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POPULARIDADE DO ESOTERISMO ENTRE OS JOVENS
nas de deolho estrelas
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As práticas esotéricas se popularizam entre os jovens. Entenda a razão desse interesse e o que isso indica sobre as transformações em curso na religião
TODO MUNDO TEM sua rotina ao acordar. Há quem fique enrolando na cama por mais alguns minutinhos; há quem levante e rapidamente pule debaixo do chuveiro; existem os fãs de estômago cheio logo cedo e há quem goste de fazer algum tipo de reflexão para começar o dia, seja espiritual ou não.
Cássia (pseudônimo), de 26 anos, tem uma rotina corrida. Ela é product owner de uma startup. Só pelo título complicado da profissão, podemos ver que a coisa é séria. Por isso, organização não pode faltar na rotina dela, já no início do dia. Cássia conta que, ainda cedo, escuta um podcast curto. “Ele me faz ter noção das possíveis pedras no caminho que encontrarei durante o dia”, explica. O conteúdo do áudio? Astrologia.
A product owner está sempre pensando no futuro e, ao se planejar, leva em consideração o posicionamento dos astros. Semanalmente, ela visita um site específico de astrologia a fim de “entender um pouco melhor a razão dos acontecimentos” e ver o que pode “fazer para evitar problemas maiores”. Além disso, todo primeiro dia do mês, ela consulta outro site. Nesse caso, relacionado à numerologia.
Cássia enxerga nessas práticas esotéricas milenares ferramentas para aprofundar seu autoconhecimento e se precaver de problemas. No entanto, ela não deixa números e astros ditarem sua vida. “Mesmo que [a previsão] fale que é um perigo fazer X coisa, se for da minha vontade, eu faço; porém, com cautela e prestando mais atenção”, explica. Afinal, “acima de tudo, acredito na minha intuição”.
Ela não está sozinha nisso. A astrologia vive um boom, especialmente entre os millennials. Por isso, o papo astrológico está nas reuniões de trabalho, nos memes e nas campanhas publicitárias. Otávio (pseudônimo), um estudante de Psicologia de 27 anos, também utiliza a astrologia como ferramenta para autoconhecimento, mas, hoje, acredita que essas previsões não sejam deterministas. “Por um tempo, isso me influenciava muito. Por exemplo, não ia ao dentista na época de mercúrio retrógrado, pois mercúrio é o planeta da comunicação. Mas, com o tempo, fui desconstruindo essa crença e seguindo mais minha intuição”, explica. Para ele, que já estudou outras práticas esotéricas, como o tarô, e está sempre em contato com a astrologia, esse tipo de previsão não é fatalista; “na verdade, são ferramentas que dão direcionamentos. No fim, são nossas decisões que contam”, expõe.
“EU ACREDITO EM DUENDES”
A astrologia, as cartomancias (como o tarô), meditação, aromaterapia, feng shui e práticas afins são classificadas como relacionadas ao universo esotérico. Mas o que seria esoterismo? Essa palavra tem como significado central tudo aquilo que é oculto, fechado, escondido da maioria das pessoas e apenas revelado a um grupo seleto. Isso pode parecer, de certa maneira, incoerente com aquilo que é conhecido hoje como esotérico; afinal, Otávio, Cássia e muitos outros falam abertamente e de forma tranquila sobre essas crenças e práticas.
Entretanto, vem do século 19 a ideia de que tudo relacionado à dimensão espiritual é oculto, quando os praticantes do esoterismo eram atraídos por esse suposto conhecimento misterioso. “Você tem vários grupos esotéricos do século 19 que falavam que tinham um conhecimento que só aqueles que participassem do grupo poderiam ter acesso”, explica Silas Guerriero, antropólogo e professor da pós-graduação em Ciência da Religião da PUC-SP.
Os anos 1800 foram marcados por avanços em todas as áreas na sociedade, principalmente na ciência e filosofia. Por isso, de acordo com Guerriero, o esoterismo dessa época tentava se unir com a ciência, oferecendo cursos e estudos para que os praticantes adquirissem esses saberes ocultos, a fim de que chegassem a um nível superior de conhecimento.
