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J U L H O – A G O S T O
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CLIENTES, APRENDIZAGEM E INOVAÇÃO Vasco Eiriz Cristiane Valente
O ACTO DE ESCREVER João de Mancelos
O CÉU-DA-BOCA
Auto-Retrato num Grupo Almada Negreiros 1925
Pedro Chagas Freitas E AINDA REPEC COM MERCADO DOS DOIS LADOS João Leitão EMPREENDER NA FORMAÇÃO EM EMPREENDEDORISMO Pedro Dominguinhos EMPREENDEDORISMO NO BRASIL E EM PORTUGAL Marco Antonio Oliveira Monteiro Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes DIÁSPORA Vasco Eiriz
Rede2020 GESTÃO ▪ ESTRATÉGIA ▪ MARKETING e m p r e e n d e r . b l o g s p o t . c o m
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Vasco Eiriz vasco.eiriz@gmail.com vasco.eiriz.googlepages.com Empreender
www.empreender.blogspot.com Empreender é um projecto editorial associado à Rede2020. Contribuíram para este número
Cristiane Valente Inspectora Tributária da Direcção de Finanças do Porto. Email: valente.cristiane@gmail.com
João Leitão Professor Auxiliar da Universidade da Beira Interior. Email: jleitao@ubi.pt
João de Mancelos Docente da Universidade Católica Portuguesa e Pós-doutorando da Universidade de Aveiro. Email: mancelos@gmail.com
Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes Professor
Titular
do
IBMEC,
Rio
de
Janeiro.
Email:
autran@ibmecrj.br
Marco Antonio Oliveira Monteiro Investigador
do
IBMEC,
Rio
de
Janeiro.
Email:
marcoolivamont@uol.com.br
Pedro Chagas Freitas Escritor, linguista, jornalista. Email: criativa.escrita@gmail.com
Pedro Dominguinhos Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Setúbal. Email: pdominguinhos@esce.ips.pt
O empreendedorismo volta a merecer atenção neste número da Rede2020. Em artigo sobre o estado do empreendedorismo no Brasil e em Portugal, Marco Monteiro e Luiz Gomes concluem que ele está ainda demasiado dependente do Estado. Por sua vez, Pedro Dominguinhos defende uma formação em empreendedorismo também ela mais empreendedora e inovadora. O papel dos clientes na aprendizagem organizacional e inovação requer a atenção da minha parte e de Cristiane Valente, enquanto João Leitão mostra que a interacção e cooperação entre investigadores é importante na geração de conhecimento. Também as letras voltam a estar em destaque. Desta vez pela mão de João de Mancelos que partilha connosco a sua já vasta experiência na escrita. E também pela mão de Pedro de Chagas Freitas que faz da sua Fábrica um ponto de encontro regular e uma empresa da escrita. Finalmente, num outro espaço da Rede2020, a coluna Sociedade Anónima faz uma reflexão sobre a emigração, fenómeno que voltou a instalar-se em Portugal. Vasco Eiriz
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4 Clientes, aprendizagem e inovação Vasco Eiriz, Cristiane Valente
As relações inter-organizacionais com clientes podem revelar-se extremamente valiosas ao nível da aprendizagem, aquisição de conhecimento, co-geração de conhecimento e inovação.
ESCRITA
7 O acto de escrever João de Mancelos A escrita principia apenas na inspiração. Em seguida, há todo o trabalho de rever o texto, de o podar e enriquecer. Comparo este ofício ao das marés, que ciclicamente vão aplainando a praia, num trabalho de construção e reconstrução.
