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ENTENDA

O VOLUNTARIADO NO BRASIL O VOLUNTARIADO NO BRASIL

O IMAGINÁRIO CLÁSSICO O IMAGINÁRIO CLÁSSICO daquele voluntário que cruza o daquele voluntário que cruza o oceano para enfrentar cenários oceano para enfrentar cenários de guerra, pandemias e desastres de guerra, pandemias e desastres naturais, servindo aos que mais naturais, servindo aos que mais necessitam,podenão sera regra, necessitam, pode não ser a regra, mas a exceção. Dados do Instimas a exceção. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que Estatística (IBGE) apontam que 7,2 milhões de brasileiros fazem 7,2 milhões de brasileiros fazem trabalho voluntáriocomfrequêntrabalho voluntário com frequência. Por sua vez, o World Giving cia. Por sua vez, o World Giving Index2018, um Index 2018, um rankingque avalia ranking que avalia diferentes aspectos da prática da diferentes aspectos da prática da generosidade no mundo, coloca generosidade no mundo, coloca o Bra o Bra silnasétima posição do ínsil na sétima posição do índice e nos retrata como um paí s dice e nos retrata como um país solidário,comcerca de21 milhões solidário, com cerca de 21 milhões de voluntários. de voluntários.

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Consultora e assessora deproConsultora e assessora de projetos sociais, a argentina Mónica jetos sociais, a argentina Mónica Corullón,definevoluntáriocomo Corullón, define voluntário como “o jovemouo adulto que, devido “o jovem ou o adulto que, devido seu interesse pessoale espírito císeu interesse pessoal e espírito cívico, dedica parte do seu tempo, vico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a disem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, orversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem-estar ganizadas ou não, de bem-estar social, ou de outros campos”. No social, ou de outros campos”. No Brasil, os voluntários podem ser Brasil, os voluntários podem ser encontrados em asilos, abrigos, encontrados em asilos, abrigos, ONGs, orfanatos ediversasoutras ONGs, orfanatos e diversas outras instituições. E se engana quem instituições. E se engana quem pensa que essa é uma atividade pensa que essa é uma atividade só para quem já se aposentou e só para quem já se aposentou e não precisa de renda. Existem não precisa de renda. Existem diferentes tipos de engajamento. diferentes tipos de engajamento. Conheça a seguiro panoramado Conheça a seguir o panorama do voluntariado no país. voluntariado no país. 12% 12%

Número alto, porcentagem baixa Número alto, porcentagem baixa Apesar de ter um número absoluto alto de pessoas que Apesar de ter um número absoluto alto de pessoas que se se engajaram em atividades voluntárias, a porcentagem engajaram em atividades voluntárias, a porcentagem de de brasileiros que “arregaçou as mãos” em 2018 foi de brasileiros que “arregaçaram as mangas” em 2018 foi de apenas 12% da população. Com esse índice, não estamos apenas 12% da população. Com esse índice, não estamos nem na lista dos top 100 do mundo. Os países que lideram nem na lista dos top 100 do mundo. Os países que lideram esse esse ranking elaborado pela Charities Aid Foundation ranking elaborado pela Charities Aid Foundation (CAF), em 2018, são a Indonésia e a Austrália, onde 59% (CAF), em 2018, são a Indonésia e a Austrália, onde 59% dos pesquisados disseram manifestar solidariedade por dos pesquisados disseram manifestar solidariedade por meio de trabalho voluntário, doação financeira ou auxílio meio de trabalho voluntário, doação financeira ou auxílio a um desconhecido. a um desconhecido.

Maiores mobilizadores Maiores mobilizadores O levantamento do IBGE mostrou que O levantamento do IBGE mostrou que 79,9% dos voluntários atuavam em 79,9% dos voluntários atuavam em projetos de instituições religiosas, projetos de instituições religiosas, sindicatos, condomínios, partidos sindicatos, condomínios, partidos políticos, escolas, hospitais ou asilos. E a políticos, escolas, hospitais ou asilos. E a minoria participava em projetos de ONGs minoria participava em projetos de ONGs ou individuais. ou individuais.

