Revista Harco #2

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[arte, cultura e meio ambiente] Ano1 #1 - Outubro de 2008

Guardião da imagem e do som memória [Após 50 anos, Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, renova suas pesquisas, agora também à frente do Museu da Imagem e do Som]



artes plásticas [Antonio Bandeira | O abstracionismo lírico em evidência] pagina 16

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matéria de capa [ Nirez ecoa | Novo diretor do MIS resgata antigas rotações do seu arquivo pessoal ] página 2 cinema [Manoel de Oliveira | Centenário de um gênio português] página 22 fotografia [Chico Gomes | Uma viagem ferroviária] página 24 história [Revolução Cubana | 50 anos de um paradigma] página 26 arte de viver [Chico Mendes | 20 anos sem o homem da floresta] página 30

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segundo número da Harco consolida nossa determinação. Fomos bem recebidos, mas continuamos desafiando as lógicas. Como o país, acreditamos que não podemos ficar esperando. Crises, mudanças... Vamos superá-las e contribuir para renová-las. Húmus. Como a floresta resiste, 20 anos após a morte de Chico Mendes. Como a Palestina, os herdeiros de Zumbi e o povo cubano resistem. Trilhos humanos. A língua é nossa pátria, e sua resistência também nos importa. A história, o jornalismo, em imagem e som: Nirez. Realidade e Bandeira. Heloísa Juaçaba. E João e Manoel. Rosário, Cascudo e Leota. Harco cresce.

patrimônio [Igreja do Rosário | A tradição do esquecimento] página 31 cultura popular [ciranda da tradição | Intérpretes do universo popular] página 34 linguística [Acordo Ortográfico | caminhos e descaminhos] página 40 expediente [ harco | Ano 1 #2 - dezembro de 2008 ] [Diretores | Vavá Azim | Nauer Spíndola | Vinicio Del Pinto ] [editor e jornalista responsável | Henrique Nunes - CE 01207 JP] [redatores | Aécio Santiago | Kélia Jácome] [colaboradores da edição | Síria Mapurunga | Gilmar de Carvalho | Galeria Panorama | José Guedes | Roberto Galvão | Chico Gomes | Frei Hermínio Bezerra | Gervásio de Paula | Floriano Martins | Maristela Crispim | Jacob Klintowitz | Dilmar Miranda | Consiglia Latorre] [conselho editorial | Vavá Azim | Nauer Spíndola | Vinicio Del Pinto | Schubert Machado | André Spínola] [projeto gráfico e diagramação | Eduardo Freire] [fotografia | Mauro Angeli] [tratamento de imagens | Vinicio Del Pinto] [tiragem | 2.000 exemplares] [contatos | 85 3081 0555 | Rua Gen. Eurico 25 - Varjota - Fortaleza - CE | revistaharco@gmail.com | www.revistaharco.com]


[ matéria de capa ] O historiador e jornalista Nirez é reconhecido nacionalmente pelo trabalho de preservação mantido há 50 anos

texto [Henrique Nunes] fotos [Mauro Angeli]

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Rotações da memória Memória viva de uma cidade, um país, um mundo, Miguel Ângelo de Azevedo herdou o talento investigativo de seu pai, o pintor, fotógrafo e escritor (autodidata) Otacílio de Azevedo (1886-1978). As emoções delineadas em suas telas, em grande parte retratos e paisagens, e ainda nas páginas de seus 12 livros de poesia e memórias, foram preservadas em família. No caso do amor pela literatura, por outro filho, Sânzio, um dos mais importantes pesquisadores das nossas letras. Mas elas também ultrapassaram as fronteiras do tempo e das linguagens, em torno das pesquisas incansáveis do memorialista.

Da infância, resgatou o apelido que legou para um de seus filhos: Nirez, deturpação de Inglês, como o chamavam na infância. Após décadas dedicadas a colecionar não apenas os discos de cera que lhe deram notoriedade nacional, mas um pouco de muitos outros elementos da sua devoção, Nirez, jornalista e historiador que é relações públicas do Instituto do Ceará, ao qual sempre esteve próximo, assumiu, em 14 de janeiro, a direção do Museu da Imagem e do Som. Um órgão que, efetivamente, ainda não cumpriu sua missão de difundir seu acervo ao público, contrastando com a rotina de cinco décadas de seu atual gestor.


outras, concedidas e publicadas naquele dia no Diário do Nordeste. Primeiro, confirmando projetos como a criação de um estúdio onde fossem retomados os registros de depoimentos de personalidades cearenses e até de outros estados. Depois, com a anuência de Auto Filho, falando em uma nova sede para o Museu, que seria, paralelamente, sede do seu Arquivo. A maior divergência é que ele sinalizou com a possibilidade de “trocar figurinhas” entre seu acervo e o do Museu. “Vamos completar um o acervo do outro, dependendo da dificuldade ou da facilidade”, relatou ainda o site da Universitária FM. Quem ganha com isso é a comunidade cearense e a cultura brasileira em geral, desde que seja garantido o controle, a segurança, total do acervo, a maior ressalva do jornalista e historiador cearense para não manter seu Arquivo sob a égide do Estado. Nirez declarou ainda, segundo consta no mesmo site, a intenção de promover um festival de música de caráter nacional, incentivar manifestações folclóricas e publicar um periódico com artigos de interesse popular relacionados à imagem e ao som, além de veicular um programa de rádio do MIS.

Da imagem, da palavra e da cera Nirez pretende, portanto, dar continuidade, oxalá de fato em grande estilo, a um processo até hoje desenvolvido individualmente por ele. Seu acervo de mais de 100 mil itens é composto por 22 mil discos de cera do período entre os anos 1902 e 1964. Além disso, uma gama variada de livros (oito mil exemplares), de objetos e de fotografias (15 mil relativas à Fortaleza de outrora) complementa sua cole-

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o assumir o MIS, Nirez começa a dar forma a um processo com pelo menos 30 anos de atraso. Sua arqueologia fonográfica já era, então, reconhecida em todo o país. Em 75, quando fundou a Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira – APMPB, Nirez entregou à Funarte 10 volumes de informações sobre as gravações em 78 Rotações por Minuto (RPMs), desde a Casa Edison, em um trabalho estimulado pelo MEC e feito em parceria com os pesquisadores Jairo Severiano e Gracio Barbalho. Anunciada, em 1977, a criação do Museu da Imagem e do Som do Ceará, pesquisadores como Ricardo Cravo Albim sugeriram o nome de Nirez para dirigi-lo. Desconvidado, o pesquisador manteve sua atividade doméstica, no seu outrora chamado Museu Cearense da Comunicação (antes, Museu Fonográfico do Ceará), bancada com os cruzeiros ganhos no DNOCS e como redator do setor de pesquisas do jornal O Povo. Enfrentando agruras como a de uma gestão municipal que assoreou um riacho próximo de sua casa, invadida por suas águas e pelas muriçocas, o pesquisador viu perder-se uma série de documentos. Nirez está no MIS. “Não tem uma pessoa mais qualificada para ocupar este cargo como o nosso querido Nirez”, declarou o governador em exercício, Fernando Ximenes, em sua posse. “É um dos maiores especialistas, conhecedores e colecionadores de peças importantes do nosso patrimônio material e imaterial”, ratificou o Secretário de Cultura Auto Filho. Na cerimônia, que contou com a presença de outros intelectuais, ele confirmou algumas declarações e retificou

Nirez está no MIS. “Não tem uma pessoa mais qualificada para ocupar este cargo como o nosso querido Nirez”, declarou o governador em exercício, Fernando Ximenes, em sua posse.

ção, preservada com muita dedicação por ele e sua família em sua casa na rua João Bosco, 560, no bairro Rodolfo Teófilo. Tudo é mantido em extrema ordem, mesmo recebendo uma média de 300 visitantes por mês. Contíguo às estantes dos discos fica seu estúdio particular, onde grava o programa Arquivo de Cera, da Universitária FM, no ar aos domingos. Em relação aos 78 RPMs, a coleção deve muito ao ex-senador e jornalista Cid Carvalho, quando da renovação do acervo da Emissora do Pássaro, (a Rádio Uirapuru) substituindo-os por LPs. Claro que todo o reconhecimento de Nirez (por comendas como a Medalha do Mérito Cultural da Fun-

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dação Joaquim Nabuco, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, do IPHAN ou o Troféu Sereia de Ouro), está mais associado à sua pesquisa, registrada ao longo do seu cotidiano, em livros como Fortaleza - Ontem e Hoje, Cronologia Ilustrada de Fortaleza e Discografia Brasileira e no seu programa, no ar desde 1963. Mas sua “menina dos olhos” é mesmo a coleção de 22 mil discos de cera, mantida com o mesmo cuidado das demais e hoje já totalmente digitalizada, graças a um projeto da Petrobras. As coleções começam por volta de 1954, devagarzinho, amealhando um disco aqui, outro ali. Tinha 20 anos. Depois é que veio a sistematização de livros, recortes de jornais, revistas sobre a música brasileira, embalagens de cigarro, rótulos, câmeras fotográficas, fotografias, gramofones e, claro, mais discos. “Um pouco de um tudo”, como se diz. Seu acervo hoje é de peças raras, e sem preço, como ele gosta de ressaltar. Detém preciosidades como um compacto de oito polegadas de uma só face com anedotas de Hans Fredy, gravado em 1897, na Alemanha. Entre as raridades nacionais, está a gravação de “Ai, Filomena”, de 1915, sátira de Carvalho Bulhões a Nair de Tefé, esposa do General Hermes da Fonseca. Eram dele os originais da série Revivendo, lançada em LP e CD, reunindo de Anjos do Inferno e Augusto Calheiros a Mário Reis e Aracy de Almeida cantando Noel Rosa. O novo diretor do Entre os livros, O Balanceio de MIS em pose para a Lauro Maia, de 1991, apresenta toposteridade das as músicas do cantor e compo-

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sitor cearense, além da descrição de sua curta trajetória, consagrada nas vozes do Quatro Ases e Um Coringa e do Vocalistas Tropicais e encerrada pela tuberculose em 1950. Dados resumidos, mais recentemente, em perfil biográfico da Edições Demócrito Rocha. “Era o maior compositor cearense”, define. Já em entrevista ao jornalista Dalwton Moura, do Diário do Nordeste, Nirez comentara a assistência musical fortalezense, nos anos

30. “Os espaços para a música aqui eram as reuniões caseiras, de pessoas aficionadas na música ou dos próprios músicos, recebendo outros músicos”, diz, destacando o papel da Ceará Rádio Clube, a legendária PRE-9, surgida em 1934 e que viveria seu auge até 1948, com o surgimento da Rádio Iracema e de uma concorrên-

cia que acabou privilegiando o pior, analisa o pesquisador. E por falar em Lauro Maia, Nirez recorda com orgulho a entrevista com Humberto Teixeira, cunhado e seu principal parceiro. Lauro, inclusive, foi responsável direto pela parceria entre Gonzaga e o Doutor do Baião. Feita em 1977, dois anos antes da morte de Teixeira, a entrevista seria publicada como Eu sou apenas Humberto Teixeira. Importante que se lembre que, no segmento da memória cultural, contamos também com a determinação investigativa de pelo menos mais um colecionador, Christiano Câmara, merecedor até mesmo de um filme, o curta-metragem Rua da Escadinha, 162, do cineasta Márcio Câmara, seu sobrinho. “Christiano é um estudioso, curioso, muito inteligente, e que se especializou em cinema. A coleção dele é muito boa, mas ele só não sabe matemática (risos). Ele diz que tem 18 mil discos, mas ele deve ter no mínimo uns 50 mil. Se eu tenho 22 mil...”, discorre Nirez. Internacionais, nenhum. “No começo eu tinha, mas não dá para abarcar o mundo com as pernas. Depois, a gente fez um trato, na década de 90: ele me arrumou os nacionais que eu não tinha, e eu lhe arrumei os internacionais tudinho”. E nacional, só até 1952. “Depois disso não tem nada. A Bossa Nova nem brasileira é”, diz, lembrando o crítico musical José Ramos Tinhorão e ainda o jornalista cearense Themístocles de Castro e Silva, cuja foto testemunhava a conversa em seu estúdio. Entre os muitos projetos de Nirez, não apenas à frente do MIS, falta pelo menos um: o filme em torno de todas as suas rotações por segundos, minutos, anos.


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aparelhagem continua em plena atividade, nas mãos de Otacílio Neto, filho de Dona Maria Zenita e de Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. Naquela casa de classe média do Rodolfo Teófilo, ele convive diariamente com as “coisas” do velho colecionador. Entre elas, as de seu avô, de quem ganhou o nome. Convive ainda com os pais, claro, e, quase sempre, com os outros irmãos: Terezinha, Nirez e Mário. Mas é com a tal aparelhagem, montada no estúdio de Nirez, o pai, que ele costuma passar algumas boas horas do dia. Adqui-

rida pelo projeto apoiado pela Petrobras, ela faz agora a digitalização de um disco recém-adquirido, contendo as marchas “Ti-Bum” e “Zizica, apaga a luz”, gravadas pelo carioca Francisco Pezzi (também conhecido como Chico Rouxinol) em 1933, pelo selo Columbia. Neste clima, chegamos ao estúdio, logo à esquerda da entrada principal do Arquivo. “Eu só olho o número”, confessa o filho que foi um dos responsáveis pelo árduo trabalho, desenvolvido ali mesmo, certamente lembrando que ficara diante

de alguns milhares de algarismos... Nirez fala dos registros anteriores, em rolos fonográficos, usados entre 1877 e 1924. O LP veio em 49, então conviveu com a cera: lembrando, finda em 64. Bom, e os gramofones? Eles estão ali espalhados pela estreita sala principal do Arquivo, à espera de desempoeirar alguns daqueles discos guardados nas gavetas daquelas mesmas estantes... Epa, quem disse que tem poeira? não vamos zangar o anfitrião... Os gramofones: foram mais usados entre 1876 e o início do século XX, símbolo das Casas Edison, embo-

ra fabricados até os anos 60. “Símbolo do nosso trabalho”, declarou Nirez em 2005, ao ver desaparecido um deles, americano, “boca de ferro”, de 1903, já devidamente resgatado. Tem muito mais, já falamos. Revistas, rádios, câmeras, livros e fotografias da memória cearense, milhares, de que Terezinha e dona Zelita cuidam com esmero. A família é uma força desde sempre. “Meu pai ajudou muito no Arquivo. Agora ocorre o seguinte: era literato, tinha boas amizades com os literatos, mas acontece que ele era modesto, era pobre.

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Um mundo em casa

Nirez em seu estúdio caseiro onde grava o programa Arquivo de Cera, no ar desde 1991, na Universitária FM

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E os intelectuais cearenses não eram. Ele sempre sofreu esta prevenção. Tanto que quem o saudou na Academia Cearense de Letras foi o Jáder de Carvalho, assim: ‘Entra na Academia, com 40 anos de atraso...’”, conta o atual diretor do Museu da Imagem e do Som. Hoje a cadeira de seu pai é ocupada pelo ex-prefeito e governador Lúcio Alcântara. Família que, dos filhos que vingaram entre os cinco que morreram, seria formada com os irmãos (astrônomo) Rubens de Azevedo, (professora de espanhol) Maria Consuelo, Nirez e Sânzio (professor de literatura). Moraram em outros bairros, Nirez nasceu no Calçamento de Messejana, atual Visconde do Rio Branco. Com o poeta, pintor, escritor e letrista, Nirez pode ter começado a nutrir o amor pela música. “Meu pai nunca teve um emprego. Fazia pintura de retrato sob encomenda. Ou então, quando se sentia aperreado, pintava uma paisagem, botava embaixo do braço e ia vender. Voltava com dinheiro ou comida”. Quadros espalhados por órgãos públicos, retratos de políticos, intelectuais da Casa Juvenal Galeno e de músicos como Beethoven e nosso Alberto Nepomuceno. Mas Otacílio também gostava de música. “Na juventude, ele fazia versos de modinhas e valsas compostas por Moreirinha, Raimundo Donizete Gondim e Raimundo Donizete Gondim Filho, Wagner Donizete e Antônio Mouda. Ficaram algumas partituras, mas ele nunca foi gravado”. Otacílio de Azevedo cantava em rodas boêmias e dominicalmente ia aos saraus no Mata-Galinhas, atual Dimas Macedo, onde conheceu Teresa Almeida de Azevedo, mãe de Nirez. “Ela canta-

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va, tinha boa voz. Cantava as músicas dele e de outros cearenses”. A música continuou sempre em família. Da infância, importante mencionar ainda a paixão pela fotografia, através da amizade com Chico Albuquerque. Quando menino, com oito anos, a mãe trabalhava retocando chapa, negativo e positivo, que ele levava para a Abafilm, onde seu Ademar e os filhos Tony e Chicão imperavam no reino das fotos. “O Chico gostava muito de mim, me dava o dinheiro do ônibus de volta e dava uma palmada na minha bunda (risos)”. Com a ida de Chico para o Sul, Nirez só manteve contato com Tony. “Só vim vê-lo de novo quando ele montou o departamento fotográfico do jornal O Povo”. Foi o velho amigo Chico quem interferiu para controlar uma praga de muriçoca desencadeada pelo assoreamento de um riacho próximo à sua casa. Algo que lhe machucou profundamente até hoje.

