ele estava acima do bem e do mal. Recebeu a Sereia de Ouro, contra a nossa vontade. Todo mundo sabe o que representa o Troféu Sereia de Ouro, um troféu de um grande grupo econômico. A repórter perguntou: ‘Como se sente?’, Patativa respondeu: ‘Eu sou muito simples, minha filha, tudo que me dão eu recebo’ (risos). Ele recebeu por gentileza, como uma xícara de café. Ele estava acima disso”. O Poeta-Pássaro não imitava mesmo ninguém, diferente do que se diz sobre o pássaro que lhe deu o codinome. Um católico progressista, diz Oswald, ligado à natureza, à ecologia atual. “Ele se via como parte da natureza. Era da natureza dele cantar, por isso era o Poeta-Pássaro. Além disso, a poesia dele é muito mais de música, de melodia, do que apenas

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mos dois meses de vida, vi os filhos dele descerem a serra para perguntar algumas coisas sobre a ciência da roça. Ele ensinava”. Oswald completa: “Ele conhecia a natureza, tanto que quase todas as suas metáforas são com a natureza, da qual ele fazia parte como poeta-pássaro, tocado pelo divino ligado à natureza e à sua poesia”. Além desse aspecto, Patativa gostava muito do jogo, do desafio, e por isso mesmo, da espontaneidade das crianças. “O poema ‘Pai João’”, acrescenta Tadeu, “penetrava no imaginário dos roceiros, falando justamente deste ambiente”.

Em Assaré, com o amigo Tadeu Feitosa, autor de uma tese que desmistificou e remitificou Patativa

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[ matéria de capa ] À vontade para mais uma foto, Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, e seu obstinado pesquisador 8 [julho de 2009] harco

de palavras. Um fenômeno divino e natural, do qual a mídia não falava, na ditadura. Só em espaços de exceção. Ele circulava apenas nos veículos alternativos, Mutirão, Nação Cariri. Sua imagem era a do Poeta-Pássaro militante. Depois da ditadura, ele começou a ser trabalhado como o poeta telúrico, e agora é retomado o seu lado de cidadão, mas sempre próximo de sua natureza”. A simplicidade do Poeta-Pássaro, sua identificação com sua arte, não permitiam que ela se tornasse uma mercadoria. “Nunca lucrei com minha lida”, dizia Patativa. Pelo contrário, sofreu apropriações indébitas, acrescenta Tadeu, citando o caso da Editora Vozes que, em 20 anos, “nada lhe deu pela edição de Cante lá que eu canto cá. Eu e o Gilmar o incentivamos a escrever uma carta à editora para resolver a questão”. “Mas não fazia da sua poesia profissão, era enfático nisso. Ela era vista como algo sagrado”, ressalta Oswald. Tadeu diz que por Inspiração Nordestina, o primeiro livro, escrito e publicado entre 1954 e 1956, “devido à luta para ser editado”, não recebeu nada. “Só ‘Vaca Estrela e Boi Fubá’ foi musicado por 32 artistas, e ele nunca recebeu nada”. Desde 93, recebeu dois salários, por iniciativa de Violeta Arraes, parenta e reitora da Universidade Regional do Cariri. A linguagem, o cabra, o mito “Patativa era regionalista, barroco, atendia a todas as classificações, mas não desejou nunca que a sua poesia fosse analisada assim. Não precisava do apadrinhamento da hegemonia poética. Antes de ir ao Pará, com 20 anos, leu o Tratado de Versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos, mas o poema dele tem marcas de várias fases, uma obra plural, um vasilhame sem rótulos. Ele separava a poesia matuta da norma culta com o intuito apenas de traduzir o sofisticado para alguém do lado dele”, considera Feitosa. “Ou como um estilo, igual ao dialeto caipira de Guimarães Rosa”, compara Barroso. “Ele era um poeta de estrato oral. Poderia nunca ter escrito nada. Ele guardava sua poesia na voz e na mente, sua matriz era oral, e assim ele construiu uma obra imensa, que poderia ler e improvisar por meses e meses”. Muitas vezes peleja-

Pouco antes de morrer, dizia que a poesia serviu para tudo,menos para evitar aquele transtorno, e disse para não culpar o cigarro, mas fez um gesto, como se pedisse a última pitada, logo depois

Tadeu Feitosa

va com o primo-segundo Geraldo Alencar, lembra Tadeu. E alternavam as formas eruditas seguindo os motes uns dos outros. “Mas tinha ódio de classificar a obra dele”, ressalta. Sobre o homem Patativa, Tadeu aponta: “Eu o reconhecia como vaidoso, da sua ‘vaidade santa’. Inicialmente, procurei encontrar com sua sociologia poética. Mas encontrei o homem. E pude desmistificá-lo um pouco. Era indócil, intolerante, bruto, quando queria ser. Driblava todas as determinações médicas, como o que não podia, jantava 15 para meia-noite, fumava na cara da gente... Só queria ter de dinheiro, o tanto de cusparada que ele deu no meu tênis!... Era arredio, me rechaçou nas primeiras tentativas que fiz de me aproximar. Depois, até Gilmar, que o conhecia havia 20 anos, dizia que nós encontramos um código. Ele me disse que eu já era da família dele, fez até uma quadrinha me recomendando a escrever sobre ele sem fantasiar o que ele era. Fiquei seis meses em Assaré. Não fossem as nossas conversas, teria morrido de tédio. Li todos os poemas dele. Nesse período, vi o homem, mais que o poeta. Mas também era generoso demais, uma pessoa absolutamente boa. Uma pessoa maravilhosa, choramos muitas vezes juntos. Estou escrevendo um livro de memórias destes momentos. Pediu para eu não chorar quando ele morresse, mas não agüentei e chorei mais que bezerro desmamado”, resume. Sem querer, Oswald também o desmistifica um pouco. “Era conhecido como Sinhozinho, não era o mais pobre, tinha algumas terras”. Mas logo acena com um recado que repetiu em algumas entrevistas durante as comemorações do centenário do poeta: “Mas mais verdadeiro que o fato é o mito. O mito se estrutura de uma forma forte, que move o homem. Patativa é um mito bom. Um homem que transcendeu dificuldades semeando um pensamento crítico, semeando a beleza e a felicidade para contagiar seu entorno. Ajudou, como membro da natureza, a renovação do mundo. Uma bandeira até hoje para os Sem-Terra, a Via Campesina. Ele não estaria calado com os governos de hoje, não estaria achando que os problemas sociais acabaram. Estaria com Chávez, com Evo Morales, com os índios e os negros no Fórum Mundial, em Belém”.


Poeta do mundo 2009 marca as comemorações do centenário de nascimento de Patativa do Assaré. O poeta veio ao mundo no dia 5 de março de 1909, na Serra de Santana, município de Assaré-CE, e foi batizado com o nome de Antônio Gonçalves da Silva. Filho de lavradores, Patativa perdeu o pai e a visão do olho direito ainda criança, em conseqüência de uma moléstia conhecida popularmente como “dor d’olhos”. Embora tenha freqüentado a escola por um breve período, Patativa não era um “analfabeto”, como muita gente apregoa. Era um homem de muitas leituras, que ia dos folhetos de Leandro Gomes de Barros e João Martins de Athayde, à obra de Castro Alves, Gonçalves Dias, Camões e outros grandes expoentes da língua portuguesa. Figura mítica, admirada em todo o país e até na Europa, a verdade é que muita gente conhece o poeta, mas poucos conhecem a sua obra. Seus poemas mais divulgados ainda são as canções “A triste partida”, gravada por Luiz Gonzaga em 1964, e “Vaca Estrela e Boi Fubá”, gravada por Raimundo Fagner em 1980. Obras como “Ingém de Ferro”, “A morte de Nanã” e “O boi zebu e as formigas”, que consistem o melhor de sua produção poética, são praticamente desconhecidas do grande público. Outro equívoco que cerca a figura de Patativa é o fato de muitos o identificarem como “o maior cordelista cearense de todos os tempos”. Muita gente ainda confunde Poesia Matuta com Literatura de Cordel. Os admiradores do poeta precisam fazer essa distinção. Patativa, ao longo de sua vida, escreveu e publicou menos de 20 folhetos de cordel. Dentre os quais destacam-se:

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texto [Arievaldo Viana] foto [Robson Melo]

“Abílio e seu cachorro Jupi”, “A morte de Arthur Pereira, envenenado por sua filha Francisca Amélia”, “Aladim e a lâmpada maravilhosa”, dentre outros, todos em linguagem correta, como é prática comum nesse gênero desde os tempos de Leandro Gomes de Barros, pioneiro no Brasil na publicação de folhetos rimados. O grosso de sua produção, contudo, são poemas matutos, onde a linguagem procura reproduzir o modo de falar dos sertanejos de outrora, vertente poética inaugurada por Catulo da Paixão Cearense, como se pode ver nesta obra a seguir: O boi zebu e as formigas (fragmentos) Um boi zebu certa vez Moiadinho de suó, Querem saber o que ele fez Temendo o calor do só Entendeu de demorá E uns minuto cuchilá Na sombra de um juazêro Que havia dentro da mata E firmou as quatro pata Em riba de um formiguêro. Já se sabe que a formiga Cumpre a sua obrigação, Uma com outra não briga Veve em perfeita união Paciente trabaiando Suas foia carregando Um grande inzempro revela Naquele seu vai e vem E não mexe com mais ninguém Se ninguém mexe com ela. harco [julho de 2009] 9


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A obra de Patativa é permeada por uma visão humanística muito forte e, apesar de ser ambientada no meio rural nordestino, contém um forte caráter filosófico, de cunho universal. É, portanto, um poeta do mundo. A ele, dediquei estes versos, por ocasião de seu centenário, em sessão solene da Câmara Municipal de Fortaleza, iniciativa da vereadora Eliana Gomes (PCdoB-CE): Centenário de Patativa do Assaré Patativa centenário Orgulho do meu Nordeste, Foi o bardo que cantou Serra, sertão e agreste, Foi poeta e lavrador Um caboclo lutador Legítimo cabra da peste. Ceará, o nosso Estado, Seguindo esse itinerário Reconhece a sua luta E seu valor literário Orgulha-se deste filho E quer festejar com brilho Seu primeiro centenário. No dia 5 de março, Mil novecentos e nove, Nasceu Antonio Gonçalves Poeta que nos comove Tenho tudo na memória E vou contar sua história Para que ninguém reprove. Filho de pais lavradores Lá em Assaré nasceu No meio daquela gente Nosso menestrel viveu Transformando em poesia As lutas do dia-a-dia, Só parou quando morreu. Deixou verdadeiras pérolas Da poesia matuta Como o belo “Ingém de ferro”

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Cuja força absoluta Venceu o “Ingém de pau”... O mestre achou isso mau Condenou a força bruta. “Triste Partida” é a página Do nosso cancioneiro Que se tornou conhecida Por este Brasil inteiro Na voz de Luiz Gonzaga Narrando a penosa saga De quem parte sem roteiro.

Com “A morte de Nanã” Patativa denuncia O descaso dos políticos E a grande tirania Dos senhores abastados Que tratam seus empregados Com desprezo e soberbia. Raimundo Fagner gravou “Vaca Estrela e boi Fubá” Onde o poeta matuto Não nega o seu “naturá” Quem a conhece, que diga: É a mais bela cantiga Nascida no Ceará! Patativa não foi Propriamente um cordelista A poesia matuta Tem outro ponto de vista A linguagem é diferente Mesmo assim a gente sente A grandeza desse artista. Ele fez alguns cordéis E fez sonetos também Numa linguagem correta (Que talvez passem de cem) Lia Camões, Castro Alves, Os poemas de Gonçalves Por isso escrevia bem. O seu linguajar matuto Foi mesmo uma opção Pois não era analfabeto... Mas por amar seu torrão E toda a classe matuta Descreveu a sua luta Com singular expressão.


[ artes plásticas  ]

O indomável Carlito Nada

O

senso de oportunidade em Carlito se manifesta como meio de vida fértil. Se a vontade é de pintar rostos humanos, que cada um deles se transforme em personagens com identidade. Chegam a sair do âmbito de criaturas de tinta. Ultrapassam meras feições quando expressam emoções e segredos, esclarecidos pelo próprio autor. “Essa aqui, por exemplo, parece que precisa de atenção, conversar com alguém, já essa está pensando sobre algo que acabou de ouvir...”, interpreta com simplicidade a verdade de sua pintura. Entre tantos homens e mulheres anônimos a nos observar das paredes, sozinhos em suas janelas, tristes ou desamparados de alguma forma, um espanto. Carlito, assim como nós os visitantes, tampouco os conhece (com exceção de duas figuras: o retrato da colega de bairro pintada a partir da fotografia e o auto-retrato, que este ele conhece desde sempre). São todos emergências da criatividade, socorridas pelo pincel. Nos retratos, as emoções ganham vida, personificam, quem sabe, os diversos tons do próprio Carlito.

é mais real que a inspiração. É essa a maior lição ensinada por Carlito Vital, 49 anos, o artista plástico de todas as artes que “rouba” espaço do Sobrado Doutor José Lourenço com seus retratos, discos-voadores e histórias gostosas de ouvir. A exposição intitulada pela curadora Dodora Guimarães como Retrato de um mundo às avessas, reúne 25 trabalhos do pintor de Juazeiro do Norte, que também é desenhista, escultor, gravador, escritor e músico. “Tudo é do momento. Eu estava com vontade de expor. Por coincidência, quando fui convidado, já estava com tudo pronto”. Nenhum consegue ser igual ao outro, ainda que a tinta e os suportes sejam os mesmos. É o poder único e exclusivo da arte transformando o nada em tudo, como o pintor escreve na parede do Sobrado: “As pessoas, as idéias, os problemas, tudo que envolve esse planeta é arte, imaginações que levam a um novo mundo”. Dessa forma, como que guiados para um lugar cheio de mistérios, subimos as escadas da exposição. Mas elas não servem somente como acesso: lembram-nos de que em um patamar acima está a origem da inspiração do artista, que mesmo dormindo cria. Sonhos com ET’s e discos voadores, seres e objetos com os quais Carlito tem intimidade. Nada de inconsciência, ali a consciência se expande para a certeza de que não estamos sozinhos neste planeta. Por meio de cores – e são muitas! –, a descoberta de uma combinação incomum. Que tipo de relação haveria entre, por exemplo, pára-brisas de automóveis, extraterrestres e dinossauros? Para além de interpretações mirabolantes, uma se deduz facilmente: homem, suas invenções, seres estranhos e do passado convivem na arte de Carlito no

tempo-espaço eterno do agora. Porém, nem mesmo texto [Síria Mapurunga] essa versão supera a força bruta da criatividade fotos [Mauro Ângeli] do pintor. “A gente nunca sabe o que vai pintar. É uma coisa que surge do momento. Então é aquela coisa: você tem de dominar o momento”. Para ele, que nem sempre tinha tela às mãos e necessitava de toda forma extravasar sua criatividade, a possibilidade de pintar em portas de geladeira, tampas de fogão, pedaços de aglomerado de madeira sucateados ou pára-brisas encheu de significado sua obra. A inovação, movida pela necessidade de trabalhar, lhe impulsionou a sair dos limites do convencional, assim com faz em tudo na vida. Bruta sublime realidade Quando criança, em Juazeiro do Norte, Carlito esteve em contato freqüente com a arte. Não só com as artes plásticas, na presença marcante dos ex-votos e esculturas devocionais de sua terra e dos inúmeros mestres que fabricam todo o preciso para a vida de lá. Também tinha em casa o avô, afinador de pianos, fabricante de instrumentos e músico da

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[ artes plásticas  ]

[pincelada]