Idade mais solidária Idade mais solidária Quanto à faixa etária dos voluntários, o Brasil está na contramão da tendência Quanto à faixa etária dos voluntários, o Brasil está na contramão da tendência mundial. Os levantamentos internacionais da CAF têm apontado para a mundial. Os levantamentos internacionais da CAF têm apontado para a queda de participação dos mais idosos e aumento entre os jovens de 15 a queda de participação dos mais idosos e aumento entre os jovens de 15 a 29 anos e adultos de 30 a 49, que hoje é a faixa etária mais representativa. 29 anos e adultos de 30 a 49, que hoje é a faixa etária mais representativa. Porém, aqui no Brasil, segundo o IBGE, o cenário é o oposto, o número de Porém, aqui no Brasil, segundo o IBGE, o cenário é o oposto, o número de voluntários acima de 50 anos é o dobro do número de jovens de 14 a 24 anos. voluntários acima de 50 anos é o dobro do número de jovens de 14 a 24 anos.

Por que ser Por que ser voluntário? voluntário? Bem-estar pessoal Bem-estar pessoal e senso de utilidade e senso de utilidade para a comunidade para a comunidade estão entre as estão entre as principais motivações citadas por 2 mil principais motivações citadas por 2 mil jovens voluntários entrevistados no Reino jovens voluntários entrevistados no Reino Unido pelo instituto Ipsos Mori. Quase a Unido pelo instituto Ipsos Mori. Quase a totalidade deles (93%) m encionou esse totalidade deles (93%) mencionou esse duplo benefício do engajamento. duplo benefício do engajamento.

Desconhecimento Desconhecimento e falta de tempo e falta de tempo O levantamento da Ipsos Mori O levantamento da Ipsos Mori citado anteriormente mostrou citado anteriormente mostrou também que o desconhecimento também que o desconhecimento sobre projetos de voluntariado, e sobre projetos de voluntariado, e de como participar deles, tem sido de como participar deles, tem sido a principal razão para dois em cada cinco jovens no a principal razão para dois em cada cinco jovens no Reino Unido não se envolverem nessas causas. Um Reino Unido não se envolverem nessas causas. Um terço dos entrevistados apontou a falta de tempo terço dos entrevistados apontou a falta de tempo como outro impedimento importante. como outro impedimento importante.

Frequência pequena Frequência pequena Voltando ao Brasil, a pesquisa de 2018 Voltando ao Brasil, a pesquisa de 2018 do IBGE indica que menos da metade do IBGE indica que menos da metade dos dos voluntários brasileiros participa voluntários brasileiros participa quatro quatro vezes ou mais por mês de um vezes ou mais por mês de um projeto projeto de voluntariado. E 15% deles de voluntariado. E 15% deles disseram disseram que não mantêm qualquer que não mantêm qualquer regularidade regul aridade na na participação. participação.

Fontes: sites CAF World Giving Index 2018 (https://bit.ly/cafwgi2018); IBGE (https://bit.ly/ibgevoluntariaFontes: sites CAF World Giving Index 2018 (https://bit.ly/cafwgi2018); IBGE (https://bit.ly/ibgevoluntariado); do); entrevista da Mónica Corullón para o site do SESC-SP (https://bit.ly/sescspcollujon); United Nat entrevista da Mónica Corullón para o site do SESC-SP (https://bit.ly/sescspcollujon); United Nations ions Volunteers (UNV) (https://www.unv.org/volunteerism); jornal The Guardian (htt Volunteers (UNV) (https://www.unv.org/volunteerism); jornal The Guardian ps://bit.ly/theguardianvoluntariado); Ipsos Mori (https://bit.ly/ipsosmoriysa) (https://bit.ly/theguardianvoluntariado); Ipsos Mori (https://bit.ly/ipsosmoriysa).

© Adiyatma | Adobe Stock Como me envolver? COMO ME ENVOLVER? Tem interesse em se voluntariare não Tem interesse em se voluntariar e não sabe como? Nas seções Globosfera e Ao po sabe como? Na seção Ao ponto (p. 5), nto, você pode conferir algumas oportunidades você pode conferir algumas oportunidades no contexto adventista. Mas separamos no contexto adventista. Mas separamos também alguns sites de agências e também alguns sites de agências e projetos de voluntariado que não têm projetos de voluntariado que não têm relação com instituições religiosas. relação com instituições religiosas.