Amor pela música e pela história O amor pela música, suas histórias e ferramentas é tamanho que Nirez detém inédito um livro em que simplesmente reúne todos os fatos narrados em forma de canção no Brasil“Dou mais ou menos um histórico do fato, aí falo como a música foi criada e transcrevo a letra. Gostaria de publicar e ilustrar com um CD”. O último nome é “A História em 78 Rotações”, fruto de muitos anos de pesquisa, mas elaborado em apenas 12 meses. “É um assunto nacional, então acho que precisa ter uma distribuição nacional”, sugere. Entram desde as gripes Espanhola e Asiática, a guerras que não atingiram diretamente o Brasil, mas foram aqui cantadas. A

parte relativa à Segunda Guerra Mundial ocupa praticamente um quarto do livro, estipulado em mais quatrocentas páginas. “Este aspecto cronista da música se perdeu”, lamenta. Em 17 de dezembro de 1961, por exemplo, a música encontraria o triste mote para a realização de pelo menos quatro composições (duas toadas, um cururu e outra de ritmo não identificado) que tentaram aliviar o terrível genocídio de 500 pessoas, durante um incêndio criminoso de um circo em Niterói. Parece um evento fictício, mas a tragédia, a maior em ambientes fechados do mundo, segundo o próprio texto, deixou 2.500 feridos e ainda duas outras consequências históricas: a organização do Serviço de Queimados do Hospital Antônio Pedro, no Rio de Janeiro, por Ivo Pitanguy, e a mudança na vida do empresário José Datrino, que se transformou no Profeta Gentileza, um dos personagens mais carismáticos das ruas do Rio de Janeiro, após ver na tragédia um prenúncio do fim do mundo, segundo também consta no texto inedito de Nirez. Entre rádios como a Dragão do Mar, Nirez entrevistou artistas como os que vieram do Rio para a posse de César Cals, no governo do Estado. “Aí entrevistei os Vocalistas Tropicais, 4 Ases e 1 Coringa, o Mário Alves, do Trio Nagô e o Gilberto Milfont, que fiz ao vivo”. E claro, ele também destaca a célebre entrevista com Humberto Teixeira, já mencionada. Tem muita gente que tem vontade de entrevistar? “Agora tem poucas pessoas. O último que morreu foi Moreira da Silva. Quando inventarem a máquina do tempo, eu vou lá entrevistar”. E qual o maior prazer de conversar? “É quando eu sinto


veículos do Sul. “Televisão não, nem o Faro, que é meu amigo”. Quem sabe o cinema? “Não é a minha área. Primeiro que eu não fui cinéfilo. Assisti muito pouco. Ia mais com a namorada (risos). Mas de paletó”. Com tanto amor pela música brasileira, pré-bossanovista, que fique bem claro, Nirez deve ter suas preferências, já mencionadas em torno de Lauro Maia, Humberto Teixeira, mas ele não admite, ao melhor espírito científico do historiador e do jornalista que é. “Um locutor esportivo não pode ter time. Se tiver preferência, nunca poderei analisá-lo”. A isenção não veio de qualquer manual de ética jornalística, mas da própria experiência pessoal. “Cheguei a essa conclusão muito cedo. Se pego uma música lindíssima cantada pelo Orlando Silva, outra pelo Sílvio Caldas, não vou ficar comparando um com o outro”. Quando Nirez era meninote, o pai já não compunha, mas cantava, agora em seus próprios saraus com todos os ritmos sendo executados conforme a freqüência dos músicos. “Sim, é possível que isso tenha ajudado meu gosto musical”. E a literatura? “Não, eu nunca fui muito de literatura não. Eu lia pouco, sempre li pouco. Gosto de ler história, mas estória não (risos). Hoje em dia, pelo menos, pela idade em que estou, na função que eu exerço, ler romance é perda de tempo. Eu posso aprender mais vendo um documentário, um relato real sobre um assunto, sobre a história ou da música ou de Fortaleza, principalmente. Ainda tem muita coisa que ninguém sabe sobre estes temas, e nem tem onde aprender. O Arquivo Público, infelizmente, não é muito bem organizado. Pra achar um

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prazer da parte do entrevistado, como foi o caso de Humberto Teixeira, de Altamiro Carrilho, que se emocionou, chorou. Diziam que Orlando Silva era besta, pernóstico. Mas eu fiz uma bela duma entrevista. No mês seguinte, chegou aqui o Sílvio Caldas, um bonachão, mas ele me cobrou três mil cruzeiros (risos). Pra você ver, a fama é uma e o resultado é outro”. Sem mágoas. A recente biografia de Silvio Caldas, O Seresteiro do Brasil, do pesquisador cearense Carlos Marques, foi feita, em grande parte, com consultas ao Arquivo. “Todos os livros sobre Luiz Gonzaga foram pesquisados aqui”, cita. Em se tratando de fontes, de pessoas que lhe ajudam a seguir suas pesquisas, Nirez aprecia a feita pelo arquiteto Liberal de Castro, “que fala sobre história em geral, um grande pesquisador. E tem outro, Assis Lima, um funcionário da RFFSA que me ajuda quando o assunto é trem”. Voltando para a música, Nirez cita o carioca Humberto Franceschi quando o assunto é gravação mecânica, da Casa Edison, de 1902 a 20. “Ele entende disso, não quer saber de outra coisa”. Já sobre Jaime Severiano, cearense radicado no Rio de Janeiro, diz se tratar de um pesquisador de gabinete. “Agora, existem os biógrafos que se tornam pesquisadores de um assunto, como o Ruy Castro. Por sinal, ele me cumprimentou, não sei de onde ele me conhece”, diz, considerando que apreciou o mais recente livro do jornalista carioca, sobre Carmem Miranda. “Gostei. Tudo o que eu li até agora está correto. Mas ele tem uma equipe, é como professor de universidade, que escreve uma tese em que metade é aluno que viu”. Nosso pesquisador também já foi tema de reportagens de

documento é difícil. O encontro de um documento que clareia um fato histórico quase sempre é encontrado por acaso”. Mesmo com toda a sua fleuma e sua bagagem de pesquisador - “tem deles que é chato mesmo”, diz - Nirez chega a ir pouco ao Arquivo. Quem sabe no Museu da Imagem e do Som sua missão frutifique tanto como em seu mundo caseiro.

Nirez e sua Rolleiflex, imortalizada na Bossa que o pesquisador desgosta

No centro, visão da sala Descartes Selva Braga

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uitos dos encantos dos primeiros registros fonográficos brasileiros do século XX são reunidos pelo grupo Vozes da Cera, formado há pouco mais de um ano, a partir de pesquisas junto ao Arquivo Nirez. Myreika Falcão participava do processo de digitalização do acervo 22 mil alegrias sonoras do acervo. Então, ela e uma amiga, Daniele Bezerra, também musicista e que também fazia a digitalização, se perguntaram: por que não difundir estas formosuras através de um grupo? Do gramofone e das vitrolas (com 78 RPMs) para os palcos cearenses, vieram sambas, lundus, modinhas,

choros, toadas. Alegrias hoje praticamente desconhecidas, entre clássicos lembrados pelos apreciadores da boa música, principalmente através do programa do Nirez e de seu colega de Rádio Universitária, Everardo Sobreira e seu Antologia da Música Popular Brasileira, apresentado também aos domingos, algumas horas depois do Arquivo de Cera, programa levado ao ar desde 1963, nos últimos 18 anos na querida rádio da UFC. O grupo estreou durante a exposição Fortaleza em Cartão Postal do Arquivo Nirez, no Museu do Ceará, em abril do ano passado. A mostra

reunia 10 imagens do acervo, transformadas em postais. Myreika e Daniele se uniram a, Iara Pimenta, Guaraciara Araújo e Silvana Garcia para constituir a parte vocal do grupo, tendo o acompanhamento de Mário (cavaquinho), Cleilton (flauta), Lenine Rodrigues (violão) e Igor (pandeiro). As apresentações geralmente se convertem em aulas-shows onde informações sobre os compositores, ritmos e intérpretes são devidamente contextualizadas. Foi assim no início de dezembro, quando o grupo abriu a exposição Fotografias de Músicos Cearenses, no Espaço Cultural dos

Formosuras além do arquivo

Criador e criatura: Nirez e o grupo Vozes da Cera durante a abertura da exposição Fotografias de Músicos Cearenses, no Espaço Cultural Correios 8 [dezembro de 2008] harco

Correios, em cartaz até 17 de janeiro. Em algumas ocasiões, o Vozes da Cera promove até mesmo debates sobre este universo. “É muito bom, elas procuram manter as releituras o máximo possível próximas às gravações originais”, testemunha Nirez. Principal incentivador do grupo, ele ressalta: “faltava um grupo assim aqui em nossa cidade, onde o pessoal só sabe imitar americano”. Isto embora, em outras rotações, falando sobre um disco de releituras em torno de Lauro Maia, produzido no Ceará, Nirez já tenha deixado claro - como em 2004, no tempo do lançamento da biografia de Lauro Maia - de que a melhor homenagem a seus velhos discos de cera não seja propriamente a atualização da obra, mas sua valorização original. “Acho que descaracteriza”, declarou ao Diário do Nordeste.


Seja como for, além do Arquivo Nirez, as músicas que encantaram as pesquisadoras também seduzem milhares de pessoas desde o registro do lundu “Isto é bom”, de Xisto Bahia, cantado por Bahiano, em 1902. A identificação é tamanha, que, superando as dificuldades em manter um grupo deste tipo em

uma cidade onde a memória sempre foi um artigo descartável, o Vozes da Cera pretende apresentar-se paramentado, com roupas de época, um recurso que pode ser uma boa jogada de marketing, mesmo correndo riscos de ser visto como algo artificial. Se agradar a todos não é possivel, o grupo permite conferir outras

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canções que estão entre as preferidas de Nirez: o samba-choro “Bati na Porta”, de Lauro Maia, e o baião “Quixabeira”, de Humberto Teixeira, entre elas. Enquanto o grupo não grava estas prendas, enquanto a acalentada digitalização do acervo de Nirez não ganha a internet, hoje seu maior desejo, o melhor é conferir o seu Arquivo de Cera, de 8h30 às 10h, aos domingos. Ou então correr para ver a próxima exposição bolada por Nirez em seu estranho ofício de preservar e disseminar a memória musical brasileira, digno de um seminário como o promovido entre 10 e 14 de novembro, na comemoração de seus 50 anos de documentação. Assim poderemos ouvir maravilhas como o refrão “Oh, Ferdinando/Oh, Ferdinando/ Não olhe assim pra mim/ Oh, Ferdinando/Oh, Ferdinando/Vá cheirar as flores do jardim”, da marcha “Ferdinando” (1939) ou o “Era duas caveira /que se amava/E à meia-

noite se encontrava/Pelo cemitério/Os dois passeava/E juras de amor então trocava”, da valsa com elementos aterrorizantes e hilários “Romance de uma Caveira”, ambas do programa dedicado ao mineiro Murilo Alvarenga e à dupla caipira Alvarenga e Ranchinho, em meados deste janeiro de 2009.

Nirez posa ao lado do retrato de seu pai, Otacílio de Azevedo, na exposição dos Correios em homenagem aos músicos cearenses


[ música ]

As capas do designer Cesar Villela para a coleção de LPs da Bossa Nova, da série Elenco de Aloysio de Oliveira, tornaram-se ícones do design gráfico dos anos 1960

Q texto [Dilmar Miranda e Consiglia Latorre]

Dilmar Miranda é professor adjunto do curso de Filosofia do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC. Consiglia Latorre é cantora e professora assistente do curso de Educação Musical do ICA da UFC.

Isso é Bossa Nova

ue artimanhas escondem certas artes fazendo com que suas criações aflorem tão particulares em suas origens e se tornem tão universais no seu destino? Que segredo foi este da Bossa Nova? Se for verdade que, em cada época, cada classe social tem sua forma de se escutar, pode-se dizer que a Bossa Nova, em suas origens, foi música da classe média catribuição para os elementos constitutivos da canrioca. Inicialmente tocada nos apartamentos ou em ção: a música, o verso e a voz. Tom Jobim, grande pequenos palcos da zona sul do Rio de Janeiro, a experimentador de efeitos harmônicos, vinha partipartir de uma perfomance bastante sofisticada cipando da renovação dos arranjos da moderna múe camerística, ela se estrutura, ganha adeptos sica popular brasileira, na fase pré-bossa, limpando e o mundo. Lembrando o grande paradoos excessos de adornos então usuais. Deu-se então xo cantado pelo poeta Vinícius de Moraes: o encontro com o lirismo apaixonado das letras de a Bossa Nova é uma rica mistura de Vinícius de Moraes, nascendo daí uma fecunda partradição e influências modernas. ceria. A eles somaram-se as inquietações de João Durou pouco e nunca morreu. É o Gilberto, intérprete original de velhas composições que sentimos ainda hoje, cinqüenta e exímio criador de novas canções. anos depois de seu aflorar. Mas como e quando surgiu a Bossa Para seu surgimento, foi crucial Nova? Com a recuperação do pós-guero encontro de três grandes artistas, ra, na passagem da segunda metade uma espécie de santíssima trindo século XX, abriu-se um longo dade do movimento, agentes ciclo de relativa expansão e estabifundamentais para consolidade econômicas, em vários paA Bossa Nova criou lidar seus rumos, cada íses, sob a hegemonia dos EUA, um patamar de um trazendo sua tanto no plano econômico como música urbana conSurge no cultural, propiciando um diferente de tudo a Bossa real aumento do poder aquique existia desde Nova e sitivo e um maior consumo de que se formou a morre o bens culturais. O Brasil não música popular botequim como urbana, o samba fugiu a essa tendência. No delugar de criação correr nos anos 1940, o país no Rio de Janeiro da música popular intensificou seu processo de e tudo que se criou Lorenzo Mammì nos tempos da Rádio industrialização e urbanização, criando condições para Nacional”. a constituição das classes José Miguel Wisnick

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médias, submetidas a uma intensa excitação de signos massivos da socialização urbana. Criou-se a partir daí uma ciranda vertiginosa de nexos: novos segmentos sociais/ novos gostos/novas demandas/ novas estéticas, enfim, novos códigos elaborados no seio dessa moderna sociabilidade urbano-industrial. que sinalizavam para alguma realização pessoal, incluive no campo das artes. Incluia na trama dessa nova sociabilidade, a profissionalização de músicos da classe média do Rio de Janeiro, futuros bossanovistas, rompendo com seus inícios amadorísticos. Expressivas manifestações artístico-culturais, dentre elas, a música, configuravam-se como expressivos codificadores de uma nova identidade sócio-cultural, em sintonia com aquela estética. Nosso mercado cultural se viu impelido a acompanhar esses novos tempos, incrementando, sobretudo entre os jovens da classe média, o consumo de seus produtos, (compra e aprendizagem de instrumentos como o acordeão e violão; compra de aparelhos de som e discos Long Play (LP); assídua freqüência a shows e espetáculos em boates, clubes e faculdades etc). O LP, com maior número de faixas, permitindo inclusive experimentos de peças mais longas e não os tradicionais três minutos do disco 78 rpm, e os aparelhos de alta fidelidade (hifi), melhoram sensivelmente a qualidade da audição do som. Uma nova sonoridade e inquietude pairavam no ar. Aqueles que fugiam do convencional desper-


escuta. Segmentos jovens da classe média antenados com a moderna música popular norte-americana, como o jazz e as perfomances cool (instrumental e vocal) do trompetista Chet Baker e as interpretações da cantora Julie London, passam a ouvir com freqüência nos rádios, Foi a noite (Newton Mendonça/Tom Jobim) e Se todos fossem Iguais a você da peça Orfeu da Conceição, na interpretação de Sylvia Telles. Com essa nova escuta, longamente construída, ficou mais fácil receber, em 1958, duas grandes novidades: 1) em duas faixas do Lp Canção do Amor Demais, com canções de Tom e Vinicius, acompanhando ao fundo o canto de Elizete Cardoso, ouvimos, em Chega de Saudade e Outra vez, uma estranha marcação rítmica: era o violão de João Gilberto;

anos em 5, e João Gilberto, sua mais completa tradução, torna-se uma das referências vocais mais fortes das últimas décadas de nossa vida musical. Para alguns analistas a Bossa Nova estabeleceu no interior da moderna música popular brasileira, uma série de novas atitudes estéticas, como novos hábitos de compor, de executar, de cantar, provocando assim uma nova escuta, a partir da perspectiva da moderna classe média carioca, extensiva depois para a classe média brasileira, que passava, a partir do pós-guerra, como vimos anteriormente, por um instante de prosperidade e afirmação. Conforme lemos na epígrafe acima de José Miguel Wisnick, “a Bossa Nova criou um patamar de música urbana diferente de tudo que existia desde que se formou a música popular urbana, o samba no Rio de Janeiro e tudo

relaxada. O peso dos dois podia ser avaliado pelo Sinatra/Farney Fã-Clube, criado em 1949, reunindo jovens para audições de discos, palestras e sessões de música (espécies de jam sessions), freqüentadas por jovens músicos como Paulo Moura, Johnny Alf, João Donato, Luiz Eça, Doris Monteiro e outros. Aos poucos, para esses jovens e para tantos outros, a vida musical carioca exigia inovações.

2) em dois discos 78 rpm, ouve-se o próprio João cantando e tocando o mesmo Chega de saudade, e o baião Bim bom, de sua lavra, e, meses depois, Desafinado (Tom Jobim/Newton Mendonça) e Oba-lá-lá, de sua autoria. Nas duas gravações de Chega de saudade, o violão de João Gilberto, com a sua famosa batida, está presente, mas na segunda gravação, há algo a mais: a sua voz. Esta, integrada ao violão, impacta jovens sequiosos de modernidade, como uma lufada vivificadora da nossa vida musical, perdida entre samboleros, mambos, rumbas, guarânias e versões tidas de gosto duvidoso. Na integração desses dois vetores, voz e violão, coesos em um só ente estético, irrompe a Bossa Nova. Ela investe-se como o índice musical mais flagrante de um Brasil que busca se modernizar, levado pelo ímpeto industrializante do presidente Juscelino Kubitschek, com seu Plano de Metas de 50

que se criou nos tempos da Rádio Nacional”. Para Lorenzo Mammì, a Bossa Nova: “deve muito pouco ao samba de morro, muito mais, [...], às lojas de discos importados [...]. Sua postura em relação às influências internacionais é mais livre e solta, porque suas raízes sociais são mais claras e sua posição social mais definida. Bossa nova é classe média, carioca”. Em uma sugestiva síntese, Júlio Medaglia fala da revolução estético-musical proposta pelo movimento: “Reduzir e concentrar ao máximo os elementos poéticos e musicais. Evoluir no sentido de uma música de câmara adequada à intimidade dos pequenos ambientes, característicos das zonas urbanas de maior densidade demográfica. Uma música voltada para o detalhe, e para uma elaboração mais refinada com base em uma temática extraída do próprio cotidiano: do humor, das aspirações espirituais e dos problemas da faixa social onde ela tem origem”.