Autenticidade explícita A primeira vez que vi Carlito, eu estava na então Oficina de Gravura e Papel Artesanal do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará quando ele chegou. Achei estranha sua maneira de ser, pois seu jeito calado e pensativo o diferenciava dos outros que por lá andavam. Com suas visitas à Oficina, passamos a ter conversas constantes e duradouras, apreendi a conhecer seu pensamento. Mais tarde, tive Carlito como aluno em um dos cursos de iniciação à xilogravura nos quais fui instrutor. Atento, persistente, prestativo e rebelde, assim ele foi. Enquanto todos procuravam repetir o que tinha sido repassado, Carlito inovava. Cada gravura sua era única, pois pintava a matriz como se fosse uma tela e depois imprimia sobre o papel. Lembro que uma vez, expondo em Fortaleza, o gravador Luiz Piza realizou uma visita à Oficina de Gravura. Estavam todos em torno do artista paulistano quando Carlito chega com algo debaixo do braço. Após leve problema, pois estavam querendo impedir sua presença, Carlito mostrou suas obras a Piza, que ficou encantado. Passadas quase duas décadas, quando encontro Carlito sempre sou surpreendido. São temas novos na sua pintura, CD que gravou, livro em xerox que escreveu e está vendendo etc. Tive agora o prazer de comparecer à abertura da sua exposição Retratos de um mundo às avessas. Nela, pude apreciar uma mostra de rostos através dos quais Carlito procura expressar os sentimentos humanos. Fenomenal! Procuram ligar sua obra plástica à arte do inconsciente. Penso que seu diferencial deve ser visto de outra maneira. Alguns dos seus temas são, para muitos, irreais. Para outros não o são. Sua forma de pintar, embora apresente desconhecimento do academicismo do desenho e da pintura, assim é por questões de querer. Ele sabe o que faz. Carlito ganha a vida como pintor de propaganda em muros e fachadas de estabelecimentos comerciais. Suportes como tampas de fogão, pára-brisas etc. foram utilizados primeiramente para solucionar o problema da dificuldade em comprar telas, depois passaram a ser um dos seus diferenciais. No entanto, para cada suporte há um estudo para a escolha da tinta que melhor se adequará. Durante a exposição, haveria uma performace musical sua. Ao dedilhar sua viola, senti que estava desafinada e fiz um comentário, sugerindo que ele a afinasse. No entanto, a resposta foi: “se fosse de outra pessoa teria que afinar para respeitar sua obra, mas minha música requer que seja assim”. Assim na música, assim em todas as outras artes. A autenticidade para muitos é difícil de compreender. Nauer Spíndola é artista plástico e diretor da Associação Harco

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igreja, que só dava dinheiro ao neto, para ir ao cinema aos domingos, em troca de trabalho. Às vezes envernizava violões, outras, carregava o violoncelo do avô até a igreja, no alto de um morro. E ainda procurava outros trabalhos, mais para artes de menino, quando vendia amendoins aos devotos das romarias para, com o dinheiro, comprar santos para mais vender. Como tudo, porém, tem seu momento - e é preciso dominar o momento - o tempo de trabalho ficou em Juazeiro. Quando por volta dos 15 anos veio morar em Fortaleza, para poder ver o pai com mais freqüência, seu momento passou a ser o dos campos de futebol do Conjunto José Walter, dos shows de rock e das amenidades que permitiram ao jovem, passeando pelo bairro, intrigar-se com os desenhos que faziam em um curso de pintura no Centro Social Urbano (CSU) do bairro. Carlito pediu ao professor para entrar na turma. Mas a aceitação só veio depois da aprovação do mestre, que lhe pediu para também desenhar e testar até onde iria o poder de imaginação do jovem. Uma mulher no alto de uma escada, debaixo da qual é olhada por um homem que surge de uma lata de lixo. Este desenho Carlito guarda até hoje e pretende expô-lo algum dia, como seu primeiro ato artístico, quando “fez uma criatividade”. Aquele ato trazia já em si uma obra ininterrupta, de um artista que se concretizou por necessidade profunda de auto-expressão, de uma força criativa sem recursos sublimes, somente satisfeita pela materialização em cores, sem se prender a modelos ou escolas senão à satisfação do momento. Nem mesmo a uma obra se atém Carlito, não se encerra em uma pintura. Em seu processo criativo um tema pode ser retomado e desenvolvido até que esteja em harmonia com o pintor em vez de consigo mesmo. Ao continuar uma mesma pintura, seja em tela, madeira, vidro, metal, com tinta óleo ou industrial, Carlito assume a arte como verdadeira responsabilidade. Fala freqüentemente nesta como responsabilidade, talvez num lampejo interno da mesma natureza de Lêdo Ivo quando diz que o dever primeiro do poeta é dar um sentido à vida e uma forma ao mundo. Assim, por vezes, entrevê-se na arte de Car-

lito o sentido de sua vida, em uma tentativa sincera de dar ao mundo a forma do real que vislumbra com o olho da intuição, tão profunda que, mesmo dormindo, continua a exercer criatividade. Como seus discos-voadores, sonhados e reduplicados em portas de geladeira que, depois de guardarem comida, recebem agora o alimento multiplicado de um tempo-espaço tão real quanto a mente de Carlito.


O barquinho segue navegando devagar, indiferente às turbulências ao redor. Naves espaciais enfileiradas disputam brechas de luz no exíguo espaço do quadro. Uma galeria de garotas surpreendidas pelo êxtase imaginativo do autor expõe a situação limite do improvisado quarto de dormir que pelo acúmulo de funções parece cada vez mais estreito e inabitável. O ambiente onde aparentemente já não cabia um prego ganha agora a função de atelier e depósito de pintura. Pela robusta sacola de lona com razoável sortimento de tintas, pincéis e benzina, largada, mas não esquecida ali num canto, o canteiro de obras está armado, quer dizer: mais um canto do território é conquistado. Se arte é desacomodação, não nos resta nenhuma dúvida: estamos no ninho de um artista. Deste artista a quem chamamos de Carlito, cidadão que na cédula do RG ganha o nobre e rico de significado nome: Carlos Augusto Dias Vital. Ver e pintar discos-voadores são prazeres que Carlito diz experimentar com muito gozo. O diálogo com estes estranhos objetos e suas figuras transparentes ilumina a trajetória do pintor que retira de seu universo onírico munição para jornadas compulsivas de trabalho. Apropriando-se de suportes nada convencionais, como pára-brisas e capôs de automóveis, portas de geladeiras e “tampas” de fogão, garimpados em ferros velhos, Carlito dá voz à sua pintura estridente. Nesse campo de atuação não há vaga para contenção ou limite. Importa ao autor tocar pra frente o seu destino de artista. Só desta forma ele quebra o vazio existente entre o mundo real e o seu mundo particular. Encarar a arte de Carlito é confrontar-se com o medo, mas também com a paixão. A grande solidão projetada em cada um desses trabalhos assusta. Quem não tem medo do silêncio, do vazio? A ausência de sentido e direção é inimaginável na nossa lógica racional. Mas não

no universo de Carlito, onde uma terceira via é ordenada. Observe-se a paixão contida em Retratos de um mundo às Avessas, exposição individual de Carlito, em cartaz até 24 de maio no Sobrado Dr. José Lourenço (Rua Major Facundo, 154 – Centro, Fortaleza/CE). Frente ao desafio diário de continuar a luta, Carlos Augusto Dias Vital invoca a paixão. Irracional, desmesurada, arriscada, desenfreada, obscura e misteriosa como a noite. Com essa paixão pinta as meninas que bulinam seus sonhos, se auto-representa, forma a sua galeria de “admiráveis”. Nascido em Juazeiro do Norte (1959), de onde guarda a recordação do avô fabricante de realejo, que lhe influenciou para o gosto da música – performer, ele canta, toca violão, compõe “rock and rool” e toca gaita de boca –, Carlito reside com a família há muitos anos em Fortaleza, no Conjunto Prefeito José Valter. Sua mãe é costureira e o seu pai tem como hobby colecionar motocicletas antigas. Foi nos anos 1980 que desabrochou o pintor, num dos cursos ministrados pelo artista e professor Dante Diniz, no Centro Social Urbano do bairro. Carlito brotou do mesmo canteiro de onde saíram os integrantes do Fratura Exposta, grupo que animou a cena local nos idos dos 80, constituído pelos artistas: Assis Castelo Branco, Cardoso Jr., Jorge Luis, Kelson Teles, Mário Sanders e Sebastião de Paula. O perfume que exala das rosas do estreito jardim de dona Joelina ameniza o cheiro de tinta fresca que vem lá dos fundos, do quartinhoatelier do “menino” Carlito. Dodora Guimarães é curadora e pesquisadora de arte

[cronologia]

Carlito - Carlos Augusto Dias Vital (Juazeiro do Norte - 1959) Formação 1982 Xilogravura, com Eduardo Eloy, na Casa Raimundo Cela 1984 Pintura, com Dante Diniz, no Centro Social Urbano Adauto Bezerra 1990 Xilogravura, com Nauer Spíndola, na Oficina de Gravura e 1990 Papel Artesanal do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará

[ artes plásticas  ]

Sonhar, pensar

Coletivas 2008 Algo a mais Galeria de Arte do SESC-Fortaleza. 2002 Mundos do Trabalho. Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará 2000 - Salão Sobral 2000 Artes Plásticas Casa da Cultura 2000 51º Salão de Abril Mercado do Pinhões 199 48º Salão de Abril Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará 1993 44º Salão de Abril Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará 1991 CIPE 91 UNEAC. Havana (Cuba) Individuais 2009 Retrato de um Mundo às Avessas Sobrado Dr. José Lourenço 1998 Projeto Abolição Centro de Artes Visuais Raimundo Cela 1984 Arte uma coisa deixada para o destino Galeria Antônio Bandeira Livros escritos Uma bola de neve no espaço Romance nordestino Uma cidade invadida por uma sociedade estranha CD Carlito – Gaita Humana Futuro Se Deus ajudar e quem mais puder, Carlito pretende conhecer o Museu do Louvre e expor na França. Aqui em Fortaleza, tem o sonho de montar um ateliê próprio onde possa ministrar cursos de pintura e escultura. Presente Dr. José Lourenço (Rua Major Facundo, 154 – Centro) Visitação aberta ao público de terça-feira a sexta-feira das 9h às 19h; Sábados das 10h às 19h e domingos das 10 às 14h. Entrada gratuita. Informações: 85-3101.8826/ 8827 harco [julho de 2009] 13


[ artes plásticas  ]

D

efinir-se, para quê? Assim como o mundo é repleto de possibilidades, a obra de um artista pode alcançar dimensões as quais o sentido da palavra jamais pode apreender. O artista plástico Tarcísio Félix, 66 anos, desvendou o próprio caminho e não admite qualquer classificação de sua obra, além da que ele mesmo considera correta. “Eles dão sempre muitos nomes, mas eu acho que eu

mem: a liberdade. “Olha, eu já fiz pop-art, aquelas coisas loucas, copiei Bandeira pra ser moderno, mas, no fundo no fundo, as raízes gritam mais forte, e você termina voltando às suas origens. Isso é normal. O cara que não volta, não sei não, acho ele um pouco falso”, desabafa. Essa trajetória tão diversa só pode ser sinônimo de orgulho para quem tem uma história interessante

Raízes de um artista real

texto [Síria Mapurunga] fotos [Mauro Angeli]

faço figurativo”, afirma. Do surrealismo, no início de sua carreira, quando chegou a participar da exposição, organizada por Bené Fonteles, batizada Os cinco senhores do absurdo, ao chamado hiper-realismo de hoje, Félix pintou, na verdade, um quadro da riqueza que somente a arte pode c o n fe r i r ao ho-

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a ponto de ser contada. Como a deste pintor. Nascido em Granja, o menino recebeu a influência de familiares ligados à literatura e à música. A pintura nasceu mesmo por acaso, como mágica, através da “necessidade fisiológica” de olhos atentos ao fazer da cerâmica de dona Terta, uma senhora que usava a argila preta de Granja para produzir cuscuzeiras, vasos, penicos e alguidares. “Com sete anos, comecei a fazer modelagens de panelinha, imitando”, relembra. A brincadeira de criança tão logo se tornou um passatempo, ele se mudou para Fortaleza e já começava a deliciar-se com lápis de cor, tinta guache até chegar à matéria-prima que ainda hoje inunda de cores os seus quadros: a tinta-óleo. É com

ela que Félix faz as nuances, brilhos e se “deleita” diante de cada nova obra, executada por mãos com mais de 40 anos de domínio do pincel. Porém, não sem antes experimentar fracassos. “Comecei com o papel, só que o óleo ressecava e rachava. Depois, descobri as telinhas de pano, que eu também não sabia usar, ficavam todas ‘bambas’. Mas tive de passar por isso, já que não havia curso de pintura na época”. Tudo dentro de seu tempo, porque o experiente artista sabe que, para começar, também é preciso errar. E, antes de tudo, é essencial partir do início. “Os pintores de hoje já começam modernos. Não fazem uma mão, um pé, um olho. Tornam-se abstracionistas sem passar por essas coisas todas. Eu acho que quando você faz tudo isso, desenha o corpo humano ao vivo, depois fica fácil escolher o caminho que você quiser”. Mas foi necessário viajar para descobrir a importância da técnica. Na Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro, aprendeu e gostou de fazer tudo parecer tão real como se a pintura pudesse ser um instante de vida, não importa se utilizando materiais como o óleo, pastel ou mesmo carvão. Lá, ele realiza a primeira coletiva, em 1965, com nomes do porte da escultora Pietrina Checacci. Na volta para Fortaleza, com a cabeça fervilhando de idéias e influenciado pelo grupo do Rio, cria o Atelier Escola de Belas Artes, reunindo o que ele chama de “um grupo de artistas desconhecidíssimos”. Com seu senso figurativo, Tarcísio ajudou a desenhar um rosto para a anônima arte cearense, “em silêncio” desde Antonio Bandeira e companheiros da Sociedade Cearense e Artes Plásticas


Um “desconhecidíssimo” abre suas portas De grupo “desconhecidíssimo” a responsável por criar um mercado de arte. Os artistas, liderados por Félix, mo-

vimentaram a cidade com o apoio de Heloísa Juaçaba. “Ela não teve importância só na minha carreira, mas na de todos que foram dessa época, porque só havia a galeria de arte da Ignez Fiúza para pintores de renome. Já a Casa de Raimundo Cela, dava apoio aos jovens artistas, que eram da minha safra para cá”. Além de Heloísa Juaçaba, a professora de história Hilma Montenegro foi o braço direito do grupo. “Ela pegava todos os artistas com quadros e botava dentro de um Gordini vermelho. Eu não sei como era que cabia, se você olhasse de longe, parecia uma escultura de Picasso, saindo pedaço de quadro pela porta, pedaço de pau por ali”, brinca. Entre as realizações, destacou-se o 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, inexistente à época no Ceará, que homenageou Antonio Bandeira. Do evento, Félix saiu premiado e com um promissor convite nas mãos. O crítico Clarivaldo Prado Valadares, um dos maiores do Brasil segundo ele, chama o pintor para expor na galeria Goeldi, no Rio de Janeiro, em sua primeira exposição individual fora do Ceará.

[Convivência]

Já na década de 70, o artista se associa a Theresita Kay, e criam uma galeria totalmente comercial, a Gauguin. Após grandes exposições e em busca de mais novidades, o pintor retorna à Raimundo Cela. “Depois de um tempo, percebi que eu já podia viver só da minha arte por causa do mercado que já existia. Isso foi quando eu expus no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1984. Já podia andar com minhas pernas, tinha um nome, podia vender sem precisar de dona Heloísa, apesar de ela ter aberto as portas”. Ao longo de sua trajetória, Félix extrapolou fronteiras, expôs pelo mundo. Só então percebeu o sentido da obra de Chico da Silva, quando sentiu que precisava voltar às suas origens. “Depois que a gente atinge certa idade, viajou muito, prefere retratar a terra onde nasceu, aquela temática social: foi o que eu vi no sertão. O plantio de feijão, as bodegas, a roça, tudo isso fica registrado. Dá uma saudade tão grande que a vontade que eu tenho é de morar, pintar e morrer na Granja”.