Workaway (workaway.info) Workaway (workaway.info) É uma plataforma que provê É uma plataforma que provê intercâmbio entre potenciais intercâmbio entre potenciais voluntários e projetos de voluntariado voluntários e projetos de voluntariado ao redor do mundo. Os anfitriões que se ao redor do mundo. Os anfitriões que se inscrevem no portal detalham informações inscrevem no portal detalham informações sobre o local, projeto, tempo de realização sobre o local, projeto, tempo de realização da atividade e o perfil desejado para da atividade e o perfil desejado para o candidato à vaga. Os interessados o candidato à vaga. Os interessados podem contatar os anfitriões e acertar os podem contatar os anfitriões e acertar os detalhes para o voluntariado. O site abriga detalhes para o voluntariado. O site abriga mais de 40 mil projetos de 170 países. mais de 40 mil projetos de 170 países. A experiência pode auxiliar inclusive no A experiência pode auxiliar inclusive no aprendizado de uma língua estrangeira. aprendizado de uma língua estrangeira.

Pátria Voluntária Pátria Voluntária (patriavoluntaria.org) (patriavoluntaria.org) O programa Pátria Voluntária foi O programa Pátria Voluntária foi criado em 2019, a partir de uma criado em 2019, a partir de uma parceria entre o Governo Federal e o parceria entre o Governo Federal e o Programa das Nações Unidas para Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). No si o Desenvolvimento (PNUD). No te é site é possível pesquisar projetos por área (com possível pesquisar projetos por área (com base nos 17 Objetivos de Desenvolvimento base nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU), modalidade Sustentável da ONU), modalidade (presencial ou virtual) e geografia (cidade). (presencial ou virtual) e geografia (cidade). Para participar, basta se cadastrar no Para participar, basta se cadastrar no portal e selecionar um projeto ou uma portal e selecionar um projeto ou uma instituição de sua preferência. instituição de sua preferência.

ONU (onlinevolunteering.org) ONU (onlinevolunteering.org) A Organização das Nações Unidas A Organização das Nações Unidas (ONU) oferece a possibilidade de (ONU) oferece a possibilidade de exercer o voluntariado remotamente, exercer o voluntariado remotamente, sem qualquer custo para os voluntários sem qualquer custo para os voluntários e com a certificação da ONU. As e com a certificação da ONU. As oportunidades envolvem tarefas como oportunidades envolvem tarefas como edição de texto, tradução, design, edição de texto, tradução, design, legendagem de vídeos, pesquisa, ensino e legendagem de vídeos, pesquisa, ensino e treinamento. As vagas são oferecidas por treinamento. As vagas são oferecidas por entidades da ONU, governos e ONGs de entidades da ONU, governos e ONGs de atuação internacional. atuação internacional.

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Interpretação & Reflexão

Capa Texto Thiago Basílio Ilustração © drawlab19 | Adobe Stock Artigo Texto e contexto Perguntas Imagine

INFLUENCIADORES SOCIAIS

Da filantropia à política, do voluntariado ao empreendedorismo, o cuidado com o semelhante gera boas ações em cadeia. Conheça quatro histórias de impacto social

VOCÊ JÁ DEVE ter percebido que todas as edições da Conexão 2.0 deste ano estão focadas em ajudar você a descobrir um propósito nobre e a viver por ele. Além de ser um valor muito importante do cristianismo, o cuidado com o próximo se mostrou ainda mais necessário no contexto da pandemia pela qual estamos passando. A crise de saúde, econômica e política que enfrentamos no Brasil de hoje tem despertado, ao mesmo tempo, o que há de pior e melhor em nós.

O ponto é que, numa sociedade que funciona em rede, a solidariedade e o trabalho colaborativo são fundamentais para a superação dos problemas. Fazer compras para os idosos, arrecadar alimentos para os mais vulneráveis, distribuir gratuitamente máscaras e álcool em gel a quem mais precisa. Essas atitudes só demonstram o quão importante é a consciência de que precisamos uns dos outros e de que juntos somos mais fortes para transformar realidades.

O que ficou bem claro também até aqui nas pautas da revista é que há espaço para todo mundo fazer a diferença, perto ou longe de casa, seja com pequenos gestos ou por meio de grandes mobilizações. O texto que você lê a seguir vai nessa direção. Vamos contar quatro histórias de pessoas que têm gerado transformação ao redor de si e contribuído para a formação de ondas de solidariedade.