A renovação do moderno samba urbano Em setembro de 1956, exatos dez anos após o samba-canção Copacabana, o musical Orfeu da Conceição, visão carioca da divindade musical da mitologia grega, estréia no Rio de Janeiro, com várias canções do jovem Tom Jobim (letra do poeta/diplomata Vinicius de Moraes), já trazendo elementos melódico-harmônicos modernos reforçando o sopro de renovação. Aos poucos, foi se urdindo uma nova

[ música ]

tam, de um lado, a ira dos tradicionalistas e, de outro, atraem jovens da classe média mais sensíveis ao novo. Após o fechamento dos cassinos, pelo governo de Eurico Gaspar Dutra, em meados dos anos 40, a vida noturna carioca passou a girar em torno das boates, com música ao vivo, sobretudo na orla sul da cidade, como Copacabana, título também de um samba-canção de Alberto Ribeiro/João de Barro (1946), cantado por Dick Farney, modernizando o chamado samba de meio-de-ano, com arranjo de Radamés Gnattali, visto como um marco da prébossa nova. O disco é lançado quando as big bands norte-americanas bem como Frank Sinatra faziam sucesso no país. A importância da voz de Dick Farney, apesar da influência de Sinatra, residia no fato de utilizar uma impostação menos dramática, mais

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[ música ]

O

violão de João Gilberto rompe com o uso do violão popular, para acompanhar, por exemplo, um seresteiro, para manter sua afinação, ou, nas rodas de choro, sobretudo o violão 7 cordas, para fazer o contraponto com a flauta, bandolim ou outro instrumento melódico. Com João Gilberto, o violão passa a

O violão de João

cumprir um papel harmônico-percussivo, cujo timbre, integrado ao da voz, cria um terceiro timbre de uma única voz. Sua batida original insinua pequenas sensações de polirritmos, graças à sua organização constituída por um bordão regular, feito com o dedo polegar, e o ataque não regular dos acordes feitos simultaneamente com o indicador, médio e anular. A essa tensão permanente entre regularidade e não regularidade do bordão e dos acordes, João ainda sobrepõe, sua voz, ora em fase, ora em leve defasagem. Amante das inversões e acordes de passagens, João Gilberto evita arpejos, ferindo as notas em bloco, gerando uma “impressão de certa instabilidade, como se a base harmônica estivesse pairando no ar e não repousando,” conforme aprecia Zuza Homem de Mello. Esta é mesma sensação de Lorenzo Mammì ao descrever em uma bela metáfora, a texto [Dilmar Miranda e leveza das progressões dos blocos de acordes do violão de João GilberConsiglia Latorre] to, ao imaginá-los como “acordes Ilustração [Vinício pendurados no canto como roupas Del Pinto]

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no fio de um varal”. Sua preocupação com detalhes, deixando perplexos os técnicos do estúdio, ao pedir dois microfones (para a voz e o violão), para gravar Chega de Saudade, nos torna

claramente audíveis suas novidades harmônicas nos blocos compactos de acordes, realçando o balanço de seu violão. Suas exigências visam a um nível de qualidade durante um

recital: “Voz e violão precisam estar perfeitamente equilibrados, audíveis de qualquer ponto, com um retorno perfeito para sua própria performance” (Zuza de Mello).


Síntese A canção Chega de saudade é apontada como indiscutível marco zero da Bossa Nova, mas João não criou do nada. Seu talento reside no fato de ter fixado boa quantidade de informações melódico-harmônicas que lhe precedem, vindas de compositores como Johnny Alf, João Donato, Newton Mendonça e Tom Jobim, bem como o canto de Mário Reis e Orlando Silva, tudo adensado em um grande salto de qualidade. Para José Miguel Wisnick, a tradição musical vinda de Noel Rosa, Ary Barroso e Dorival Caymmi, passando pelo sam-

ba-canção, “tudo isso dá um salto na Bossa Nova, que faz uma releitura radical dessa tradição por intermédio de João Gilberto, criando uma nova concepção harmônica que está ligada a Debussy, assim como também ao jazz (por Tom Jobim). Portanto, formou-se um tipo de música popular urbana dotada de uma nova concepção harmônica, poética, rítmica, vocal, e que teve enorme conseqüência sobre as gerações seguintes”. Seu encontro com Tom Jobim, como vimos, foi fundamental para enriquecer suas concepções melódico-harmônicas e, assim, consolidar os rumos da bossa nova. Tom Jobim vinha de um intenso convívio com o maestro Radamés Gnattali, cujos arranjos foram responsáveis por vestir a música popular brasileira com cores modernas, e com Newton Mendonça, seu parceiro morto precocemente, experimentador também de novos efeitos harmônicos. Somando a experiência de Tom, inovando os arranjos, com as inquietações e experimentos de João Gilberto, exímio criador de novas versões para velhas canções, foi sendo possível criar novas harmonias que dessem um colorido diferente e revolucionário à nossa canção popular. Em suma, a criação de João Gilberto é uma síntese de vários experimentos. Seu uso diferenciado da voz/violão sustenta um cantar com pouco volume, com harmonias dissonantes e arranjos despojados, com um repertório mesclado de velhos sambas (ex: Bidê/Marçal, Ary, Geraldo Pereira e Caymmi), com a safra dos jovens compositores, colegas na criação de algo que estabelece um

antes e depois na moderna música popular brasileira. Seu violão foi responsável pela redução da batida do surdo de marcação do samba batucado, herdeiro direto do samba geração de Ismael Silva da chamada turma do Estácio. O compromisso da batida regular de João Gilberto é com balanço, e o do surdo de marcação com a dança. O grande aporte de João Gilberto foi suprimir o lado dançante do samba, minimalizando sua batida básica, para valorizar o conjunto indissociável voz/violão, obtendo um novo balanço pelo “desencontro” dessa batida (repetida homogeneamente), com a sua forma peculiar de dividir o fraseado da canção, com grande plasticidade. Pode-se dizer que o samba batucado voltava-se mais para o público e a Bossa Nova para o privado. O samba estaciano cumprira seu papel de publicizar a dança afro que ganhara cidadania, após décadas de implacável perseguição das elites cariocas. A canção bossanovista reduz e concentra, em um movimento centrípeto, o samba batucado. A Bossa Nova, com muito suingue e nenhum batuque, se prestava a outro papel social. Na sua intenção de fruição contemplativa em ambientes particulares dos apartamentos da zona sul do Rio, ou em pequenos palcos para pocket shows, a música bossanovista se estrutura, a partir de uma performance despojada, porém bastante sofisticada e camerística. Recorrendo a uma bela expressão de Chico Buarque, referindo-se a Tom Jobim, a Bossa Nova “despe-se do supérfluo, mas volta-se para o detalhe tornando-se ‘derramada para dentro’“.

[coda]

A Bossa Nova na contemporaneidade Decorridas cinco décadas do surgimento da Bossa Nova, qual sua importância e de seu principal inventor para a música brasileira contemporânea? Para Luiz Tatit, João Gilberto passou a ser uma importante referência de triagem do nosso cancioneiro popular, pois, com ele, a Bossa Nova impregnou-se definitivamente em nossa cultura musical, desempenhando “funções indispensáveis na decantação do rico repertório brasileiro”. A partir de João, diz Tatit, a Bossa Nova passou a fazer contraponto com as misturas de gêneros e estilos que vêm se sucedendo no mundo da canção popular brasileira. Essa intenção de mistura, que teve seu momento marcante no tropicalismo, “é crucial”, afirma ainda Tatit, “para a fecundidade artística, mas só atinge seu melhor rendimento quando coexiste ou se alterna com o gesto herdado de João Gilberto”, pois precisamos igualmente “das triagens periódicas que nos levam ao âmago das composições e dos estilos”. Gostaríamos de finalizar este artigo, conforme o fizemos em uma matéria comemorativa aos 50 anos da Bossa Nova, saída em um órgão da imprensa cearense. Em diversas ocasiões, seja em oficinas de performance vocal/ instrumental ou de história de nossa música popular, tivemos a oportunidade de perceber o deslumbramento e interesse das gerações mais jovens pela Bossa Nova. Assim, constatamos que o desvelamento do rico passado musical brasileiro, ocultado por uma influente produção contemporânea, voltada basicamente para o consumo massivo da música popular, e regulada exclusivamente por interesses de mercado, tem mostrado que, para estes jovens, a velha tradição, no caso a velha Bossa Nova, quando revelada, transmuda-se em grande novidade, e adquire uma importância e frescor, até então desconhecida para eles.

[ música ]

O violão de João Gilberto sintetiza as funções do trio muito comum na bossa nova: o contrabaixo é substituído pelo dedo polegar e o piano, pelos dedos indicador, médio e anular do bloco de acordes rítmicos e percussivos, que assim dispensa a bateria. Daí a rara presença do contrabaixo em suas gravações, uma vez que a canção se estrutura a partir da batida do violão. Quando o contrabaixo é usado, sua função coadjuvante é apenas para amplificar o baixo regular e uniforme da batida. Um dos efeitos mais interessantes da síncope do samba é sua imprevisibilidade. A rotina rítmica, provocada por uma síncope sempre regular no mesmo lugar, acaba por anular o efeito surpresa que se pretende buscar: daí o balanço obtido por João Gilberto, provocado pelo jogo entre fase e defasagem, conforme ele próprio reconhece. “Se colocarmos sempre o acento tônico sobre um mesmo tempo, fica chato. É preciso sempre imaginar novas entonações para dar mais vida às palavras”.

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[ música ] texto [Kélia Jácome] fotos [Thiago Gaspar]

Chorinho da alma cearense Um

dos caçulas dos grandes festivais de música do Ceará, o Mel, Chorinho e Cachaça não quer esperar a maioridade para tornar-se referência quando o assunto é Choro e formação musical. Programada para acontecer de 18 a 20 de abril, em Viçosa do Ceará, a terceira edição do festival planeja lançar suas influ-

ências por toda a Serra da Ibiapaba, a 344 quilômetros de Fortaleza. Para a edição 2009, a grande novidade do festival é a 1ª Mostra Competitiva de Chorinho, que busca valorizar ainda mais os talentos do choro. Dos inscritos sairão grupos de choro que vão se apresentar nos três dias do festival. Na última noite do evento, serão conhecidos os grupos vencedores. A premiação será para Melhor Grupo de Choro, troféu, violão 7, violão 6, cavaquinho e pandeiro para o 1º lugar. Já o segundo, conquista troféu, violão e pandeiro. O Músi-

O curador Marcelo Leite e o grupo Tira Poeira, atrações do ano passado 14 [dezembro de 2008] harco

co Revelação leva troféu e bandolim. As inscrições serão feitas pelo site do festival www.melchorinhocachaca. com.br até o fim de janeiro.

Credibilidade Visando à antecipação de todo o planejamento que envolve a programação, a feira de produtos e serviços e toda a promoção do evento, os organizadores provocaram uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Ceará, onde mostraram às autoridades um balanço das duas primeiras edições. Em 2008, o festival levou à Serra da Ibiapaba cerca de 13 mil pessoas, nos três do evento, realizado em maio último, contando com 12 apresenta-

ções, sendo duas do estado do Rio de Janeiro (Tira Poeira e Nó em Pingo D´água), uma do Rio Grande do Sul (Camerata Brasileira) e uma de São Paulo (As Choronas). A audiência não foi causal. Paralelo à programação musical, o festival movimenta toda a cadeia produtiva do mel e da cachaça artesanal da serra. Em 2008, foram R$ 90 mil em negócios, envolvendo cerca de 300 micro empresas. O objetivo para 2009 é um incremento de cerca de 20%. A sessão na assembléia foi conduzida pelo presidente da Comissão de Indústria, Comércio, Turismo e Serviços da Assembléia Legislativa, deputado Sérgio Aguiar (PSB), que destacou


[Jam]

Nota 10 Os gaitistas Toots Thielemans e Pablo Fagundes, o pianista César Camargo Mariano, o bluesman Paulo Meyer, o baixista Arthur Maia, a cantora Ná Ozzetti, o Trio + 1 (Benjamin Taubkin, Zeca Assumpção, Sérgio Reze e Joatan Nascimento), o guitarrista Lanny Gordin, as bandas Dixie Square Jazz Quartet e Beale Streat, além do acordeonista Dominguinhos. Todos juntos, num grande festival. Onde, quando? Em Guaramiranga, no Festival Jazz & Blues, claro. Isto mesmo, aquele evento que há 10 anos tornou o Carnaval cearense mais próximo de uma festa dos deuses da música. Pra quem ainda não sabe, este ano é entre 21 e 24 de fevereiro, com direito às tradicionais jam sessions e aos shows abertos, na sempre bela Guará. E tem ainda os locais Luciano Franco e Nélio Costa (baixo), Ricardo Bezerra (canção), Lúcio Ricardo (blues), Artur Menezes (guitarra) e Projeto Timbral e banda Blues Label. Depois, de 26 a 28, a farra vem pra Fortaleza, com direito a workshops. Também aqui, ainda em janeiro, tem o projeto Na Trilha do Jazz, preparando o terreno com shows às quartas e sábados, em bares e casas noturnas que serão divulgados no www.jazzeblues.com.br

[ música ]

a importância dos investimentos na Serra da Ibiapaba como forma de garantir mais desenvolvimento para o turismo da região, através da cultura e do agronegócio. De acordo com Reginaldo Lobo, representante do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SebraeCE), o projeto entra numa fase desafiadora que é a de consolidação. “O festival passou as fronteiras de Viçosa e é importante que órgãos como a secretaria de Turismo percebam seu alcance, apoiando e monitorando. Além disso, é fundamental a articulação dos prefeitos da região da Ibiapaba para que a terceira edição tenha uma nova dinâmica. O Sebrae contribuirá da fase do planejamento até a operacional”, falou Reginaldo durante a audiência pública. Na parte musical, o curador da programação, o flautista Marcelo Leite, reconhece que o sucesso do festival está no planejamento e na proposta ousada de valorizar e apresentar talentos de um gênero cada vez mais em destaque. “Este ano, fizemos oficinas de choro em seis municípios da Ibiapaba. A carência de estrutura é grande, mas a receptividade e a vontade dos jovens de aprender e se integrar com os mais experientes superam tudo”, conta Marcelo, que participou desde a 1ª edição de todo o projeto de programação musical do evento. Apesar de não ter fechado a programação da 3ª edição, os organizadores garantem que o nível se mantém. E, depois de homenagearem Altamiro Carrilho e Francisco Soares de Souza, já está confirmado que este ano as reverências choronas serão para o grupo carioca Época de Ouro, dando a linha mais “clássica” do festival em 2009.

Organização é isso aí E já estão abertas as inscrições para a oitava edição da Feira da Música de Fortaleza. Pois é, o evento dedicado à nossa cada vez mais tão prolífica cena independente é só entre 19 e 22 de agosto, mas instrumentistas, cantores e bandas de todos os cantos, do mundo, claro, já podem se inscrever até 20 de março. Claro, de todos os gêneros. Até espera-se uma maior diversidade na feira coordenada pelo competente produtor Ivan Ferraro, mas demasiadamente atenta ao universo pop. O resultado sai em maio. Então, até 20 de março, vale a pena que a galera do samba, do choro, da MPB e do forró, por exemplo, também faça sua inscrição pelo www. feiramusica.com.br. Contatos: (85)3262-5011 e secretaria@feiramusica.com.br.

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[ artes plásticas ]

texto [Aécio Santiago] fotos [Mauro Angeli]

S

Antonio Bandeira: gênio abstracionista ganha sua mais importante retrospectiva na Unifor

eja numa versão versátil e inquieta ou no chamado abstracionismo lírico, Antonio Bandeira (1922-1967) é, na realidade, a expressão pura e simples de uma arte que, notadamente, se expõe. Não tenta se explicar. Isso ficou para os especialistas da posteridade que têm agora o trabalho de remeter sua obra à contemporaneidade. Contemporaneidade que pouco sabe sequer o que é uma galeria de arte. Para quem ainda não curtiu um espaço com um nome tão bonito assim, vale a pena conferir quem foi e o que fez Antonio Bandeira nos seus 20 e tantos anos de produção artística. A exposição vai até o dia 15 de março no Espaço Cultural Unifor e conta com a curadoria do editor e empresário Max Perlingeiro, 58 anos. Por telefone, a Harco conversou com o curador, que organizou diversas exposições de arte no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza,

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Londres, Lisboa e Buenos Aires. Max criou, em 1980, a primeira editora especializada em livros sobre arte brasileira no país, Edições Pinakotheke, e atualmente integra o Conselho das Instituições Paço das Artes e Museu da Imagem e do Som, ligadas à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Também faz parte do Conselho do Instituto Lina e Pietro Maria Bardi, também em São Paulo. Sob a batuta do experiente curador, a exposição Antonio Bandeira foi premiada como a Melhor Retrospectiva de 2008 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). “A APCA premia anualmente os grandes acontecimentos na área artística e a exposição ganhou o reconhecimento unânime. É sem dúvida a maior premiação nesta área”, explicou Max Perlingeiro.


[ artes plásticas ] A exposição teve inicio em São Paulo, na sede da Pinakotheke Cultural durante os meses de agosto a outubro de 2008, com um número recorde de visitantes e uma forte parceria na área de arte-educação com o programa Amigos da Escola. Agora, chega à Unifor, onde, a exemplo de Rubens e outras mostras, tem recebido uma extraordinária visitação, tanto do público adulto como de visitas dirigidas para estudantes. O ano de 2007 marcou os 40 anos de morte de Bandeira. De acordo com Max Perlingeiro, toda a exposição foi planejada durante dois anos com o objetivo de apresentar a mais completa retrospectiva sobre o artista. Antonio Bandeira contempla obras do inicio da formação em Fortaleza, entre os anos de 1940 a 1945, passando pelo Rio de Janeiro entre 1945 e 1946, Paris 1946 a 1951, e alternando entre Europa,

Fortaleza e Rio de Janeiro até a sua morte prematura em Paris 1967, com apenas 45 anos de idade. Predestinação Bandeira sofisticou sua arte desde sua iniciação, quando ainda estudava com a professora Mundica utilizando o método figurativo. De toda a exposição, o visitante poderá apreciar, dos anos 1940, o Morro do Moinho, local comentado como uma das suas fontes de inspiração, Natureza-morta com flores, Porto com embarcações e Interior de um bar (obra com a qual o artista participa do III Salão Cearense de Pintura e ganha a medalha de ouro), todas executadas em Fortaleza. Max esclarece que a obra Interior, executada no Rio de Janeiro, refletia uma solidão a que o artista não estava acostumado, onde morava num velho casarão da rua Paissandu com

o amigo Aldemir Martins. De Paris, uma coleção de desenhos produzidos na Academia de La Grande Chaumière, em 1946, Mulher no bar, de 1948, pode ser considerada, conclui Max, um divisor de águas entre a figuração e a abstração. A década de 1950 marca o início da sua maturidade como pintor abstrato e está representada por inúmeras obras denominadas Paysage executadas no Rio de Janeiro, Paris e Fortaleza e a pintura Town with children, produzida em Londres, em 1955. A década de 1960, período de maior produção do artista, representada por Sol e paisagem azul, (tríptico), pintada em Paris, em 1966. Tipicamente nômade, como todo cearense, Bandeira conquistou seu espaço de maneira linear e concreta. Nada parecido com sua arte, que comete seus surtos criativos e vai de en-

contro ao indizível, como diria o cantor e compositor Gilberto Gil. É assim nas obras da fase mais abstrata que podem ser encontradas na exposição, composta por aproximadamente duas centenas de pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, objetos pessoais e documentos, de coleções públicas e privadas. A mostra também conta uma pequena coleção de têmperas, as últimas obras encontradas na sua escrivaninha e a pintura encontrada no cavalete no dia da sua morte. E ainda, são apresentados o filme Fazedor de Crepúsculo, de 1960, e os originais de Árvore da infância, romance autobiográfico, jamais publicado; gravuras e desenhos de Wols e Bryen; um núcleo de fotografias inéditas, documentos pessoais, catálogos de exposições históricas e inúmeros recortes de revistas e jornais.