Um hiper-realista convicto

Conhecido pela clareza de suas obras, Tarcísio Félix sofreu influência de “dois grandes mestres”: Franz Post e Van Eike. Do primeiro, herdou o cuidado com cada detalhe da composição. De Van Eike, fascinou-se com os brocados e pedrarias. No início de sua carreira, o pintor fez um passeio pelo Surrealismo, estilo que se caracteriza pelo ilogismo, absurdo, imagens surpreendentes e atmosfera onírica presentes nas criações. Hoje, Félix é reconhecido pelo chamado Hiper-Realismo, tendência artística que busca atingir a imagem em sua clareza objetiva, em diálogo cerrado com a fotografia. Assim, é que ele faz quadros que parecem fotos. De tão próximos à realidade, parecem irreais.

Arte que segue no Antônio Bezerra Uma vida inteira alimentada somente de arte. Esse é o sustento de Tarcísio Félix desde que começou a ganhar o próprio dinheiro. Mas ele não se conforma só com isso. Há pouco mais de um ano, inaugurou em sua casa, no Antônio Bezerra onde mora há mais de 40 anos, uma galeria de arte. Faz questão de ressaltar: não ganha nada com o espaço. “Eu acho que em cada bairro deveria ter um pólo de cultura para evitar mais ladrões e pivetes de rua no futuro. Costumo fazer coletivas de pintores do Ceará para a comunidade saber quem é”. A iniciativa não recebe apoio, e Félix confessa que não tem muita paciência para “burocracias”. No momento, ele pensa em implantar um cinema de arte aos sábados, com um acervo já em torno de 350 títulos. Como artista autêntico, é também um sonhador. Através de suas viagens à Europa, imagina novos tempos para Fortaleza. “Quando fui a Paris, em 1995, visitei o Montmartre. É um local onde os pintores fazem mini-quadros e outras obras. Pensei logo na Praça General Tibúrcio. Não precisaria mudar quase nada, pois é um lugar rodeado pela Academia Cearense de Letras, o Museu da Antropologia e a Igreja do Rosário. Por que não fazer da praça algo pra troca de livros, retretas, concertos? Até as balaustras lembram Paris”. Fica, então, o recado de quem – se convocado - mostra-se à disposição para liderar mais uma bela iniciativa.

[ artes plásticas  ]

– a Scap. Para essa nova fase, aparecem nomes como os de Ozenam Fernandes, Ximenes, Waldo Amora Leite Filho, Cléber Ventura, Raimundo Nonato, Cláudio Dourado, Luís Antônio, Alberto e Gilberto Pessoa. A essas figuras, acrescentaram-se, mais tarde, artistas como Roberto Galvão, Sergei de Castro e Descartes Gadelha. A iniciativa produz resultados, e a conselheira de cultura Heloísa Juaçaba convida todos a participarem do Centro de Artes Visuais Casa de Raimundo Cela, obra da recém-criada Secretaria de Cultura. “Ela manda um recado pra mim, porque queria pegar o grupo e jogar dentro da Casa. A gente pegou tudo que tinha no atelier... Chegamos lá. Era a Casa do Sr.Cabral, um vendedor de jóias. Uma construção antiga, linda. A Secretaria alugou a parte de baixo, que era a Biblioteca, e a gente ficou na parte de cima”, recorda.

A criação em óleo sobre tela é uma das marcas do hiperrealismo de Tarcísio Félix

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[ cinema ]

texto [Fábio Freire] Fotos [Reprodução]

Filosofia, subversão, anarquia, anti-capitalismo, surrealismo, novas abordagens estéticas e narrativas inovadoras andaram de mãos dadas com gêneros consagrados e os maiores astros mundiais do cinema num ano em que a indústria cinematográfica norte-americana apostou

no medo do perigo, em sobretudos, óculos escuros, clubes de luta, famílias disfuncionais e chuvas de sapo para lançar uma seleção de filmes que viraram referência para o período e influenciam produções cinematográficas até hoje

Beleza Americana foi um tapa na cara da hipocrisia (página ao lado)

1999: O ano que não acabou para Hollywood Q

Fábio Freire é jornalista do Diário do Nordeste e Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. 16 [julho de 2009] harco

uantos filmes entram para a história do cinema, seja como clássicos, cults ou como longas-metragens à frente do seu tempo? Poucos. A maioria das produções lançadas anualmente pela indústria do cinema norte-americana, leia-se Hollywood, simplesmente se perde na memória e vira, quando muito, apenas rodapé de um imaginário coletivo repleto de personagens carismáticas, histórias surpreendentes, astros e estrelas consagrados pelo público e pela crítica e títulos que não ficaram apenas no passado. Mas o que torna um filme memorável, um clássico instantâneo ou uma obra a ser cultuada por anos a fio? As respostas podem ser várias. Tramas elaboradas com precisão. Direção e

atuações impecáveis. Inovações estéticas ou tecnológicas. Narrativas subversivas. O contexto favorável de lançamento. O pontapé para mudanças no modo de ver e fazer cinema. Ou mesmo o simples desejo de que tais títulos sejam mais do que filmes, e sim verdadeiras obras-primas que não apenas marcaram uma época, mas foram abraçadas pelo tempo e resistiram ao passar dos anos. Não são prêmios que tornam filmes clássicos. Não são críticas que abrem as portas da História para certas produções. Não são grandes bilheterias que fazem com que certos longas resistam ao tempo e façam parte do inconsciente de gerações e gerações. É o nascimento de um gênero ou a sub-

versão de um outro que transforma uma obra cinematográfica em mito. É a conjunção de uma série de elementos configurados da melhor maneira possível que dá destaque a determinadas produções: direção, roteiro, atuações, fotografia, direção de arte, trilha sonora e outros recursos cinematográficos atuando em conjunto na construção de uma obra que merece muito mais do que a efemeridade. Se as respostas estão aí, o que impede Hollywood (e outras indústrias cinematográficas ao redor do mundo) de criarem clássicos instantâneos em ritmo industrial? Simples, mas fundamental. Clássicos não são feitos de forma deliberada, mas surgem a partir do próprio contexto de

seu lançamento e do modo como são percebidos com o passar dos anos. Obras-primas nascem da soma de elementos internos, referentes à indústria que os produziu e ao próprio filme em si, e de fatores externos - a conjuntura política, econômica, cultural e social também é responsável por criar mitos e fazer do cinema uma arte percebida de modo diferente ao longo do tempo.

Virada do milênio Na História recente da sétima arte, não houve época mais favorável para a indústria de Hollywood do que 1999, um ano que pavimentou o caminho para que vários filmes influenciassem, direta e indiretamente, o cinema. Às


A era da internet começa a mostrar o seu poderio no cinema, seja na forma de vender um filme, seja na construção de uma lenda que deixa a todos confusos: realidade ou ficção? lancolia, a mistura de estilos e o medo viraram referência em um seleto grupo de filmes que marcou 1999 e ainda repercute em Hollywood até hoje, dez anos depois. No cinema hollywoodiano de 1999, o final feliz perde espaço para o cinismo e os casamentos perfeitos são substituídos por famílias disfuncionais; os sobretudos e os óculos pretos roubam o lugar dos figurinos caretas característicos do american way of life; Deus assume a voz e as formas de uma cantora pop; e o público começa a acompanhar o nascimento do lado negro da força.

A era da internet começa a mostrar o seu poderio no cinema, seja na forma de vender um filme, seja na construção de uma lenda que deixa a todos confusos: realidade ou ficção? Um filme antiguerra de cores fortes traz a Guerra do Golfo (1991) ao cinema. O maior casal do cinema da época discute assuntos íntimos na frente das câmeras, comandadas por um dos maiores cineastas da História em seu último trabalho. Valores familiares e a conduta equivocada dos pais são colocados à prova por uma cineasta iniciante, mas com sobrenome de gênio. Cabeças rolam no ar. Sapos caem do céu. Clássicos literários são modernizados e ganham roupagem juvenil, trilha sonora pop e figurinos da moda. Meninas viram meninos. A mídia é retratada como trama política. E o virtual se mistura à filosofia, ao punk e às artes marciais para revolucionar o mundo dos efeitos especiais na sétima arte. Pode até parecer pouco. Mas não é. Está para surgir um ano tão marcante para Hollywood quanto 1999.

[ cinema ]

portas da virada do milênio, o mundo vivia um dilema tão emblemático quanto o fim dos tempos ou, mais precisamente, a ruína da era da informática, representada pelo Bug do Milênio - para quem não lembra, uma pane geral em todos os sistemas eletrônicos graças às mudanças dos dígitos 99 para 00. O medo do que vinha pela frente dominava e gerava uma onda de incertezas que acabou seguindo o rumo mais óbvio: as telas de cinema. Diante do desconhecido, consciente ou inconscientemente, Hollywood deixou de lado as fórmulas batidas, as narrativas caretas e a estética dominante e apostou em estórias que apontavam para outros caminhos, ainda que entregues em embalagens mais do que conhecidas pelo público: filmes que contemplavam supostamente determinados gêneros e protagonizados por astros de rostos tão conhecidos quanto carismáticos nos quatro cantos do mundo. A subversão, a anarquia, o anti-capitalismo, o surrealismo, a esquizofrenia, a me-


[ cinema ]

Em 1999,

O Sexto Sentido: influência de Hitchcock e novo rumo para as histórias de fantasma

o gênero de horror estava jogado às traças. Depois do sucesso de “Pânico” (1996), Hollywood se entregou ao óbvio e começou a chover no molhado. Todo e qualquer filme do gênero tinha que girar em torno de um serial killer que matava adolescentes sem pena. O filão deu certo por um tempo, mas foi rapidamente esgotado. Em um período de entressafra - antes que a indústria cinematográfica norte-americana descobrisse que o Oriente produzia horror de qualidade e passasse a fazer refilmagens em escala industrial desses filmes -, Hollywood tentou a todo custo lançar produções de terror bem sucedidas. Tudo em vão. Até que dois filmes sem grandes pretensões mudaram as regras do jogo e colocaram o gênero de volta aos trilhos.

18 [julho de 2009] harco 18 [dezembro de 2008] harco

Entre os mortos e os vivos Se nem Arnold Schwarzenegger se deu bem quando derrotou o diabo em Fim dos Dias. Se Patrícia Arquette e Gabriel Byrne também levaram a pior ao enfrentar as forças do mal em Stigmata. Nem mesmo Johnny Depp, sob o comando de Tim Burton, e o mundo fantástico de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça empolgaram.

Foi preciso um menino que via gente morta e a lenda de uma bruxa no meio de uma floresta para que os filmes de terror saíssem do buraco negro. O Sexto Sentido e A Bruxa de Blair não só arrebentaram nas bilheterias e conquistaram a crítica, como deram novo fôlego a um gênero desgastado por fórmulas batidas. Dirigido por um ainda desconhecido M. Night Shyamalan, O Sexto Sentido ganhou a simpatia do público graças a um roteiro sutil e sem gorduras, de autoria do próprio diretor. A narrativa econômica e que não desvia a atenção do espectador, a influência do cinema de Alfred Hitchcock, os sustos autênticos, um final surpreendente e, claro, as interpretações carismáticas de Bruce Willis e do garoto Haley Joel Osment também fazem parte do pacote. O suficiente para que o longa entrasse na lista de melhores do ano, conquistasse uma penca de prêmios e um lugar no Olímpio cinematográfico da década de 1990. As histórias de fantasma nunca mais foram as mesmas. O caso de A Bruxa de Blair é ainda mais exemplar. Se o filme de Shyamalan tinha o suporte de um grande

estúdio (era produzido pela Disney), o terror dirigido pelos desconhecidos Daniel Myrick e Eduardo Sánchez era pura anarquia. Produção tosca de orçamento miserável, sem astros e sem nenhum apelo midiático, A Bruxa de Blair mudou de vez o modo de se vender um filme. Pela primeira vez, a internet era usada de modo eficaz na divulgação de uma produção cinematográfica e o site do longa virou assunto antes mesmo do filme entrar em cartaz. O boca-a-boca estava feito. E o destino do filme traçado. Mas A Bruxa de Blair não virou clássico em virtude de seu marketing poderoso e eficaz. O filme de Myrick e Sánchez é revolucionário graças à maneira como os dois misturam conceitos antes diferentes, mas que, naquele ano, começaram a se embaralhar de uma forma que hoje ninguém mais consegue distingui-los com precisão: realidade ou ficção? Narrativamente pobre e sem grandes novidades, o estilo documental do longa, com imagens amadoras capturadas através de uma câmera digital que representa o olhar subjetivo das personagens em meio ao terror, é o grande diferencial da obra. Olhando para os dias de hoje, no qual mais do que nossa presença nos eventos, o que importa é o nosso registro digital deles (agradeçam às câmeras digitais e ao Youtube), A Bruxa de Blair é o pai de filmes como Cloverfield – O Monstro e [Rec]. Mas, naqueles dias, a produção representava o futuro. E a linguagem documental usada a serviço de uma trama macabra e aterradora sobre uma lenda urbana deu asas à imaginação e levou platéias inteiras ao redor do mundo ao estágio do pânico. Durma-se, de luzes apagadas, com um barulho desses.


estava em jogo em 1999. Na verdade, muitos se perguntavam se existiria mesmo um futuro. A ficção científica Matrix veio com a resposta. E ela não podia ser mais pessimista. O futuro já tinha chegado. E ele era dominado por máquinas. Os humanos, bem, estes eram seus escravos. A discussão entre o que era real e o que era ficção perdia lugar para uma discussão mais contemporânea: real ou virtual; realidade versus simulacro. Enquanto meio mundo de nerds esperava o capítulo um da trilogia original de Star Wars (Episódio 1: A Ameaça Fantasma), Matrix tomou de assalto as salas de cinema e revolucionou, para o bem e para o mal, a sétima arte. Se a premissa da luta do bem contra o mal, do homem contra as máquinas e de um escolhido para salvar a humanidade é tão, ou mais velha, do que o cinema, Matrix inovou na forma como essa história foi narrada. Cheia de efeitos especiais inovadores e espetaculares, com uma fotografia sombria, figurinos pretos, modernos e icônicos (nunca óculos escuros e sobretudos foram tão cool), o filme dos irmãos Wachowski misturou filosofia, artes marciais, linguagem de anime, uma profusão de câmeras lentas, cenas de ação mirabolante, estética cyberpunk, Alice no País das Maravilhas e mais um caldeirão de referências pop para criar um mundo novo, revolucionário e conceitual. Real e virtual separados por pílulas azuis e vermelhas. Sonho, fantasia, caos tecnológico, Keanu Reeves, Carrie Anne-Moss e o efeito “Bullettime” - que virou arroz de festa em filmes, videoclipes e publicidades de tevê -conquistaram

Real ou imaginação? um lugar de destaque no seio da ficção científica. No rastro de sucesso deixado pelo filme, outras produções com temática semelhante comeram poeira (David Cronenberg e sua viagem-cabeça eXistenZ e o despretensioso e bem menos inovador 13º Andar). Virar clássico é para poucos. Por mais que as continuações de Matrix tenham exagerado na dose dos ingredientes, a fórmula do original continua intacta e sua temática cada vez mais atual. Anti-sistema Enquanto em Matrix a luta do homem é contra as máquinas, em Clube da Luta, a luta de um homem é contra o sistema. Nada menos do que o sistema capitalista. Subversivo. Anárquico. Inteligente. Provocante. Revolucionário. Desafiador. Perturbador. Imoral. Essas são algumas palavras usadas para descrever o filme de David Fincher, baseado no livro homônimo de Chuck Palahniuk, e estrelado por

dois rostos em ascensão (Brad Pitt e Edward Norton). Corajoso e visualmente de deixar qualquer queixo cinéfilo caído, Clube da Luta transformou o consumismo em vazio existencial. A solução para o problema: a revolta travestida de agressividade. Quase uma ode ao terrorismo em nome de mudanças, Clube da Luta enganou a todos. A Fox por bancar um projeto que vai de encontro à própria lógica capitalista da indústria cinematográfica. E o público, que pagou o ingresso esperando ver um thriller estrelado pelo bom moço Brad Pitt, e conferiu um retrato nada sutil de uma geração conformista, passiva e perdida. Em uma época dominada por fórmulas prontas e filmes convencionais, Clube da Luta foi um tiro no pé do público acostumado a mais do mesmo. Narrativa vigorosa, efeitos especiais de primeira que nunca se sobrepõem à estória e uma reviravolta final (moda naquele ano) que

[ cinema ]

O futuro

engana direitinho todo mundo. A Matrix renovou a ficçãoobra de David Fincher não esconde as científica intenções e as deixa bem claras: não acredite no que você está vendo; não viva uma vida vazia; brigue pelo o que você quer, mas brigue literalmente, e tenha orgulho do seu olho roxo. Nem nos filmes de boxe a violência é usada de modo tão real e devastador. Uma violência ideológica.