Contudo, isso mudou bastante na década de 1960, com o início do movimento de contracultura, o qual procurava quebrar tabus e ir contra normas e padrões que dominavam naquela época. A partir de então, surge outro movimento religioso: a Nova Era. “Ela surgiu como um movimento anticapitalista, uma tentativa de reação à modernidade, às fronteiras e ao mundo bélico dos anos 1960”, explica Rodrigo Toniol, cientista social e professor adjunto do Departamento de Antropologia Cultural da UFRJ e do programa de pós-graduação em Antropologia da Unicamp.
O universo esotérico se transforma com a chegada do movimento Nova Era e passa a atender um público maior, com um propósito longe de ser oculto e muito menos escondido. “O que a gente chama de Nova Era seria uma forma de resgatar o esoterismo e transformá-lo em algo mais secular, mais palatável. A ideia básica da Nova Era é que a verdade está dentro de cada um”, complementa Guerriero.
Nas décadas de 1980 e 1990, o que se viu foi o auge do esoterismo em seu formato “Nova Era”, com lojas em shoppings centers vendendo cristais, baralhos de tarô, runas, livros de autoajuda, bruxas, duendes, entre outros produtos. Quem viveu o fim do século 20 talvez até se recorde de ter visto carros na rua com adesivos e inscrições dizendo “eu acredito em duendes”.
Porém, de todos esses itens, os livros de autoajuda foram os que mais garantiram a popularidade do movimento Nova Era. Nomes como Linda Goodman e Paulo Coelho se tornaram best-sellers ao redor do mundo e abriram as portas para o esoterismo mainstream. “O mercado editorial foi um dos fenômenos mercadológicos que transformou de fato esse universo esotérico em algo mais próximo daquilo que a gente conhece hoje”, diz Toniol.
FAST FOOD ESPIRITUAL
Hoje, no Brasil, continua sendo muito comum ver em postes pelas ruas cartazes anunciando “amarrações para o amor”. E quem nunca viu uma “tia” compartilhar frases de autores esotéricos em mídias sociais? Jornais e revistas continuam a publicar predições astrológicas em suas páginas, e, com a popularização da internet na virada do século 20 para o 21, saber o que seu dia reserva de acordo com o signo está a um clique ou toque. Pode até parecer que nada mudou, mas a verdade é que o esoterismo de hoje não caberia no movimento da Nova Era dos anos 1960 nem dos 1990.
Outro ponto contrastante entre o esoterismo Nova Era e o atual é o tipo de capitalismo no qual se vive.
Esse sistema econômico norteia a vida humana em diversas frentes, não se limitando ao trabalho e consumo. Quando o mundo é um mercado a ser explorado, ideias, crenças e práticas podem se transformar em produtos. Das camisetas com estampas de signos vendidas pela internet, passando pelos itens esotéricos disponíveis em shoppings centers e chegando aos aplicativos de tarô e astrologia, a lógica é a mesma: a oferta de um fast food espiritual. “Não estamos falando da Nova Era de antes, mas, ao mesmo tempo, é um processo histórico. O que a gente encontra nos anos 2020 é uma exponencialização daquilo que a gente já via nos anos 80 e 90”, afirma Toniol. Esse aumento se dá por conta da era da informação, onde tudo pode ser pesquisado e acessado rapidamente. Para Guerriero e Toniol, a internet, sem dúvida alguma, é a principal ferramenta para o contínuo crescimento do consumo de produtos e práticas esotéricas atualmente. E o que tece No esoterismo, os o processo histórico dos anos praticantes encontram 1960 aos dias de hoje é a ideia central da Nova Era: de que uma espiritualidade a verdade está dentro de cada desinstitucionalizada, um de nós. centrada no “Hoje, a ênfase principal é essa ideia de a pessoa autoconhecimento. entrar em contato com ela Algo atraente para mesma, com essa verdade as sociedades que está dentro dela. Então você tem várias ramificações individualistas de hoje. disso”, enfatiza Guerriero. Essa versão do esoterismo parece ganhar força exatamente num contexto de crescimento da autonomia dos indivíduos em relação às instituições religiosas, quando as pessoas tendem a olhar mais para dentro de si em busca de respostas do que para o discurso tradicional. Na astrologia e cartomancia, os praticantes encontram uma espiritualidade desinstitucionalizada, centrada no autoconhecimento. Ainda que contrariando as doutrinas do cristianismo, as crenças esotéricas estão presentes mesmo entre os cristãos. Pelo menos entre os norte-americanos. De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center publicada em 2018, seis em cada dez adultos nos Estados Unidos acreditavam em algo relacionado ao esoterismo, como mediunidade, reencarnação, astrologia e energia espiritual localizada em objetos físicos. O que chama a atenção é que, quando os cristãos são separados dos não religiosos, agnósticos, ateus ou praticantes de outras tradições de fé, a média dos que acreditam no esoterismo permanece a mesma.
