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APRENDA

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Ajuda de verdade

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Na área de desenvolvimento social não basta ter boa intenção, é necessário planejar e pensar a longo prazo

VOCÊ JÁ TENTOU fazer um bolo de aniversário para alguém que ama e, no fim, deu tudo errado? Ou quem sabe teve certeza de que tinha acertado na escolha do presente de Natal, até descobrir que o presenteado já tinha algo idêntico? Quando tentamos demonstrar amor e cuidado pelos outros e as coisas não saem como planejado, é comum dizermos: “mas o que importa é a intenção”. Porém, o que fazer quando as melhores motivações causam dano?

TEM AJUDA QUE ATRAPALHA

Na tarde de 12 de janeiro de 2010, um terremoto de sete pontos na escala Richter abalou o país mais pobre do Ocidente, o Haiti. Estima-se que 250 mil pessoas morreram e mais de 300 mil ficaram feridas. Esse desastre natural ainda fez com que 5 milhões de pessoas ficassem desalojadas, num contexto em que, segundo a ONG Visão Mundial, 70% dos haitianos já viviam abaixo da linha de pobreza antes do terremoto.

Por causa da falta de água potável, a situação piorou dia após dia, provocando a morte de milhares de sobreviventes do terremoto nos meses seguintes à catástrofe. Esse drama humanitário levou centenas de países e ONGs a oferecer uma resposta ao desastre.

A ajuda internacional foi imediata: toneladas de alimentos e de material médico, além de um exército de voluntários, foram enviados para a capital, Porto Príncipe. Uma resposta de tamanha magnitude, que mobilizou tantos recursos e pessoas bem-intencionadas, parecia ser o caminho ideal para reerguer o país o mais rápido possível.

Contudo, infelizmente, o resultado foi bem diferente do que se esperava. Com milhares de voluntários (nem todos devidamente preparados), sem coordenação adequada e envolvimento das organizações e autoridades locais, a situação virou um caos. Esse caso, posteriormente, até se tornou objeto de estudo na Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard (EUA). Posteriormente também, Chris Marlow, fundador da organização Help One Now e autor do livro Doing Good is Simple (Zondervan, 2016), mostrou que, mesmo depois de cinco anos, a ajuda humanitária enviada após o terremoto continuava causando problemas para a recuperação do Haiti.

Isso ocorreu, por exemplo, porque toneladas de alimentos foram doadas sem que

houvesse um planejamento de como ajudar aquelas pessoas a sair da pobreza. Os milhares de sacos de arroz que continuaram a ser distribuídos durante os meses seguintes à tragédia, enfraqueceram o cultivo local de arroz. Afinal de contas, por que alguém compraria a produção nativa se receberia doações internacionais?

QUANDO O MELHOR NÃO É BOM

O caso emblemático do terremoto do Haiti pode parecer muito distante da sua realidade, e talvez seja mesmo (para saber como funciona a logística de resposta a um desastre, acesse: bit.ly/2A6cVMH). Mas é verdade também que é comum procurarmos “fazer o bem” sem pensar nas consequências de nossa “ajuda”. E problemas ocorrem não somente quando as coisas não saem como planejamos, mas também quando tudo é realizado como idealizamos.

Tá confuso? Explico. Quando vemos necessidades perto de nós ou do outro lado do mundo, nos sentimos tocados e somos movidos a ajudar. Esse desejo vem de um sentimento bom e muitas vezes genuíno, mas que geralmente resulta em ações desconectadas da realidade local e que não respondem às reais necessidades de quem pretendemos servir. Isso ocorre porque conhecemos pouco a respeito do outro e porque oferecemos ajuda com base no que consideramos ser o melhor. Mas o nosso “melhor” pode não ser “bom” para outros, especialmente de culturas e classes sociais diferentes da nossa.

Um exemplo comum é quando vemos fotos ou vídeos de crianças pobres em algum vilarejo remoto da África e pensamos: “eu poderia levar brinquedos, roupas e material escolar para essas crianças.” Se esse pensamento se materializar em ação, uma viagem missionária pode ser organizada com um grupo de 10 a 15 voluntários que pretendem doar um pouco do muito que têm.

Contudo, quando isso é feito sem levar em conta o estudo da realidade local, podem ser doadas roupas, brinquedos, material escolar e itens de consumo “necessários” em nosso contexto sociocultural, mas “dispensáveis” nesse outro contexto.