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[ cinema ]

A

Outros filmes lançados por Holywood em 1999 que merecem ser vistos (em ordem alfabética): Dogma; Eleição; Fim de Caso; Garota, Interrompida; História Real; Hurricane – Furacão; Meninos Não Choram; O Informante; O Mundo de Andy; O Talentoso Ripley; O Verão de Sam; Segundas Intenções; Três Reis; Um Lugar Chamado Notting Hill; Vamos Nessa!. 20 [julho de 2009] harco

violência em Beleza Americana não é física. É moral. Enquanto em As Virgens Suicidas, cinco garotas sofrem com o moralismo de pais hipócritas, em De Olhos Bem Fechados, Nicole Kidman e Tom Cruise vêem o casamento falir diante de revelações íntimas. Mas apesar da hipocrisia ser o mote dos três filmes, eles não tiveram a mesma repercussão que a estréia de Sam Mendes no cinema, que cutuca mais ainda a ferida e retrata a decadência do american way of life através do olhar de um americano médio medíocre (Kevin Spacey), insatisfeito com o emprego, a mulher (Annette Bening) e a vida sem perspectivas. Sim, se o cinema independente já tinha abraçado com força as famílias disfuncionais há algum tempo (Felicidade, de 1998, é um exemplo), Hollywood se rende ao tema nesse exercício de estilo que deixa claro: família normal é família disfuncional. Nunca pétalas caindo do teto representaram tanto um alívio para uma vida vazia quanto no filme de Mendes. Ódio entre pais e filhos, entre marido e esposa, entre patrões e empregados e, claro, entre vizinhos. Beleza Americana é um tapa na cara da sociedade hipócrita, careta e alienada que habita as casas com belos jardins e sem muros dos subúrbios das grandes cidades dos Estados Unidos. Em Beleza Americana, um simples jantar pode se transformar em um campo de batalha para acusações ferrenhas. Um mero saco plástico vazio pode virar poesia visual. E um tiro chega como alívio. Drama e comédia de humor negro andam de mãos dadas no filme. Quem ganha é o público, que acompanha o retrato do fracasso de uma vida.

Invasores de mentes Obra-prima dos miseráveis Mais triste e melancólico do que a vida de um fracassado é o retrato da vida de muitos. Magnólia é exatamente isso. A costura da vida de várias personagens que, de alguma forma, se perderam na vida e estão desesperadas para acharem o caminho de volta. Dirigido de forma épica por Paul Thomas Anderson, o filme é uma longa jornada ao inferno de cerca de 15 personagens. Um inferno belissimamente comandado por um cineasta talentoso

e interpretado por atores capazes de tudo. Coloque no mesmo pacote um Tom Cruise de cueca, uma Julianne Moore à beira do desespero, um Jason Roberts definhando em uma cama, uma Melora Walters com problemas de auto-estima, um William H. Macy com traumas infantis e mais uma penca de personagens que tenta lidar de alguma forma com o destino injusto que a vida lhes reservou. Inspirados em canções de Aime Mann, o roteiro de Magnólia, de au-

toria do próprio Anderson, não deixa dúvidas: os fracassados também têm direito à redenção. Nem que ela venha da forma mais inusitada possível: em meio a uma chuva de sapos. Metáforas à parte, referências bíblicas de lado, o longa é a obra-prima dos miseráveis ao condensar raiva, dor, humilhação, comiseração, decepção, mágoas e ressentimentos sem que o filme tenha um ar pesado e depressivo. Tarefa difícil. Desafio cumprido. Tarefa difícil mesmo é entrar na mente de um astro do cinema. Mas não para Spike Jonze e Charlie Kaufman, diretor e roteirista, respectivamente, de Quero Ser John Malkovich, a “viagem” cinematográfica mais bizarra de 1999, quiçá de toda a História de Hollywood. Em uma época quando o cinema é acusado de ser repetitivo e de sofrer pela falta de criatividade e de novas estórias, Jonze e Kaufman misturam humor negro, metafísica, surrealismo e esquizofrenia em uma trama que não pode ser resumida, precisa ser acompanhada. As personagens da esquisitice? Um John Cusack e Cameron Diaz descabelados. Uma Catherine Keener com cara blasé. Um John Malkovich que interpreta a si mesmo. Um escritório localizado no 7 ½ de um prédio. Uma estrada nas redondezas de Nova York. E um portal que joga qualquer um que entrar nele no meio da mente de John Malkovich. Os ingredientes perfeitos para uma história estranha, curiosa e deliciosa. Quando quer, Hollywood sabe ser criativa. E, em 1999, ela soube como ninguém. Um ano para ficar na memória. Um ano para se entrar na História do Cinema.


A

última década assistiu ao crescimento do interesse pelos temas históricos no Brasil. Pessoas das mais diversas classes sociais tiveram acesso a personagens e períodos antes restritos aos livros escolares. A indústria cultural, através de inúmeros produtos como novelas, minisséries, documentários e filmes, ajudou a despertar o interesse sobre passagens do Brasil Colônia e Império e mesmo sobre nossa história contemporânea, vide as diversas películas que abordam a ditadura pós1964, por exemplo. Nas bancas, a novidade foi o lançamento de diversas revistas voltadas para a divulgação de assuntos históricos. Algumas, apesar de publicadas em português, trazem apenas dossiês publicados em similares americanas e européias sobre temas da chamada História Geral. Mas há boas publicações brasileiras, mesclando o trabalho de historiadores e jornalistas, como a Revista de História, da Biblioteca Nacional. A última novidade, ainda em termos de popularização da área, foi a constituição de uma rede de relacionamentos criada especialmente para a discussão de temas históricos, o Café História (cafehistoria.ning.com). Com quase 10 mil membros cadastrados e distribuídos em grupos de discussão, a rede está aberta a professores, estudantes, pesquisadores ou aos simplesmente amantes do tema. Entender essa disseminação ou interesse crescente pela História em nosso País passa ou deveria passar, inevitavelmente, pela discussão sobre o vertiginoso crescimento da pesquisa, na área, nas últimas décadas. A pluralidade de temas estudados, o acolhimento crítico a procedimentos historiográficos e a originalidade na abordagem de temas mais amplos como o fazer histórico, a escrita e a teoria da história nos coloca em evidente conectivo com o melhor da produção internacional. A qualidade

dos trabalhos que chega, a cada ano, aos periódicos mais voltados para o público acadêmico ou que ganha leitores mais diversos com a publicação em livros é uma mostra disso. Essa realidade nos faz pensar sobre nosso potencial como centro produtor e disseminador de conhecimentos ainda subaproveitado, entre outras coisas, pelos ainda deficientes investimentos governamentais em pesquisa e publicação. Uma lacuna preocupante num País em que as distâncias entre a Universidade e Ensino Fundamental e Médio ainda são abissais.

Círculo de conhecimento Questões como essa, além da discussão sobre o lugar da História, a importância da pesquisa e a formação do historiador serão amplamente debatidas durante uma semana, de 12 a 17 de julho próximo, quando Fortaleza transforma-se na capital brasileira da História. Nesse período, a Universidade Federal do Ceará (UFC) abriga o XXV Simpósio Nacional de História, promovido pela Associação Nacional de História (ANPUH). Dezenas de simpósios temáticos, mesas-redondas, mini-cursos, debates e lançamento de livros vão unir professores, estudantes e pesquisadores para apresentar o melhor de nossa produção acadêmica brasileira, num encontro onde o tema central é “História e Ética”. Momento mais propício não poderia haver. Conferências pensadas em torno desse tema ocuparão lugares símbolo da cidade como a Concha Acústica, da UFC, no Benfica, e o Theatro José de Alencar que terá sua história analisada pelo arquiteto e professor emérito da UFC, Liberal de Castro, igualmente um ícone do saber arquitetônico e patrimonial de nosso Estado. O centenário do paisa-

[ história ]

Fortaleza, capital da História De 12 a 17 de julho, Fortaleza sedia o XXV Simpósio Nacional de História. Professores, estudantes e pesquisadores de todo o Brasil discutirão temas relacionados à História, uma área de conhecimento que desperta interesse crescente no País

gista Roberto Burle Marx, idealizador do jardim do texto [Ana Rita Fonteles] Theatro, também será homenageado na ocasião. Os jardins também têm história, afinal. Fortaleza estará longe de se colocar apenas como a cidade abrigo do maior evento de historiadores no Brasil, pois estará profundamente inserida na programação, principalmente a cultural do Simpósio. Equipamentos culturais, praças, monumentos, música, cores, arte, a comida, irão se mostrar em seu melhor a visitantes tão especiais. E como forma de retribuir a tanta generosidade, os participantes do XXV Simpósio Nacional de História deixarão o melhor que professores e pesquisadores podem doar de si mesmos: o conhecimento. Cada participante inscrito no evento está sendo convidado a trazer um livro ou revista acadêmica em forma de doação. Os livros serão repassados a Ana Rita Fonteles acervos de três bibliotecas públicas de nossa cida- é jornalista e de, a Dolor Barreira, a Menezes Pimentel e ao Siste- doutora em História ma de Biblioteca da UFC. Mais que rastros de quem da Cultura pela passou pela cidade, e que por isso podem se apagar, Universidade que esses bens do espírito inspirem novos círculos Federal de Santa de leitores e de produtores de conhecimento. Catarina.

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[ fotografia ] 22 [julho de 2009] harco


[ fotografia ]

Dribles no tempo por Celso Oliveira

Do ar, a vida, o tempo, ganham uma dimensão improvável, como se fossem uma só realidade. Ou sonho. Talvez por isso, ao procurar encontrar-se com o “senhor que jamais envelhece, não morre, mas acaba com a gente”, Celso Oliveira, 51, optou por um vôo sobre o sertão cearense - é bom lembrar, sobretudo em dias áridos, um lugar ainda marcado pela sobrevivência. Por isso mesmo, a aridez

das imagens encontre o tempo em uma condição ainda mais insólita, como se ele levasse um breve drible do espaço e da insolitez humana. Com 30 anos de fotografia, os primeiros deles dedicados ao foto-jornalismo, o cariocalencarino lançou, em 2007, o livro Quem somos nós?, pela sua Tempo D’Imagem, editora e agência onde, desde 1994, vai dando outros dribles ao sol de cada dia. harco [julho de 2009] 23


[ música ]

texto [Henrique Nunes] ilustrações [Eduardo Freire, sobre fotos de Wilton Montenegro e Klaus Wolfhardt (cc)]

Arcos do sábio viajante Foto: Wilton Montenegro

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Há quatro décadas, a música brasileira tem a companhia da poesia de Paulo César Pinheiro, autor de inúmeras maravilhas, em parceria com gente como Baden Powell e Aldir Blanc, só para citar, inicialmente, dois dos outros tantos emblemas do nosso cancioneiro com quem compôs. Ao comemorar 60 anos em 28 de abril, Paulinho Pinheiro, como também é conhecido no meio musical, extrapola, fazendo, barba, cabelo, bigode, cavanhaque, tudo o que este sábio menestrel tem direito. Inclusive soltando sua voz à Nelson Cavaquinho - rouca, irmã, mas um tanto mais aprumada que a do velho (igualmente genial) amigo de farra, como comprova seu recente O Lamento do Samba (Quelé, 2003). Ao lado de João Nogueira, da porta-bandeira Vilma Nascimento e de Nésio, filho do baluarte portelense Natal, Paulo, mangueirense de coração, foi um dos responsáveis por uma das últimas tentativas de revitalização do verdadeiro carnaval carioca com a criação da Tradição, em 1984. Situações que ele deverá esclarecer entre suas tantas histórias e

canções em um novo show, em formato biográfico, que, infelizmente, não deve chegar por Fortaleza por estar incluído no Circuito Caixa Cultural... É, mas teremos outras notícias dele, já que Paulinho vai desfraldar uma série de novas criações: de livro de sonetos a seus primeiros romances, além de um novo musical, novo CD, songbook e ainda uma biografia, feita pela jornalista Conceição Campos. De quebra, vai deixando ainda inéditos uns contos. Ficam à espera da hora certa, segundo o menestrel nos falou, acertando os ponteiros sobre tantos projetos, e, claro, alguns detalhes da sua longa contribuição ao nosso legado musical. Os 60 anos vêm abençoados pela força de suas orações. Afinal, para quem já fez hinos como “Saudades da Guanabara” (com Moacyr Luz e Aldir Blanc) e ainda “As forças da Natureza” (com João Nogueira) e “Canto das três raças” (com Mauro Duarte), estes para serem cantados pela ex-esposa Clara Nunes, não é nada incoerente falar em orações para descrever seus elos poéticos com o mundo, mesmo aque-


Edu Lobo e até dos nossos cearenses Eudes Fraga, (o também pródigo) Evaldo Gouveia e Lúcia Menezes, todos parceiros recentes de viagem. “Todas na caneta e no papel”, garante. Muitas com o auxílio do seu próprio violão. E assim também vieram os poemas publicados, e, agora, o romance, na verdade, os romances...