Exposição Antonio Bandeira, no Espaço Cultural Unifor ( Av. Wasghinton Soares, 1321, Bairro Edson Queiroz). De 28 de outubro de 2008 a 15 de março de 2009. Das 10h às 20h, de terça-feira a domingo. Entrada franca. As visitas guiadas devem ser agendadas pelo fone: 3277 3319

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[ artes plásticas ]

B

andeira foi um artista iluminado por quatro sóis e que nos deixou uma obra na fronteira de vários rios submersos que, hoje, emergem nas principais questões atuais da arte e da cultura. Visionário, de intensa atividade, a sua obra está no limiar, pertence à sua época, mas poucos, como ele, construíram uma iconografia tão projetada no vir a ser. Ele é o profeta das cidades de luz. Bandeira fertilizou a arte brasileira, a partir do Ceará, criando novas vertentes para a arte moderna. O Ceará tem uma tradição cultural rica. Do grupo dele, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, destacaram-se nacionalmente o Aldemir Martins, o

É um artista da luz, justamente quando o homem saía das trevas homicida. O pintor da cidade lírica geradora de idéias, conceitos e da construção de um novo homem impregnado de intuição estelar. É significativo isto, uma vez que ele é oriundo de uma região iluminada pelo sol, dotada de grande claridade. E que a sua vida transcorreu em duas outras cidades solares, o Rio de Janeiro e Paris, a própria Cidade Luz. O quarto sol de sua vida era a sua própria alma, manifesta num labor sem fim e na concretização de imagens únicas que marcam a utopia do século vinte. A sua arte sempre foi impregnada de um alto lirismo. Pintor-poeta. Antonio Bandeira acreditou que a tradição pictórica era suficiente para expres-

Crônica de vislumbres

Antonio Bandeira: uma árvore verde para o novo homem texto [Floriano Martins e Jacob Klintowitz] fotos [Mauro Angeli]

Texto publicado na Revista Poesia Sempre, Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 2º semestre de 2008 e republicado com autorização dos autores

Inimá de Paula e o Bandeira. Na Europa, junto com Wols, o Bandeira foi importante também na renovação de idéias, a partir de uma abstração lírica, com forte passado figurativo. Não apenas a gestualidade da abstração, mas a concepção de novas formas de marcado passado figurativo. Lirismo com título, o gesto e a poética verbal. Ninguém, como ele, projetou a idéia de cidades contemporâneas feitas de luz. É uma visão antecipadora, pois as cidades tendem para isto e serão, cada vez mais, menos fabris e mais conceituais. A vida humana não como produtora, mas como exercício do sonho. Antonio Bandeira foi um extraordinário pintor de vida curta, pois morreu numa mesa de operação, em Paris, de uma banal intervenção na garganta.

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sar o futuro. Não desejou outro veículo, outro suporte, outra linguagem que não fossem a pintura e a arte. O artista da luz. O homem na fronteira, entre o passado e o futuro, o abstracionismo e a figuração. É uma abstração que nomeia! É, neste sentido, um artista de acentuada tendência espiritual. A luz em Bandeira é interna, feita de visões, e não sabemos, seguidamente, se é dia ou noite na sua pintura. É um visionário na melhor tradição do século vinte, a de quem percebe a luz como manifestação complexa da matéria e da metafísica. Nele o espiritual não está personificado no contorno da figura humana, mas na visão. Com a chegada dos anos 50, Bandeira, em definitivo, deixa para trás figuras e paisagens mais expressionistas. Como um alquimista mistura pai-


Até sua morte, em 1967, são 17 anos de safras ininterruptas, estações perenes, desentranhando cidades das manchas e sombras do abstracionismo. Mistura igualmente suas classificações internas (lírico, binário, geométrico etc.). Bandeira tem um sentido extraordinário do humano em si. A tal ponto que tamanha generosidade o conduz a um exces-

so de doação. Tinha a mais plena consciência de que não se produz grande arte de outra maneira. Foi ao desgaste de tudo. Levou uma vida de lúcida deriva. Antes que a morte o surpreendesse rabiscou um roteiro desenhado do que viria a ser um filme autobiográfico. Em um dos quadros fala de Paris em um sentido que se aplica a qualquer espanto lúcido no convívio com uma cidade: A imensa cidade do dia e da noite, entre atormentada e tranqüila, próxima e distante – para sofrimento e alegria nossas –, essa mesma cidade que às vezes de tão grande que é vira uma pequena província.

Fortaleza, Rio de Janeiro, Paris. As cidades referenciais de Bandeira, embaralhadas ao ponto de constituírem uma só urbe visionária. Evidência de uma luminosidade que não se detinha diante de nada. Todos nos sentimos habitantes desta humanidade outra que Bandeira evoca com a mestria de seus traços e cores, sim, porém essencialmente com a convicção de sua utopia. Este pintor-poeta nos deu a todos uma pequena quimera que ainda não soubemos criar. O homem está presente em todas as paisagens

[ artes plásticas ]

sagem, figura e abstração em uma mesma paleta e dali começa a expandir uma poética firmada essencialmente na mestiçagem. Ele próprio dirá: Quero fazer um mundo novo, misturar o céu com a terra; dizer aos homens que eles são todos irmãos na batalha das raças, apontar a paisagem visionária das grandes massas urbanas; tirar uma pintura da natureza que já foi, que já se está elaborando, e que ainda vai prosseguir. Quero preparar o terreno para a minha humanidade que virá depois, a humanidade feia que hoje sofre, presenteando-a com uma paisagem digna, uma paisagem nova, uma árvore verde, um ser em germinação. Enfim, quero criar seres que não existem, misturar, falar ao homem numa nova linguagem, ou não falar língua nenhuma; enviar uma mensagem aos contemplativos.

de Bandeira, habitante primordial de sua utopia: vilas, favelas, cais: cidades. As suas árvores estão plantadas em um contexto urbano: a grande cidade com seus campos queimados. A luz agindo sobre cores e formas como uma crônica de vislumbres. Mesmo a selva, o agreste, a marinha: poética povoada por sua humanidade contemplativa. Bandeira povoa o absFloriano Martins é poeta, tracionismo, dá a ele uma condição humana antes editor, ensaísta, tradutor. desconhecida. Apesar da morte prematura, a intensa Pesquisador de literatura obra deixada afirma que não se envolveria com alguhispano-americana. Foi mas das tendências futuras das artes: não dissecava curador da 8ª Bienal a cor e sim o homem em sua conflitante condição soInternacional do Livro do cial; não amontoava formas ou empilhava temas; era Ceará. Dirige a Agulha essencialmente um cronista da luz, do vislumbre, de Revista de Cultura. sua ação sobre o tempo, um solitário agrimensor da Jacob Klintowitz é alma humana. jornalista, crítico de arte, Do que seria uma origem vista no Brasil com escritor, editor de arte, preconceito, de uma arte narrativa do Nordeste, ele transformou a estória em uma linguagem situada en- designer editorial. É autor de tre a intuição e a referência iconográfica. O seu rosto 90 livros sobre teoria de arte, forte, marcado, a cabeça grande, os olhos negros, é arte brasileira, ficção e livros um constaste maravilhoso com a delicadeza do trata- de artista. Atualmente dirige mento plástico. Visionarismo. Transposição poética. o MuBE – Museu Brasileiro de Escultura. Esta era a mestria de Bandeira.

harco [dezembro de 2008] 19


[ artes plásticas ]

[cronologia]

Antonio Bandeira (1922-1967)

1922

Pintor, desenhista e gravador que tem sua obra inserida além do cenário da arte brasileira do século XX, no da arte internacional, Antonio Bandeira nasceu em 26 de maio, em Fortaleza Participa, em 41, da fundação do Centro Cultural de Belas Artes e do I Salão Cearense de Pintura. Em 43, participou do I Salão de Abril de Artes Plásticas e do 9º. Salão Paulista de Belas Artes (medalha de bronze). Medalha de Ouro no III Salão Cearense de Pintura, em 1944, quando nasce a Scap. Viaja ao Rio com Jean Pierre Chabloz, Inimá de Paula e Feitosa. Tem obras adquiridas pelo Centro de Estudos Franceses, consagrando Bandeira e preparando sua ida à França. Primeira individual, na sede do Instituto dos Arquitetos no Rio de Janeiro, com cerca de 40 desenhos, aquarelas, pastéis e óleos. Participa do 51º Salão Nacional de Belas Artes e embarca para a França em abril de 46. Permaneceria em Paris por cinco anos, desligando-se logo dos estudos acadêmicos, preferindo o grupo de artistas da Escola de Paris. Sobrevive da venda de telas. Cria com Camille Bryen (1907-1977) e Wols (1913-1951) o Grupo Banbryols, um dos pioneiros da abstração lírica européia. Participa de coletivas e salões. Individual em 1950, na Galerie du Siècle. Reconhecido, volta ao Rio de Janeiro e faz individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Visita amigos e parentes em Fortaleza e faz uma individual no Instituto Brasil-Estados Unidos. Participa de Salões e da I Bienal de São Paulo. Volta a Paris para salões, expõe

1940/1944

1945

1946/1950

1951/1954

20 [dezembro de 2008] harco

novamente no MAM, voltando à Europa, Itália, em 54, com o prêmio da II Bienal de São Paulo, instalando-se em Paris novamente. Entre o Brasil e a França expõe em muitas galerias. III Bienal de São Paulo. Faz capas para Borboleta Amarela, de Rubem Braga, e Viola de Bolso, de Carlos Drummond de Andrade. Individuais em Londres, Paris e Nova York. Salões ao lado de Paul Klee, Picasso e outros. Com Portinari, Lasar Segall, Frans Krajcberg e outros participou da exposição de arte moderna brasileira em Munique, promovida pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Volta ao Rio em 59. Lina Bo Bardi o convida para a inauguração do Museu de Arte Moderna da Bahia. Ainda em 60, expõe no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, participa da XXX Bienal de Veneza. São Paulo, Buenos Aires, Rio de Janeiro: exposições. Lança o livro Poemalhitos e o filme Périphérie, de Flávio de Carvalho, contracenando com a atriz Maria Fernanda Meirelles. Em 61, expõe no Brasil, na Alemanha, Londres, participa da VI Bienal de São Paulo, inaugura, individualmente, o Museu de Arte da Universidade do Ceará.

1955/1958

1959/1961

1962

Festejado pela crítica carioca e paulista, produz a série Cidades, e sobre a catedral de Notre Dame. Começam as filmagens de um curta sobre ele, terminadas em 64, pelo diretor Luiz Augusto Mendes. Organiza a exposição Oito Artistas do Mauc, com Aldemir Martins, Floriano Teixeira, Sérvulo Esmeraldo, Nearco Araújo, Heloísa Juaçaba, Zenon Barreto, Estrigas e ele próprio, para o Museu de Arte Moderna da Bahia. Na galeria do IBEU-RJ, participa da exposição O nu como tema, ao lado de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Volpi, Pedrosa e Ceschiatti, Maria Leontina e Milton Dacosta, entre outros. Participou da XXXII Bienal de Veneza. Sai do país após o golpe militar e ilustrou o poema Canção para o mais triste maio, de Manuel Bandeira. Exposições: Arte Brasileira Atual, em diversas cidades da Europa, Artistas do Brasil, em Nova Orleans, L’Oeil de Boeuf, em Madri, e Artistas Latino-americanos no Museu de Arte Moderna de Paris. Faleceu em 6 de outubro, aos 45 anos de idade, vítima de uma anestesia após uma intervenção cirúrgica nas cordas vocais. Foi sepultado em Paris e 19 anos após, transladado para Fortaleza e enterrado no cemitério Parque da Paz.

1964

1965/1966 1967


A coerência da simplicidade Percorrendo mentalmente as últimas seis décadas da produção artística cearense, vários são os momentos que, entre as imagens significativas da nossa arte, surgem obras de Heloísa Juaçaba. Sua contribuição ao desenvolvimento estético do Ceará tem sido permanente desde a década de 1950, quando desponta apresentando pinturas que rompem com a tendência de retorno à ordem (rétour à l’ordre), que marcou a arte internacional após o crise econômica de 1929 e se refletia na produção dos artistas da SCAP. Heloísa aparece com um cubismo não radical de suave e elaborado colorido, onde o elemento figurativo gerador da obra ainda se percebe, deixando elementos de legibilidade que possibilitam um nível de comunicabilidade acessível ao público comum. Depois podemos ver a pintura da artista se aproximar mais da informalidade, quando toma por tema marinhas repletas de barcos, provavelmente pela vigorosa influência da exuberância artística do amigo Antônio Bandeira. Nesse período, apesar da mudança temática, Heloísa mantém a suavidade do colorido e a pintura, mesmo espatulada em alguns pontos, apresenta uma composição fortemente marcada pelos mastros, denotando a existência de uma coerência interna em sua produção que liga o inicial cubismo com um abstracionismo que navega entre a informalidade no gesto e o rigor na construção compositiva. Estes sinais que podem ser encontrados em sua produção: tendência para um abstracionismo não radical, preocupação compositiva apoiada em estruturas e colorido sofisticado, parecem atingir sua plenitude de harmonia na série de obras onde a artista registra a paisagem de sua amada Guaramiranga. Nessa série, Heloísa consegue captar toda a exuberância total dos verdes e terras da região e construir, com um significativo exercício de simplificação formal, paisagens de uma Guaramiranga que trafega entre o sonho e a fantasia e se consubstancia em arte, arte de grande qualidade. Um outro momento de grande contribuição de Heloísa para a arte cearense está na “série branca”. Aparentemente

construtivista, essa série de obras não deve ser entendida como uma sintonia da artista com os movimentos da arte internacional. Acredito que a artista não tem essa postura. Ela é informada, sabe do mundo, sabe da história das artes e sabe de si. Conhece nossas tradições populares e raízes culturais mais profundas. E é a partir desse amálgama de saberes, conhecimentos e vivências que elabora a sua arte. Como falei em outro momento: Heloísa usa em suas obras da “série branca” as tradições dos trançados e das cerâmicas indígenas, da nossa rica cultura artesanal e de toda uma gama de conhecimentos que teve a capacidade de colher no mundo moderno para fazer uma arte indiscutivelmente dela. Heloísa, em suas mais de cinco décadas de contribuição às artes do Ceará, apresenta uma produção que tem profunda sintonia com a sua personalidade, com o seu jeito simples de ser, e de forte coerência interna em termos de proposta estética. Roberto Galvão Artista plástico e curador harco [dezembro de 2008] 21


[ cinema ]

Aos cem anos

completados no ultimo dia 11 de dezembro, o cineasta português Manoel de Oliveira continua fazendo um filme por ano. Pode-se dizer sem nenhuma forçação de barra ou respeito subserviente a um ídolo, que este cineasta-filósofo está no auge de sua potência criativa. Como ele, no cinema atual, só Alain Resnais, Theo Angelopoulos e Godard. Os outros desse Olimpo já se foram: Bergman, Fellini, Ozu, Mizoguchi, Dreyer, Antonioni, Rosselini; Pasolini; Welles, Leone, Eisenstein, Paradjanov,

Oliveira estreou em longa metragem de ficção com Aniki – Bobó, de 1942, cujo título foi tirado de uma canção infantil da época que identificava nas brincadeiras quem era ladrão e quem era policial. E esse filme, uma pequena e singela obra-prima, já trazia todas as características do neo–realismo (que marcaria a história do cinema na Itália logo depois), ao enfocar em cenários naturais o cotidiano de um grupo crianças na cidade do Porto. De lá pra cá, o mestre cineasta, embora dono de uma caligrafia forte; de uma escrita única, nunca se tornou

Pabst, Murnau, Renoir, Lang, Ophuls, Paradjanov, Sjostrom... No momento, está finalizando Singularidades de uma Rapariga Loura, baseado num conto de Eça de Queiroz, e trabalhou nesta filmagem até no dia de seu aniversário. “Há uma necessidade imperiosa de filmar nesse dia para dar continuidade às filmagens e porque este filme tem um certo destino para ser apresentado no festival de Berlim, que decorrerá de 05 a 10 de Fevereiro, de maneira que temos muito pouco tempo para a montagem”, falou o cineasta numa conferência de imprensa para jornalistas de vários países, na qual anunciou um novo projeto: O Estranho Caso de Angélica, filme com o qual pretende retribuir a homenagem que lhe fizeram no último festival de Cannes. Oliveira nunca ganhou a Palma de Ouro (assim como outros de sua envergadura), e parece irônico retribuir um reconhecimento tão tardio com um novo trabalho. Quando recebeu a Palma especial das mãos do ator Michel Piccoli, ele usou da ironia ao se referir ao fato de nunca ter recebido aquele prêmio, dizendo que estava “muito emocionado” por “finalmente” ser contemplado. Depois colocou que gostou de recebê-lo assim, sem ter que competir com nenhum colega.

acadêmico de si mesmo. “Sempre que começo um trabalho, tenho a impressão de filmar pela primeira vez. Quer dizer, jamais farei a mesma coisa. Não vou fazer o que já fiz, mas buscar algo completamente diferente. De maneira que sempre estou a adentrar um outro campo. E, pisando um terreno pela primeira vez, vou, claro, cheio de dúvidas, topando com muitas surpresas, perguntando-me o que vai acontecer”. O cinema de Oliveira, por mais cultuado que seja por uma elite intelectual internacional, talvez seja dos mais inacessíveis ao público, mesmos aos que se consideram cinéfilos. Algumas constantes detectadas em sua longa filmografia como os planos longos, os discretos movimentos de câmera e a ênfase nos diálogos, tornam para

muitos seus filmes monótonos e mesmo chatos. Neste sentido o diretor nunca fez concessões. “A câmera fixa é uma chave extraordinária, pois se torna objetiva. Nos filmes falados, cujo diálogo é rico, a atenção é necessária e não se deve distrair o espectador do que diz o ator, porque o movimento distrai (...) dessa maneira, a presença do diretor não se faz sentir. Quando a câmera se move, logo se sente que alguém a fez mexer. O diretor deve apagar-se, não se deve fazer sentir no filme (...) Cinema é movimento, mas movimento é tempo”.

