22 minute read
ENTENDA
Advertisement
A PERGUNTA LEVANTADA pelo título provocativo do livro A Escola Tem Futuro? (Penso, 2006), do sociólogo português Rui Canário, ainda precisa de uma resposta. Se a resposta for sim, que futuro será esse? E como podemos nos preparar para ele?
Descobrir caminhos melhores para esse futuro interessa a muita gente, ou pelo menos deveria. Afinal, em janeiro de 2019, o número de brasileiros matriculados no ensino fundamental e médio no Brasil era de 48 milhões de alunos. Além disso, de acordo com o Instituto Paraná Pesquisas, em levantamento realizado em meados do ano passado, a educação era um dos problemas nacionais que mais preocupavam os cidadãos, vindo atrás da saúde, emprego e segurança.
A demanda e os desafios são grandes, principalmente se pensarmos na rede pública de ensino, que recebe a esmagadora maioria dos estudantes do país. Os problemas passam por falta de verba, estrutura precária, qualificação dos docentes, dinâmica das aulas e a relação entre o conteúdo e a realidade dos alunos. As famílias que podem escolher a rede privada também esperam bons resultados e desejam, entre outras coisas, que seus filhos sejam competitivos no mercado de trabalho.
É por isso que preparamos este panorama do futuro da educação no país. Saiba o que pode vir por aí.
Fontes: sites do Instituto Paraná Pesquisas (http://bit.ly/ prioridadesbrasileiras), Inep (bit.ly/inepcenso) e Unesco (bit.ly/unescofutures); OCDE “The Future of Education and Skill – Education 2030” (bit.ly/OCDEfuture); Sebrae (bit.ly/ relatoriodosebrae); BNCC (bit.ly/bnccold); novo ensino médio (bit.ly/bnccnew) e British Council (bit.ly/pesquisadoBC); e os livros A Escola Tem Futuro?, de Rui Canário (Penso, 2006), e Educação (CPB, 2008), de Ellen G. White
Educação integral Se há mais de 120 anos no Brasil a educação adventista tem se preocupado com o desenvolvimento das capacidades físicas, mentais e espirituais dos seus alunos, as principais entidades e lideranças educacionais no país e no mundo têm “batido na tecla”, nas últimas décadas, que educação é mais do que a mera transmissão de conteúdos em sala de aula. Segundo, por exemplo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a adoção de um modelo educacional mais integral geraria maior satisfação nos professores e estudantes, pois estaria focado no desenvolvimento de competências, de habilidades para a vida.
De olho nas competências Para quem vê pouca aplicabilidade no que estuda e acha que há excesso de conteúdo para dar conta, o futuro é promissor. As disciplinas continuarão a existir, mas a proposta de organizações como a OCDE e a Unesco é que na próxima década o conteúdo curricular seja radicalmente mudado. A ideia é que o ensino envolva a realização de projetos e o desenvolvimento de habilidades específicas, trazendo mais flexibilização e personalização para o processo de ensino-aprendizagem.
Mais empreendedorismo Num cenário de desemprego formal alto, e que deve se agravar, um dos desafios educacionais será preparar uma geração com capacidade de abrir o próprio negócio. Para se ter uma ideia, em 2017, 57% dos empreendedores no Brasil tinham entre 18 e 35 anos. Porém, engana-se quem pensa que o preparo para empreender inclui necessariamente disciplinas de administração e contabilidade no ensino médio. Projetos de Educação Empreendedora, como os promovidos pelo Sebrae, envolvem desde a estruturação de atividades em torno de resolução de problemas, com foco na criatividade e inventividade, até o incentivo de participação e organização do grêmio estudantil.
O ENSINO BÁSICO BRASILEIRO No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento normativo que determina o currículo mínimo das escolas. E, partindo da BNCC, cada unidade educacional elabora uma proposta curricular acrescentando suas especificidades e necessidades. Porém, o que um documento aprovado há apenas três anos tem a dizer sobre o futuro da educação brasileira?