Além de o conceito de “necessidade básica” variar de local para local, tentar responder a uma demanda aparente sem entender as questões estruturais que a envolvem acaba gerando uma intervenção que não traz mudança duradoura. Seria como ir ao médico repetidas vezes se queixando de dor de cabeça e receber dele a recomendação para tomar analgésicos sem, contudo, ser submetido a exames para descobrir a causa daquele desconforto. É isso que acontece quando se oferece ajuda humanitária sem “diagnóstico” prévio. A gente acaba tratando os sintomas sem chegar à causa da doença. PRINCÍPIOS IMPORTANTES

Não há dúvida de que esse tema é um pouco incômodo, mas necessário se você deseja realizar ações de impacto. Porque quanto mais profunda for a análise do problema, mais ferramentas você terá para intervir nele. Por isso, sugiro aqui alguns princípios importantes que você deve levar em conta:

1. Nunca cause dano. Essa é uma questão básica no desenvolvimento social. Sempre analise cuidadosamente cada projeto. E o critério de avaliação não pode ser simplesmente “se isso faz as pessoas ou os voluntários felizes, estamos no caminho certo”. Considere o que vai ocorrer com aquelas pessoas depois que você e seu grupo forem embora.

2. Não planeje sem orar. Nunca prepare ou implemente alguma ação sem buscar genuinamente entender a vontade de Deus. O coração humano é traiçoeiro e facilmente podemos fazer o que é certo com as motivações erradas.

3. Aproveite para aprender. A oportunidade de estar numa outra cultura pode ser enriquecedora. Por isso, em vez de pensar no que pode fazer ou ensinar, aprenda com os nativos se envolvendo com eles em seu cotidiano.

4. Não faça o que eles podem fazer. Podemos dizer que em todos os contextos culturais existem pessoas que sabem construir e reformar edifícios. Portanto, evite ir para um local para fazer o que os nativos sabem ou podem fazer, a não ser que você esteja disposto a trabalhar em parceria com eles.

5. Não decida nada sem consultar os nativos. A melhor atitude é deixar os moradores locais decidirem como você e os voluntários podem ajudar.

6. Não leve o que não existe naquele país. Se certo produto, medicamento ou material não é produzido ou não está disponível naquela comunidade, é preciso cuidar para não gerar disputa interna por esse item ou dependência em relação a ele.

7. Não leve o que existe naquele país. Por outro lado, se certo produto, medicamento ou material já existe naquela comunidade, levar esses itens e doá-los pode prejudicar a economia local. Uma alternativa seria comprar esses itens de produtores nativos e avaliar se entregar isso gratuitamente é uma boa opção ou não.

FAZENDO O BEM, DE VERDADE

Não há dúvidas de que a ajuda humanitária faz bem para quem a recebe e para quem a oferece. Vários estudos apontam nessa direção; porém, o outro lado da moeda é que existem igualmente inúmeras pesquisas mostrando os danos causados por projetos executados com base simplesmente na emoção, que não consideram dados concretos e a análise de efetividade.

Em seu livro Doing Good Better (Guardian Books e Faber & Faber, 2015), William MacAskill, professor de filosofia e pesquisador da Universidade de Oxford, na Inglaterra, explica o conceito de “altruísmo efetivo”. A ideia é que aqueles que desejam tornar o mundo melhor devem fazer isso com base num compromisso de longa duração. Isso porque mesmo as boas intenções podem levar a resultados desastrosos.

Segundo o próprio MacAskill, muita gente abre mão de usar análise de dados e de impacto, porque acredita que essa racionalização da ajuda humanitária acaba comprometendo a virtude e beleza da ação. Quando, na verdade, é a racionalidade da ação que trará resultados duradouros e transformadores.

Se neste ponto do texto você está se questionando sobre como pode ser mais eficaz no cuidado do próximo, ao lado vão algumas ideias práticas que podem até soar um pouco ousadas.

Acredito que, com sabedoria e sensibilidade espiritual, é possível fazer a diferença para melhor.

1Não sirva no exterior antes de trabalhar na sua comunidade Quanto mais você se envolver no desenvolvimento social de onde vive, melhor entenderá a complexidade de servir de modo contínuo em nível internacional. Penso que igrejas e agências missionárias poderiam incluir esse critério na seleção de voluntários.

2Curta duração, longo alcance Caso você deseje participar de um projeto de curta duração (10 a 30 dias), certifique-se de que sua participação fará parte de um processo de longo prazo, ou seja, de que você será peça de um quebra-cabeça.

3Autorização local Tenha certeza de que o trabalho que for realizado foi realmente solicitado pelos moradores locais e que será feito em parceria com eles.

4Priorize a troca de experiências Evite ao máximo doar produtos. Em vez disso, invista em troca de conhecimento e experiências. O aprendizado mútuo é algo que ambos os lados podem levar para toda a vida.