O Fenômeno Manoel de Oliveira texto [José Guedes] fotos [Divulgação]

José Guedes é artista plástico, cinéfilo e Diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar

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Obra-prima Amor de Perdição, de 1978, belíssima e fundamental adaptação da obra homônima de Camilo Castelo Branco, é para muitos, e nos incluímos aí, a maior obra do diretor. É seu dicionário de cineasta. “É um diálogo entre o visível e o imaginário, entre o perceptível e o imperceptível (...), um verdadeiro workshop de idéias acerca da incestuosa relação entre o romance e o cinema, acerca das várias possibilidades de adaptações literárias. Muitos dos ditos aspectos de vanguarda do filme vêm precisamente dessa reflexão, graças à qual cada cena acaba por se tornar uma solução fílmica de um desafio literário” (Jonathan


Cena do filme “Amor de Perdição”, obra-prima de Manoel de Oliveira

[ cinema ]

Rosembaum). Inácio Araújo descreve assim seu primeiro contato com a obra: “Havia na sala um misto de desconfiança e esperança. Um filme de quatro horas. Lá atrás, no fundo da Sala, estava Manoel de Oliveira de óculos escuros, ao lado de (Serge) Daney, sem aparentar nenhuma tensão diante daquela premiére”. E continua o crítico de cinema da Folha. “À medida que as imagens de Amor de Perdição começaram a se desenrolar, a tensão desapareceu rapidamente e de forma misteriosa. É como se toda a platéia fosse engolfada por aqueles planos longos, pelo andamento sossegado das idéias, por um tempo que, à medida que o filme transcorria, parecia cada vez mais contrastar com a desesperada história dos amantes adolescentes de Camilo Castelo Branco, e, no entanto, era nesse tempo tão particular que a história vinha se acomodar. Ao final da sessão, todos na sala tinham a impressão de ter visto algo muito especial se produzir. As quatro horas transcorreram como minutos. O século XIX, seus costumes, seus sentimentos, eram constituídos de todo rigor. Em plena era dos hippies, das contestações, dos sonhos políticos, Oliveira não cedia um dedo sequer à moda. Mas a atualidade daquele amor dava ao filme uma atualidade gritante. Era justamente a fidelidade a Camilo, a seu tempo, a seus personagens, que tornava o filmetão atual – como diria Eric Rohmer. Qualquer um naquela sala sabia que estava diante de um acontecimento e de um cineasta invulgares”. Lamentavelmente, os filmes de Manoel de Oliveira só são vistos em festivais e dificilmente são inseridos no circuito comercial. Quando isso acontece, deve-se mais à presença de algum astro como Marcelo Mastroianni, Catherine Deneuve, Michel Piccoli, Irene Papas, Stafania Sandrelli, Chiara Mastroianni, John Malkovich entre outros que participam de seus filmes por cachês simbólicos, conscientes que são da importância desse grande criador para a história do cinema ou da arte. Assim como Camões, Camilo, Eça, Pessoa ou o Padrão dos Descobrimentos em Lisboa... Manoel de Oliveira é um monumento. De Portugal e do mundo.

[Filmografia] 2009 - Singularidades de uma Rapariga Loura (em produção) 2007 - Cristóvão Colombo – O Enigma 2006 - Belle Toujours 2005 - Espelho Mágico 2004 - O Quinto Império - Ontem Como Hoje 2003 - Um Filme Falado 2002 - O Princípio da Incerteza 2001 - Vou para Casa 2000 - Palavra e Utopia 1999 - A Carta 1998 - Inquietude 1997 - Viagem ao Princípio do Mundo 1996 - Party 1995 - O Convento 1994 - A Caixa 1993 - Vale Abraão 1992 - O Dia do Desespero 1991 - A Divina Comédia 1990 - Non, ou a Vã Glória de Mandar 1988 - Os Canibais 1986 - O Meu Caso 1985 - Le Soulier de Satin 1981 - Francisca 1979 - Amor de Perdição 1974 - Benilde ou a Virgem Mãe 1972 - O Passado e o Presente 1963 - Acto da Primavera (docuficção) 1942 - Aniki-Bobó harco [dezembro de 2008] 23


[ fotografia ]

A Trilhos Urbanos, de Caetano, deu o mote para o grupo Olhar sem Fronteiras iniciar, há cinco anos, o ensaio. Com a extinção do grupo que presidia, Chico Gomes deu continuidade à sua busca pelo que transportam os usuários dos trens urbanos da cidade onde ele nasceu e começara sua arte cinco anos antes, já premiada, reconhecida aqui e por outros horizontes. Chico transcende o tom documental. Magnetiza o vendedor de bombom. Prega o homem da Palavra. Renova os fatigados das composições ferroviárias. Embolado blues alencarino. Já, já vem o livro Gente do Delta, construído com Henrique Claudio, Sérgio Carvalho e Sérgio Nóbrega. Para 2010, Francisco de Canindé, outra parceria, outros trilhos sob as bitolas da luz, das gentes, da sensibilidade do ver.

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Trilhos humanos por Chico Gomes


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[ história ]

texto [Síria Mapurunga] fotos [Divulgação]

Síria Mapurunga é jornalista

Mamãe, eu quero ir a Cuba... ...e quero voltar! D

os rebeldes sem causa aos mais engajados, da academia ao bar da esquina, em qualquer contexto, Cuba ainda é referência – para o bem ou para o mal. Os versos de Caetano, em nosso título, falavam de uma Cuba pósrevolução. Fulgencio Batista e seus aliados se retiravam do país, no mesmo momento em que os guerrilheiros de Sierra Maestra eram a esperança de uma Cuba Libre da ditadura. Hoje, às vésperas dos 50 anos da conquista, relembramos aquele janeiro em que um ban-

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do de homens esfarrapados chegava à capital, Havana, liderados por Fidel Castro. As cinzas dos sonhos de libertação nacional teimam em resistir na memória dos cubanos, mesmo após o regime ter se tornado a revolução de um homem só. Se a ilha por muito tempo provou ao mundo que era uma alternativa ao modelo capitalista, não é por esse mérito que hoje mais é invocada. Entre discursos anti-americanos e defesas calorosas de um socialismo (?), o que hoje se questiona é: o regime de Fidel ainda tem razão de ser? Seja qual for a resposta, o fato é que aquela virada de ano de 1958 para 59 de alguma forma mexeu com o imaginário das pessoas, das mais descrentes até as mais sonhadoras, criando uma aura de esperança desmedida na possibilidade de construção de uma sociedade mais justa. Segundo o cientista político Manuel Domingos, “há muitos ingredientes que fazem de Cuba um objeto


intrigante de análise política, a começar por ser uma ilha quase encostada nos Estados Unidos”. Predestinação? Isso ainda é mistério. Mas a pomba branca que sobrevoou a multidão e pousou sobre os ombros do líder Fidel, quando pronunciava o discurso da vitória, ficou para a história, encarnando já aí o que mais tarde viria a se concretizar em Che, o revolucionário mais lembrado e também, ironicamente, o mais explorado hoje pela publicidade. É a velha recorrência ao caráter contestador e transformador da juventude – que,

como se espera, “vive a vida perigosamente” -, sem a qual o mundo permaneceria o mesmo. Para completar, um desfecho como o do guerrilheiro só poderia torná-lo um verdadeiro mártir, quase um santo para aqueles que queiram assim elevá-lo. “O fim trágico de Che nas selvas bolivianas é alimentador das ilusões latinoamericanas, principalmente entre os mais jovens”, explica o cientista político Valmir Lopes. Hoje, a pérola do Caribe não vale o quanto pesa. Apesar de ter uma economia inexpressiva e um território pequeno, seu real valor está associado ao espírito socialista e desafiador que acendeu. Ainda símbolos de rebeldia, os heróis da revolução foram transformados em mito e pairam sobre os céus como fantasmas que rondam um presente indigente de sonhos pelos quais se lutar. Bem ou mal, mas falam da Ilha Para além de toda a discussão política, fica evidente o véu de idealização

[Opinião]

Por quais feitos a revolução cubana é admirada?

[ história ]

por trás do fenômeno. Se Caetano canta “Cuba seja aqui” na música, já há muito vemos nas telas do cinema o desejo em entender por que essa revolução e seus personagens despertam tanta curiosidade. Com o já premiado Che, do diretor americano Steven Soderbergh, com quatro horas de duração, a mitificação em torno da figura do guerrilheiro dá lugar ao que os próprios atores chamam de “o filme definitivo sobre Che Guevara”. Do brasileiro Walter Salles, Diários de Motocicleta, de 2005, já seguiu um caminho pouco convencional, ao retratar a viagem de Che e seu companheiro Alberto Granado na descoberta da América Latina, sete anos antes de explodir a Revolução. Mas é com A culpa é do Fidel que o olhar atento e nada ingênuo de uma me-

A revolução cubana provocou um impacto profundo no ambiente político americano. Representou um desafio à hegemonia norteamericana e alimentou os sonhos da esquerda no continente. Há muitos ingredientes que fazem de Cuba um objeto intrigante de análise política, a começar por ser uma ilha quase encostada nos Estados Unidos. Foi o único movimento revolucionário a tomar e se manter no poder na América Latina. O regime cubano sobreviveu enquanto o resto da América Latina vivia sob regimes militares e o controle norte-americano. Manuel Domingos, cientista político

Culturalmente, o que a revolução trouxe de novo para o mundo? A revolução cubana ampliou sua influência não por ela mesma, mas por seus personagens e sua trajetória pessoal. Falo de Che Guevara que deixa Cuba e tenta espalhar a idéia de revolução entre os camponeses da Bolívia. Do ponto de vista propriamente cultural, não diria que a revolução cubana tenha criado qualquer padrão estético novo. É só pensar que toda a produção cultural cubana é fortemente censurada e somente aquele artista que contar com o apoio do Estado faz sucesso. Valmir Lopes, cientista político harco [dezembro de 2008] 27


[ história ]

nina ganha ares realmente revolucionários - em se tratando de um ponto de vista, digamos, bastante inovador da diretora Julie Gravas. A pequena francesinha Ana, de nove anos, mimada pelos avós, estava prestes a se tornar uma perfeita dama, isso se não fosse obrigada a mudar de rotina depois da chegada da tia e da prima, que fogem da ditadura de Franco na Espanha. Questionadora e vendo sua vida confortável de antes sumir, mostra-se inquieta e disposta a convencer os pais de que nem eles mesmos sabem se estão certos ao levarem adiante uma causa como a de Allende no Chile. Quem faz a cabeça de Ana é uma babá cubana, fugida de seu país após a revolução, plantando na menina o mesmo ódio que sente de Fidel. Com um humor inteligente sempre bem-

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vindo, o filme é uma lição a mais para rever conceitos arraigados em nosso imaginário: o velho maniqueísmo do bonzinho e do malvado. Nos quadrinhos, o super-herói Che também tem lugar cativo, como Batman, Superman, Homem-aranha e outros. Em Che – os últimos dias de um herói, é descrita a história da morte do guerrilheiro, pelo argentino Hector Oesterheld. Lançada há 40 anos, a obra acaba de chegar ao Brasil, mas não sem um longo caminho conturbado. A ditadura argentina proibiu o livro e perseguiu Oesterheld, que desapareceu junto com parte de sua família. Hoje, morrer por revoluções por convicção? Só mesmo em história em quadrinhos. Se isso não é coisa do passado, ao menos os “guerrilheiros” engajados de hoje repetem como Raul Seixas: “Eu não sou besta pra tirar onda de herói/ sou vacinado eu sou cowboy/ cowboy fora da lei/ Durango Kid só existe no gibi/ e quem quiser que fique aqui/ entrar pra história é com vocês”.

“Soy un soldado de la revolución” E

la não perdeu o sotaque. Na verdade, é como se ainda falasse em espanhol, mesmo vivendo em Fortaleza há 13 anos. “Não faço muito esforço para perder”, confessa. A arquiteta Lidia Sarmiento, 54 anos, guarda lembranças fortes do que ela chama de “triunfo” da revolução. Seu pai, um dos 25 médicos que ficaram na capital Havana, foi um dos criadores da Nova Escola de Medicina e sempre esteve a favor do movimento. Ela, “sempre obediente e disciplinada”, foi filiada ao Partido Comunista praticamente durante toda a vida, só deixando de lado após a saída de Cuba. Das memórias, a arquiteta ressente não ter tido idade suficiente na época para participar de uma campanha de alfabetização. “Durante um ano, fecharam os colégios para que todos os jovens aprendessem a ler e a escrever”, recorda. Assim como Ana do A culpa é do Fidel (ver texto principal), estava bastante acostumada à vida cômoda com a família. A diferença é que, no caso de Lídia, ela fazia questão de participar da revolução e quem se “descabelava” era a mãe. “Eu e minhas irmãs passávamos alguns meses do ano no campo trabalhando, minha mãe não gostava muito, mas fazer o quê?”. Fortaleza só apareceu em seu caminho depois de conhecer o arquiteto cearense José Capelo durante o

doutorado na Espanha. O casamento foi feito por procuração, mas logo seu querido “Pepe” (como o nome José é carinhosamente chamado na língua espanhola) se mudou para Cuba. Lá, ficaram durante 10 anos, tiveram dois filhos, e ela criou o grupo responsável pela restauração do Centro Histórico de Havana Velha. “Recebemos condecoração de Fidel Castro pelo trabalho realizado”. Mas, com a crise econômica do país e a teimosia cearense de Pepe, o casal finalmente chegou a Fortaleza. “Ele disse: eu vou voltar, se quiser ir, vamos; se não, fique. Bem cearense”, afirma em tom de brincadeira. No início, não foram os temperos, o clima, nem mesmo a gente daqui que fizeram Lidia se sentir como um peixe fora d’água. Um mundo completamente novo se ergueu diante de seus olhos, sim, mas quem poderia imaginar: foi um simples pedaço de papel que causou tanta inadaptação de sua parte. “O problema não é o dinheiro em si, mas o que o dinheiro gera: diferença social. Em Cuba, eu morava num bairro elitista, mas depois da revolução meu vizinho podia ser um pedreiro, um caminhoneiro. Essas coisas me deram muito trabalho a me acostumar aqui”. Por essas e outras, Lidia ainda se sente um soldado da revolução e sonha com o dia em que voltará para suas raízes, como se a Cuba da infância tivesse parado no tempo.


[ história ]

[Opinão]

Cuba: 50 anos de resistência Apesar da mediocridade triunfante internacional procurar gica - o que não se justifica mesmo! - estes diabólicos e medesconhecer o valor da inteligência, fazendo-se de cega diante dievais recursos de subjugar os seres humanos, fora da ilha, das conquistas dos idealistas e das vitórias sociais de resistenestão sendo empregados também contra a gente cubana pela tes povos antes subjugados, a realidade sócio-econômica da potência econômica mais poderosa do mundo - os EEUU - a vida comprova ser possível um mundo mais humano e mais partir do momento em que negam até o direito de se vestir e participativo. Uma das comprovações disso é a resistência do se alimentar melhor, com o seu boicote econômico-financeiro. povo cubano que completou 50 anos de libertação política das Um dos mais famosos filósofos universais, de origem francesa, impiedosas vontades norte-americanas. Embora, nesse meio Voltaire, diz em uma de suas obras: “não concordo com uma século, tenha sofrido apenas perseguições e boicote econôsó palavra que dizei-vos, mas defenderei até a morte o direito mico. Com todas essas adversidades, tem conseguido avançar de dizê-las”. Se em Cuba não há liberdade de expressão para os em áreas como educação, saúde e esportes, de fazer inveja a adversários, fora dela também predomina a lei do silêncio que alguns países do primeiro mundo. é tão torturante quanto as outras censuras. Sim... Porque as conDesde o triunfo dos líderes Che Guevara e Fidel Castro, quistas sociais cubanas e até as ajudas aos países do Terceiro conseguindo com seu povo derrubar uma ditadura corrupMundo, com seus avançados métodos de saúde, de educação e ta de Fulgencio Batista, o anti-social e indiferente a uma imensa de práticas esportivas, são silenciadas pelos meios de comunicapobreza social - como a do Brasil, onde alcança um terço de sua ção comprometidos com o bem estar do governo americano. população, em 1.793 municípios, dos quais 75% no Nordeste, Agora mesmo, após a queda do muro do Berlim, da desasegundo o IBGE, - que essa mediocridade triunfante não dorgregação ideológica da ex-União Soviética, com a expansão da me, diante das perspectivas de um mundo novo com poucos democracia nos quatro cantos do mundo - inclusive em Guanrecursos econômico-financeiros numa pequena ilha, servindo tánamo, um gueto norte-americano para experiências desumaSim... Porque as conquistas sociais de exemplo às demais sociedades. nas dentro do território cubano - ainda negam, os inimigos de cubanas e até as ajudas aos países Todos têm o direito de acusar Fidel Castro, um dos princiFidel Castro e de seus irmãos caribenhos, a suspensão do blopais líderes revolucionários cubanos, de sanguinário e de opresqueio econômico à Pérola das Antilhas. Mesmo ocorrendo de, do Terceiro Mundo, com seus sor das liberdades democráticas em seu País. Mas, não estariam na Assembléia Geral da ONU de 2007, apenas quatro dos seus avançados métodos de saúde, de repetindo a fábula do lobo e o cordeiro? Por que seus princi188 membros não votarem contra as sanções, contra o embarpais acusadores não olham primeiramente para seus rabos de go unilateral. educação e de práticas esportivas, palha? A revista História, da insuspeita Editora Abril - já nas banSuspendendo o bloqueio, os norte-americanos só têm a são silenciadas pelos meios de cas com uma edição especial para colecionador, sobre os 50 ganhar. Porque, com a atual mídia, com os mais avançados meanos de Revolução Cubana - vem denunciando as fracassadas tecnológicos, o mundo não apenas se tornaria simcomunicação comprometidos com o canismos 638 maneiras de matar Fidel Castro, constantes, entre outros pático à sua política externa legitimamente aberta aos demais bem estar do governo americano. meios, a utilização de charutos explosivos, cápsulas de veneno, povos, mas ganharia sem, guerra e sem genocídio, dos mercasapatos radioativos, fungos letais e sprays alucinógenos. Tudo dos universais. inventado pela CIA para eliminar, repito, seu adversário cubano. Acabado o tempo das guerras convencionais, chegou o tempo das parcerias de mercados, Diante dessas “afetivas” maneiras de tratar o adversário, os inimigos da Revolução Cubana não dos jogos de inteligência no xadrez do vender e do comprar, embora o ser humano lute intensiteriam criado para Fidel um estado de legítima defesa, forçando-o a recorrer à política de “dente vamente para sobreviver, mas, aqui e ali, escorregue na lama instintiva da rebeldia sem causa, seja por dente e olho por olho”? como simples cidadão, seja como Estado constituído de leis e de normas reguladoras de excessos Se não se justificam o cerceamento da liberdade de expressão e a tortura física e psicolóperniciosos ao bem estar das sociedades.