Inglês turbinado O ensino da língua inglesa, que em alguns contextos era facultativo, agora passa a ser obrigatório em todas as etapas do ensino básico. Dados do British Council divulgados no ano passado apontam que 5% dos brasileiros falam o idioma e apenas 1% da população é fluente nele. A expectativa da nova BNCC é mudar essa realidade. 1
Interdisciplinariedade em alta Outro movimento importante que se observa nos círculos educacionais é a tentativa de se olhar de modo interdisciplinar para os desafios do cotidiano. Ou seja, se para resolver os problemas reais é preciso o trabalho integrado de profissionais de várias áreas, na escola, as disciplinas não podem ser vistas de modo estanque. Contudo, essa mudança passa pela formação dos docentes, que foram ensinados a ver as disciplinas de modo isolado. Para tanto, é preciso um novo modelo de formação inicial e continuada dos professores, a fim de que eles trabalhem em sala de aula de maneira integrada com outras áreas.
Novo ensino médio A possibilidade de o aluno escolher eixos temáticos que lhe interessem mais (Linguagens, Ciências Humanas e Ciências Naturais), a redução de aulas expositivas, maior enfoque em oficinas e projetos são algumas das propostas da BNCC. Em contrapartida, a carga horária do ensino médio aumentará 25%, subindo de 2,4 mil para 3 mil horas. 2
Alfabetização em dois anos A BNCC reduziu o prazo-limite para que o estudante aprenda a ler e escrever. Antes, a recomendação era que a alfabetização ocorresse até o 3 o ano do ensino fundamental, tendo o 4 o ano como limite. Agora, espera-se que as escolas alfabetizem os alunos até o 2 o ano, fortalecendo as experiências de leitura e escrita no ensino fundamental. 3
Capa Texto Lucas Schultz Ilustração © drawlab19 | Adobe Stock Reportagem Texto e contexto Perguntas Imagine
MEU TRABALHO, MEU MINISTÉRIO
Saiba como conciliar o sonho profissional com o ideal da missão
ALBERTO PSEUDÔNIMO NASCEU numa cidadezinha do interior e desde cedo aprendeu o valor do trabalho suado acompanhando seu pai na lavoura. Ao longo dos anos, a rotina diária na fazenda ensinou o garoto a ser organizado, responsável, econômico e empreendedor. “É nossa tradição”, dizia seu pai num português cheio de sotaque alemão.
Alberto sempre soube que a lavoura em que trabalhou com dedicação um dia seria sua herança. Como a maioria dos colonos daquela região, a família dele era muito religiosa. Por isso, ele cresceu desempenhando diversas atividades na igreja, procurando utilizar suas habilidades para a pregação do evangelho.
Contudo, quando chegou à maioridade, entrou num dilema: administrar a fazenda da família ou trabalhar em tempo integral como funcionário da igreja, trabalho que ele tanto admirava. Alberto passou noites em claro, olhando para o teto e pensando nos prós e contras de cada possibilidade. Na mente dele, ao escolher entre a lavoura e o campo evangelístico, ele estava optando entre ser um empreendedor ou missionário.
Angustiado, Alberto fez algo que quase todos nós já fizemos: tentou “pensar como Deus”, como se fosse possível sondar Aquele que nos sonda (Sl 139). Ponderando sobre a iminência da volta de Jesus (Ap 22:12) e a urgência da pregação do evangelho (Mt 24:14), ele raciocinou que não faria nenhum sentido trabalhar em algo “seu”. Acumular “tesouros” pra quê? Para a traça comer e a ferrugem desgastar (Mt 6:19, 20)?
Decidiu então que trabalhar num escritório da Igreja Adventista seria algo mais digno para um cristão como ele. E assim foi: candidatou-se e conseguiu uma vaga numa sede administrativa regional da igreja. De lá pra cá, ao contrário do que imaginava, Alberto tem vivido longos cinco anos de dúvidas.
Ele tem se questionado se Deus não o teria abençoado caso tivesse feito qualquer outra escolha profissional. Não seria muita ganância pensar numa carreira à parte do campo missionário? Porém, até o fechamento desta edição, Alberto ainda não tinha conseguido seguir seu sonho e assumir os negócios da família. Mesmo atuando no que crê ser sua missão, não se sente realizado. Na verdade, ele tem dúvidas se sabe realmente o significado de “missão”. E está longe de ser o único.