Para saber mais Episódios 43 a 51 do podcast Papo Missionário , disponível no Spotify

MISSÃO CUMPRIDA “José era o governador do Egito e era ele que vendia trigo a todo o povo da terra. Por isso, quando os irmãos de José chegaram, curvaram-se diante dele com o rosto em terra” (Gn 42:6, NVI).

REALIZAR UM SONHO é uma experiência única. Idealizamos um projeto, fazemos planos, criamos expectativas, estabelecemos metas e nos preparamos para cumpri-las. Fazer aquela “viagem dos sonhos”, por exemplo, certamente trará alegria e satisfação, mesmo que seja necessário enfrentar privações para concretizá-la.

Porém, na história de José, a realização de seus sonhos foi uma experiência dolorosa e conflitante. Ao se tornar governador do Egito, o hebreu teve que lidar com uma tensão entre passado e presente para cumprir sua missão, reabrindo feridas antigas, a fim de preservar a descendência de Abraão e garantir a sobrevivência dos povos da sua região.

Vamos recapitular Gênesis 41 a 45 para ver como o sonho de José se concretizou.

DE ESCRAVO A GOVERNADOR

Depois de 13 anos no Egito, José foi liberto da escravidão e promovido a governador de toda a terra (Gn 37:2; 41:46). Aquele era o momento para o qual a providência divina o havia preparado. O fiel hebreu, com 30 anos de idade, deveria usar seu discernimento, diligência e habilidades para salvar parte do mundo antigo.

Faraó reconheceu seu dom de interpretar sonhos e o chamou de Zafenate-Paneia, que, segundo o teólogo Nahum Sarna, pode significar “revelador das coisas escondidas” (Genesis, p. 287). Também lhe ofereceu, em sinal de gratidão e respeito, a mão de Asenate em casamento, a filha de um sacerdote egípcio chamado Potífera (41:45).

Os sete anos seguintes foram marcados pela prosperidade das colheitas (v. 47-49). Durante esse período, Asenate deu à luz dois filhos (v. 50). O primogênito foi chamado de Manassés porque, conforme José afirmou, “Deus me fez esquecer de todos os meus trabalhos e de toda a casa de meu pai” (v. 51). Esse nome tem origem no verbo hebraico nashah, que significa “esquecer”.

Embora tivesse sofrido na casa de Potifar e na casa de detenção, as lembranças que mais causavam dor ao hebreu eram as da casa do pai. Não há dúvida de que José queria se esquecer da família. É importante lembrar que ele era o governador da nação mais poderosa daquela época. Revestido de autoridade imperial, poderia ter enviado espiões a Canaã para investigar seus irmãos ou até um exército para exterminá-los. Mas ele não fez nada disso.

O segundo filho foi chamado de Efraim. Afinal, “Deus me fez próspero na terra da minha aflição” (v. 52), justificou José. O texto faz um trocadilho entre o nome Efraim e o verbo farah, que pode ser traduzido como “frutificar” ou “prosperar” (Gn 1:22, 28).

Esses nomes são significativos porque eles nos ajudam a captar a emoção do momento e entender melhor o que se passava na mente de José. Se Manassés representava as lutas do passado, Efraim simbolizava as conquistas do presente. Assim, eles marcam a virada na narrativa, indicando que o escravo hebreu finalmente havia se tornado o governador do Egito.

A CONCRETIZAÇÃO DO SONHO

Após sete anos de fartura, vieram sete anos de fome sobre o Egito e região, o que incluía Canaã (41:54; 42:5). Foi nesse contexto que Jacó, o pai de José, orientou seus filhos a ir até a terra de Faraó para comprar comida. Gênesis 42:3 relata que dez deles partiram para essa jornada. Apenas Benjamim, o filho mais novo de Raquel, mãe de José, ficou com o pai (v. 4).

Como José era o responsável por vender os mantimentos no Egito, seus irmãos foram levados à sua presença e se prostraram diante dele (v. 6). José os reconheceu imediatamente, mas não revelou sua identidade. O verso 9 informa que essa cena o fez recordar de seus sonhos, registrados em Gênesis 37:7 a 9.

Embora tenha acusado os irmãos de serem espiões (42:9), seu objetivo não era se vingar deles, mas submetê-los a uma prova, a fim de verificar se de fato eram “homens honestos” (v. 11, 19, 31, 33, 34). Eles se defenderam com a alegação de serem apenas 12 filhos de um mesmo homem (v. 10, 11).

Disseram também que o mais novo estava com o pai e que o outro “já não existia”. Contudo, José estava ansioso para saber se Benjamin, seu irmão mais novo, havia tido um destino melhor do que o dele (v. 20). Por isso decidiu continuar testando os irmãos.