Histórias antigas As histórias de Paulinho vão ao tempo em que a nossa música ainda tratava de conciliar suas matrizes africanas com elementos das novas tradições que se anunciavam, a Bossa Nova e, na seqüência, aquela que o mundo inteiro conhece como Música Popular Brasileira. Filho de um paraibano de ascendência negra e índia, “um caboclo de Campina Grande”, e de uma filha de índia guarani, Paulo César começou a colher as suas matrizes temáticas, sentimentais, espirituais, nos braços dos pais e dos avôs fluminenses. Um dos primeiros contatos com a realidade talvez tenha sido suscitado pelo avô materno, um pescador de ascendência inglesa que espalhou 12 filhos pelas ilhas do litoral entre Angra e Parati... Ele também o levaria à música, em cantos que ele compunha não se sabe de onde. “Lá comecei a escrever, quando passava férias escolares, exatamente naquele litoral onde meu avô espalhou suas sementes e canções. Exatamente o litoral que me inspirou a escrever tantas outras músicas e ainda

meu livro de poemas anterior, Clave de Sal, sobre poemas de mar”, diz o carioca de Ramos. A parceria com João de Aquino surgiu aos 14 anos. Logo o poder de sua criação encontraria mais frutos com Baden Powell, primo de João. “Aprendi a fazer música com Baden. João de Aquino me apresentou, sem qualquer problema. As músicas surgiam de observação pura. A gente andou por tudo o que foi canto, aprendeu com tudo. Tanto no Rio como na Bahia. Por isso o conhecimento. João e Baden foram fundamentais na minha vida, assim como outros parceiros. Amigos, irmãos, companheiros de farra, de esquina, botequim... Sabia o que cada um deles estava pensando na hora de compor”. Mas Paulinho também andou pelas próprias pernas, chegando, inclusive, a jogar no juvenil do Vasco. Apenas por comodidade: é flamenguista, mas morava mais perto de São Januário. A música e a literatura já o tinham prendido, como comprovam os violões e as coleções de livros e discos, de vinil e digitais, empilhadas em sua recém-comprada cobertura no bairro de Laranjeiras, isto mesmo, o reduto dos tricolores cariocas... “Ah, o violão está sempre por perto, sempre fiz música. Mas como sempre compunha ao lado de cobras, sempre me perguntam: é com quem? Sempre me vêem como letrista dos outros. Mas meu maior parceiro sou eu mesmo. Quer dizer, tenho umas 150 músicas compostas sozinho, gravadas por Bethânia, Clara,

[ música ]

les em forma de canções. Com o perdão da imagem gasta, a habilidade, também melódica, de Paulo César Pinheiro é um dos nossos últimos mananciais no samba, na MPB, em permanente processo de renovação. Simples, ao tempo de “Lapinha”; cada vez mais sofisticado, mas ainda preciso e precioso, ao longo do tempo. Que o diga quem for aos shows, em “temporada nacional” que começa dias 25 e 26 de abril, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, na companhia da esposa (“de uma relação eterna, há 24 anos, maravilhosa”), a experiente cavaquinista Luciana Rabello, e dos filhos, Julião Pinheiro (violão de 7 cordas) e Ana Rabelo (cavaquinho) e de outros músicos. Os felizardos poderão curtir um roteiro que vai de “Viagem”, primeira parceria juvenil com João de Aquino, primo de Baden, ainda de quando passava férias em Angra dos Reis, onde sua mãe nasceu, a “Arco do Tempo”, canção inédita que reproduzimos no fim desta matéria. Impossível contar toda a história: entre mil canções de algumas gavetas, outras tantas foram gravadas, quantidade só atingida, em outra seara, por Michael Sullivan (este com 1200 músicas gravadas por Xuxa e companhia). “Mas se for contar as regravações são umas cinco mil, sem falar que são estilos diferentes”, aponta, complicando mais o coreto. É que a qualidade aqui também é ímpar em nosso cancioneiro, entre parceiros que vão de Pixinguinha a Alice Caymmi, filha de Danilo Caymmi. E entre vozes como as de João, Clara, Elis,

Foto: Klaus Wolfhardt (cc)

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Foto: Silvana Marques

Cristina Buarque... Como morreram muitos parceiros meus, passei a compor mais sozinho. Isso ainda causa surpresa, as pessoas não se ligam”. Antes, é preciso lembrar-se de “Viagem”, a música com Baden de quando Paulinho tinha seus 14 anos de idade, sucesso de Marisa Gata Mansa e em outras gravações. De “Lapinha”, singela parceria com Baden que seria suficiente para imortalizá-lo aos 16 anos, alguns anos depois, gravada e defendida por Elis, conquistando a disputadíssima I Bienal do Samba. É preciso situar que as farras e pesquisas com Baden, como as leituras, levavam-nos a acumular informações sobre a cultura negra brasileira, essenciais para suas músicas, mas também, no caso de Paulinho, para seus livros, desde o Canto Brasileiro, publicado em 1972. É bom ressaltar ainda que Baden já era famoso: os afro-sambas com Vinicius já haviam encantado homens e mulheres de todo o mundo. A parceria acabou gerando desen-

tendimento com o Poetinha, mas logo ficou tudo bem. “Com o João de Aquino também”, frisa. Baden e Paulinho fariam uma centena de músicas. Entre elas, “Aviso aos navegantes”, “Refém da solidão” e “Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá)”. É preciso investigar mais profundamente esta ligação com as origens. Origens mesmo, tantas... “A pesquisa vem, primeiro, da literatura brasileira. Depois porque andei por todos estes lugares, fui sempre um viajante, curioso pelo modo de vida, as festas populares, o folclore, colhendo as histórias de rua. Passei pelos interiores brasileiros, muitos. Isso é que tornou rica a minha matéria. Conheço as coisas principalmente de estar nelas... Por essa mistura, de ser filho de paraibano, neto de avó guarani, de uma tribo que resiste até hoje perto das três usinas nucleares de Angra, e de um avô com sangue inglês, trago em mim a mistura das três raças. Aprendi muito com a minha avó, raizeira. Tenho muito de europeu. E a negritude, por parte de meu pai”. Origens que ele acredita ter repassado também para os filhos. E ressalta: “não é que eu pratique a negritude, ela está em mim. Por isso sou hoje o compositor que mais compõe em torno da afro-brasilidade, desde a época do Baden. Muitas das coisas que componho conheço de perto, muitas vezes não sei nem explicar. Mas é algo que não quero racionalizar, pois perde a veia “, diz, afirmando que não entende iorubá, por exemplo, tem apenas uma noção, mas, por uma força misteriosa, que nele se manifestou quase atávica, tamanho seu envolvimento desde cedo, suas referências estão sempre corretas, servindo de consulta até mesmo para pesquisadores mais formais como Nei Lopes. Apenas alguns dos segredos do alforje de histórias deste senhor de todas as raças, de todas as praias.


Cantor e compositor

Canto Brasileiro (1972), Viola Morena (1983), Atabaques, violas e bambus (2000) e Clave de Sal (2004) são livros de poemas. “Lancei o Atabaques aí, no Boteco. Foi um dos lugares onde mais autografei livros. Estou sempre aí, na casa do Eudes. Adoro esse lugar”, conta. O ano Paulinho termina com o lançamento de Sonetos sentimentais para violão e orquestra. “Desde que comecei a escrever, transito por muitas formas poéticas, mas o soneto particularmente me encanta. Modéstia à parte, sou um bom sonetista, e resolvi pegar os sonetos que eu vinha guardando durante este tempo todo”.

Após sete discos, o lado melodista do compositor Paulo César Pinheiro foi apresentado ao público em 2003, no álbum O Lamento do Samba (Biscoito Fino), reunindo pela primeira vez seus sambas totalmente autorais. Por ele ganhou o Prêmio Shell daquele ano. Antes tinha lançado, sozinho, apenas o LP Poemas Escolhidos. O lado intérprete de Paulinho, no entanto, já era conhecido, inclusive em shows e discos feitos em parceria com a cantora Márcia e com o cantor e compositor paulista Eduardo Gudin.

[ música ]

Poeta

Ciranda praieira

Poeta, mais que compositor e cantor, Paulo César Pinheiro esbanja produtividade aos 60. Nesta página e nas seguintes, entre alguns amigos da música: de Joyce e João Nogueira a Elizeth Cardoso; Tom e Dori Caymmi, e o velho amigo Baden Powell, aos 60. A seguir, ele descreve seu processo criativo e discorre sobre seu primeiro romance, sua biografia, Clara Nunes e outros momentos de suas andanças

Romancista Em junho, Paulo César Pinheiro publicará seu primeiro romance, Pontal do Pilar, lugar fictício onde ele reúne cerca de 60 personagens. A partir de 2010, lança outros dois: Matinta, o Bruxo e Santa e Meretriz, todos pela editora portuguesa Leya, que chega ao Brasil. “O primeiro descreve algumas épocas, não é só o tempo atual, venho desde o século XVIII. É uma cidade brasileira à beira-mar, mas não digo qual pro cara viajar... Uma história só em torno dos nossos antepassados”. Algo Cem anos de solidão? Paulinho acata, mas dá outras pistas, além do Gabo colombiano: a brasilidade de Adonias Filho, João Felício dos Santos, Jorge Amado e Guimarães Rosa.

Foto: Silvana Marques

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Foto: acervo da família de Elizeth Cardoso

[ música ]

Foto: Marco Aurélio Olimpio

Paulo César Pinheiro entre alguns amigos da música: de Joyce, João Nogueira e Márcia; e com Elizeth Cardoso

Na página ao lado PC Pinheiro, Tom e Dori Caymmi, e com o velho amigo Baden Powell 28 [julho de 2009] harco

Reconhecimento e anonimato

Mordaças

O reconhecimento permite até dividir o público. “São diversas correntes, afinal a música do Dori Caymmi ou do Edu é diferente da música do João Nogueira e do Mauro Duarte, preferida pelos seguidores do samba”. De qualquer modo, o reconhecimento é visto como algo natural: “não me causa mais nenhuma vaidade”. O anonimato também: “adoro não ser reconhecido. Sou um cronista do meu tempo, e nada melhor do que o anonimato para um escritor. Isso alimentou o romancista. Chico Buarque, por exemplo, não pode fazer isso. Aí colho a matéria da minha música, na rua com o povo”. Por falar em Chico, as comparações com ele ou Vinicius não o incomodam há muito. “Chico também deve ter sofrido isso em relação ao Noel, mas depois você só passa em se preocupar em deixar a sua contribuição, acho que por isso tenho um séquito de seguidores”.

Com Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro compôs os hinos “Mordaça” e “Maior é Deus”. Com Maurício Tapajós, “Pesadelo”. Cantando ao lado de Gudin e Márcia, lançou dois discos ao vivo, nos anos 70, que também marcaram o período da ditadura: O importante é que a nossa emoção sobreviva 1 e 2. O reencontro aconteceria 20 anos depois em Tudo o que mais nos uniu, relendo aquelas músicas. “Aquele momento foi um dos mais terríveis da nossa história. De achatamento cultural, de perseguição política. Foi um show marcante, contundente e perigoso a cada apresentação. Eu corri os corredores da censura como ninguém, várias músicas minhas foram censuradas: ‘Cordilheiras’, ‘Mordaça’... Por curiosidade, uma das mais diretas, ‘Pesadelo’, não foi censurada... E virou um hino de guerra. Vou escrever esta história em algum momento”.

Tradição do samba A Tradição: “Conseguimos mudar um pouco essa história, na Tradição. Os cinco primeiros sambasenredo são meus e do João (Nogueira). O nome fui eu que dei. Mas depois começou a ficar tudo igual e saímos”. O Carnaval: “Hoje o samba-enredo ficou outra coisa. São marchas”.

Velhos parceiros Mauro Duarte, Baden, Maurício Tapajós e João Nogueira foram alguns dos parceiros que se foram. Assim como a amiga Elis. Algumas palavras sobre eles. “Foram parceiros fundamentais no samba”. Houve ainda gente do naipe de Nelson Cavaquinho. “Foi meu companheiro de boemia por muitos anos. Cartola era mais caseiro. Aprendi a fazer samba na Mangueira”.


Teatro

Fruto de uma tese da jornalista Conceição Campos para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, A letra brasileira de Paulo César Pinheiro (Casa da Palavra) será uma “biografia romanceada” de Paulinho. “Ela mapeia o Brasil através da minha letra, pelos meus diversos parceiros das diversas regiões brasileiras. É uma biografia romanceada”, diz, listando dos cearenses a acreanos, pernambucanos, alagoanos, baianos, mineiros, cariocas, gente do Sul... O livro sai no final de maio.

Paulo terminou também o musical Galanga, Chico Rei, sua segunda experiência no gênero. A primeira foi Besouro Cordão de Ouro, em cartaz desde 2006. “Esse é um musical dramatizado sobre um herói popular baiano, um capoeirista de Santo Amaro que me acompanha desde o tempo de ‘Lapinha’, é meu personagem de toda a vida. Ganhou o Prêmio Shell”. Já o novo musical “é baseado em histórias populares de Minas Gerais, como o congado, e coisas do Agripa Vasconcelos. Deve ser montado pelo João das Neves, que montou o musical anterior e é meu amigo desde o Opinião. Os ensaios começam no segundo semestre”.

[ música ]

Biografia

Discos

Foto: Wilton Montenegro

Portela, Clara Apesar de mangueirense, Paulo César Pinheiro compôs, com Mauro Duarte, “Portela na Avenida”, um hino da escola azul e branco. “Foi a pedido de Clara, que era portelense. Ela dizia que depois de “Foi um rio que passou em minha vida” ninguém tinha cantado a Portela. Também, era difícil”... “Clara foi uma das maiores cantoras que o Brasil já teve. Tive o privilégio de ser cantado pelas três maiores: Elis, Elizeth e Clara. Bethânia e Nana, claro, são maravilhosas, mas foram elas que praticamente gravaram a minha obra inicial. E tudo o que elas gravaram ficou, eram cartões de visita da minha vida, Elis principalmente. Clara, a partir de um certo momento passou a não ser rotulada numa coisa só, passou a ser uma cantora com um leque brasileiro invejável, em torno de vários gêneros, do samba ao forró. A minha importância nisso é ter feito essa abertura, a partir de um determinado momento da obra dela”.

Paulinho diz que ainda não sabe qual disco lançará primeiro, ainda este ano: está dividido entre duas idéias. “Um seria a continuação do Lamento do Samba, algo como O Lamento do Samba 2, só com composições inéditas, totalmente minhas. Outro seria com a trilha do Besouro... Ainda não me decidi. Devem sair pela Biscoito Fino”. Pela ordem, serão, então, o nono e décimo álbuns de Paulinho, cuja discografia começou em 1974 e teve como destaque ainda os discos com Márcia e Eduardo Gudin e, em 94, Parceria, com João Nogueira, além de O Lamento do Samba.

Ritual criativo

Paulinho diz que tem várias formas de compor. “Alguns gostam de musicar, outros gostam de mandar a música, eu também gosto de todas as maneiras”. E dá detalhes de seu ritual criativo. “O que rola é uma disciplina, sou muito disciplinado. Tenho o poder de concentração muito grande. O ritual é acordar, tomar café e ficar espero esperando chegar alguma coisa, na caneta. A maior parte das vezes sempre vem. Deixo chegar, nunca forcei barra nenhuma. É um exercício diário. Às vezes não gosto, jogo fora. Também adoro fazer composição por encomenda, pra cinema, teatro. Acho estimulante”.

Foto: Wilton Montenegro

harco [julho de 2009] 29


[ dança ]

A dança no Nazismo

texto [Thaís Gonçalves] fotos [Reprodução]

Como a Dança Expressionista Alemã, vinculada aos preceitos do movimento modernista nas artes do início do século XX, foi apropriada pelo regime nazista para justificar o discurso de Hitler de construção de um novo homem

Thais Gonçalves é pesquisadora em dança, graduada em Dança pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas, jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade da UECE – Universidade Estadual do Ceará, onde pesquisa a interface entre dança e políticas públicas como bolsista da FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico

O

usadia é uma das marcas de Adolf Hitler. Mentor do Nazismo, ele tinha um projeto artístico e estético fortemente relacionado ao que denominava “corpo do povo da Alemanha”. Seu objetivo era criar um novo homem para justificar a dominação política e ideológica no âmbito do regime nazista. Portanto, buscava algo que ainda não havia sido feito. Os experimentos da dança moderna, que vinham se desenvolvendo como contraponto ao balé clássico, com nomes como Isadora Duncan, Loie Füller e, mais especificamente, Rudolf Von Laban e seus seguidores Mary Wigman e Kurt Jooss, tinham uma estética que despertava o interesse de Hitler pelo que estavam inaugurando em sua relação com o corpo. Os bailarinos inspiravam-se na Grécia e no retorno à natureza para desenvolver seus trabalhos artísticos.

