DAS PEDRAS DO ARPOADOR
Marcos Bonisson transforma praia carioca em campo de investigação, realizando imagens performáticas que extrapolam o conteúdo factual captado pela câmera. Em novembro, o artista visual lança livro com parte de seus 30 anos de produção fotográfica por Érica Rodrigues
work in progress
marcos bonisson
Da série “Pedras de Toque”, 2002-2004
39 FS
O
grande bloco de pedras que avança sobre o mar e os oitocentos metros de areia do Arpoador, no Rio de Janeiro, transformaram-se em um grande ateliê a céu aberto para Marcos Bonisson. Por meio da fotografia, o artista visual realiza, desde 1997, uma espécie de estudo da topologia local. O trabalho se desloca nesse espaço da praia de diferentes maneiras, resultando em diferentes séries, sem, no entanto, encerrar-se em temáticas determinadas. Para Bonisson, “temas pressupõem começo, meio e fim; são lineares e decisivos”.
Edificadas como work in progress (trabalho em andamento), as séries são processadas de acordo com um tempo interno, inerente ao trabalho, e não cronológico. Bonisson explora as potencialidades da fotografia para a construção de outras realidades, elaborando discursos que extrapolam o factual captado pela câmera. Corpos, mar, areia, pedras, espumas, poças interagem com elementos inseridos na cena, como linhas, pedaços de bambu, esferas. Suas imagens performáticas ganham outras dimensões e alçam o espectador a di-
ferentes extratos da percepção. Na série “Balada do Corpo Solar” (1997 – 2002), detalhes de movimentos dos banhistas são captados numa experiência lúdica, em que corpos pesados ocupam o mesmo espaço do ar: uma transgressão à lei da gravidade a que, para o autor, só a imagem construída é capaz de dar vazão. Em uma outra seqüência, chamada “Estudo para Levitação Virtual”, o próprio artista revela e realiza seu desejo íntimo de planar no espaço, colocando-se na cena, levitando sobre as pedras do Arpoador.
Da série “ZigZag”, 2002-2004
“Saia de Polvos”, 2000
FS 40
41 FS
Um outro desdobramento desse trabalho é a observação de situações efêmeras, como a série “Contornando Poças”. O fato de o relevo das pedras represar pequenas quantidades de água da chuva é captado pelo artista, que contorna tais porções de líquido com linha, interferindo sobre a circunstância e perpetuando-a na película. O aspecto da transitoriedade ainda
aparecerá em várias outras séries. Em “Bolhando” (2002-2004), Bonisson provoca e semeia bolhas que, em frações ínfimas de tempo, se desfazem e refazem, múltiplas ou nulas. Em “Pedras de Toque” (2002-2004), pequenas pedras portuguesas que se descolam do calçadão são recolhidas e colecionadas pelo artista e posteriormente reordenadas no espaço, formando-se assim composições que
apontam para uma frágil estabilidade e transmitem a sensação de que, a qualquer momento, podem se perder. A série “ZigZag” (2002-2004) compõe-se de instalações ao longo da praia, com seis ou oito pedaços de bambu e segmentos de linha, em que a sinuosidade própria da cidade e a trajetória de vida do artista – “Sou incapaz de andar em linha reta” – condensam-se numa única metáfora.
Da série “Contornando Poças”, 2002-2004
Da série “Esferas Ouriço”, 2000-2002
“Cara de Pedra”, 2004 Ponta seca s/negativo
FS 42
43 FS
Embora o espaço não seja o centro do trabalho, a cidade é intrínseca à visualidade proposta por Bonisson. Carioca nato, o que ele pensa mergulhando no Arpoador ou pedalando pelas ruas origina elementos vitais a suas fotografias, vídeos e filmes. Mais do que a imagem revelada sobre o papel ou projetada sobre a teFS 44
la, o trabalho de Marcos Bonisson estabelece uma dinâmica de interação entre corpo e espaço. O que importa não é o impacto da imagem final, mas o que se sugere como uma poética de processo: a experiência, a vivência, o andamento. “O grande desafio é o imaterial.” O artista se dedica agora a um projeto de livro, com recortes de sua pro-
dução de 1976 a 2005. O bloco de trabalho desenvolvido no Arpoador é um extrato da publicação, que deve ser lançada em novembro. Antes disso, a partir de outubro, seu trabalho em vídeo poderá ser conferido na 27ª Bienal de São Paulo, onde será apresentado “Héliophonia”, projeto experimental sobre o quase-cinema de Hélio Oiticica.
Sem Título, 1978