O verso 17 revela que José prendeu os irmãos por três dias. Sua atitude aparentemente hostil parece ser um tipo de retribuição pelo que ele mesmo havia sofrido na cadeia. O texto bíblico reforça essa ideia ao utilizar o termo mishmar no verso 17, a mesma palavra usada para “prisão” em Gênesis 40:4.

Por outro lado, a expressão “três dias” conecta essa passagem aos sonhos do padeiro e do copeiro-chefe (40:12, 19). Ambos os sonhos retratavam o destino dos oficiais de Faraó. É como se o narrador quisesse dizer que, assim como a vida daqueles homens esteve nas mãos do rei do Egito, o destino dos irmãos de José estava nas mãos do agora governador do Egito.

Na sequência, o relato bíblico diz que ao terceiro dia José lhes propôs uma condição para que vivessem (v. 18). A proposta foi feita em estilo pactual e lembra muito a estrutura empregada em Deuteronômio 30:19. Os irmãos de José deveriam voltar a Canaã e buscar seu irmão mais novo; no entanto, havia uma condição: um deles deveria continuar preso como garantia (Gn 42:19, 20).

A cena é emotiva. José os escutou conversarem entre si sobre a culpa que tinham em relação ao “irmão sonhador” (42:21, 22). Abalado com essas palavras, José se retirou para chorar (v. 24), como fez em outros momentos (43:30; 45:2, 14, 15; 46:29; 50:1, 17). Após se recompor, ele retornou à presença dos irmãos e algemou Simeão.

Talvez José tenha escolhido esse irmão por causa da crueldade dele. O espírito violento de Simeão ficou evidenciado em dois momentos: no assassinato dos siquemitas, por terem estuprado sua irmã Diná (34:25), e no teor da bênção proferida por seu pai, Jacó (49:5-7).

RETORNO AO EGITO

Depois desse episódio, os outros irmãos retornaram a Canaã. O detalhe é que José ordenou que o dinheiro deles fosse devolvido nos sacos de cereais (42:25). Numa alusão ao fato de ter sido vendido por apenas 20 siclos de prata, a atitude de José foi, no mínimo, irônica (37:28). A palavra hebraica para a expressão “siclos de prata” é kesef, a mesma usada para se referir ao “dinheiro” que foi devolvido nos sacos (42:25-28).

Quando pararam para alimentar seus animais, um dos irmãos percebeu que seu dinheiro havia sido devolvido, o que os deixou

atemorizados (v. 28). Mas a grande surpresa foi quando chegaram à casa de seu pai e se deram conta de que o dinheiro de todos estava nos sacos de cereais (v. 35). Isso inibiu Jacó de enviá- los de volta por um tempo.

No entanto, a fome persistiu em Canaã, e Jacó teve que mudar de ideia depois que a comida acabou (43:1, 2). Judá, contudo, deixou claro que era necessário levar Benjamin e se comprometeu a cuidar do irmão caçula (v. 3, 9). Mesmo contrariado, o patriarca acabou cedendo.

Jacó orientou Judá a levar o dobro de dinheiro bem como bálsamo, arômatas, mirra e outros produtos (v. 11-14). O leitor atento logo perceberá que esses eram os mesmos elementos comercializados pela caravana de ismaelitas/midianitas que levou José ao Egito (37:25). Mais uma vez, o texto ironiza a história por meio da repetição, um recurso muito usado nessa narrativa.

Quando retornaram ao Egito, José convidou seus irmãos para um banquete e trouxe Simeão à presença deles. Depois de 22 anos, os irmãos estavam novamente reunidos (37:2; 41:46, 47; 45:6). Ele lhes perguntou sobre o pai; estava ansioso para receber notícias dele (43:27; 45:3). Mas foi quando encontrou Benjamim que José não pôde mais conter a emoção e teve que se retirar novamente para chorar (43:29-31).

Em seguida, seus irmãos foram servidos num lugar separado, pois havia um costume no Egito que os impedia de comer com os homens de lá (v. 32). Os hebreus foram então conduzidos à mesa e organizados por idade (v. 33), para a surpresa deles.

Benjamim recebeu uma porção cinco vezes maior do que a dos demais. Apesar disso, nenhuma demonstração de ciúmes por parte dos irmãos foi registrada no texto bíblico. Ao contrário, o verso 34 menciona que eles beberam e se alegraram com Benjamim, um indicativo de que o caráter deles havia mudado.

