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LIÇÃO DE VIDA
DO INTERIOR PARA O MUNDO
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Elbert Kuhn descreve como o chamado de Deus virou sua vida de cabeça para baixo e, ao mesmo tempo, o colocou no lugar certo
CERTAS PESSOAS TÊM o dom de fazer qualquer conversa se tornar melhor e mais leve, por mais que as circunstâncias sejam adversas. O pastor Elbert Kuhn está entre elas. E talvez tenha sido essa característica que o habilitou para uma tarefa especial: trabalhar como missionário na Mongólia por 11 anos, chegando a liderar as atividades da Igreja Adventista no país asiático que tem a capital mais gelada do mundo.
Entre 2016 e 2018, Elbert retornou ao Brasil para trabalhar como coordenador do Serviço Voluntário Adventista (SVA) na sede sul-americana da igreja. Agora, ele coordena o SVA na sede mundial da denominação, nos Estados Unidos. Por isso, não foi difícil perceber que ele é um homem atarefado. Mesmo assim, ao topar me conceder esta entrevista, foi amável e solícito. Recebi sua resposta às 17 horas de um dia de janeiro, mas, para ele, era madrugada. Elbert estava no Japão supervisionando alguns projetos da igreja. Avisou que responderia minhas perguntas durante uma das escalas de sua viagem para casa. Os áudios enviados refletem sua personalidade calma, centrada e atenciosa, mesmo num contexto agitado como de um aeroporto. Aliás, essa situação parece ilustrar sua vida como um todo: foco em meio à multidão.
O CONVITE INESPERADO Já nos conhecíamos antes do contato para escrever este breve perfil. Antes de Elbert ter sido chamado para trabalhar na Mongólia, ele serviu como pastor da igreja que minha família frequentava em Porto Alegre (RS). Lembro do dia em que ele e Cleide,
sua esposa, se despediram da congregação a fim de partirem para outro continente: buquês de flores foram entregues, e lágrimas foram derramadas. Fotos do país asiático foram mostradas no telão, e com perplexidade meus olhos infantis as contemplaram.
Lembro de ter procurado e achado a Mongólia no mapa-múndi, entre a China e a Rússia, e de ter pensado um pouco no tamanho do desafio que o casal Kuhn teria: além de grande em território, a Mongólia era longe de tudo que já haviam conhecido. As casas eram diferentes; a comida e o clima, mais ainda.
O que eu não sabia era que a mudança fora repentina e inesperada. “Simplesmente aconteceu. Minha esposa e eu não havíamos orado em favor de nada disso, mas, quando o chamado veio, tivemos a certeza de que era um plano divino”, reflete Elbert. Nenhum dos dois era fluente em inglês – algo fundamental para um missionário transcultural – e, muito menos, em mongol, o idioma oficial do país. Essa foi, no entanto, apenas uma das muitas barreiras. Naquela oportunidade, poucas pessoas os encorajaram a trocar um ministério de relativo sucesso e conforto no sul do Brasil por uma aventura num país frio, esparso e com poucos cristãos.
O próprio Elbert chegou a duvidar se conseguiria se adaptar ao estilo de vida missionário. “Meus dois irmãos mais velhos são [missionários], mas queria uma carreira distinta. Sempre fui muito feliz no ministério pastoral, e não havia necessidade de sair; porém, sempre levei bem a sério a submissão à Deus. Creio que Seus planos são muito maiores e melhores do que os meus”, justifica.
Ao perceberem que uma carreira “estável” e um estilo de vida relativamente confortável não estavam nos planos de Deus para eles, Elbert e Cleide arrumaram as malas. Hoje, depois de muitas experiências vividas e histórias
A ligação afetiva de Elbert e Cleide com a Mongólia foi tão forte, que eles adotaram duas crianças de lá: o Mendee (12) e a Khongoroo (10) acumuladas, os dois têm o espírito missionário e consideram a missão como parte do próprio DNA.