TRABALHO SAGRADO E SECULAR
A noção de encarar o trabalho como mero caminho para acúmulo de riquezas é vista por muitos cristãos como pura vaidade, perda de tempo. Refletindo de maneira que hoje soaria existencialista, Salomão eternizou em Eclesiastes 3 a angústia de olhar para a obra de uma vida e não enxergar nada mais interessante que a própria morte. Porém, se um autor bíblico – que acreditamos ter sido divinamente inspirado – apresentou uma visão “tão negativa” do trabalho, valeria a pena sonhar com uma carreira e suar a camisa para construí-la?
Para o teólogo Charles Timothy Carriker, autor do livro Trabalho, Descanso e Dinheiro: Uma Abordagem Bíblica (Ultimato, 2000), Deus realmente fez o homem para trabalhar na terra (talvez Alberto devesse bater um papo com esse teólogo). Para Carriker, a ideia imediatista de “parar com o trabalho cotidiano” em função da volta de Jesus é uma compreensão errada que vem desde o começo do cristianismo.
Paulo, por exemplo, tratou disso em 1 Tessalonicenses. “Já havia na cidade de Tessalônica uma seita que aguardava o retorno do deus Cabirus; e, alguns desses adoradores, recémconvertidos ao cristianismo, trouxeram consigo a convicção de que Cristo, tal qual Cabirus, estaria voltando. Então se difundiu entre os cristãos o senso emergencial de parar de trabalhar e viver apenas para aguardar o retorno messiânico”, explica o teólogo presbiteriano.
Na carta, o apóstolo não poupou palavras, repreendendo e conscientizando os fiéis de que o trabalho era algo bom e necessário. O pensamento de Paulo tinha como base os escritos judaicos do Antigo Testamento, dos quais ele herdou a noção de que a “história da humanidade é [...] de criação e recriação”, complementa Carriker.
A teóloga e arqueóloga adventista Christie Goulart Chadwick concorda com Carriker. Para ela, fomos todos criados para trabalhar. “Mesmo antes de haver pecado, havia um jardim, animais e terra para serem administrados. Após Adão e Eva, os outros personagens bíblicos também tiveram diversos ofícios. Davi, por exemplo, adorava e glorificava a Deus do meio do rebanho de ovelhas.”
Para ela, a separação entre sagrado e secular é ilusória. “Não importa a tarefa: é no dia a dia que eu mostro aos meus semelhantes o retrato de Deus que eu sou”, detalha. “O aspecto mais importante do trabalho, e sua conexão mais forte
com a religião, é que em todas as áreas da vida somos representantes de Deus. Mesmo se trabalhamos num ambiente em que as pessoas já O conhecem, ainda assim podemos revelar novos aspectos do caráter divino”, garante a professora da Faculdade de Teologia do Unasp. Tal qual Christie, Carriker acredita numa “teologia do trabalho” que tem como base a noção de criação e recriação. Para ele, o convertido se torna uma nova criatura em Cristo (2Co 5:17). Ou seja, a Bíblia é a narrativa da queda humana no jardim e da retomada dessa condição. Logo, a função do ser humano permanece a mesma. “Continuamos a nos multiplicar, provendo novas gerações e organizando-nos em sociedade, e também sujeitando a terra, num sentido de domínio e cuidado”, sintetiza.
VIDA EM MISSÃO
Fernando Rochael tem vários trabalhos. Administrador, pregador, compositor, professor e coach, mas prefere resumir sua atuação como “estrategista comportamental”. Para ele, a relação do cristão com seu trabalho só pode ser construída a partir do reconhecimento da própria identidade. “A missão de Jesus foi e é fazer a gente ser um com Ele e um com o outro, formando o corpo de Cristo. Então, se Cristo tem uma missão, eu acabo sendo parte disso também. Porém, a missão Dele não me pertence; eu é que pertenço a ela”, diferencia. Seguindo esse raciocínio, quem vive em conexão com Deus não “sai” da missão porque, mais do que “fazer missão”, ele vive em missão.