No documentário Arquitetura da Destruição, dirigido por Peter Cohen, o líder nazista deixa clara a sua fixação pelo mundo antigo quando diz que seu coração pertencia à Antigüidade – Roma, Esparta e Atenas. Os três povos tinham o exercício físico como padrão de comportamento. O filósofo Platão defendia a ginástica como a união dos cuidados do corpo ao aperfeiçoamento do pensamento elevado, honesto e justo. Já Hitler entendia que o maior princípio da beleza era a saúde. O projeto artístico e estético do Nazismo trazia como preceitos a beleza, pureza e eternidade. No filme Olympia, que retrata os XL Jogos Olímpicos de Berlim (1936), sob a direção de Leni Riefenstahl, cineasta oficial de Hitler, é clara a refe-

rência: a Grécia antiga. Na primeira parte são exibidas imagens dos prédios gregos em ruínas e de esculturas de figuras femininas e masculinas musculosas, em seguida fazendo a transição para os corpos atléticos masculinos dos anos 1930, da era moderna, também nus e exibindo saúde física. As mulheres, igualmente nuas, executam movimentos harmoniosos. A segunda parte segue com imagens da natureza – lago, sombras de árvore no solo, animais – e de atletas correndo vestidos, depois nus, tomando banho, massageando uns aos outros. Higiene, camaradagem e vida coletiva são elementos que se repetem em Triunfo da Vontade (1934), da mesma cineasta. Na abertura dos jogos Isadora Duncan era uma das dançarinas mais admiradas pelo líder nazista com sua Dança Expressionista

30 [julho de 2009] harco


Novo mundo, outro homem A virada dos séculos XIX para o XX foi marcada por uma série de mudanças no mundo. O processo de surgimento das cidades e da indústria parecia apartar o homem de sua relação com a natureza e com o coletivo, trazendo à cena angústias relativas à sobrevivência individual neste novo universo das metrópoles. Na Alemanha, com o agravante da destruição deixada pela I Guerra Mundial, não foi difícil para Adolf Hitler encontrar o discurso de valorização da auto-estima da raça ariana para uma população fragilizada que vislumbrava, nesta figura emblemática, um porto seguro, alguém para lhes transmitir segurança e lhes dizer como agir. Para a teórica da política alemã Hannah Arendt, de família judia e que ficou exilada nos Estados Unidos, a situação tornou-se desesperadora quando o homem moderno despertou para o fato de que estava vivendo em um mundo no qual sua mentalidade e sua tradição de pensamento já não eram capazes de formular questões ade-

quadas e significativas e nem de dar respostas às perplexidades deste novo momento histórico da humanidade. A dança, em consonância com as vanguardas modernistas das artes plásticas, que se desenvolvem após a segunda metade do século XIX e, sobretudo, na primeira metade do século XX, acompanha essa mudança de paradigmas. A francesa Loie Füller (1862-1928) inaugura uma dança livre de técnicas, com seus tecidos esvoaçantes, coloridos pelas luzes da recém-descoberta iluminação elétrica, por Thomas Edson. A americana Isadora Duncan (1878-1927) fica conhecida por abolir as sapatilhas, dançar descalça com túnicas semelhantes às dos povos gregos. Já o austríaco Rudof von Laban (1979-1958), que por anos trabalhou na Alemanha, onde chegou a adquirir cidadania, junto com pessoas de outras áreas ficou marcado por sua atuação no Monte Veritá (Suíça), onde fazia experimentos corporais com bailarinos nus, em contato com a natureza. Em comum, todos tinham o interesse em uma dança reflexiva, com espaço para a pluralidade de corpos e idéias, que trouxesse para a cena as questões de seu tempo, inaugurando o uso do chão e de outros níveis espaciais – bem diferente do balé clássico, cujas preocupações estavam centradas nos temas românticos, do

amor impossível e etéreo. No documentário A dança no século, exibido pela GNT, uma frase dá o tom do período: “A dança, assim como as outras artes, não podia escapar das convulsões que estremeceram o mundo. Não se podia dançar ao som de tiros”. Os dançarinos modernos rejeitavam o virtuosismo técnico do corpo metrificado do balé clássico e o ideal ditatorial de beleza dos corpos alongados, brancos, magros dos bailarinos. Para eles, outros corpos também podiam expressar-se artisticamente e não só por passos reproduzidos, mas a partir da descoberta de si e de diferentes maneiras de movimentar-se, experimentadas com a improvisação, em contato com a natureza, com outras

formas de expressão artística, como a escultura, pintura, música, teatro, bem como influências da psicanálise que vinha se desenvolvendo.

[ dança ]

olímpicos, uma multidão de mulheres executa uma dança sincronizada. Tratava-se da dança coral, que começou a ser coreografada por Rudolf Von Laban, artista contratado pelo governo nazista, cujo trabalho não foi concluído, apesar dos dois anos em que ficou a serviço do regime de Hitler.

Leni Riefenstahl deixou sua marca no cinema pela fotografia inspirada nos ideais de beleza greco-romanos que também podem ser percebidos no filme Arquitetura da Destruição harco [dezembro de 2008] 31


[ dança ]

A Dança

Expressionista Alemã, cujos representantes mais conhecidos são Rudolf von Laban, Mary Wigman e Kurt Jooss, surge neste contexto e com estes ideais libertários, plurais e com uma compreensão de corpo voltada para a descoberta de si, do inconsciente, do novo. Mas, o que teria tornado possível a cooptação deste fazer artístico pelo regime nazista?

da Propaganda de Hitler, Goebbels, ofereceu a Rudolf von Laban um cargo no governo nazista em 1934. Os movimentos executados pelas mulheres no filme Olympia em muito se assemelham às danças experimentais de Isadora Duncan e do Monte Veritá e ao trabalho denominado de dança coral, com coreografia de Laban. Em 1929, o coreógrafo dirigiu um grandioso cortejo de Artes

Enquanto a União Soviética centrou a produção em balé clássico nos temas folclóricos, como seu ponto de apoio para justificar sua dominação pelas artes, com um projeto artístico baseado na reprodução de saberes – postura também adotada no Brasil pela Ditadura Vargas, pelo incentivo dos balés indigenistas e de temática negra, voltados para o exótico –; na Alemanha nazista, Hitler encantou-se pelo trabalho dos dançarinos modernos e seus experimentos realizados no Monte Veritá. Tanto que o ministro

e Ofícios em Viena, com 10 mil performers, dos quais 2.500 dançarinos; bem como produziu um movimento coral de 500 performers para o Festival de Mannheim e fez os primeiros experimentos com trilhas sonoras para filmes com dança. Em 1930, Laban mudou-se para Berlim e tornouse diretor da União dos Teatros Estaduais. Percebe-se, a partir da bibliografia que está disponível, que, no início de seus trabalhos para o regime nazista, Laban acatou as determinações

A dança experimental de Isadora Duncan serviu de inspiração para as coreografias do filme Olympia

Na foto maior, Kurt Jooss. Na menor o espetáculo A Mesa, numa montagem contemporânea

O novo homem e o expressionismo alemão

32 [julho de 2009] harco

anti-semitas e não permitia a matrícula de judeus nos cursos realizados nas instituições em que dirigia. Essa aproximação de Hitler com a Dança Expressionista Alemã provavelmente tenha se dado pelo seguinte viés: o que o projeto nazista desejava era um novo homem, diferente de qualquer modelo já existente até então e a dança moderna respondia a esse anseio. O líder nazista buscava implantar o ideal de beleza ariano baseado no padrão de perfeição grego

de corpos atléticos e simétricos. Enquanto isso, os dançarinos modernos faziam experimentos tendo a nudez dos corpos como um de seus elementos de pesquisa, bem como o uso de túnicas e tecidos semelhantes à estética grega. Portanto, não


[rodopios]

Dicas de leitura ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo (SP): Perspectiva, 1988.

BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. São Paulo (SP): Martins Fontes, 2001. KARINA, Lilian e KANT, Marion. Hitler’s Dancers – German Modern Dance and the Third Reich. New York (EUA): Berghahn Brooks, 2003.

LABAN, Rudolf. O domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.

vaziadas, com repetições mecânicas e desconectadas das esferas social, política, religiosa, econômica. Para ele, o homem moderno perdeu a capacidade de se mover, pois sequer assobia mais ao trabalhar. Com olhar vazio e cheio de medo, para Laban este homem se desconectou da sua experiência. As novas técnicas de produção e as novas necessidades econômicas forçam este homem a sofrer com os acontecimentos externos, não sendo mais possível a ele dar-lhes sentido (LABAN, 1978). Laban buscava despertar este sentido com o trabalho artístico em dança que realizava. Daí causar estranheza o fato de ele ter aceitado trabalhar por pelo menos dois anos dentro do governo nazista, com seus seguidores Mary Wigman e Kurt Jooss. Porém, fica evidente que esta situação não foi confortável para estes artistas modernos. Em 1936, Martha Graham, expoente da dança moderna americana, não só recusou participar da coreografia que Laban estava preparando para os Jogos Olímpicos em Berlim, como argumentou que jamais poderia colaborar para um regime que estava dizimando pessoas e causando o sofrimento de tantas outras que tiveram que se exilar da Alemanha. O fato causou desconforto. Além disso, Laban vinha fazendo uma produção ao ar livre, preparada para 1.000 performers, com sequências sendo notadas e enviadas para 60 co-

[ dança ]

foi difícil para o regime nazista encontrar um projeto artístico diferenciado que, aparentemente, tinha os elementos que estava procurando. É importante lembrar que o balé clássico ainda dominava neste período, com sua estrutura de reprodução de valores, modelando corpos e idéias a partir de uma estética feita para ser aceita, nunca questionada, pois os corpos eram, antes de tudo, ferramentas desta técnica. A dança moderna surge neste contexto, mas estimulando o novo, a descoberta de si, a pluralidade. Co-habitando o mesmo tempo e espaço, estas danças eram habitualmente procuradas pelos pais de crianças e adolescentes em busca de melhorias para a saúde e a postura de seus filhos e não predominantemente com o objetivo de desenvolver um senso artístico e crítico. O que estas famílias e alunos desejavam era alguém para lhes dizer como agir, independente do estilo de dança. Rudof von Laban tinha como projeto artístico trabalhar pelo interesse coletivo, ao propor em sua dança o pensar e o agir simultâneos – o que faz desta dança um fazer político, tal como defende Hannah Arendt em sua obra. Pesquisador das danças folclóricas, desde sua infância vivida em diferentes localidades, devido ao pai ser um militar, Laban percebia que esta experiência comunitária foi substituída por hábitos de ações es-

ros participantes em cidades diversas para serem ensaiadas. O ensaio do figurino foi assistido por Goebbles, que disse: “Na Alemanha só há espaço para um movimento, o Movimento Nazista”. Como resultado, a performance foi cancelada e o trabalho de Laban na Alemanha chegou ao fim às vésperas dos Jogos Olímpicos. O coreógrafo teve sua cidadania alemã cassada, mudou-se para Paris, permanecendo inativo por um tempo, indo depois à Inglaterra, onde seu trabalho é atualmente mais conhecido. Mary Wigman ainda ficou na Alemanha, mas teve sua atuação profissional rejeitada pelo Nazismo, ficando por um bom período com poucos alunos em um lugar mais periférico de Berlim. Reside nesse contexto histórico o fato da Dança Expressionista Alemã, embora repleta de potencialidades estéticas, ser pouco conhecida em relação à dança moderna americana.

Três momentos de Loïe Fuller: no palco, num dos cartazes do Foles-Bergére e retratada por Toulouse Lautrec

harco [julho de 2009] 33


[ afrocearensidade ]

texto [Kélia Jácome] fotos [Mauro Ângeli]

Rostos

pintados, batida forte, roupas coloridas, muito brilho. A realeza desfila pela avenida. Rei, rainha, princesa, a corte inteira e seus súditos passam de cabeça erguida, orgulhosos de sua história, sob os olhares da platéia admirada, hipnotizada pelo som das loas de matriz africana. O maracatu toma conta do espaço. Enche os olhos e os ouvidos de quem assiste. A procissão solene segue com sua corte exilada, trazendo a representação do cortejo real africano em homenagem à rainha N´Ginga N´Bandi e reproduzindo as coroações dos Reis do Congo. O cortejo é dividido em alas. Na corte real, a rainha é a figura principal, expressando a predominância do primitivo domínio da mulher na

a partir de irmandades religiosas que coroavam seus reis e rainhas às portas da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Recife, e à frente da igreja homônima construída em Fortaleza, na Praça dos Leões, entre idos do final do século XVII e século XIX, o maracatu surgiu como forma de preservação da cultura negra. Na capital cearense, os primeiros grupos nascem por volta de 1930. E, apesar das críticas de falta de apoio oficial a sua preservação, o maracatu continua alegrando Fortaleza, com um número crescente de agremiações e participantes. Essa é a opinião de dois compositores, fundadores e participantes de maracatu na cidade, Pingo de Fortaleza e Descartes Gadelha. Para o último,

temos o candomblé e a umbanda, os alimentos, as danças, a fala e uma infinidade de outras influências negras na nossa cultura, que acredito seja a mais forte do mundo. Nossa africanidade está dentro desse amálgama da cultura brasileira, em que o elemento mais forte é justamente a negritude”, ressalta. No Ceará, o maracatu é a mais tradicional manifestação de origem africana presente na cultura popular cearense e em especial no carnaval de rua de Fortaleza, onde se impôs como força representativa em seu cortejo de imponência e beleza. Em suas apresentações, os batuqueiros e os tiradores de loas, responsáveis pela parte musical do cortejo, entoam cânticos homenageando orixás

formação familiar africana. Há as baianas, o batuque e o maculelê. A ala das negras inicia com a calunga, uma pequena boneca vestida de baiana, símbolo da sobrevivência totêmica das tribos e nações africanas escravizadas no Brasil. O ápice do cortejo acontece quando o rei e a rainha são coroados: uma possível rememoração do coroamento da rainha N´Ginga N´Bandi, soberana negra de Angola que combateu os colonizadores portugueses. As negras saem em fileiras, solicitando individualmente a “bênção real”. Essa manifestação cultural popular autenticamente brasileira, nascida

a manifestação é “um quilombo de defesa da cultura”. “Antes, o quilombo era um sítio político do negro, por um desejo de liberdade. Hoje, ele se vê representado na perpetuação negra, através das manifestações culturais. Se o maracatu não mostra ou expõe essa defesa da cultura, pelo menos ele a mantém acesa. É um foco de resistência”, frisa Gadelha. Resistência essa que tem definido, ao longo dos séculos, a vertente mais forte e mais marcante da cultura brasileira, conforme acredita Gadelha, um dos fundadores do Maracatu Nação Baobad. “O maracatu é um dos lados dessa cultura. Ainda

e figuras expressivas da cultura e da história afro-brasileira. “As loas têm sempre um significado histórico. Noventa e cinco por cento delas trazem assuntos sobre a vida dos negros, o preconceito. A loa é uma ilustração histórica. O maracatu é uma fonte impressionante de criatividade musical”, atesta o compositor Gadelha, que já criou músicas para quase todos os maracatus de Fortaleza.

Maracatu, foco de resistência Para Descartes Gadelha, do Nação Baobab, o maracatu resiste como um dos traços mais importantes da africanidade na cultura brasileira 34 [julho de 2009] harco

Batida acelerada O som que marca as apresentações vem passando por uma mudança desde a metade da década de 90. Nas loas, perde espaço a batida

mais cadenciada, retoma espaço a batida mais acelerada. “De 1936 à década de 50, as músicas eram muito alegres. Os maracatus e papangus de Fortaleza arrastavam uma multidão de foliões. Depois da década de 60, quando a televisão começou a transmitir os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, os carnavalescos daqui resolveram imitar as fantasias de lá. O problema é que elas eram muito pesadas, pesando cerca de 30 quilos, por isso não dava para sambar e, assim, substituíram, a batida. O maracatu passou a ser um desfile fúnebre de fantasias bonitas. Em 1996, com a fundação do Nação Baobad, retornamos a batida mais alegre e ganhamos o desfile”, opina Descartes. Nesse sentido, também têm caminhado os maracatus Nação Fortaleza e o Solar. Este último, misturando os dois tipos de batida. E, foi com a cadência mais lenta e também com a batida mais agitada, que o Maracatu Solar, mantido pela Associação Solidariedade e Arte (Solar), ambos presididos por Pingo de Fortaleza, que a compositora Inês Mapurunga venceu o 1º Festival de Loas. Entre 12 composições inscritas, a escolhida foi a canção “É o solar pelo mundo”. Apontando um caráter inédito do festival, o organizador destaca que essa foi a primeira vez que aconteceu um festival para se escolher a loa de um maracatu. Veterano do Carnaval de rua na capital cearense, Pingo, que é autor de um livro sobre a trajetória histórica do Maracatu Az de Ouro, afirma que a quase totalidade das músicas produzidas para os maracatus, blocos e escolas não chega a ganhar registro fonográfico. “Temos um projeto para


O II Edital de Seleção Pública para Fomento às Agremiações Carnavalescas para o Carnaval de Rua de Fortaleza 2009 distribuiu R$ 370 mil divididos entre 26 agremiações carnavalescas, das quais 11 maracatus. Os prêmios variaram de R$ 4 mil a R$ 22 mil. Maracatus selecionados: Az de Ouro Reis de Paus Vozes da África Nação Iracema Nação Baobab Nação Fortaleza Solar Kizumba Nação Axé de Oxossi Rei Zumbi Nação Girassol

O maracatu é a mais tradicional manifestação de origem africana presente na cultura popular cearense e em especial no carnaval de rua de Fortaleza gravar o Carnaval de Rua, a partir do próximo ano. É importante, porque muitas composições acabam se perdendo”, reconhece. “Hoje, esse material só se torna conhecido em projetos especiais, como o disco que o Descartes Gadelha, um dos idealizadores do nosso festival de loas, está preparando. Das 16 músicas, 12 são loas que foram apresentados em carnavais”, frisa o compositor, que lançou, no ano passado, o CD Maracatu-ará. O disco tem capa ilustrada por Descartes Gadelha e traz 15 composições.