“Uma das coisas que mais me realiza hoje é saber que trabalho para manter viva nos jovens a chama da missão, que é a essência da igreja. Na verdade, nem deveríamos separar as duas coisas: a igreja só existe para cumprir a missão! Sem esse foco, nos perdemos no tempo”, explica.
Em geral, missionários e missionárias têm a oportunidade de estudarem sobre a cultura na qual serão inseridos. Desse modo, a transição de um país para outro se torna menos brusca e complicada. Com a família Kuhn não foi diferente: eles participaram de um programa de capacitação de algumas semanas do Instituto Mundial de Missões da igreja. Detalhe, há alguns anos, Ronald, o irmão mais velho de Elbert, faz parte da equipe de treinadores desse instituto.
“Sempre gostei de aventura, de conhecer e fazer coisas novas, mas, jamais havia me preparado para aquilo que acabamos enfrentando. A Mongólia é um lugar completamente diferente e distante de tudo aquilo que qualquer pessoa possa sequer imaginar”, frisa Elbert. Ele também lembra que, durante a capacitação, aprendeu noções de interação intercultural. “A gente precisa ter muita sensibilidade, adaptabilidade e a noção de que você não está indo para brilhar, mas para preparar e apoiar o ministério daqueles que já estão no país. Devemos ajudá-los nessa caminhada”, argumenta.
O PREPARO NA INFÂNCIA
No campo missionário, toda habilidade é útil. Elbert é natural de Taquara (RS), mas foi criado numa cidade vizinha, Rolante, berço de muitos líderes adventistas. Sua família morava num sítio e, desde cedo, ele e seus irmãos foram incentivados a ajudar famílias carentes vizinhas. Eles também foram treinados nas tarefas de casa e no cuidado com os animais e a lavoura.
Elbert acredita que a simplicidade e disciplina da vida no campo, modo de vida que seus pais escolheram quando deixaram Belo Horizonte, o ensinaram a encontrar felicidade no serviço ao próximo. “Isso é essencial para trabalhar no campo missionário. Você tem que gostar
de estar com pessoas, servi-las, amá-las, apreciá-las e cuidar delas. Se não, a missão não será natural”, garante o pastor. Ao resgatar memórias de sua infância, ele também chegou à conclusão de que seu pai e sua mãe o influenciaram diretamente para que aceitasse o convite que, inicialmente, não imaginava receber. “Eles sentavam comigo e com meus irmãos e liam histórias sobre missionários. Aquelas aventuras ficaram gravadas em meu coração e me levaram a tomar decisões importantes no futuro.”
As lembranças de Elbert me fizeram pensar que tudo que aprendemos na infância e adolescência pode ser útil. Para ele, até mesmo conhecimentos básicos de mecânica fizeram diferença nas viagens que realizou pelo interior da Mongólia. “A vivência no campo missionário é muito mais prática do que teórica; e, pensando bem, todas as lições aprendidas no começo da vida são benéficas no dia a dia de qualquer pessoa. Sempre precisamos resolver problemas, seja no meio de uma estrada ou preparando uma refeição em casa”, observa.
Mas, afinal, como saber se a vida de missionário fora do país é para você? A resposta está na motivação. Caso o interesse principal seja conhecer novos lugares ou fugir de circunstâncias desagradáveis, e não a pregação do evangelho e o serviço às pessoas, então é preciso repensar a possibilidade. “Os motivos precisam ser corretos a fim de que sejamos uma bênção. Você precisa fazer uma análise muito honesta, porque, até hoje, todos os que saíram com a intenção equivocada acabaram se frustrando e dificultando o trabalho naquela região”, adverte o missionário. Por isso, ele aconselha a pensar e a orar muito a respeito.
No entanto, não é preciso sair do Brasil para servir a Deus. Seu campo de trabalho pode ser o bairro, a escola ou até mesmo sua casa. O importante é testemunhar de Cristo em qualquer lugar. “Hoje, meu lema e sonho é ser usado para incentivar as novas gerações a colocar talentos, energia, criatividade e recursos no cumprimento da missão. O missionário não precisa cruzar o oceano. Às vezes, basta atravessar a rua.”