Carriker também defende uma visão mais integral da vida. Ao pensar na separação que fazemos hoje entre sagrado e secular, ele diz que, apesar de o Antigo Testamento diferenciar entre coisas “puras” e “impuras”, e o Novo Testamento apresentar a ideia de “carne” e “espírito”, tudo isso era material. A influência desmaterializadora veio com uma vertente do pensamento grego que separava corpo e alma. E, segundo Carriker, a noção de que existe uma esfera religiosa e outra não religiosa ganhou mais força após a Revolução Francesa, num processo histórico que veio separando a Igreja do Estado. Para a cientista social Tânia Torres, também professora no Unasp, não há como negar essa dualidade tão antiga. “Durkheim, sociólogo francês, faz uma nítida separação entre o sagrado e o profano. John Locke, filósofo político inglês, defendia a consciência individual livre do controle do Estado. O ponto é que Deus foi deixado em segundo plano quando a doutrina política e legal sobre a relação entre Igreja e Estado foi estabelecida”, explica. A professora complementa dizendo que, hoje, em geral no Ocidente, convivem dois princípios: o do Estado secular e o da liberdade religiosa. Porém, para aqueles que, como disse Jesus, vivem no mundo, mas buscam não se contaminar com o mal (Jo 17:15), a tentativa constante é
de conciliar o que a sociedade separa. “Assim, o mundo saberá que estamos nele, mas não fazemos parte de suas imposições”, contrasta Tânia.
Carriker também lembra que, por influência dos gregos, o traba- lho intelectual acabou sendo mais valorizado do que a atividade braçal. “Na lógica grega, era mais proveito- so o prazer advindo das ideias, da contemplação, do pensar a realidade. O trabalho manual para eles era algo vil. Os reformadores se debruçaram bastante sobre esse assunto, tentando superar essa visão conflitante com a nossa vocação divina ao ofício”, desta- ca o pastor aposentado que, ao longo da vida, aprendeu a surfar e a mexer com marcenaria, cutelaria e a fabricar peças de couro.
EMPREENDER E EVANGELIZAR
O ponto é, se o jovem é cristão quando estuda, se diverte, sonha e vota, por que não o seria também ao exercer uma carreira ou fazer negó- cios e investimentos? Rebeca Almo- nacid é privilegiada: consegue viver o melhor dos dois mundos. Empresária e investidora, a jovem de 25 anos con- cilia a administração de seus negócios com projetos missionários de médio
prazo na América do Sul e África. Além de ajudar constantemente com doações, ela mantém a meta de se envolver em duas expedições missionárias por ano. “Quando estou em algum projeto vo- luntário, sempre compro um chip para ter internet. Assim, mesmo de longe consigo acompanhar meus investimentos, e-mails e tarefas que preciso entregar. Então, participar desses projetos não me atrapalha em nada profissionalmente, muito pelo contrário”, garante ela. Rebeca é parte de uma geração de empreendedores que re- verte uma parcela de seus ganhos e tempo para projetos humanitários, empenhados em conciliar negócios e missão.
Patrick Passos é uma dessas pro- messas do mundo corporativo. Com apenas 22 anos, o marqueteiro de Eu- nápolis (BA) migrou para São Paulo a fim de fazer seu nome como consultor de inovação para diversas empresas. Dono também de um negócio, ele ain- da não saiu para um projeto trans- cultural, mas nem por isso se sente menos missionário. “Missão pra mim é apresentar o evangelho para outra pessoa. E a beleza dessa definição é que eu posso testemunhar de várias formas e em diversos lugares. Não preciso deixar de fazer o que faço to- dos os dias, só preciso olhar pra tudo que faço como uma oportunidade de testemunhar para alguém”, explica.
Como Rebeca, ele usa a consciência missionária que tem para impulsionar projetos evangelísticos. E entre uma entrevista e outra, ele presta consul- toria para sua igreja naquilo que é sua principal especialidade: a inovação. Porém, é no cotidiano da atividade profissional que ele procura exercitar o espírito mis- sionário: “Uma das maiores demonstrações de graça que posso dar é olhar para a pessoa que trabalha do meu lado no escritório e pensar em como posso deixar o dia dela mais leve e feliz”, exemplifica.