Essa alta popularidade do misticismo nos Estados Unidos não é de hoje, como mostrou a edição de 2020 da pesquisa Science and Engineering Indicators. O estudo, que é financiado pela Fundação Nacional da Ciência (National Science Foundation, no original, ou NSF), se propõe a medir o entendimento dos estadunidenses sobre ciência e tecnologia. Desde 1979, questionários trazem perguntas sobre a crença ou descrença dessas pessoas em pseudociências, como a astrologia. O que o levantamento mostra é que a descrença na validade dessas práticas diminuiu levemente na última década: de 62% dos entrevistados em 2010 para 58% na última edição. E são as gerações mais jovens que parecem estar puxando esses índices para baixo: os norteamericanos de 18 a 24 anos são os que menos desacreditam a astrologia (43%); e o índice de adultos de 35 a 44 anos que começou a repensar sua incredulidade na interpretação dos astros caiu 8% na última década.
ESOTERISMO E RELIGIÃO
Na interpretação de astros e eventos, jovens e adultos se deparam com explicações para seus comportamentos. Mas também, segundo Toniol, o apelo da astrologia tem que ver ainda com um instinto humano: a previsibilidade. E é nesse campo da previsibilidade – liderado muito tempo pelas religiões institucionalizadas, que recorrem aos seus livros sagrados para prever o futuro – que alguns veem uma ameaça da popularidade do esoterismo para o fim das religiões.
Contudo, o professor Rodrigo Toniol discorda dessa teoria. Ele acredita que a religião não vai acabar. “O que a gente pode afirmar é que o modelo de relação com o sagrado instaurado pela Nova Era não ficará restrito à Nova Era. Pouco a pouco, ele também vai entrando no próprio universo religioso”, explica o antropólogo. Assim, a ideia de religião se transforma.
Com o fácil acesso à informação e a busca pela verdade interior, o indivíduo está se tornando cada vez mais autônomo na construção de suas crenças. Por isso, segundo o professor Silas Guerriero, a oferta esotérica de buscar verdades dentro de si faz muito sucesso no século 21, pois a busca por uma religião institucionalizada é substituída pela busca da espiritualidade. Conforme complementa Toniol, a dispensa de uma mediação institucional na relação com o sagrado reverbera muito mais numa sociedade como a atual, em que o grau de individualismo é bastante exacerbado.
EM QUEM CONFIAR?
Muitas lideranças cristãs veem como negativo o impacto dessas mudanças sociais na relativização
das crenças religiosas e no renovado interesse pelo esoterismo. “Essas práticas ocultistas não têm respaldo bíblico nem científico. Mais que isso, a Bíblia as condena fortemente. Por trás delas há um poder maligno. A Bíblia deixa muito claro que somente Deus conhece e pode revelar o futuro. Portanto, experimentar essas práticas é arriscar a própria integridade espiritual”, argumenta o pastor Marcos De Benedicto, pós-doutor em Teologia pela Universidade Andrews (EUA) e editor-chefe da CPB, editora da Igreja Adventista no Brasil. Marcos fundamenta sua forte crítica em diversos textos bíblicos (Lv 19:26, 31; 20:6, 27; Dt 4:19; 17:1-5; 18:9-14; 1Sm 15:23; 2Rs 21:6; Is 8:19, 20; 46:9, 10; 47:13-15; Jr 8:2; 19:13; Ez 8:16-18; Dn 2:10, 11, 27, 28; Am 5:26, 27; Mq 5:12).
O teólogo também ressalta que, a partir de uma perspectiva cristã, seria ilusório achar que é possível dispensar todo tipo de organização, pois a igreja tem natureza comunitária e coletiva, além de servir como curadora da verdade revelada e ter sido estabelecida com essas características pelo próprio Cristo.