Gervásio de Paula, é jornalista e colunista do Diário do Nordeste

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[ arte de viver ]

texto [Maristela Crispim] ilustração [Vinício Del Pinto]

O homem da floresta 20 anos depois

texto [Maristela Crispim] Ilustração [Vinício Del Pinto]

Maristela Crispim é jornalista e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC

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o dia 22 de dezembro de 2008 se vão 20 anos de um crime que ultrapassou fronteiras pela grande comoção que provocou, gerando novas reflexões sobre o modelo de desenvolvimento e a inserção do ser humano na natureza. Francisco Alves Mendes Filho, ou simplesmente Chico Mendes, perdia a vida dando lugar ao avanço da agropecuária sobre a Amazônia. Ele lutava por um bem comum, pelo grande valor da floresta em pé. O ideal, porém, não morreu. A tarefa de mostrar o melhor caminho permanece entre os defensores da floresta, diante de um “avanço” que insiste em dizer que pode haver um “uso sustentável” que não aquele, extrativista, comunitário, solidário, ecológico, proposto por esse visionário que pagou com a vida o preço de defender o valor da biodiversidade. Acreano, nascido no seringal Porto Rico, em Xapuri, Chico Mendes tornou-se seringueiro ainda criança, acompanhando seu pai. Iniciou a vida de líder sindical com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, em 1975. No ano seguinte, participou ativamente das lutas dos serin-

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gueiros para impedir desmatamentos por meio dos “empates“. Em 1979, Chico Mendes transformou a Câmara Municipal num grande foro de debates entre lideranças sindicais, populares e religiosas, sendo por isso acusado de subversão e submetido a duros interrogatórios. Também foi um dos fundadores e primeiros dirigentes do Partido dos Trabalhadores no Acre. Em 1981, assumiu a direção do Sindicato de Xapuri, do qual foi presidente até o momento de sua morte. Em 1985, liderou o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, quando foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), do qual foi a principal referência. A partir de então, sua luta começou a ganhar repercussão nacional e internacional, principalmente com o surgimento da proposta de “União dos Povos da Floresta”, que buscou unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica propondo a criação de reservas extrativistas, sua principal bandeira: áreas pertencentes à União com usufruto dos seringueiros, organizados em coo-

perativas e associações, sem títulos de propriedade, garantindo sustento a milhares de famílias e sua preservação para as gerações que estão por vir.

Ameaças e a floresta Durante o ano de 1988, cada vez mais ameaçado e perseguido, principalmente por ações organizadas após a instalação da União Democrática Ruralista (UDR), no Acre, continuou sua luta, percorrendo várias regiões do Brasil, participando de seminários, palestras e congressos, com o objetivo de denunciar a ação predatória contra a floresta e as ações violentas dos fazendeiros da região contra os trabalhadores de Xapuri. Hoje, o imediatismo capitalista insiste em “fechar os olhos” ou “fazer vista grossa” para um modelo de “crescimento” que avança irresponsavelmente sobre a floresta, ignorando idéias brilhantes como essa da reserva extrativista. Como costuma dizer a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a Amazônia é uma reserva estratégica de potencialidades de desenvolvimento de um novo tipo, o que depende de mudanças estruturais de foco nas quais se precisa investir. A sua destruição repercute, e muito, no aquecimento global, já que Brasil é o quarto maior emissor de carbono devido, principalmente, ao desmatamento. No nível local, entre outros fatores, influi na manutenção da umidade em outras regiões do País, conforme estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dessa forma, ao evitar o desmatamento da Amazônia, previnem-se gravíssimos desequilíbrios climáticos em áreas com altas concentrações de população e de produção agrícola, nas regiões, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Preservar a Amazônia é promover a melhoria do padrão de vida de sua população, é um desafio civilizador para o Brasil e para o mundo, como um dia sonhou Chico Mendes. O sucesso depende da perseverança dos agentes públicos em continuar ampliando a governança ambiental e também da sustentação política na sociedade para que esse processo não se interrompa. A Amazônia deve ser compreendida, nesse sentido, como espaço privilegiado para alcançar também uma política sustentável.


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rar era uma missão contraditória no tempo dos escravos que construíram a capela do Rosário, no Centro de Fortaleza: feita de esforço e incerteza. Por motivos diferentes, ainda é assim hoje. O esforço não se materializa em suor, mas em ter que agüentar a sua condição de imundície, comum a muitos logradouros do Centro de Fortaleza. A incerteza, em saber se é seguro realmente expressar sua fé naquele templo católico, e não mais por dúvidas à catequese mais sincrética promovida, entre os séculos XVIII e XIX, pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Ameaças de fechamento, assaltos, fedentina, gente que confunde a simplicidade histórica do prédio com seu abandono, seu descaso, também histórico. Afinal, quem quer saber daquela igrejinha velha, símbolo da escravidão dos pretos que aqui se jura que não houve? Mesmo que situada ao lado do inabalável Palácio da Luz, antiga sede de nosso governo e hoje a alumiar nossa “célebre” Academia Cearense de Letras... Não tem jeito, é “modernidade”, “aquela região sempre foi assim”, dirão os infiéis, os descrentes no urbanismo e no patrimônio histórico que nos restam... Quem liga se ali perto fica o Museu do Ceará? O próprio Museu liga para

a sua vizinhança? Quem liga se a sempre festejada Praça do Ferreira poderia dividir alguns eventos, os mais prosaicos, com aquele ainda bucólico logradouro, a Praça General Tibúrcio, em bom alencarino, para alvinegros e tricolores, Praça dos Leões? Praça do boticário que, apesar do CCBNB a alguns quarteirões, tanto se ressente de um centro cultural, por que não ali na Caixa que abrigara o Palacete Ceará? Virou banco, mas, inexplicavelmente, em pleno século XXI, ainda não virou um centro cultural digno do Centro, tal como existe em qualquer grande cidade... Bem, mas voltemos à igrejinha. Olha só a Rachel de Quei-

roz ali, sentadinha, meditando, qual a estátua de Carlos Drummond de Andrade em Copacabana... Quem liga? Se nem depois de toda a reforma do Passeio Público, outro símbolo da cidade desde o século XIX, isso se concretizou...? É, Caminha, a província ainda tem muito o quê aprender. Se hoje nos faltam os mártires, sobram os arautos da cultura e da modernidade, como no seu tempo. Só rezando, como se fazia, no seu tempo também, na Igreja do Carmo, na Catedral ou na Igreja de São Bernardo. Ah, a Igreja, oficialmente capela do Rosário, é “um pouco” mais antiga que o Passeio, algo em torno de um século... E

[ patrimônio ]

Rosário de histórias daí? Quem quer saber daqueles vínculos simbólicos com os escravos, em grande parte porque o colar de rosas que a santa trazia em volta do pescoço assemelhava-se ao ifá da tradição religiosa afro-brasileira? Foi assim que Sobral, no século XVIII, e ainda Crato e Barbalha, em meados do século seguinte, também viram igrejas serem erguidas pela Irmandade, como, aliás, quase todos os estados do país, desde que, consta, o lendário Chico Rei a teria fundado ainda no século XVIII, em Ouro Preto. Inclusive, no Rio, onde ela teve forte atuação em defesa de João Cândido, o Almirante Negro, na Revolta da Chibata. E você com tudo isso?

texto [Henrique Nunes] fotos [Mauro Angeli]

Construção iniciada pelos escravos em 1730 e cujo arcabouço se ergueu no século XIX, a capela (Igreja) do Rosário resiste às intempéries do dia-a-dia do Centro de Fortaleza

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[ patrimônio ]

Oitizeiro e reis negros Bom, caro leitor, desculpe tantas provocações e informações derramadas acima. Procuramos apenas achar uma forma de despertá-lo quanto ao descuido por que passa toda aquela região do Centro, sempre associada a situações constrangedoras, na verdade traços da condição histórica de desagregação que as vitrines e calçadas hoje tanto querem ocultar. Buscamos apenas alertá-los de que, antes de reformas e construções megalômanas para os padrões da Província, poderíamos cuidar dos pequenos tesouros deixados por outras (distantes) administrações. Foi e é assim que muitas cidades ressignificaram seus patrimônios históricos tal como hoje se apregoa aos quatro cantos do mundo. Esse é o sentido mais evidente do patrimônio, de torná-lo novamente apropriado pela sociedade. Vejamos: a Praça dos Leões é de 1877. Então, a Igreja do Rosário estava lá, ainda que na forma de uma capelinha de taipa feita pelos fiéis da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, 147 anos antes. Está diretamente ligada às origens do maracatu no Estado, através do ritual de coroação do Rei do Congo. Refeita em pedra e cal em meados daqueles 1700, foi matriz da cidade de 1821 a 1854. Nessa época, seu ádrio, no cruzamento da General Bizerril com Guilherme Rocha, era ornamentado por uma árvore, um oitizeiro que então “servia de baliza para as jangadas” e ganhou fama de “cidadão cearense”, até ser derrubado, em 1929, pelo prefeito Álvaro Weyne, em nome de um certo progresso que tarda em chegar à região. Uma história contada no Fortaleza Velha, de João

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Nogueira, e no Fortaleza Descalça, de Otacílio de Azevedo. Segundo este autor, pai do memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, tratou-se de um “ato de vandalismo em favor dos bêbados de gasolina”, que lhe extirpou a árvore em cujas raízes escrevera seus primeiros versos. Após sua maior reforma, concluída em 2004, o templo mais antigo de Fortaleza ainda em atividade convive com uma praça descuidada, em alguns dias fétida e ao mesmo tempo desumanizada como suas ruas próximas: a do Rosário, propriamente, e ainda General Bezerril, São Paulo, Sena Madureira e a Floriano Peixoto, mais acima. Aquele calçadão que leva o seu nome abriga os restos de uma história esquecida pela tal Fortaleza Nova, entre os fiéis, o pároco e seus auxiliares e ainda a memória, o espírito, de 50 escravos adultos e quatro crianças. Mais uma vez foram estes que a reconstruíram: quando seus corpos foram achados, há alguns anos, eles impediram que a Igrejinha se tornasse mais um descaso fortalezense, levando a seu tombamento

pelo Departamento de Audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado. Quanta ironia. Agora, audiovisual?! Mas o mais lamentável, é que muito pouco se fez para sua real integração à memória da cidade.


igreja é pobre. O movimento é pouco, de gente que vai trabalhar. Não temos uma população que more por perto. As missas são mais na Catedral, na Igreja do Patrocínio, que não são muito longe. Só algumas senhoras, antigas religiosas colaboram, além dos recursos da diocese, da Catedral. Dá para sustentar a igreja: luz, água, telefone, os três funcionários. Depois da reforma, ela está bem conservada, mas agora que tudo se tornou patrimônio histórico é mais complicado para se mexer. À tarde o Padre Amorim celebrava, mas ele foi transferido. Abrimos até as 17h, com o recolhimento e a adoração do Santíssimo. A igreja foi construída por uma confraria escrava, mas hoje são poucos morenos que freqüentam, todos brasileiros”, considera o Padre Luís Alberto Peixoto, ali desde março do ano passado, após 25 anos na bem mais “badalada” Igreja de Fátima. Em agosto, a situação se agravou, e a mídia deu destaque: a capelinha fechava por cinco dias, devido à insegu-

rança. Um auxiliar, sacristão, foi agredido. Alguns meses depois, o Padre Luís confirma que a segurança aumentou. “Não tenha dúvida, esse foi um acontecimento isolado, mas alguns fiéis voltaram a freqüentar com a segurança”. A igreja continua abrindo às 7h20, de segunda a sexta, fechando sábado e reabrindo domingo, às 7h30min. “Antes, no domingo, recebo cerca de 40 moradores de rua, que antes vinham aqui todo dia. Faço uma oração para eles”. A movimentação maior fica para acompanhar os “terços”, meio-dia e às 15h. “Nossa missão é ajudar o pobre, então eu mesmo dou alguma merenda, uns cinqüenta centavos pro café destes moradores de rua, quando posso”, diz Padre Luís. A situação física da capela é de aparente ordem, mas esconde problemas. Agente pastoral da capela há quatro anos, Paulo César Martins mostra as infiltrações que atingem o reboco das paredes e o piso, interferindo até nas folhas de ouro das imagens de São José, Nossa Senhora das

[ patrimônio ]

“A

Dores ou a de Nossa Senhora do Rosário. Ele confirma: “depois de acharem os ossos, é que ela foi tombada”. Mais evidente, no entanto, apenas a antiga cripta do Vice-Presidente da Província, Major João Facundo de Castro Menezes, assassinado em 1842... “Assumimos a manutenção, se a Igreja não tiver condições, mas desde 2004 não recebemos qualquer solicitação”, comenta Otávio Menezes, historiador que responde pela coordenação de

Raízes e sonhos Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura do Estado. Numa cidade escrava do poder e da falta de memória, pouco mudou de fato após o tombamento. “Aqui não passa ninguém para fiscalizar nada desde 2004, e a segurança era precária. Até o fechamento, eu via os assaltantes dividindo os roubos aqui em frente à igreja. A limpeza também melhorou”, informa Padre Luís. Paulo César não se empolga e nos leva ao segundo andar onde alguns quadros em óleo sobre tela, uma ViaCrucis e alguns religiosos, estão ao Deus dará. Lá de cima, Paulo aponta a precariedade das caixas de som, a flor de lis pintada pelos escravos que a pintura da reforma deixou para o futuro. Quando, quem sabe, pairando entre as suas raízes, a Igrejinha e seu entorno respirem um cenário mais prosaico entre o olor das árvores e a plangência de um chorinho, de alguns versos, das loas de um maracatu.

Padre Luís Alberto Peixoto: desafios e rotinas à frente da Igreja dos Pretos harco [dezembro de 2008] 33


[ cultura popular ]

texto [Gilmar de Carvalho] xilogravuras [João Pedro]

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Gilmar de carvalho é professor do curso de Comunicação Social da UFC João Pedro é xilogravurista em Juazeiro do Norte

s folcloristas tentaram a seu modo compreender o Brasil. Foi um primeiro e grande esforço para buscar na tradição as bases da construção do país, com todos os riscos que uma operação ideológica como essa traz. Hoje, quando as identidades são contestadas, quando a “brasilidade”, a “nordestinidade” ou a “cearensidade” são desmontadas, como artefatos ou estereótipos, podemos voltar aos folcloristas , sem pressa e sem preconceitos, e dizer da importância do papel que desempenharam para que chegássemos ou ponto em que chegamos. Interessante no percurso dos estudiosos da tradição, o caráter de dança de suas atividades, as idas e vindas, como se estivessem a ensaiar num salão de festas um gran de minueto das cortes européias que , de repente, se fundisse com uma ciranda das praias de Pernambuco. A idéia de fusão perpassa o trabalho desses explicadores do Bra sil. A partir do que eles propuseram, che -

garam outros estudiosos, mais competentes, talvez, ou munidos de outros aparatos e de outros referenciais teóricos, como Caio Prado Jr., Sérgio Buarque e Gilberto Freyre e começaram a explicar o Brasil para valer. Os folcloristas ficarão sempre na base, como iniciativa pioneira, com todos os aplausos pelos acertos e com todas as críticas pelos reducionismos, pelas generalizações e pelas conclusões precipitadas. Podemos buscar as raízes dessa curiosidade na Alemanha dos Irmãos Grimm. A tradição foi importante para dar a liga que uma série de reinos e Estados precisavam para se reunir na grande nação européia. Buscava-se um espírito do povo que estava na legislação e na filosofia. Podemos encontrar marcas desse espírito inquiridor nas missões dos viajantes. Com outros objetivos, mais de acordo com o cientificismo do século XIX, Gardner,

Agassis, Langsdorf, Spix e Martius, dentre muitos outros, mapearam boa parte do Brasil. A busca pelo exótico não abria mão do rigor nem da competência. Compreendemos melhor o Brasil a partir desses relatos. Enfatizava-se a terra, e o homem brasileiro continuava sem uma reflexão mais densa. Informações que parecem esparsas ajudam a formar uma idéia de nossa cultura embrionária, num instante de prevalência do padrão europeu e de rejeição da contribuição indígena, dos africanos e de seus descendentes.

A Terrinha O Ceará foi visitado, em tempos diferentes, por Koster, por Gardner, por Agassis e pela Comissão Científica de Exploração, em 1859. Essas pesquisas ecoaram nas elites locais que se prepararam para dar conta de explicar o que não parecia ser muito interessante para a maioria dois viajantes. O Naturalista Feijó, o Dr. Thèberge, os Pompeu, os Studart, João Brígido, Antonio Bezerra, e intelectuais ligados ao Instituto do Ceará tentaram

O eterno retorno da tradição

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O homem Antonio Bezerra vai fazer da viagem ao norte do Ceará, publicado como folhetim, no jornal Constitucional, em 1864, uma observação mais voltada para o homem. Ele vai falar de artistas, como o que pintou afrescos na igreja de Campo Grande (hoje Guaraciaba do Norte), menciona a queima de violas, pelos missionários franciscanos, na porta da Matriz daquela mesma cidade e assim por diante. José de Alencar vai pedir a colaboração de alguns amigos, inclusive de Capistrano de Abreu, para levantar versões do Rabicho da Geralda, que comenta nas cartas publicadas pelo jornal O Globo, em 1874, enfeixadas no livro O Nosso Cancioneiro. A história do boi de fama conhecido, que atemorizava pelas bandas de Quixeramobim, se inscreve como

narrativa mítica e fantástica daquela importante cidade do sertão central, fundada a partir de fazendas e do ciclo do gado. Pode-se considerar o Romanceiro do Norte, de Rodrigues de Carvalho, publicado em 1903, como o primeiro trabalho totalmente voltado para essas questões do folclore. O Ceará ganha espaço nessa publicação. Aí estão citados violeiros, transcritos fragmentos de desafios, peças da tradição que se decompuseram ao longo do tempo. Rodrigues de Carvalho abre espaço para a atuação de Gustavo Barroso, figura polêmica pelas posições desastrosas que tomou na política, e que purga por isso um imerecido esquecimento. Barroso vai trazer com o Ao som da viola, de 1921, uma importante compilação de parte de nossa memória que estaria perdida não fosse esse paciente trabalho de catalogação. Nesse mesmo ano, Leonardo Mota inicia com Cantadores uma profícua contribuição que vai se expandir até sua morte em 1948. Leonardo Mota participou de um tipo de evento em gosto àquela época, uma série de conferências na quais os temas levantados seriam levados a um público maior, quase na linha das “aulas espetáculo”, ministradas por Ariano Suassuna. Entraram em cena Martinz de

o filóAguiar, mais conhecido com se logo e gramático, que também s nda voltou para o estudo das Cira xou dei Infantis. Florival Serraine nos se. A ren Cea e clor Fol do gia olo uma Ant paio contribuição de Filgueiras Sam esr se fez maior pelo alcance de leva os livr sas idéias para o universo dos veio o didáticos. J. de Figueiredo Filh ência, do Crato, com inegável compet como lucidez e textos de grande valia, iri, O os Engenhos de Rapadura no Car ntis Folclore no Cariri, Folguedos infa s ma caririenses e Patativa - Novos Poe Comentados. Por último a contribuição de Edu core ardo Campos, com estudos sob r, além mida, cordel, medicina popula scredo clássico em que ouviu e tran veu o Cego Aderaldo. Fecham o quadro Henriqueta GaNery leno com seus Ritos Fúnebres; com Camelo, também conferencista, o; rald a participação do Cego Ade nta Valdelice Girão autora de um leva tan Ner mento sobre rendas de bilros; gaço e Macedo que se ocupou de can Soriat religiosidade popular e Mozar verso no Aderaldo, viajante pelo uni noras das velhas receitas das cozinh destinas. es A listagem seria exaustiva e ess a um m nomes e essas obras sinaliza pes r atividade intensa, a envolve ndo mu quisadores, temas, visões de mento, e apontando para um mapea ainda que incompleto.