[ afrocearensidade ]

Maracatus no Carnaval 2009

Pela primeira vez, rostos coloridos Marca forte do maracatu cearense, a pintura preta nos rostos começa a perder espaço nas apresentações. Pela primeira vez, no carnaval deste ano, a cor perdeu espaço para outras. Em vez do preto, amarelo, vermelho, azul, verde. Um arco-íris tomou conta da Avenida Domingos Olímpio. O Maracatu Solar saiu em cortejo sem o tradicional negrume nos rostos dos seus participantes. A ausência da pintura negra, segundo Pingo de Fortaleza, foi bastante discutida entre os membros da Solar. “A maior referência à cultura afro está no som das batidas, nas calungas, e não no negrume”. Há negros no Maracatu Solar. Mas o presidente da agremiação não acredita que a referência à cultura afro esteja ligada ao fenótipo da cor. “Ela é a essência do maracatu. É a nossa ancestralidade africana, através dos elementos lúdicos e da religiosidade, com seus totens e orixás, que representa a matriz africana do maracatu. E essa africanidade se revela ainda na mistura com outras culturas. O conceito de etnia que trabalhamos está ligado à prática cultural. É um concei-

to muito mais amplo do que a cor da pele”, sugere o presidente do Solar. Descartes Gadelha faz coro com Pingo de Fortaleza. “Na época do início dos maracatus, os brincantes tinham vergonha de participar por causa do preconceito contra os negros, por isso pintavam a pele de preto para não serem reconhecidos. Pintavam para se esconder, não para representar os negros. Virou tradição”, explica. Ele vai mais fundo na crítica à pintura preta. “O falso negrume é lamentável, retrata uma expressão de preconceito. Mas ainda bem que os maracatus estão se conscientizando e, pela primeira vez, vamos ver rostos coloridos no carnaval. Não como antes, já que o preto é a ausência de cores. Agora sim, vamos ver todas as cores na avenida, o azul, o branco, o amarelo, o vermelho. Vamos ver um arco-íris”, arremata Descartes.

Críticas ao falso negrume e novas batidas retratam as transformações vivenciadas no maracatu cearense

harco [julho de 2009] 35


[ arte de viver ]

V

ocê sabe o que a estátua do Padre Cícero, o Ninho do Pássaro, em Pequim, a Torre Eiffel, o Cristo Redentor e milhares de residências ao redor do globo têm em comum? Todas participaram da maior smart mob mundial contra o aquecimento global – A Hora do Planeta, em 28 de março deste ano. Smart Mobs são manifestações que utilizam as novas tecnologias como forma de comunicar e atingir um maior número de pessoas, que em geral não se conhecem, mas têm uma mesma causa.

se inaugure uma política e uma economia global de baixo carbono. As ONGs sempre tiveram um papel fundamental nas reuniões nacionais e internacionais sobre meio ambiente, tendo sido protagonistas na criação e implementação de um Direito Ambiental internacional e nacional. Pela primeira vez a Hora do Planeta aconteceu no Brasil, e reuniu 88 países e mais de 4 mil cidades pelo globo, que apagaram seus monumentos como a Torre Eiffel em Paris; a Torre Aucland Sky, na Nova Zelândia; a Ópe-

A Hora do Planeta foi uma motexto [Geovana Cartaxo] bilização planetária liderada pela Orilustração [Vinicio Del ganização não governamental WWF Pinto] (Fundo pela Conservação do Meio Ambiente), que convocou os cidadãos do mundo para um gesto simples pela defesa do planeta: apague as luzes por uma hora no dia 28 de março às 20:30h. A mobilização é realizada desde 2007 para alertar sobre o aquecimento global e pressionar os governos por compromissos efetivos para diminuição de gases do efeito estufa. Este ano, a Hora do Planeta teve um significado especial, pois em Geovana Cartaxo novembro de 2009 ocorrerá a 15a é advogada, Conferência das Partes, reunião da ambientalista, mestre Convenção de Mudanças Climáticas, em Direito Público e em Copenhagen, e esperam-se deciprofessora da Unifor sões importantes dos países para que

ra de Sydney, na Austrália; o templo Rizal Shrine, um dos principais monumentos de Manila, nas Filipinas; a estátua Merlion e as torres gêmeas Petronas, de Cingapura. O Ninho do Pássaro, em Pequim, famoso após as Olimpíadas também ficou às escuras. Índia, Dubai, Kuwait e Egito também apagaram as luzes de monumentos importantes, como as pirâmides. Mas também o Pão de Açúcar, no Rio de janeiro, e o Centro Cultural Dragão do Mar, no Ceará, assim como a estátua do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte. Mais de 1000 ícones urbanos foram “apagados”. Estima-se que um bilhão de pessoas tenham participado da manifestação planetária. O WWF confirmou-nos que a manifestação contou com: 80 milhões de pessoas

A Hora do Planeta, a maior smart mob planetária

36 [julho de 2009] harco

nos Estados Unidos; 85 milhões na China; 143 milhões de outros países em que o WWF opera. A Hora do Planeta foi comunicada em 34 línguas. O sucesso da smart mob foi possível devido ao forte apoio pela internet, pelos celulares e mídias sociais, que alcançaram mais de 2,4 milhões de parceiros. O vídeo sobre a Hora do Planeta foi visto mais de 3 milhões de vezes. As fotos do evento foram exibidas mais 5,3 milhões de vezes, no Flirk. E somente no Quênia (África) 8 milhões de pessoas passaram mensagens de celular sobre o evento. No Brasil, mais de 100 cidades participaram, mais de 480 comunidades e associações, e mais de 1000 empresas deram apoio. A resposta da comunidade pode ser medida principalmente pe-

las visitas no sitio do WWF-Brasil no período da campanha, o aumento no mês de março foi de 250% em relação ao mês anterior, atingindo 58.883 visitas somente no dia 28 de março, sendo o terceiro sitio mais visitado do WWF neste dia. O mais visitado foi o sitio da Rússia com 91.768 cliques, seguido pelo Reino Unido com 76.422 visitantes, em quarto lugar a Espanha com 27.238 visitas, seguido pelo Canadá com 18.025 visitantes.* A mensagem era clara: vote pelo Planeta. A idéia de um ciberativismo e o exercício de uma cidadania planetária pelo meio ambiente foram difundidos pela primeira vez de forma global, ao atingir a maior parte dos países do planeta. O uso de novas tecnologias foi fundamental para a mobilização. Na


África do Sul, um concerto às escuras foi realizado no cais Victoria & Albert Waterfront, levando o bispo Desmond Tutu, ganhador do prêmio Nobel da Paz, a afirmar que a Hora do Planeta foi “um dos maiores movimentos sociais já vistos no mundo”. Novas ferramentas de ação As novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm desenhado perspectivas ousadas e inimagináveis nas relações entre as pessoas, antes possíveis apenas em filmes de ficção cientifica. A internet, criada inicialmente para estabelecer uma comunicação entre computadores, revoluciona as relações por estabelecer uma comunicação imediata e a troca de dados entre as pessoas e

por propiciar uma ampliação na visão e percepção inovadoras - omnivisão, segundo Pierre Levy, como as ferramentas do Google Earth, GPS tracking entre outras. Rheingold principal teórico das smart mobs, afirma que as novas tecnologias propiciam ações coletivas e formas de agir que nunca seriam possíveis antes, amplificando os talentos humanos para cooperação. As novas formas de agregação e manifestação social, descritas por Rheingold no seu livro Smart mobs: a nova revolução social, as classifica em dois tipos: as smart mobs que têm caráter político e são manifestações que utilizam a internet, blogs ou as tecnologias do celular, principalmente o SMS como forma de comunicação e mobilização,

e as flash mobs, com características artísticas e performáticas, como a silent parties, reuniões de centenas de jovens nos metrôs de Londres e nos Estados Unidos, em que cada um leva seu Iphone e dança ao som escolhido com seu fone de ouvido, numa festa sem música externa. A smart mob, ou mobilização inteligente, ficou conhecida após a grande mobilização na Espanha em 2004, após os atentados na Estação Ferroviária Atocha em Madri, até então não devidamente investigados pelo governo espanhol, gerando uma imediata concentração de mais de 5 mil pessoas, mobilizadas por mensagens de celular (SMS), resultando numa reviravolta nas eleições do país que ocorreu poucos dias após o ato. Diver-

[ arte de viver ]

sas outras smart mobs se espalharam pelo mundo: na China, em 2007, mais de um milhão de mensagens fizeram o governo recuar na instalação de uma indústria poluente (paraxileno). Em 2009, o Greenpeace realizou uma smart mob global contra a ampliação do aeroporto Heathrow, em Londres, em que mais de 1000 manifestantes com camisetas temáticas invadiram o aeroporto e centenas de pessoas pelo mundo se inscreveram como coproprietárias de parte de um terreno comprado pelo Greenpeace para impedir a expansão. Alguns teóricos, como Paul Virilio, advogam a idéia da perda de experiência e desvalorização do urbano, a descentralização e desterritorialização seriam efeitos negativos das novas tecnologias. No entanto, manifestações como a Hora do Planeta propiciam uma releitura e uma revalorização dos espaços públicos, a partir da inserção de novas tecnologias e da criação de espaços renovados pelas novas tecnologias. No caso apresentado, os marcos urbanos das cidades foram o símbolo maior da mobilização pelo planeta, motivando milhares de residências pelo mundo a apagarem suas luzes. O meio ambiente é um desafio global, só a conscientização e ação global serão eficazes na mudança de paradigma para uma sociedade sustentável. As novas tecnologias da informação podem ser aliadas tanto na mobilização, quanto na mudança de valores, como o uso reduzido de papel, redução dos deslocamentos, mudança de suportes que economizam o meio ambiente. Em 2010, não esqueça de se engajar e apagar as luzes na próxima Hora do Planeta.

Agradeço ao Diretor de Parcerias Globais para a Campanha A Hora do Planeta do WWF/ Austrália – James Kissel, ao coordenador de Conservação do WWF/Brasil Carlos Scaramuzza, e à coordenadora de Comunicação Social do WWF/Brasil - Denise Oliveira, pelos dados enviados por email que serviram para embasar este artigo. harco [julho de 2009] 37


[ visão de mundo ]

Nunca

o ser humano precisou tanto da arte como agora. A tensão cada vez maior entre o “eu” e o “nós” só é suportável quando derivamos pelo mundo simbólico que a arte nos proporciona. A desertificação provocada pela modernidade provocou uma devastação tão mais intensa no interior do indivíduo do que até mesmo no seu entorno. A terra arrasada não é a que vemos, é a que sentimos. O mal-estar da civilização chegou a sua culminância. Essa encruzilhada e outras decorrentes levaram o homem ao divã como a

têm dado conta das respostas que a aceleração das mudanças tem exigido. Uma das carências mais sentidas ainda fica por conta do tempo fora do trabalho, que não sabemos como vivê-lo. Toda a formação humana prepara para o trabalho. Estudamos para sermos autômatos, como se a felicidade estivesse vinculada às oito horas diárias de suor e lágrimas. As outras dezesseis horas do dia são esquecidas, como se a pessoa ficasse, nesse período, hibernando como uma máquina que parasse para não esquentar demais suas turbinas an-

texto [Batista de Lima] última tábua de salvação. Mas não é apenas o divã do psicanalista que ilustração [Vinício Del tem superado essa escassez de subPinto] jetividade, é também o grande divã em que a arte está se tornando. É por isso que Márcio Seligmann-Silva detecta, no momento, “uma espécie de segunda grande onda romântica”, que se forma no nosso horizonte como barco salva-vida para nós. Algo está acontecendo ou por acontecer, pois os modelos anteriores vivem uma exaustão tão significativa que só um tsunami oriundo da subjetividade pode dar rumo a essa geração. A prática da transdisciplinaridade, a formação generalista e a globalização do modus vivendi não

tes do recomeçar noutro turno. O despreparo para o ócio encurrala o homem entre dois momentos em que é máquina. É para esse intervalo que ninguém é preparado. Até certas formas de ocupação desses momentos de ócio que poderíamos elegê-las para lazer, de tão manipuladas pela indústria cultural, nos chegam de maneira tão organizacional, tão negativas do ócio que se tornam negócios. Uma das provas é o desfile de escolas de samba. Tão manipuladas de regras que parecem pacotes deslizando na avenida. A improvisação, a liberdade de manifestação não são permitidas. São esquemas tão fechados que mais

O paradigma desgastado

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negócios parecem ser. São muito mais espontâneos os blocos que as escolas. Qualquer popular entra em um bloco do tipo Galo da Madrugada, no Recife, mas não é qualquer um que desfila na Escola de Samba. Na Marquês de Sapucaí o povão é espectador. Nas ruas de Recife, Olinda e Salvador, o povão é participante. O futebol é outra indústria em formação. As torcidas organizadas possuem estatuto, fardamento e espírito de corpo. Ou você faz parte de um paradigma ou entra no bloco dos excluídos. São tantos, pois, os excluídos dessas nossas duas principais manifestações culturais, que terminam por criar uma inclusão. Já há

quem prefira o pré-carnaval, os blocos, o mela-mela, o futebol pela TV, ou pelo rádio, do que se aventurar no ingresso numa confraria, como se para o divertimento, a fantasia, o sonho, houvesse cabimento de estatutos, regimentos e palavras de ordem em uníssono. Quando um grupo se submete a essas regras para seu lazer, é tão forte a exigência de igualdade que até roupas iguais são utilizadas. São fardamentos como batalhões de milícias. Nossa vestimenta, como sendo nossa terceira pele, precisa ser administrada por nós mesmos, pelo menos nos momentos em que não estamos no ambiente organizacional. Se no momento de meu


ócio não tenho a liberdade de me administrar, continuo na engrenagem do negócio, do trabalho. Diante desses ditames que fazem parte do espólio da modernidade, cabe-nos quebrar os paradigmas, e se não for possível, desgastá-los para a instalação do humano que ainda existe em cada um de nós. Os jovens têm muito o que ensinar nesses momentos de virada de mesa. Lembro-me bem das palavras sábias da recém-formada em Letras Sarah Pinto de Holanda, que no seu desabrochar de juventude, olha para este escriba e aconselha: “Escreva sobre amenidades, a gente precisa disso. Fale que a falta delas leva ao

cultivo da depressão e à tristeza das pessoas. Fale que a gente precisa sorrir, com uma máscara purpurinada e confetes no decote. Fale que a gente precisa cantar e amar e que nem tudo se acaba na quarta-feira. O que a gente precisa é de ilusão, de fantasia e de arte. A verdade, a gente lê e assiste todo dia. Ela está na fila dos bancos, na sala de espera, nas conversas de bar. A verdade abre nossas janelas e deita em nossa cama. A verdade, com suas nódoas e feridas, não respeita nem nosso sono”. Realmente precisamos agora como nunca da mão estirada da arte. Essa constatação nos remete novamente a Seligmann-Silva, quando

este afirma que o homem de hoje “precisa da arte para expressar tudo aquilo que a vida social lhe cobra em sacrifícios pulsionais”. Não sei porque, mas ainda considero a literatura como a grande arte capaz de levar o homem, que está à deriva, a encontrar um porto para ancorar. Terapêutica, a arte da leitura. Não é sem razão que Freud e Lacan foram grandes leitores e constataram que a relação da literatura com a vida é tão complexa que os teóricos das letras não têm fôlego suficiente para alcançar suas estruturas profundas e que a psicanálise tem sido o escafandro mais potente para esse mergulho de prospecção. A literatura é grandiosa enquanto arte de uma desconstrução. O momento é do desconstrutivismo como primeiro passo para se desejar um construtivismo. A terra devastada é o cenário melhor para se iniciar uma nova construção. É pena que as vanguardas estejam padecendo de senectude e que nada de novo esteja acontecendo entre os polos. Uma coisa é certa, no entanto, algo grandioso está por acontecer. Os paradigmas estão atacados nas suas esquadrias de sustentação pela maresia da insatisfação humana. Temos milênios de criação de regras, tabus e preconceitos que nos foram aprisionando e nunca como agora nos sufocam. O manancial de problemas que criamos contra nós mesmos precisa entrar em processo de demolição. Pode até ser que uma nova idade média esteja surgindo, ou até mesmo uma nova idade da pedra. O que acontece é que a humanidade clama por uma libertação para poder sonhar, amar e respirar, até.