FILANTROPIA LUCROS COMPARTILHADOS

Parece que a solidariedade faz parte da “alma” de algumas pessoas. Tem gente que desde sempre apresenta um perfil generoso. É exatamente essa a virtude pública mais evidente deste empresário e filantropo. Nascido em família muito pobre, aos sete anos de idade vendia doces nas ruas para complementar a renda familiar. Sua mãe preparava as cocadas, paçocas, pés de moleque e sempre o orientava a não comer os quitutes destinados à venda. Ainda assim, vez ou outra ele se deparava com crianças carentes e oferecia a elas alguns docinhos de presente.

A situação em casa era muito difícil, agravada pelo vício do pai no álcool. A comida costumava faltar e os recursos eram limitados, mas a esperança acalentava o coração daquela criança. Os anos passaram e, por meio de um panfleto, a família conheceu a Igreja Adventista do Sétimo Dia. E graças a uma oportunidade concedida pelo então Colégio Adventista Brasileiro (CAB), hoje Unasp, campus São Paulo, de que os alunos carentes pagassem parte dos estudos trabalhando na instituição, Milton Soldani Afonso, com a ajuda da mãe, conseguiu se matricular no CAB.

Ali ele encontrou muitas obras para alimentar seu gosto pela leitura. Milton andava pelo campus sempre acompanhado por um livro diferente, além, claro, da Bíblia, sua leitura favorita. Os dias passavam até que ele recebeu uma carta da mãe dizendo que, por causa de dificuldades financeiras, não mais poderia ajudá-lo a pagar o colégio. Milton não ficou parado. Passou a colportar nas férias, ou seja, a vender livros sobre saúde, família e religião da CPB, editora adventista. Sua habilidade em vendas fez com que conseguisse o dinheiro para os estudos e ainda pudesse ajudar os colegas que não iam tão bem como ele.

E foi dessa forma que ele pagou os custos de sua formação básica e depois superior em Direito. Ao concluir a graduação, já tinha recursos para montar uma pequena gráfica. Nesse meio tempo, casou-se e formou família. Naquela época, quando não havia ainda feito fortuna, sempre contribuiu para que outros estudassem, principalmente no Instituto Petropolitano Adventista de Ensino (Ipae), internato da região serrana do Rio de Janeiro. Morando na capital fluminense, Milton conseguiu, com sua veia empreendedora, expandir sua rede de contatos e o próprio negócio, criando um plano de saúde junto ao Hospital Adventista Silvestre.

O negócio vingou e o empresário construiu uma base financeira para criar a Golden Cross na década de 1970, empresa pioneira no ramo de saúde suplementar no país e que se caracterizaria pelo seu caráter filantrópico. Com muita luta e bênçãos, a empresa cresceu, adquirindo hospitais por todo o Brasil e formando então o maior grupo de seguros de saúde da América do Sul e o quarto do mundo.

O propósito inicial da criação do negócio tem sido mantido. Mais de 65 mil estudantes já receberam bolsas de estudos da empresa, entre eles, a Jéssica e a Roseane. Esse grande investimento em educação já gerou a transformação de muita gente e uma rede de oportunidades. Numa declaração ao documentário O Menino que Vendia Doces e Entregava Sonhos (2014), o empresário, que hoje tem 98 anos, afirmou que: “a experiência da vida mostra que quando eu faço outras pessoas felizes me torno mais feliz ainda. Nunca deixei de ter alguma coisa, nunca me privei de nada por ajudar os outros.” O documentário está disponível na plataforma feliz7play.com.

Jéssica Westphal, orientadora educacional no Colégio Adventista do Arruda (PE) “O doutor Milton Afonso começou a me ajudar quando eu estava no primeiro ano do ensino médio no Edessa (internato adventista no Espírito Santo), e, em seguida, me auxiliou por dois anos no curso de Pedagogia no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP), com uma bolsa de 50% da Golden Cross. Louvo a Deus pela vida dele. Meu sonho é agradecê-lo pessoalmente. Hoje quero ser bênção na vida de outros também. Por isso, dediquei alguns anos da minha vida em trabalho voluntário na Argentina, no Uruguai e nos Estados Unidos.”