Contudo, apesar de não endossarem necessariamente o esoterismo, outras lideranças religiosas argumentam que esse fenômeno de mais autonomia do sujeito pode resultar em algo positivo, se líderes e adeptos de religiões milenares e institucionalizadas, como o cristianismo, fizerem uma autocrítica. “Uma espiritualidade que não precisa de instituições religiosas como mediadoras da salvação é positiva; afinal, oferece mais autonomia às pessoas. Assim, elas podem buscar a Deus porque querem, e não apenas porque foram coagidas pela família, pelo grupo religioso ou pela sociedade”, explica o pastor adventista Danny Bravo, que também é mestre em Ciências da Religião pela Faculdade Unida de Vitória (FUV).
Danny reflete que essa demanda por autonomia na caminhada espiritual não é algo necessariamente novo, ainda que esteja sendo intensificada nas últimas décadas. Na verdade, a Reforma Protestante, movimento religioso do século 16, que teve seu surgimento atrelado ao início da era moderna na Europa, já sinalizava essa busca por autonomia dos sujeitos religiosos. De certo modo, o protestantismo “enfraqueceu” a igreja como instituição e “empoderou” os leigos, ao resgatar o ensino bíblico do sacerdócio de todos os crentes.
“Se no pensamento católico a igreja é a mediadora da graça, no pensamento protestante magisterial, de Lutero e Calvino, a igreja é o lugar em que a Palavra é pregada e os sacramentos são corretamente administrados. Lutero rompeu com as amarras salvíficas da Igreja Católica, resgatando a crença bíblica na justificação pela fé, porque, para ele, à luz das Escrituras, a igreja da época estava corrompida”, contextualiza o pastor Adriani Milli, doutor em Teologia pela Universidade Andrews e coordenador do curso de Teologia do Unasp. Segundo Adriani, a busca de autonomia não era um dos objetivos religiosos dos reformadores, mas acabou sendo um dos efeitos do movimento.
“Quando apenas a instituição religiosa e seus líderes tinham acesso ao texto sagrado, era mais fácil exercer controle sobre os membros, ainda que esse controle nunca tenha sido absoluto”, complementa Danny Bravo, ao comentar a revolução que a prensa de tipos móveis gerou na circulação de ideias e na popularização da Bíblia durante a Reforma Protestante.
“A partir do momento em que cada pessoa possui sua Bíblia, por exemplo, cada uma também terá uma leitura própria, uma interpretação particular das Escrituras”, complementa Danny. Na visão dele, ao pensar numa realidade ideal, a autonomia dos cristãos no acesso às Escrituras e na interpretação da Bíblia deveria promover o que se chama no cristianismo de “unidade na diversidade”. Em outras palavras, haveria consenso em pontos essenciais, mas espaço para diálogo sobre pontos controversos. No entanto, ele reconhece que o que mais se vê é dissidência, polarização e competição, inclusive nas mídias sociais.
Danny e outros pesquisadores enxergam o cenário religioso atual também como um mercado. “Hoje, muitas religiões institucionalizadas vendem um produto. Assim, parece que o ponto central da religião e da espiritualidade não é Deus nem uma força superior, mas o indivíduo, o ‘consumidor’”, analisa. Nesse contexto, ele acredita que fica mais fácil cada um costurar a própria “colcha de retalhos da fé”, ainda que isso inclua esoterismo ou outras crenças e práticas conflitantes com a orientação bíblica.
Por fim, Danny entende que muitos desses problemas ou contradições surgem quando deixamos de dialogar e considerar o aspecto comunitário da fé. “Devemos ser autônomos e capazes de tomar nossas decisões, mas a independência pode ser perigosa”, alerta o pastor. Ele defende que, para alguém fazer progresso na espiritualidade, precisa ter um referencial e uma meta. Caso contrário, pode não chegar a lugar nenhum. Falando a partir da perspectiva cristã, Danny entende que essa referência e meta encontra-se no Deus que Se revela por meio da Palavra, no Verbo que Se fez carne e habitou entre os seres humanos (Jo 1:14): Cristo. Para ele, Jesus é o único referencial seguro para a jornada pessoal de autoconhecimento, por ser o novo modelo de humanidade (Ef 2:15) e o Senhor a quem se deve livremente submeter a própria autonomia.