Batista de Lima é poeta, professor da Unifo, da UECE e articulista do jornal Diário do Nordeste

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[ inclusão ]

À sombra do Sol me deito A lua brilha em meu peito E dela faço viola Eu canto para as estrelas; Que pena, não poder vê-las. A saudade me consola Trecho do poema “A retina da saudade”, de Hortêncio Pessoa (poeta cearense cego)

Ler com os dedos, ver com os texto [Kélia Jácome] ilustração [Eduardo Freire, sobre foto de Mauro Ângeli]

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A

saudade tratada em diversos textos do poeta Hortêncio Pessoa é abrandada com o contato com as artes e informação. Essa maior inclusão começou aos poucos e com muita dificuldade há cerca de 200 anos, quando se acendeu uma luz para os cegos de todo o mundo. A escuridão em que viviam envoltos foi suavizando-se com a criação de um sistema que lhes permitiu o acesso a obras escritas e que pudessem eles mesmos colocar seus pensamentos em uma folha de papel. No dia 4 de janeiro de 1809, nascia Louis Braille. Natural da pequena aldeia de Coupvray, o francês perdeu a visão aos nove anos. Aos 16, desenvolveu um sistema de leitura e escrita destinado aos cegos. Com

seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas, o sistema possibilitou inicialmente a formação de 63 símbolos diferentes que são empregados em textos literários nos diversos idiomas, como também na matemática, música e, recentemente, na informática. “Não resta dúvida que Louis Braille abriu uma janela para as pessoas com deficiência visual. Ele mesmo enfrentou muita dificuldade e precisou contar com apoio. Vem em boa hora essa data para que o feito dele seja lembrado. Afinal temos um código de escrita universal”, ressalta o poeta, de 66 anos, oito deles de completa cegueira. Foi então que Hortêncio entrou em contato com o braille pela primeira vez. “Eu

já vinha lutando contra a deficiência desde os 24 anos, por causa do glaucoma, mas foi aos 58 que perdi completamente a visão. Então fui até o Instituto dos Cegos para aprender a ter mobilidade sozinho, a usar o braille e o programa Dosvox (programa de computador que utiliza um sistema de voz)”, lembra. O código, utilizado mundialmente, faz parte da rotina de 250 alunos do Instituto Hélio Góes, escola integrante da Sociedade de Assistência aos Cegos e onde Hortêncio Pessoa foi alfabetizado em braille. É no espaço destinado à biblioteca onde a importância da invenção de Louis Braille para os alunos do Instituto Hélio Góes pode ser percebida mais claramente.

Para a pedagoga responsável pela Biblioteca Braille Josélia Almeida, Andréia Barros do Carmo Soares, o local funciona como um reduto de proteção para os estudantes, ao mesmo tempo em que incentiva a autonomia deles. “A rede regular de ensino ainda não está preparada para oferecer uma educação inclusiva. Os cegos que chegam aos bancos de uma universidade contam muito mais com a força da família do que das escolas. O Ministério da Educação, por exemplo, edita livros didáticos, mas são poucos e não atendem a nossa demanda. Então, nós mesmos imprimimos na Imprensa Braille Rosa Baquit nossos livros didáticos, paradidáticos, além de periódicos, como os jornais O Povo e Diário do


[ inclusão ]

ouvidos, ouvir com os olhos... Nordeste. Apesar das dificuldades que ainda existem, temos sim muito o que comemorar na data do bicentenário de Loius Braille. Não é à toa que a biblioteca está sempre cheia”, frisa a pedagoga, que foi chamada diversas vezes durante a entrevista para atender alunos que chegavam ao local. A biblioteca reúne 1852 títulos, em 4210 volumes, sendo em braille, em tinta com letras aumentadas ou gravados em CD e fita K7.

Debate oficial No âmbito do Ministério da Cultura (MinC), o acesso à arte pelos deficientes físicos foi discutido, em outubro último, por meio da secretaria da Diversidade e da Identidade Cultural, e do Ministério da Saúde,

por meio da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). O encontro reuniu, ao longo de três dias, artistas, gestores públicos, pesquisadores e agentes culturais em uma oficina para debater políticas públicas culturais para inclusão de pessoas portadoras de deficiência. Entre as propostas abordadas estão a necessidade de se ampliar o acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas culturais, inclusive com a publicação de editais com linguagem mais popular; a possibilidade de existirem cotas para projetos voltados a esse público nos editais do Ministério da Cultura e a exigência de critérios de acessibilidade em todos os projetos aprovados pelo MinC que recebam recursos públicos.

O gerente de articulação nacional do MinC, Fred Maia, na ocasião, ressaltou os esforços que o ministério vem fazendo para inserir todos os brasileiros no contexto cultural do país, valorizando as diversas manifestações. Segundo ele, as discussões promovidas no Rio de Janeiro reforçam a disposição do governo de valorizar o artista, qualquer que seja sua condição. “A pessoa com deficiência produz cultura, e muitas vezes ela é mostrada de forma folclórica. As pessoas costumam dizer que é um deficiente que pinta e não um artista que tem uma deficiência. O nosso objetivo é dar visibilidade ao conteúdo artístico e criar condições para que as pessoas produzam sua arte e

sejam valorizadas. Com isso, permitimos o acesso não só do artista com deficiência à produção cultural, mas da sociedade em geral aos conteúdos culturais produzidos por esses artistas”, afirma.

Outras formas de arte acessível Apesar de menos famosas que a leitura em braille e os áudio-livros (livros lidos e gravados em CD), outras formas de acesso à arte começam a ganhar espaço nas pautas de debate sobre acessibilidade. Programas de televisão, filmes em DVD e peças de teatro já podem ser encontrados com formato apropriado para as necessidades dos deficientes físicos, com legendas ou janelas de libras para surdos e áudio-des-

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[ inclusão ]

[Serviço]

Atividades culturais como a Bienal Internacional do Livro continuam pouco acessadas, mas o interesse vem aumentando

Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC)

crição para cegos. Em 2006, o Ministério das Comunicações baixou a Portaria 310, obrigando as emissoras de TV a oferecerem sua programação com audiodescrição para deficientes visuais e legendas para surdos. O projeto inicial previa que, até o ano passado, pelo menos duas horas da programação das televisões abertas deveriam estar adequadas à determinação,

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três horas até o final deste ano e, até 2018, toda a programação deveria estar de acordo com a portaria federal. Contudo, esses prazos, conforme explica a professora Vera Santiago, coordenadora do curso de especialização em Formação de Tradutores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora em tradução audio-

Av. Bezerra de Menezes, 892 São Gerardo - CEP: 60325-001 Fortaleza - Ceará - Fones: (85)3281-6111 (PABX) / (85)3281-0082 (FAX) http://www.sac.org.br sac@secrel.com.br Hortêncio Pessoa Livro “Alma Nua” - R$ 15,00. Rua Professora Stella Cochrane, 155, aptº 304, Itaperi. (85) 3492.0095 e 9949.0491 hortenciopessoa2004@yahoo.com.br Curso de Especialização em Tradução na Universidade Estadual do Ceará (Uece) (85) 3101-2027 - e-mail: formacaodetradutoresposla@gmail.com visual, não estão sendo cumpridos. Por dois motivos. O primeiro é de ordem técnica. A iniciativa está esbarrando na mudança dos sinais das televisões de analógico para digital. Faltam equipamentos para que esse trabalho seja realizado. O segundo é a quase inexistência de profissio-

nais tradutores. “Os tradutores que trabalham hoje aprenderam com a prática. Sem dúvida, que com um curso apropriado a formação desses profissionais seria mais consolidada”, explica. Na UEC, no início de março último, foram selecionadas 40 pessoas para participar da primeira turma de Especialização em Formação de Tradutores realizada no Ceará. A procura foi tanta que a Universidade já estuda abrir uma nova turma. Os alunos da especialização participarão do Projeto DVD Acessível que foi selecionado pelo Edital BNB de Cultura, em 2008, e receberá R$ 25 mil. Com essa verba, de acordo com a pesquisadora, serão traduzidos dois filmes longa-metragem – O grão, de Petrus Cariry, e Patativa do Assaré – Ave Poesia, de Rosemberg Cariry –, e quatro curtas – Adorável Rosa e Coração Raiz, de Aurora Miranda Leão, Reisado Miudim, de Petrus Cariry, e Águas de Romanza, de Patrícia Baía e Gláucia Soares. Além dos recursos do edital do Banco do Nordeste, Vera Santiago afirma que conta ainda comapoio da Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa (Fun-


[ inclusão ]

cap), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Geral (Fapemig). Embora o projeto seja um avanço, em um campo tão inexplorado, não é certo que os DVDs traduzidos para deficientes cheguem a ser comercializados. Segundo a professora Vera Santiago, a venda dos vídeos vai depender dos cineastas. “A Uece receberá 1.200 exemplares, que serão distribuídos para o BNB e entidades representativas dos deficientes, além da própria universidade. A comercialização vai depender das produtoras e cineastas”, afirma. Os projetos de áudio-descrição da UECE funcionam em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). No ano passado, graças a esse trabalho em conjunto foram traduzidos os filmes Signo da Cidade, Ensaio sobre a Cegueira, Bezerra de Menezes e Mutum. Além da Uece, da UFMG e da UFBA, apenas a Pontifícia Universidade Católica do Rio do Janeiro (PUC Rio) realiza um trabalho semelhante. “A Universidade São Paulo (USP) tinha o curso mais tradicional de tradução, mas, infelizmente, ele foi fechado”, conta a pesquisadora. No Brasil, os trabalhos e cursos de tradução áudio-descrição são insuficientes para atender a demanda dos deficientes. Diferente do que vem acontecendo há alguns anos em outros países como França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e Estados Unidos.

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[ miscelânea ]

[Exposições]

Harco em Cabo Verde

A Associação Harco, através de seus diretores Vavá Azim, Nauer Spíndola e Vinício Del Pinto, acaba de firmar parceria com o Centro Cultural Brasil-Cabo Verde, pertencente à Embaixada do Brasil em Praia (Cabo Verde), para promover em conjunto, eventos culturais naquele país. A primeira apresentação da Harco será a exposição Harco para Cabo Verde, a ser aberta no dia 7 de setembro, no Instituto Internacional da Língua Portuguesa. A mostra integra a programação comemorativa da independência do Brasil.

Linguagens em ação

A exposição ComunicAtivismo reúne 20 artistas ligados às artes visuais e à música no Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90 C – Praia de Iracema). Em cartaz em maio e junho, a proposta dos curadores Marcos Pacoli e Terry Kay é exaltar, de forma interativa, a música e ainda a pintura, fotografia, escultura, instalações, xilo e objeto, em trabalhos de nomes René Melo, Sergiane Cabral, Rosane Marques, Vinício Del Pinto e Caetano Barros.

Ode ao silêncio

Com curadoria do Diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar, José Guedes, a coletiva Pianíssimo reúne, de 8 de maio a 7 de junho, no MAC, desenhos, vídeos e gravuras em torno do silêncio. Entre os artistas, nomes como Sérvulo Esmeraldo, Leonilson, Efrain Almeida, Herbert Rolim, Maurício Coutinho, Dyógenes Chaves, Laura Vinci, Leya Mira Brander, Evandro Carlos Jardim, Iran do Espírito Santo, Valdirlei Dias Nunes e ainda Nauer Spíndola (foto), este convidado especial, pois suas obras não pertencem ao acervo do museu. 44 [julho de 2009] harco

[Inclusão]

[Dança II]

Cine Ceará acessível

OlharCE: primeiros passos

Está quase certo que o Cine Ceará deste ano, em julho, terá exibições especiais com áudio-descrição e legendas para surdos em todas as produções selecionadas para o evento - quatro longas e 16 curtas-metragens. De acordo com a pesquisadora Vera Santiago, as negociações para que isso aconteça já estão avançadas. “Será um desafio, um marco, que mostrará a importância de se despertar para essa necessidade”, prevê.

[Dragão do Mar]

Depois dos 10

Depois de celebrar seus 10 anos de atividades, em 28 de abril, o Centro Dragão do Mar pretende proporcionar uma série de debates sobre sua função social para a cidade, ao longo do ano. Por enquanto, vale à pena conferir alguns destaques de sua programação de junho. A partir do dia 18, Siderações, de Luíza Nóbrega, toma o MAC. Na música, dia 22, tem o show de lançamento de Destinatário improvável, primeiro CD do cantor e compositor Diego Macedo. Outra dica é conferir, às sextas-feiras do mês, a programação Diálogo Cultural, que discutirá experiências de acessibilidade cultural. Toda a programação do Dragão pode ser acessada pelo site www. dragaodomar.org.br

Primeira publicação de dança da Bienal Internacional de Dança do Ceará, a revista OlharCE foi lançada em dezembro e traz matérias, entrevistas e artigos de pensadores e pesquisadores de dança. O primeiro número enfoca as discussões suscitadas na primeira edição do Encontro Terceira Margem, ação do projeto Bienal De Par Em Par/2008, em outubro; nas oficinas realizadas em Itapipoca, Sobral e Fortaleza; além de um panorama das companhias em atuação no Estado e das políticas públicas nos últimos 11 anos. Editada pela jornalista Thais Gonçalves, a revista conta ainda com uma versão eletrônica (www. olharce.com). Os 2,5 mil exemplares da versão impressa estão sendo enviados para instituições brasileiras relacionadas à dança.

[Dança I]

Terceira Margem

A Bienal Internacional de Dança do Ceará inaugura um espaço de reflexão sobre as relações entre corpo, imagem e dança com o programa Terceira Margem. Ampliando as possibilidades de circulação e reflexão da dança contemporânea, em um formato de 30 minutos, com discussões conceituais, entrevistas e exibição de trabalhos em vídeo-dança feitas no Brasil e América Latina, o programa começou a ser exibido no dia 15 de fevereiro na TV O Povo, a cada 15 dias, nos domingos às 23h30 com reprise na semana seguinte aos sábados às 9h30. Direção geral de Alexandre Veras e Luiz Carlos Bizerril, edição e vinhetas de Marco Rudolf e apresentação de Thaís Dahas.


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