A PROVA FINAL

No dia seguinte, José ordenou a seu mordomo que colocasse o dinheiro dos hebreus nos pertences deles e escondesse seu copo de prata na bolsa de Benjamim (44:1, 2). Mas por que um copo? O que havia de especial nele? Como o teólogo Jacques Doukhan observou em seu comentário sobre Gênesis, na página 468, o termo hebraico gevia’, traduzido como “copo” nessa passagem, não se referia a um recipiente comum, mas a um objeto usado em ocasiões especiais, como os “cálices” do santuário (Êx 25:31-34; 37:17-20).

É possível que esse copo tenha sido usado no banquete do dia anterior e que, como convidado de honra, Benjamim tenha bebido nele. Essa inferência ganha força ao compararmos a passagem do Gênesis com o texto de Jeremias 35:5, no qual o termo gevia’ se refere claramente a taças de vinho. Em outras palavras, tudo havia sido planejado para incriminar Benjamim.

Por meio dessa prova, José esperava que o verdadeiro caráter de seus irmãos fosse revelado. É importante ter em mente que o desejo dele era se esquecer da casa do pai. Logo, o objetivo dessa prova não era apenas testar os irmãos, mas também ver se ele mesmo era capaz de perdoá-los.

Conforme a instrução de José, seu mordomo foi atrás do grupo que partia para Canaã. Ao serem interrogados pelo oficial egípcio,

os hebreus protestaram e reafirmaram sua inocência dizendo que, se o copo do governador fosse encontrado, a pessoa culpada pagaria com a própria vida e os demais se tornariam escravos do senhor daquela terra (Gn 44:3-10).

O narrador nos diz que o mordomo de José revistou os pertences de cada um dos hebreus, começando por Rúben, o mais velho, até Benjamim, o caçula. Quando o oficial encontrou o copo nas coisas de Benjamim, eles rasgaram as vestes e retornaram à cidade (v. 11-13). Essa demonstração de empatia lembra a reação de Jacó ao ver a túnica de José manchada de sangue (37:34).

IDENTIDADE REVELADA

O clímax da história é o discurso de Judá. Quando os hebreus voltaram à casa do governador, Judá tomou a palavra, em defesa de Benjamim (Gn 44:18). O discurso completo pode ser dividido da seguinte forma: (1) recapitulação dos fatos (v. 18-29); (2) as consequências de Benjamim não retornar ao lar (v. 30-32); e (3) a proposta de assumir o lugar do irmão (v. 33, 34). Embora o gran finale seja a proposta de Judá, é perceptível sua ênfase na palavra “pai”, que é usada 14 vezes nessa seção (v. 19, 20, 22, 24, 25, 27, 30, 31, 32, 34).

A preocupação de Judá era principalmente com o pai, como ele mesmo afirmou (v. 33, 34). A inversão da narrativa é impressionante e comovente. Isso porque tinha sido Judá quem havia sugerido a venda de José como escravo (37:25-28). De certa forma, podemos dizer que Judá articulou a mentira que levou seu pai, Jacó, a acreditar que o filho favorito dele havia sido despedaçado por um animal (v. 35).

A mudança de Judá e sua preocupação com o pai romperam o coração de José, que já não mais podia suportar tanta emoção. “Eu sou José; vive ainda meu pai?” (45:3), exclamou. Obviamente, todos os irmãos ficaram aterrorizados com a notícia. José, porém, os acalmou e disse: “Não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós” (v. 5).

DO SONHO À MISSÃO

José deixou claro que o objetivo de sua amarga experiência até aquele momento havia sido a preservação da descendência de Abraão. Desde o capítulo 37, que narra seus sonhos, José estava sendo preparado para cumprir essa missão. Deus o havia chamado e “enviado” ao Egito como um profeta para preservar a “vida” de sua família e a sucessão dela “na terra” da promessa (Gn 45:7).

Essa história nos mostra que realizar um sonho pode ser uma experiência única e ao mesmo tempo difícil, principalmente quando se trata do cumprimento de nossa missão. No entanto, a exemplo de José, não devemos permitir que as feridas e mágoas do passado nos impeçam de viver os planos de Deus para o presente.

Reconhecer isso nos dará forças para superar os desafios de nossa tarefa e nos ajudará a enxergar a providência divina. José entendeu essa verdade, por isso permaneceu firme em sua missão e foi capaz de dizer aos irmãos: “Deus foi fiel / não há o que lamentar / voltem e chamem meu pai, o Senhor preparou o lugar” (trecho da música “Terra Estranha”, da dupla Os Arrais).

Para saber mais Genesis, de Jacques B. Doukhan (Pacific Press, 2016). Genesis, de Nahum Sarna (T he JPS Torah Commentary, 1989).

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