Roseane Meireles, professora no Colégio Adventista de Belo Horizonte (MG) “Aos 12 anos fui para o internato com a bolsa da Golden Cross. No ano seguinte, minha irmã também foi beneficiada pelo programa. Dois anos depois, foi meu irmão que também recebeu o auxílio estudantil. Hoje sou formada em Letras, pós-graduada em pedagogia organizacional e recursos humanos e trabalho como professora no Colégio Adventista de Belo Horizonte (CABH). Minha família não tem palavras para agradecer a Deus por tudo que Ele nos possibilitou por meio da generosidade do doutor Milton Afonso. Que existam mais pessoas como ele, para que mais estudantes tenham a vida transformada por um ato de amor.”

VOLUNTARIADO OPORTUNIDADES PARA A COMUNIDADE

Não é segredo para ninguém que o Rio de Janeiro figura entre as metrópoles mais desiguais do país. Os problemas vêm desde o início da colonização, passando pelos inúmeros percalços históricos de povoamento desordenado e exclusão social na cidade que, até 60 anos atrás, era a capital do Brasil.

Esse abismo social é evidenciado, por exemplo, nas contradições de bairros cariocas que concentram coberturas luxuosas em condomínios verticais que valem dois dígitos de milhões de reais e barracos de dois cômodos que não têm sequer rede de esgoto. E essa é uma realidade para uma parcela muito grande da população. Segundo o Censo 2010 do IBGE, mais de 20% dos cariocas viviam em favelas.

Talvez a mais conhecida dessas comunidades seja a Rocinha, na zona sul da cidade, região que concentra praias de fama internacional e o metro quadrado imobiliário mais caro da América do Sul. Nesse misto de realidades antagônicas, muitas dificuldades são enfrentadas pelos mais de 100 mil moradores da favela. Falta presença do poder público; faltam escolas; falta saneamento básico; falta acesso à rede de saúde; falta segurança e faltam oportunidades. Nesse contexto de ausências, a presença da tia Gabriela é fundamental.

Depois de atuar nove anos como voluntária em projetos sociais na comunidade, Gabriela Alves conheceu o esposo, Rérison Marques, que também abraçou a causa. Eles se casaram inclusive numa cerimônia que envolveu as crianças da comunidade. Do compromisso deles nasceu a ONG Comunitá-Rio, que leva cultura, lazer, esporte, assistência social e formação profissional para jovens e crianças da Rocinha.

Em uma dessas ações solidárias, Gabriela e outros voluntários visitaram um lar onde uma senhora com semblante muito preocupado os atendeu. Eles oraram com ela e ofereceram a cesta básica. “Ela nos abraçou e começou a chorar, pois disse que não tinha mais nada para comer nem para oferecer aos filhos. Chamou-nos de anjos e agradeceu muito. Isso sensibilizou toda a equipe e nunca mais deixamos de atender a região”, conta emocionada Gabriela, que acredita no ato de ajudar como um segredo da felicidade.

Conhecida em boa parte da comunidade, tia Gabriela tem um respeito muito privilegiado na região. O trabalho da ONG, que completa dez anos em 2020, contribuiu para tornar a vida de muitas pessoas mais humana, como é o caso da família da Naiara e da Andréa, mães de alunos do projeto. Para nós, Gabriela deixa um recado: “Comece hoje mesmo. A vida não espera. Ela passa. Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Ajude e seja feliz!”

Naiara Cristina Sousa Alves, moradora da Rocinha e mãe de crianças que participam das atividades da ONG “O projeto me ajudou na educação dos meus filhos: na forma de eles se comportarem, de respeitar as pessoas, de aprender a ouvir e aceitar as coisas como elas são. A atuação do ComunitáRio pra minha família foi e sempre será muito gratificante em todos os sentidos.”

Andréa Leda de Sá, moradora da Rocinha e mãe de crianças que participam das atividades da ONG “O projeto me ajuda de uma forma incrível, pois minha filha apresenta um quadro de herpes oftalmológica, desde os quatro anos de idade, que a deixa agitada. O médico recomendou que ela fizesse várias atividades e, nesse meio tempo, o Comunitá-Rio entrou na minha vida como uma salvação, um projeto de Deus. Hoje minha filha estuda flauta, Libras, inglês e participa do coral. E isso pra mim é muito importante!”