[ cultura popular ]

enfrentar uma realidade que precisava mesmo de muitos braços e muitos cérebros para ser levantada. No que se refere à cultura, digamos, em sua base antropológica, voltando o foco para a atuação do homem e colocando a natureza em segundo plano, prática que posteriormente se mostrou equivocada, tivemos o registro, por meio de aquarelas da paisagem cearense por parte de Reis Carvalho, na chamada Comissão das Borboletas, que completará 150 anos em 2009.

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[ cultura popular ]

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oderíamos arriscar que boa parte dessa produção é dev edora de Juvenal Galeno, marco de uma nova atitude em rela ção a uma sintonia com a voz do povo para o fazer poético que o imo rtalizou. Depois de uma estréia com um livro fora de lugar, editado no Rio de Janeiro e trazido na bagage m do jovem das elites cearenses, ma is um a tentar carreira literária na Corte, veio a Comissão Científica, a conversa com Gonçalves Dias e a mu dança de rumo de uma produção que deixaria marcas fundas na cultura cearense e dialoga com Patativa do Assaré, muitos anos depois, por exemp lo. Juvenal Galeno como que des encadeia e estimula esse ciclo com sua presença longeva e com seus poemas que tematizam e ecoam um sertão mítico e ancestral. Esses estudos se beneficiam do trabalho profícuo do folclor ista potiguar Luís da Câmara Cascud o. Ele vai atualizar parte dessas refl exões, com sua erudição, com a tro ca incansável de correspondências com meio mundo e com a viagem de Mário de

Andrade ao Norte e Nordeste, em 1927. Mário passa, rapidamente, por Fortaleza e fotografa roupas nos varais. É no Rio Grande do Norte, de seu amigo e interlocutor Câmara Cascudo, onde ele vai ficar a maior parte do tempo. Vale a pena insistir nesse ponto: eles eram amigos e interlocutores, trocavam correspondência. Não vale colocar, como querem alguns, equivocadamente, Cascudo como o anfitrião que aprendeu tudo com o “turista aprendiz”. Essa é a visão dos centros hegemônicos e não corresponde à realidade. Mário também tinha uma excelência de formação que faz com que ele não apenas colha e se extasie diante do que viu, mas catalogue, disseque e vá fundo dos cocos como danças dramáticas à recolha do cancioneiro que ele empreendeu, por conta da formação musical que detinha e da curiosidade pelo cordel, no

Aprendizes de feiticeiros

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que foi ajudado por outro jovem “promissor”: Heitor VillaLobos.

Cultura popular

Tudo isso se dilui e se esgarça na composição de uma visão da tradição cearense até os anos de 1970, quando entra em cena o CERES – Centro de Referência Cultural. A visada passou a ser marxista, superando o conservadorismo de direita da maior parte da reflexão feita até aqui. Apesar da ditadura militar, do Governo Adauto Bezerra (1975/1978) e do clima repressivo, as iniciativas no campo da tradição encontravam respaldo no Governo Geisel. Os governos anteriores (Médici e César Cals) inauguraram o centro de artesanato, na antiga Cadeia Pública e trouxeram uma valorização do artesanato, por meio das feiras (Exanor). Agora era a vez de uma interferência mais consistente. Organizouse uma verdadeira expedição que mapeou o Ceará, por meio de fotografias, da entrevista a artistas e artesãos e estabeleceu-se uma base para oi lançamento dos dois volumes da Antologia da Literatura de Cordel. O CERES era um grupo que tinha uma idade de atuação, impressa pelo ideário do PC do B. Pode parecer paradoxal, mas era uma opção pela atuação no campo da cultura, como infra-estrutura para mudanças e interferências mais fundas na cena política.


tação, depois livro Reis do Congo e um mesmo, mais apaidoutorado na Sociologia da UFC sobre xonantes e impacos brincantes do teatro popular de rua. tantes. Cariry foi para o cinema e contrieditais bui para uma filmografia cearense, a Cultura de Cascudo e Mário começar pelos documentários, prenuam a ser refeconti miados pelo IPHAN e entrando na ficas. Os folclorisrênci ção com vários títulos. a foram tão nunc tas Barroso foi convocado pela Sea prática é mas , lidos cult, em 2006, para escrever Memória rou-se a Queb . outra do Caminho, espécie de caderneta de de estar e uidad ingen campo de suas viagens para mapear o farol. como e, frent à o Ceará, agora sob a égide de um gonunca, que mais , Hoje verno social-democrata (Lúcio Alcânbipossi na ita acred se tara, 2003/2006). os ment movi dos e lidad No final dos anos de 1990, entram res atos novo dos e is socia em campo outras visadas teóricas, ver escre em cena política saberem como a Semiótica da Cultura, trazida seus “scripts”. da PUC de São Paulo por Tadeu FeitoVivemos tempos de cultura de sa, Wellington Jr, Kalu Chaves, Gabrieeditais. Os artistas precisam da esla Reinaldo e Gilmar de Carvalho. trutura de empresas de captação e de As pesquisas sobre a tradição gatreinamentos para o preenchimennham novo impulso com a antropoto de formulários e da prestação de logia de Sulamita Vieira e Ismael de contas. A idéia romântica de destruir Andrade Pordeus Jr, a etnomusicoloo Estado de dentro de suas engrenagia de Elba Braga Ramalho, as teorias gens fez água. No final dos anos 1990, literárias por Martine Kunz e a visuaveio a valorização do chamado Patrilidade de Aléxia Brasil. mônio Imaterial. Entra em atividade, em 2001, o Hoje, se quer atuar de modo mais LEO - Laboratório de Estudos da Orapontual e contundente. O artista polidade, entidade que agrega professopular não pode ser visto como um ser res da UFC e UECE. ingênuo. A tradição passa a ser entenJá não existe mais espaço para dida como o suporte das vanguardas, uma discussão mais globalizante desde que Picasso falou das máscaras ou totalizadora. É tempo de estudos africanas para explicar o cubismo. mais recortados, de pesquisas com A ciranda da tradição ganha novo foco mais restrito e, talvez por isso

[ cultura popular ]

O CERES rompeu com a idéia equivocada de que tradição era coisa de direita e colocou artistas e artesãos como possíveis artífices de mudanças e como agentes de uma resistência cultural. Era um modo novo de compreender velhas manifestações, que se renovavam pelo aporte teórico e pelas estratégias de mobilização que desencadeavam. De certo modo, o velho CPC se atualizava em plena ditadura militar. As lideranças eram a vanguarda desse movimento, sem a desenvoltura do Brasil antes do golpe, mas com uma atuação talvez mais consistente. São filhos do CERES, Oswald Barroso, Edvar Costa, Roberto Aurélio Lustosa da Costa, irmão do Secretário de Planejamento do Governo Adauto Bezerra e quem abriu portas para essa possibilidade de atuação. Depois veio Sylvia Porto Alegre, mas esse é um segundo instante do CERES. Curioso como o Centro rendeu publicações. Oswald Barroso em parceria com Rosemberg Cariry criou o jornal Nação Cariri, desativado o CERES, no início dos anos de 1980. Os dois lançariam um livro seminal: Cultura Insubmissa, também em 1982. Sylvia Porto Alegre trouxe a contribuição da antropologia e lançou Mãos de Mestre, em 1994. Oswald continuou seu projeto de estudo dos grupos de folguedos, que lhe rendeu um mestrado com a disser-

ritmo. Ela continua a ser feita em espaços públicos, apela para a solidariedade entre os brincantes, mas a batida é outra, com a amplificação do atabaque e com a entrada em cena de samplers, o que vai criar um som “fusion”, no melhor estilo do “mangue-beat”, que já virou, quem diria, tradição. E assim, entre rabecas, performances, experimentações, bandas cabaçais, penitentes e visualidades outras, entre assimetrias e tensões, cria-se um novo instante dessas interseções da tradição com o mercado, do conflito entre criar e diluir ou copiar. O feito à mão tem espaço na excessiva globalização e passa a ser valorizado. Qual será o próximo capítulo dessa trama da cultura?

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[ afrocearensidade ]

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texto [Kélia Jácome] ilustração [Vinício Del Pinto] fotos [Gustavo Pellizzon e Rubens Venâncio]

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Zumbi de cada dia

mês de novembro último foi recheado por alguns marcos simbólicos que evidenciaram as discussões em torno da tão almejada igualdade racial. No início do mês, a eleição do senador Barack Obama para presidente dos Estados Unidos fomentou ainda mais um debate que já tinha ganho a esfera internacional meses antes, durante a campanha presidencial americana. A vitória aconteceu no mês em que acontece, no Brasil, o Dia Nacional da Consciência Negra – 20 de novembro. A data é uma lembrança ao assassinato de Zumbi dos Palmares, em 1695, símbolo da luta dos movimentos negros por igualdade racial. Por todo o Brasil, registraram-se ações em torno da data, tanto por parte de esferas governamentais, quanto pela sociedade civil. Em um país que se firmou e cresceu em cima de séculos de trabalho escravo e tráfico negreiro, os debates ainda circulam questões afirmativas sobre o que se acostumou a chamar raça negra. Não foi à toa que a Praça do Ferreira, encravada no Centro da cidade e por onde passam milhares de fortalezenses por dia, foi escolhida para ser o principal palco montado na Capital cearense para as festividades em alusão à Semana da Consciência Negra, de 14 a 20 de novembro. A intenção dos organizadores do evento, realizado pela Prefeitura de Fortaleza em parceria com entidades da sociedade civil, segundo o Assessor para Políticas Públicas de Igualdade Racial do gabinete da prefeita, Luiz Bernardo, era que os negros se apropriassem dos espaços públicos da cidade. “Ainda temos a idéia de que os negros são invisíveis e ainda existe o discurso de que Fortaleza não tem negros.

Mas há sim. Os negros dessa cidade estão principalmente nas periferias. Queremos trazê-los para o centro do debate, onde as coisas acontecem”, frisa Bernardo. Ouvir falar em políticas públicas voltadas para negros é algo recente, mas que vem tomando corpo. “Essa política é extremamente nova. A partir do governo Lula, ela passa a ter um novo peso com a criação da Secretaria Especial da Igualdade Racial. Em âmbito local, a força chega com a gestão de Luizianne Lins. Está em fase de construção pelo executivo municipal a Coordenadoria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Coppir). Essa foi uma demanda do Orçamento Participativo, o que mostra o envolvimento da população no processo de criação da Coopir”, enfatiza o assessor. Para o presidente do Fórum Estadual de Entidades Negras do Ceará (Feeneci), que congrega 30 entidades, Paulo Rogério Gomes de Sousa, mesmo em governos progressistas como os atuais, as boas iniciativas esbarram na burocracia que vigora no executivo, legislativo e judiciário. “Reconheço que tivemos avanço, mas se estivesse tudo muito bem obrigado, não tinha porque o movimento negro existir. Mesmo com as leis criadas ao longo dos anos em uma tentativa de inclusão dos negros, a grande maioria da população continua excluída”, afirma, ressaltando que as políticas públicas podem ser novas, mas a resistência e a luta negra datam desde o início da escravidão no país. Políticas afirmativas Entre os inúmeros temas que estão em pauta e na fila para virar, na prática, política pública, está a inclu-


vontade política e um racismo institucionalizado no governo e na sociedade como um todo. “Mesmo quando conseguimos que uma lei como essa seja aprovada, ela não vira realidade. Temos que brigar muito para que isso aconteça. Ainda antes da aprovação, o texto sofre várias emendas que acabam desvirtuando a intenção original”, critica. Apesar de haver projeções dando conta que a população negra e parda no Brasil é maioria, não existem dados concretos, nem estimativas seguras sobre esses números, já que, nos censos, é o pesquisado que auto define sua raça. O que acaba virando uma questão subjetiva. “A própria população não se reconhece negra porque não existem referenciais”, considera o assessor. Ele frisa que é preciso que esses negros sejam localizados. “Estamos lutando para que todas as fichas escolares e hospitalares tenham a raça como informação. Começamos a

usar dados do Cadastro Único do Programa Bolsa Família para achar essas pessoas. Sem dados concretos fica mais difícil transformar as políticas públicas em realidade”, explica.

Articulações Enquanto essas informações não chegam aos bancos de dados do poder público, a Coordenadoria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Coppir), mesmo em fase de construção, começou a se articular desde 2007. Todas as segundas-feiras, representantes de cerca de 32 entidades ligadas ao movimento negro se encontram no prédio do gabinete da prefeita para discutir os rumos que a coordenadoria deve tomar. “Embora esses encontros aconteçam na prefeitura e a Semana da Consciência Negra tenha sido promovida pela Prefeitura, essa é uma temática que extrapola questões ideológicas. Tanto é assim, que pessoas que não são de partidos da base aliada participam das discussões”, assegura Luiz Bernardo. Paulo Rogério concorda, mas com ressalvas. Ele diz que, embora toda iniciativa de debate sobre a temática seja válida e importante, há um certo modismo nas discussões promovidas em âmbito institucional. “O debate fica no academicismo e não desce para o mundo real. Falam como defensores da causa. Colocam o movimento como coadjuvantes e como se fosse uma benesse e uma concessão tratar da questão. Quando passam os eventos, tudo continua na mesma. O trabalho precisa ser diário”, contesta. O grupo mineiro A Quatro Vozes no Dia da Consciência Negra.

[Convivência]

Diálogo, conferência e projetos Descontentamentos à parte, o presidente do Fórum Estadual de Entidades Negras do Ceará admite que o diálogo entre a sociedade civil e o poder público municipal e estadual já foi iniciado. “Começamos uma interlocução com o Governo do Estado, através do Museu do Ceará, onde foi realizado o seminário Emi Yio Já Oro – Comerei seu Conhecimento, em comemoração à Semana da Consciência Negra. A nossa vontade é que seja criado o Museu do Movimento Negro, a partir desse diálogo. Com a Prefeitura de Fortaleza, a criação da própria Coopir foi demanda do movimento negro a partir do Orçamento Participativo”, afirma Paulo Rogério.

[ afrocerarensidade ]

são da história e da cultura africanas e afro-brasileiras no sistema de ensino médio e fundamental, tanto na esfera pública quanto privada. O reconhecimento de que a luta dos negros desde os primórdios do país merece figurar nos livros escolares virou lei, a Lei 10.639, promulgada em 9 de janeiro de 2003. Mas, apesar de estar prestes a completar seis anos de vida, ela ainda não saiu do papel. “Não dava para essa lei ser aplicada imediatamente. Ela demanda formação de professores, entretanto as próprias universidades não estavam preparadas para formar esses profissionais. Atualmente, temos 300 professores da rede pública municipal formados, inicialmente, em História e Geografia. Mas é importante frisar que o ensino da cultura e história afro será direcionado para todas as disciplinas. Uma vez que o tema é transversal”, explica Bernardo. Já de acordo com o presidente da Feeneci, existe falta de

O próximo passo a ser dado pelo poder público, de acordo com Luiz Bernardo, é a construção, em janeiro ou fevereiro, da Conferência Municipal da Igualdade Racial. Até 30 de março, deve ser realizada a 2ª Conferência Nacional da Igualdade Racial. “A 1ª aconteceu em 2005. Com esse encontro nacional que se avizinha devemos dar início à criação de um Estatuto da Igualdade Racial, aos moldes do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Em âmbito municipal, temos o grande sonho de trabalhar o Plano Municipal da Igualdade Racial. Vamos chegar lá”, conclui. Até lá, seminários de sensibilização voltados para profissionais da saúde, educação e esporte estão sendo realizados, visando à permanência do debate em pauta. Na esfera da sociedade civil, Paulo Rogério adianta que deverá ser produzido, em 2009, um projeto econômico, político e social para ser apresentado à população negra, a partir do Congresso de Negros e Negras do Brasil (Conneb). harco [dezembro de 2008] 39


[ linguística ]

texto [Frei Hermínio] Ilustração [Vinício Del Pinto]

R

O processo do acordo ortográfico

eformar uma língua não é fácil, mas é possível e factível. Línguas como o alemão, o espanhol, o francês e até o turco foram reformadas. Kemal Ataturk, em 1928, com um decreto, trocou o alfabeto árabe da língua turca pelo alfabeto latino. Uma geração sofreu as conseqüências. Em princípio, quanto maior o número de países envolvidos, mais difícil é mudar algo numa língua, por causa das diferenças fonéticas, hábitos lingüísticos... Há, porém, uma admirável exceção da regra: o espanhol, falado em mais de 20 países, com 22 Academias de Letras, o triplo dos países de língua portuguesa, é unificado do ponto de vista da grafia. O dicionário oficial da Real Academia Espanhola é reconhecido e aceito pelas Academias de todos os países que participam anualmente de um Congresso Lingüístico em que são apresentados, discutidos e aprovados novos termos da língua. Frei Hermínio Bezerra de Oliveira é tradutor da Língua Portuguesa em Roma e autor do livro: Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que será editado proximamente, e colunista do jornal Diário do Nordeste.