Na experiência como missionária transcultural, Rebeca avisa que o maior desafio é o retorno para casa. “Quando a gente termina um projeto voluntário, no calor da emo- ção, acha que pode mudar o mundo! Mas, na realidade, a verdadeira missão começa quando chegamos em casa. É com nosso vizinho, o porteiro do prédio, nossos tios, amigos ou até desconhecidos na rua”, contrapõe. “O sucesso em qualquer área exige um objetivo definido. Aquele que desejar alcançar o verdadeiro sucesso na vida deve manter firmemente em vista o alvo digno de seus esforços. Esse alvo achase posto diante da juventude atual. O propósito indicado por Deus de levar o evangelho ao mundo nesta geração é o mais nobre que possa apelar para qualquer ser humano.” Ellen G. White, no livro Educação (CPB, 2016), p. 262).
VOLUNTARIADO E TESTEMUNHO
A exemplo de Rebeca, inúmeros jovens têm se dedicado ao voluntariado a fim de tentarem amenizar os sofrimentos do Brasil e do mundo.
Apesar de o voluntariado estar em voga, e o discurso da empatia e solidariedade “ter pegado”, a cientista social Tânia Torres enxerga algumas nuances. “Se a pessoa está ligada a Deus, ela manifesta naturalmente a bondade que vem Dele”, explica a professora, ao diferenciar o amor cristão do discurso humanístico de “amor ao próximo”. “Em contrapartida, o discurso social da empatia é algo imposto pela sociedade, e cada pessoa é coagida a agir de acordo com os ditames de seu meio social. Não há escape: ou ela faz ou faz”, compara.
Sobre quanto é genuíno e natural esse interesse pelo próximo, Fernando Rochael argumenta que a vivência da missão vai muito além de convencer alguém a estudar a Bíblia, ser batizado ou se unir a uma igreja. Isso tem que ver com seu estilo de vida. “Enquanto pensar que minha missão precisa acabar na decisão do outro e eu depender disso para me sentir satisfeito ou um cristão de verdade, só vou me frustrar. Tenho que viver a missão naturalmente, sendo o que sou de fato: parte do corpo de Cristo”, esclarece. Rochael acredita que enxergar dessa maneira ajuda a pessoa a ter uma visão mais ampla sobre igreja, espiritualidade, missão e a própria identidade como cristão.
DO OUTRO LADO DO MUNDO E AQUI
O cristão pode muito bem viver em missão sem deixar sua terra natal, mas, de alguma forma, todos devemos também participar da missão alémmar, seja orando, doando, enviando pessoas ou indo para lá. É isso que defende Rodrigo Sampaio, recentemente nomeado diretor do Núcleo de Missões do Unasp. “O ‘ide’ de Mateus 28 é e não é literal ao mesmo tempo: nem todos precisam viajar pelo mundo, mas muitos precisam. A própria Bíblia deixa claro isso, ao falar da pregação em Jerusalém, Judeia, Samaria e até os confins da Terra (At 1:8)”, explica. Embora todos os cristãos sejam missionários onde estão, o sentido original da palavra “missão”, no latim, tem que ver com envio. E isso, segundo Rodrigo, “envolve sim o deslocamento numa expedição transcultural”.
O jornalista Cristiano Stefenoni, autor dos livros Gestão de Carreira (CPB, 2011) e Profissional de Sucesso (CPB, 2006), acredita que não seja saudável encarar o ideal de “trabalhar para Deus” como um fardo que mata os sonhos. Para ele, há certa dicotomia entre vocação religiosa e carreira profissional. “É uma questão de vocação. Quem escolhe o caminho religioso deve estar ciente de
De acordo com uma pesquisa divulgada pela agência de notícias do IBGE, o voluntariado foi praticado por 7,2 milhões de brasileiros em 2018, sendo a maioria deles mulheres, o que configura 4,3% da população nacional a partir de 14 anos. A duração média desse envolvimento foi de 6,5 horas semanais, e quase metade dos voluntários (48,4%) se dedicou quatro ou mais vezes por semana. Números que parecem indicar uma participação séria e consistente dos voluntários.
que não terá lucros financeiros nem será promovido a um cargo elevado, muito menos receberá prêmios por desempenho. O objetivo é outro”, distingue.
Entretanto, ele entende que não há nada de reprovável em um jovem cristão abrir o próprio negócio e ganhar muito dinheiro de modo honesto. No entanto, ele chama a atenção para o fato de que em ambos os caminhos há um preço a pagar. “Quer trabalhar para a igreja? Vá, mas não espere retorno financeiro nem aplausos por isso. Quer ser um empreendedor? Vá, mas entenda que existem riscos e que ninguém faz um negócio vingar sem muito sacrifício”, avisa.