EMPREENDEDORISMO CONHECIMENTO ACADÊMICO, PRÁTICA SOLIDÁRIA

O bairro do Capão Redondo, na zona sul paulistana, é conhecido por já ter revelado vários artistas em nível nacional, que tinham como mote da sua música a denúncia das mazelas da região, especialmente a violência. Mas ali também há pobreza e falta de oportunidades, como em muitas cidades do Brasil.

Foi nesse contexto social que alguns estudantes do Unasp, centro universitário adventista que começou nesse bairro há 105 anos, passaram a se reunir semanalmente para discutir diferentes temas, entre eles o papel do cristão na sociedade. O problema é que, com o passar do tempo, eles perceberam que os encontros se limitavam à troca de ideias, mas faltava ação. Foi quando mudaram a postura.

Denilson Shikako fazia parte desse grupo e ajudou a dar o start num movimento inicial que reuniu as habilidades desses amigos em favor de outros. Por ter afinidade com música, Denilson empregou seu talento no Jardim Amália, comunidade próxima ao Unasp.

Com o tempo, a proposta foi tomando corpo e novas pessoas passaram a colaborar, muitas delas recém-formadas na instituição adventista do bairro. Dessa forma, surgiu o projeto Vida Nova, que posteriormente se tornou ONG e tem ajudado, ao longo dos últimos anos, muitas crianças.

Uma dessas histórias, que Denilson guarda na memória, é a do Júnior. Jovem de uma família com 21 irmãos, ele viu vários da sua casa serem presos ou enterrados por causa do envolvimento com o crime. Tudo indicava que seu destino seria o mesmo, mas no projeto Vida Nova ele conheceu o lado da vida que vale a pena. O que fez diferença para ele e outros garotos, como Jorge, foi ter participado das oficinas de música e do grupo Tuc Boys. Júnior sobreviveu, estudou, tornou- se gerente de banco, foi cursar Teologia, trabalha como pastor e comprou o próprio carro e casa. Enfim, reescreveu sua trajetória.

“Acho que a coisa que mais conta para a felicidade aqui na Terra é você perceber que, de alguma forma, fez a diferença na vida das pessoas. Isso muda sua vida também!”, acredita Denilson, que hoje é CEO da Fábrica de Criatividade, uma consultoria na área de inovação e empreendedorismo social.

Júnior Alves da Silva, estudante do 4 o ano de Teologia do Unasp “Iniciei no projeto com apenas 12 anos de idade. Tive a oportunidade de conhecer diversos voluntários de inúmeras áreas profissionais, muitos ainda universitários. Foi aí que enxerguei um caminho diferente. O projeto me mostrou que tudo é possível para quem sonha. Principalmente a oficina de música mudou as coisas para mim. Como não tínhamos condições de comprar instrumentos, fomos incentivados a produzir os nossos com sucata e a usar o próprio corpo para produzir os sons. Fomos convidados para nos apresentar em diversos lugares e programas de TV, o que nos tornou uma referência positiva para as crianças do bairro. Sou profundamente grato a todos os voluntários do projeto Vida Nova e meu desejo é compartilhar com outros tudo o que recebi ali.”

Jorge Maia, professor de História “Entrei no Vida Nova por causa dos Tuc Boys. Alguns dos integrantes desse grupo de percussão corporal eram da minha escola. Eu estava no ensino fundamental quando comecei a frequentar o projeto. Os projetos sociais são capazes de abrir algumas janelas que podem fazer diferença. Sem eles, as coisas poderiam ser ainda piores. Por exemplo, por meio do projeto também passei a fazer parte da Fábrica de Criatividade, que é uma outra frente que tem ações maiores e, com os Tuc Boys, passei a viajar para várias regiões do Brasil. Os membros desse grupo são meus melhores amigos. Acabei ajudando como monitor no projeto e apresentando novos caminhos para outros jovens também.”

POLÍTICA DIREITOS FUNDAMENTAIS

É muito mais fácil a gente entender as necessidades dos outros quando já enfrentamos contextos parecidos aos deles. É justamente isso que norteia a luta de Damaris Moura. Na faculdade de Direito, pelo fato de observar o sábado como dia sagrado, ela sofreu vários casos de intolerância religiosa. Essas situações fizeram com que ela estudasse mais profundamente a legislação sobre liberdade religiosa. E, após muitas batalhas, conseguiu ter seu direito respeitado. Porém, ela entendeu que sua luta não tinha terminado, mas apenas começado.