A árdua caminhada para o Acordo Todas as tentativas de organizar graficamente a língua portuguesa e unificar a sua grafia ocorreram ao longo do século XX, entre 1910 e 1990. Só em 1990 conseguiu-se fazer um Acordo, embora com dificuldade e a duplicidade de grafia e acento, que impedem a real e plena unificação da língua. A organização e/ou a reforma de uma língua tem dois caminhos pos-

40 [dezembro de 2008] harco

síveis: a fonética, que se atém à pronúncia das palavras e a etimologia, intrinsecamente ligada à origem das palavras e por isso tenta conservar a grafia de suas raízes. Uma olhada mesmo superficial na história das tentativas de organização da nossa língua mostra que a discussão sobre “fonemas” e “grafemas” foi sempre o ponto nodal nas tratativas dos acordos de unificação. Em todas as comissões, o grupo sempre esteve dividido entre “foneticistas” e “etimologistas”, independentemente de que nação provenham.

A organização da língua em 1911 Foi Portugal quem primeiro organizou a língua portuguesa, nomeando para isso uma Comissão em 1910. Após mais de um ano de acalorados debates, venceu a tese do conhecido lexicógrafo português Aniceto Reis Gonçalves Viana, que propunha a simplificação da grafia da língua com a eliminação dos grupos de consoantes: ct (exemplo: acto, facto, recta...); ph (exemplo: physica, phase, pharmácia, photo...); rh (exemplo: rheumatismo, rhinite, rhombo...); th (exemplo: theatro, thema, theoria, thermas, these...). Ele propunha, outrossim, a eliminação do y (de palavras como: lyrio, lágryma, mycose, thyreoide...) bem como supressão das consoantes não pronunciadas (como em: acção, sector, baptismo, factor...) A proposta de Aniceto Reis foi vencedora, e Portugal oficializou – sob o protesto de muitos – a simplificação do português em 01/11/1911. O Brasil, embora já tivesse desde 1897 a Academia Brasileira de Letras, só recebeu o comunicado sobre


O primeiro Acordo Ortográfico em 1931 A partir de 1929, começaram os entendimentos entre os dois países para estabelecer um modelo ortográfico aceito por todos, de modo a evitar a incômoda inconveniência de duas grafias para a mesma língua, existente desde 1919. Após longas e difíceis tratativas, o Acordo de unificação da língua foi

[ linguística ]

essa organização da língua portuguesa quando os trabalhos já estavam bem adiantados. Não tendo participado dos trabalhos de organização da língua – sendo a primeira legislação, não se pode falar propriamente em reforma – o Brasil recebeu as mudanças feitas, com relutância e resistência de muitos setores. Só em 1915, aprovou, com dificuldade, as decisões de Portugal. A oposição a essa organização da língua portuguesa, privilegiando a fonética em detrimento da etimologia, cresceu tanto no Brasil que, em 1919, o poeta Osório Duque Estrada, o autor da letra do Hino Nacional Brasileiro, através da Academia Brasileira de Letras, conseguiu a revogação dessa reforma da grafia do português, e voltamos à grafia vigente em 1910. Desde 1919, passamos a ter uma grafia em Portugal e outra no Brasil. No laboratório de línguas vivas da universidade de Lovaina, onde estudei, na relação das 26 línguas que se podia estudar ali constavam: brasileiro e depois português, duas línguas diferentes. Parafraseando o dramaturgo G. Bernard Shaw, podemos dizer: “O Brasil e Portugal são dois países separados pela mesma língua”.

harco [dezembro de 2008] 41


assinado em Lisboa em 30/04/1931. Na prática esse Acordo ratificava o que Portugal propusera em 1911, com pequenos ajustes. O Acordo tinha a resistência de diversos grupos em ambos os países. Em 1932 deu-se no Brasil a chamada Revolução Constitucionalista com Getúlio Vargas. A nova Constituição lançada em 1934 extinguiu o Acordo de 1931 e restaurou a ortografia vigente em 1891, sob os protestos da Academia Brasileira de Letras, professores, universidades, juristas... O segundo Acordo Ortográfico em 1945 No início da década de 40, Portugal e Brasil decidiram tentar de novo o Acordo Ortográfico para unificar a grafia. Após anos de estudos e debates, organizou-se um vocabulário comum da língua. Mas na hora de assinar o Acordo, esse virou desacordo, pois o Brasil era partidário da organização da língua tal como fizera Portugal em 1911 e fora ratificado em 1931, que privilegia a fonética e Portugal era a favor da conservação das consoantes não pronunciadas, privilegiando a etimologia. Já em relação ao trema, era o contrário: Portugal queria retirar e o Brasil conservar. O Acordo foi assinado em setembro de 1945, mas com uma cláusula de respeito mútuo às opções divergentes. Houve um Acordo assinado, mas não a tão desejada unificação da grafia da língua. Ou seja, enquanto aqui se escreve ação, ativo, batismo, fator e ótimo, em Portugal escreve-se acção, activo, baptismo, factor e óptimo. E, em parte, continuarão, pois batismo/ baptismo, fator/factor, ótimo/óptimo e numerosas outras palavras terão as duas grafias no atual Acordo. Em 1971, no governo do General Emílio G. Médici, foi feita no Brasil uma pequena reforma em que se retirou o trema de palavras como: saudade, vaidade... Foram eliminados acentos circunflexos

de palavras como: almoço, doce, ele, endereço, gosto... E caiu o acento grave dos advérbios terminados em “mente” e de diminutivos como “avozinha’... Mais tarde, em 1975, houve outra pequena alteração, que só foi aprovada pelo presidente José Sarney em 1986.

O terceiro Acordo Ortográfico em 1990 Em 12/10/1990, após longas e acaloradas discussões, foi assinado por sete países de língua portuguesa (Timor Leste não tinha representante) o terceiro Acordo Ortográfico da língua portuguesa e o primeiro que faz jus ao nome, embora limitadamente. A partir das dificuldades constatadas no passado, o grupo logo admitiu o óbvio: é impossível legislar em termos de unificar as variações fonéticas de uma língua falada em quatro continentes. Constatada a impossibilidade, a saída foi admitir da dupla grafia, sobretudo com relação às consoantes mudas (disso trata a Base IV do Acordo, por exemplo: afetar e afectar) e a dupla acentuação (assunto da Base XI, por exemplo, nós escrevemos e pronunciamos Antônio, e eles, António). No entusiasmo da assinatura do Acordo, a Comissão esqueceu a lentidão com que se aviam decisões em nossos países e previu que o Acordo entraria em vigor em 01/01/1994. Essa entrada em vigor não aconteceu em nenhum dos países. No Brasil, em 2006, foi anunciada para janeiro 2007, depois adiada para janeiro de 2008 e em seguida para janeiro de 2009. Vantagens de desvantagens do Acordo A unificação da língua é sempre uma vantagem para os que falam e, sobretudo, para os que por ela se interessarão. A unificação, a meu ver, abre uma possibilidade de reivindicação de que seja uma das línguas oficias da ONU, o francês e o alemão,

duas delas, são menos faladas do que o português. A unificação também será fator de maior aproximação e unidade da comunidade lusófona mundial. As desvantagens são o incômodo de nos adaptarmos à mudança. Haverá, sim, um período de confusão, mas ele será superado. Os brasileiros e portugueses terão que se adaptar ao fenômeno da dupla grafia e aos homônimos que surgirão, como: conceção e concessão, pois concepção terá grafia dupla, com e sem o “p”; receção e recessão, pois recepção terá grafia dupla, com e sem o “p”. Com o uso opcional do apóstrofo, os brasileiros, que quase não o usam, deverão aprender a usá-lo. Outra desvantagem é a extinção do trema, ele tinha a importante função de ajudar à boa pronúncia de certas palavras, o que tornava a língua mais clara e elegante, embora, às vezes, fosse usado com pedantismo. Uma dificuldade: as quase 100 normas das XXI Bases, não atendem a todos os casos concretos. As Academias de Letras deverão emitir pareceres e normas complementares. Não posso deixar de me referir a dois bravos lutadores em favor desse Acordo, mas, sobretudo, entusiastas da unificação de nossa bela língua, Júlio Dantas, escritor e dramaturgo português autor da famosa peça “A Ceia dos Cardeais”, que o grande Procópio Ferreira encenou muitas vezes. Ele foi embaixador de Portugal no Brasil de 1941 a 1949. Do lado do Brasil, lembro outro grande entusiasta da unificação de nossa língua que foi Antônio Houaïs, com quem uma vez, em 1989, conversando sobre o assunto, me disse: “A grande frustração de minha vida profissional é não termos conseguido unificar a nossa língua portuguesa”. Ele morreu em 1999, ainda na esperança de ver o Acordo posto em prática.


oel Rosa foi contra o acordo ortográfico de Getúlio, em 31: quis saber do Picilone de Yvone, a irmã de um amigo. Não adiantou, o y caiu mesmo. Mas agora voltou. Estava certo o Poeta da Vila. Ou não. Vá saber. Ou você não tem ideia do quão inconsequente pode ser este novo voo sem paraquedas que nos obrigará (...) a escrever assim a partir deste janeiro, ainda tendo o trabalho extra de orientar nosso antes sábio corretor de texto digital? Pela Harco, tirando a broma do título deste comentário, as coisas ficam, por enquanto, como não mais estarão. Pelo menos até alguém nos convencer do contrário, quem sabe daqui a 2013, quando se esgota

cultos”, ainda que também “belos”, segundo os versos de Olavo Bilac no parnasiano Língua Portuguesa. Sim a língua muda, poucos escrevem “nossa língua portuguesa” como Bilac ou Camões. Quantos escreverão corretamente essa nova norma culta? Por que devemos aceitá-la? Para demonstrar nossa atualidade ou mera submissão? Discutido por intelectuais da envergadura de Cid Carvalho, Myrson Lima, Ítalo Gurgel e L.G. de Miranda Leão, entre outros, ainda em novembro do ano passado, em convocatória do professor Tarcísio Cavalcante, através da Academia Cearense da Língua Portuguesa, o Acordo sofreu

tica” que engolir as transformações acordadas pelos sábios. Mesmo sabendo que muitos afro-portugueses resistem ao uso do Português. Saramago, Cony e João Ubaldo foram alguns dos que criticaram o acordo, como Fernando Pessoa, em 1911. “Sobre as vantagens da uniformização ortográfica estamos, creio, todos de acordo; não o estamos sobre a ortografia que haja de ser a uniforme”, escreveu o poeta português. Continuava Pessoa: “a ortografia é um fenômeno da cultura, e portanto um fenômeno espiritual. O Estado não tem direito a compelir-me a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito”. E ainda: “No Brasil, a chamada reforma ortográfica não foi aceite, nem ainda hoje, depois de assente em acordo entre os governos

O voo para a língua o prazo de transição. Afinal, ainda nos parece quente a necessidade de manter um trema e um chapeuzinho neste vôo inconseqüente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Afinal, não só navegar é preciso. Ai, Brasil... Ai, Portugal. Quantas diferenças. Quantas semelhanças. A língua, a “última flor do Lácio”, uma delas. Sim, parecida, diferente, próxima. Aprendi nos meus breves contatos com Saussure (sim, o velho Curso de Lingüística Geral) algo sobre fala, língua, variantes, escrita. “Na língua, só existem diferenças”, escreveu. E normas, arbitrariedades. Em nosso caso, vulgares desde sempre, talvez tentando nos reaproximar do belo latim clássico, deixando de ser os “in-

críticas até mais incisivas que as de Noel. Para a estupefação dos conservadores, que não toleram discutir sobre o que já está estabelecido, que não vêem nesta uma função do jornalismo, seremos impertinentes, no momento em que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa se mostra inevitável. Assim, mesmo que tardio, coloco-me contra o acordo, estabelecido há 18 anos. Tempo suficiente para que houvesse uma maior democratização de suas prerrogativas, mais discussão, ainda mais em tempos da internet. Mesmo assim, nada mudou. Os gabinetes decidiram, Lula assinou embaixo e agora teremos brasileiros, portugueses e demais membros da “comunidade lingüís-

português e brasileiro, é aceite. Quisse impor uma coisa que o Estado nada tem a um povo que a repugna”. Estamos agora diante de um processo de reescrita incompleto e anacrônico. Mesmo justificável em algum ponto pela etmologia, praticamente seremos estimulados a reaprender a escreveralterando formas consagradas de acentuação, como as de alguns ditongos, ou regras de hifenização. Qual o sentido de, no caso brasileiro, deixarmos de lado o pára distinto da preposição? Portugal manifestou que a mudança integra uma internacionalização da língua. Aparentemente, ganharemos algo com isso, a longo prazo. Mas sob que riscos, que prejuízos - materiais, lingüísticos? Quando se pensa que esta ciência avançou em direção à fala, ao respeito às prosódias, sotaques e até diferenças regionais de vernáculo, esta nova tentativa de uniformização retrocede não menos do que 509 anos. Para o crescimento da Flor.

[ linguísticas ]

N

texto [Henrique Nunes] fotos [Mauro Angeli]

O professor Tarcísio Cavalcante explica aos acadêmicos da ACLP o novo acordo ortográfico: colonialismo ou internacionalização?

harco [dezembro de 2008] 43


[ miscelânea ]

[Música]

Embornal matreiro Autor de belas letras e harmonias identificadas com as coisas bonitas e verdadeiras da natureza e de outros aspectos da vida, o cantor e compositor Fernando Rosa lança seu segundo CD, Embornal do Tempo, dia 15 de fevereiro, no Mercado dos Pinhões. Deste embornal saem xotes e outras levadas nossas, um olhar bem mais regionalista que o da sua estréia (Guaramiranga), com arranjos de Tarcísio Sardinha e participação de músicos como Alves Nascimento (sanfona), Renato Campos e Aroldo Araújo (baixo) e Hoto Júnior (percussão). O pernambucano Maciel Melo faz um duo no xote “Acredite, meu amor”. Xangai, no galope “Canto Sombreado”. A viola de Sardinha guia a toada “Invernada” e adorna a cantiga “Esteira de Flores”. Adelson Viana traz os tons menores da sua sanfona para os bonitos contornos trágicos de “Águas do Esquecimento”. A alegria flui brejeira no maracatu “Arco da Aliança”, parceria com Lenine Rodrigues, e na edublobiana “Coco de Embalo”, talvez a mais completa deste álbum que dignifica a música nordestina com o tradicional lirismo cearense e a sofisticação deste músico da nova geração com muita garra, talento e personalidade. Embornal do Tempo está à venda na escola de música Cante e Toque (Av. 13 de Maio, 2382, Benfica). Contatos: 85-8807-058709 e fernandorosac@bol.com.br.

[Mídia]

Frágeis irmãos Sob a inércia criminosa da ONU, o mundo assistiu à continuidade do genocídio de Israel contra os palestinos, mais uma vez sob a cumplicidade norte-americana. Desrespeito 44 [dezembro de 2008] harco

à soberania palestina, a acordos humanitários, a muitos dos votos para Obama, inclusive. Israel usou armas devastadoras como o fósforo branco e o Explosivo de Metal Denso Inerte (DIME, em inglês). Harco rompe o silêncio da grande mídia e sugere que os leitores acompanhem este e outros temas que abalam o mundo ao nosso redor, em sites como http://www. idelberavelar.com/, www.cloacanews.blogspot.com e ainda www.luisnassif.com.br, www.paulohenriqueamorim.com.br e www.viomundo.com.br

Grande, irmão E começa mais um Big Brother. Entre tantos filmes, livros, revistas, apresentações cênicas, entre tantos projetos interessantes por criar, o país se volta, por meses, ao sonambulismo estéril de um reality show recheado de apelos que não levam a lugar nenhum, valorizando estereótipos e, claro, muito merchandising. Tudo bem, você pode até ver uma ou outra vez. Mas continuar dedicando seu tempo a este tipo de programação... George Orwell que o perdoe, mano.

[Ambiente]

Acordo ambiental Bombas de postos de Fortaleza, Belém e Recife receberão o diesel S-50, em maio. O novo combustível contém 50 partes de enxofre por milhão (ppms), enquanto o diesel do interior do país tem a absurda marca de 20 mil ppms e o das capitais, 500 ppms. Com o S-50, importado pela Petrobras, garante-se uma redução de até 10% da emissão de poluentes na atmosfera. Não é muito, mas é um começo. Pena que o prazo estipulado em 2002 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para que a indústria automobilística criasse motores compatíveis, janeiro, não tenha sido cumprido. Mesmo assim, desde o início do ano, ônibus urbanos do Rio e de São Paulo minimizam este descaso, obedecendo a um Termo de Ajustamento de Conduta definido pelo Ministério Público Federal. Curitiba passa a adotar a medida em agosto. O novo prazo estipulado é 2012. Será que a indústria não poderia

antecipar este retorno social, ambiental? E as prefeituras, além de regulamentar a tempo o uso do S-50, não poderiam determinar um controle mínimo dos níveis de emissão de gases tóxicos, conforme a legislação?

[Patrimônio]

Apoio material Saiu a relação dos projetos contemplados pela Secult, no II Edital de Apoio à Preservação do Patrimônio Material, nas categorias Edificações, Preservação de Acervos Museológicos e Educação Patrimonial. Dos 12 inscritos, foram selecionados: Um Novo Olhar na Terra da Poesia, da Fundação Balceiro de Cultura Popular, de Assaré; Tombamento e Inventário do Acervo da Associação de Amigos do Museu Nogueira Machado, da Associação de Amigos do Museu Nogueira Machadado, de Caririaçu; Restauro do Acervo do Museu Histórico do Crato, pela Prefeitura de Crato; Restauro e Requalificação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de ITANS, pela Prefeitura de Itapiúna e Nosso Patrimônio, Nossa História, da Prefeitura de Senador Pompeu. Os projetos serão implantados com recursos da ordem de R$ 300 mil, oriundos do Fundo Estadual de Cultura – FEC.

[Literatura]

O ano do forte Em 2009, a Academia Brasileira de Letras promoverá uma programação em homenagem a Euclides da Cunha, devido a seu centenário de morte. O Ano Euclides da Cunha coincide com o primeiro ano da gestão da nova diretoria que tem nomes como Ivan Junqueira, Evanildo Bechara e Nelson Pereira dos Santos. Euclides Vive! deverá ser o nome de uma exposição dedicada ao autor de Os Sertões. Que venham os concursos em torno de sua obra!


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