Para os que pretendem, como Rebeca, conciliar as duas carreiras, Cristiano recomenda equilíbrio. “Donos de empresas têm poucas horas de sono, quando dormem. E como alinhar projetos missionários com essa rotina? Usando criatividade, bom senso e boa vontade. É preciso pensar, por exemplo, como os donos da empresa testemunharão por meio do seu negócio, qual será o percentual dos lucros a ser investido em ações evangelísticas e se a empresa pode prestar algum serviço gratuito para a comunidade. Acima de tudo, o empresário cristão nunca pode se esquecer de que Deus é seu Sócio majoritário”, aconselha Stefenoni. É nisso que acredita o publicitário André Urel, diretor de comunicação da Federação de Empresários Executivos e Profissionais Adventistas do Brasil (FE). “Ao contrário do que muitos pensam, o propósito da FE não é expandir negócios, mas inspirar pessoas – independentemente da área de atuação – a viver a missão também em seu contexto de trabalho”, garante.
Com 29 anos, André lamenta que a atual geração de jovens empreendedores ainda não tenha aprendido a internalizar o ideal da missão cristã, deixando que esse espírito norteie a rotina deles. Ele acredita que o envolvimento de muitos tende a ser mais esporádico e superficial, no que ele classifica como um descompromisso maquiado de compromisso casual.
Andrey Masson, pastor associado da Igreja Adventista Nova Semente, em São Paulo, acredita que o trabalho é algo sagrado, que confere sentido à existência humana. Portanto, ao trabalhar, o ser humano se percebe cooperador de um Deus trabalhador. “O desejo de criar, construir e empreender é um traço da personalidade divina em nós. No contexto da entrada do pecado na Terra, dadas as devidas proporções, o trabalho é a dimensão humana que melhor sinaliza o reino de Deus: trabalhamos para tentar de alguma forma trazer ordem ao caos do mundo”, explica.
Masson defende a ideia de que o jovem não tem que necessariamente trabalhar vinculado a um CNPJ religioso para cumprir a missão. “Em geral, toda carreira honesta é válida, contanto que minha relação com o lucro não se sobreponha à minha relação com Deus e Seu reino. Caso contrário, estou fazendo do ganho financeiro um deus e vivendo no reino de César”, adverte o pastor.
Para Najla Rios, sócia de uma empresa de desenvolvimento humano, o ambiente corporativo é o maior campo missionário do empreendedor cristão. Ali, por meio de suas palavras e conduta, o jovem pode intencionalmente testemunhar. “Às vezes nem é preciso pregar. Um simples gesto de respeito, não interrompendo alguém quando fala, dando sua vez numa fila, agradecendo ou fazendo uma gentileza, ele estará vivendo seu propósito. Chegar cedo e
concentrar-se no trabalho. Dar atenção a um colega que precisa ser ouvido. E inclusive não emprestar o ouvido para fofocas”, enumera a empresária.
Cristiano também dá suas dicas: “Não reclamar do serviço, não falar mal do chefe, não defender partido político, respeitar hierarquias, ser educado com todos (da faxineira ao dono), ter a humildade de pedir orientação, não usar o tempo do trabalho para ficar à toa nas mídias sociais, saber elogiar, respeitar o espaço dos outros, não discriminar ninguém por sua orientação sexual, religião, etnia ou time de futebol; enfim, agir como um cristão”, aconselha. Para o escritor, pode até parecer simples, mas há empresas que pagam uma fortuna treinando seus funcionários para que aprendam lições que nossos pais e a Bíblia já nos ensinavam há muito tempo.
Assim como os demais profissionais e acadêmicos entrevistados nesta matéria, Fernando Rochael acredita no poder contagiante do evangelho. Ele resume a dinâmica da missão desta maneira: “As pessoas se apaixonam por mim e querem ser como eu. Mas o grande detalhe é que eu sou apenas um imitador de Cristo. Uma testemunha do evangelho, dessa mensagem transformadora que se expressa na minha vida”.