Pouco depois da sua formatura, mudou-se de Minas Gerais para São Paulo, cidade em que encontrou muitas oportunidades. Logo que chegou à capital paulista, foi nomeada diretora do departamento de liberdade religiosa da sua igreja local, na qual conheceu vários jovens sabatistas que enfrentavam o mesmo problema que ela havia vencido em relação aos estudos. Isso tudo só fez com que Damaris “mergulhasse” mais ainda no tema.

Com o tempo, sua atuação na área de liberdade religiosa foi ficando cada vez mais conhecida e muitos procuraram sua ajuda. O reconhecimento veio também quando ela se tornou membro-fundadora da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB de São Paulo. Foi na presidência dessa comissão, função que ela exerceu por dez anos com destaque, que a advogada passou a atender pessoas dos mais diversos credos, como judeus, umbandistas, muçulmanos e cristãos de outras denominações que não a Igreja Adventista.

Nesse ínterim, o contato com o público a engajou também em outras frentes de atuação, como o combate à violência doméstica. Foi por meio do projeto Quebrando o Silêncio, da Igreja Adventista, que Damaris passou a fazer palestras de conscientização e a prestar assessoria jurídica em casos de abuso sexual, violência contra mulheres e idosos e bullying.

A visibilidade do seu trabalho gerou um convite para disputar as eleições de 2014 como deputada estadual. Como não era algo que fazia parte das suas ambições de vida, refletiu com cuidado sobre a questão, mas entendeu que a entrada na política institucional seria um modo de ampliar a defesa das causas nas quais acredita. Topou o desafio, mas não alcançou vitória no pleito.

O trabalho continuou e, em 2018, ela voltou a se candidatar, quando foi então eleita deputada estadual de São Paulo. Para ocupar o cargo que Damaris exercia na OAB foi eleito o advogado Samuel Gomes de Lima, amigo da deputada e outro defensor de longa data da liberdade religiosa. Entre os trabalhos de rotina de Damaris estão a discussão de propostas de novas leis, a participação em comissões temáticas e reuniões de frentes parlamentares, e audiências para receber pessoas em seu gabinete. “Estamos lá para ouvir a sociedade”, resume.

Damaris costuma ouvir pessoas como uma senhora que lhe procurou para falar sobre o abuso sexual que a própria filha de nove anos havia sofrido. Muito abalada, aquela mãe encontrou no gabinete da parlamentar não apenas um abraço, mas o direcionamento para um atendimento multidisciplinar, que envolvia tanto o suporte emocional quanto a denúncia contra o agressor.

“Já a reencontrei algumas vezes e hoje ela tem outro semblante e esperança no olhar. Com confiança no futuro. É recompensador ver isso”, conta a deputada, que também é uma forte incentivadora do voluntariado. “As pessoas que se dispõem a servir sem esperar nada em troca são, talvez, as mais beneficiadas no serviço ao próximo. O voluntariado cura os males do corpo e da alma”, justifica.

Em quase um ano e meio de mandato, a atuação da deputada tem resultado na discussão de uma lei estatual de liberdade religiosa (projeto 854/2019), algo inédito no Brasil; e na aprovação de leis relacionadas à violência doméstica (17.186/2019), além do debate sobre uma legislação em relação aos direitos de portadores do autismo e de doenças raras (projeto 1.327/2019). Para acompanhar o trabalho da parlamentar adventista, acesse al.sp.gov.br.

Samuel Gomes de Lima, presidente da Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania (Ablirc) e presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP “A Ablirc começou em 2004, organizando o primeiro fórum de liberdade religiosa do Estado de São Paulo, na Câmara Municipal de Diadema. Atualmente, nossos principais projetos estão relacionados à realização de eventos. Tivemos mais de 200 encontros com representantes de entidades religiosas e cerca de 170 eventos em organizações da sociedade civil, como a OAB e as assembleias legislativas. Nosso principal objetivo no momento é estender essas ações para outras regiões do Brasil.”

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