FORMAÇÃO
9 Empreender na formação em empreendedorismo Pedro Dominguinhos PROJECTO
10 Empreendedorismo no Brasil e em Portugal Marco Monteiro, Luiz Gomes FÁBRICA
13 A problemática do céu-da-boca Pedro Chagas Freitas CLAUSTRO
14 RePEc com mercado dos dois lados João Leitão SOCIEDADE ANÓNIMA
15 Diáspora Vasco Eiriz REGULARES
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Clientes, aprendizagem e inovação Aprendizagem, conhecimento e inovação são três conceitos nucleares na estratégia das empresas. Num ambiente caracterizado por elevados níveis de rivalidade, complexidade crescente de muitas tecnologias, e redução do ciclo de vida dos produtos, a vantagem competitiva de uma empresa depende cada vez mais da sua capacidade para aprender e traduzir o conhecimento gerado em novos produtos e serviços com valor para o cliente. O conhecimento pode ser gerado internamente numa empresa ou ser adquirido através de fontes externas que incluem universidades, centros de investigação, centros tecnológicos e os próprios concorrentes, fornecedores e clientes. A colaboração com estas e outras entidades com vista a alargar a base de conhecimento e as possibilidades de aprendizagem e inovação é um desafio importante para a empresa. No entanto, nem todas as empresas estão conscientes da importância da aprendizagem e do conhecimento e da sua repercussão ao nível da inovação. Outras há que, embora possam reconhecer a relevância destes conceitos, não desenvolvem estratégias e acções capazes de criar uma organização com capacidade de aprendizagem e inovação. Além das empresas, muitas outras entidades – associações empresariais, sindicatos, e instituições diversas públicas e privadas – reconhecem que a inovação e conceitos associados como aprendizagem e conhecimento são cruciais para a competitividade. Os governos de alguns países assumem a inovação como desígnio nacional e criam estruturas que têm como objectivo a sua promoção. O conhecimento tem ganho importância em relação a outros recursos que contribuem para a criação de valor, pois é através dele que muitas empresas conseguem inovar e traduzir essa capacidade no lançamento de produtos e serviços que criam mais valor acrescentado. Daí a importância da aprendizagem das empresas e da partilha intra e inter-organizacional do conhecimento. Se bem que as fontes inter-organizacionais de conhecimento possam ser diversas, as
empresas podem recorrer à sua relação privilegiada com clientes para aprenderem e inovarem. No limite, a competitividade duma empresa pode ser em parte aferida pelo valor que a sua oferta cria para os clientes. Daí que eles sejam uma fonte muito válida de conhecimento e com potencial de gerar inovação. De facto, as empresas não são entidades que se desenvolvem isoladamente. No prosseguimento das suas actividades, as empresas interagem umas com as outras e com outros tipos de organizações, e estabelecem relações de natureza diversa. Estas relações podem ser de natureza comercial e envolver transacções marcadamente económicas, mas podem também envolver trocas diversificadas de natureza não comercial. As relações inter-organizacionais com clientes podem revelar-se extremamente valiosas ao nível da aprendizagem, aquisição de conhecimento, co-geração de conhecimento e inovação. Neste projecto de investigação decidimos estudar o processo de inovação empresarial ao nível do desenvolvimento de acordos de colaboração com os clientes e a participação destes nas actividades de inovação das empresas estudadas. Além disso, procuramos compreender a importância atribuída pelas empresas ao conhecimento, aprendizagem e inovação bem como os factores que contribuem para o sucesso ou insucesso das actividades de inovação, particularmente no contexto das relações inter-organizacionais com clientes. Recorrendo à administração de um questionário, pretendemos: i) identificar as características das empresas inquiridas; ii) avaliar a importância atribuída pelas empresas ao conhecimento e à aprendizagem; iii) verificar se existe uma correspondência entre a percepção dos gestores e as actividades desenvolvidas nas suas empresas em termos de gestão do conhecimento e inovação; iv) verificar se as actividades de inovação existentes levaram ou não à introdução no mercado de novos produtos ou produtos significativamente melhorados. Nesse caso, verificaremos se a introdução de um (Continua na página 5)
Vasco Eiriz Universidade do Minho Cristiane Valente Direcção de Finanças do Porto
“Se bem que as fontes interorganizacionais de conhecimento possam ser diversas, as empresas podem recorrer à sua relação privilegiada com clientes para aprenderem e inovarem ”
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ENSAIO tor de actividade interessante para servir de objecto de estudo a um projecto de produto novo ou melhorado no mercado investigação com os objectivos anteriorresultou de actividades de inovação mente enunciados. Entre as características desenvolvidas em cooperação com agen- que a tornam adequada para este estudo tes externos, em especial com clientes. destacam-se a sua forte componente de No caso de terem sido estabelecidos investigação e desenvolvimento, a interacprojectos de cooperação com clientes, ção que estabelece com vários outros pretendemos conhecer as motivações que sectores da economia, e o papel essencial estão na base dessa cooperação, quais os da aprendizagem, conhecimento e inovaclientes com quem foi estabelecida a coo- ção no desenvolvimento de novos procesperação, como decorreu essa cooperação sos e produtos. Estas características são e averiguar os factores que podem estar evidentes por exemplo nos custos signifina base do seu sucesso; v) averiguar a cativos que, em média, as empresas deste relevância das relações informais com sector possuem com investigação e agentes externos no processo de aprendi- desenvolvimento ou as questões relaciozagem, geração de conhecimento e inova- nadas com a propriedade industrial que ção naqueles processos; vi) finalmente, frequentemente se levantam no sector. Com este estudo procuraremos pretende-se avaliar a relevância dos obstáculos à aprendizagem e inovação nas compreender mais aprofundadamente a forma como as empresa da indústria quíempresas estudadas. Optou-se pelo desenvolvimento de mica portuguesa recorrem à relação com um estudo de âmbito sectorial através da os seus clientes com vista a desencadearealização de um questionário às empre- rem processos de aprendizagem susceptísas do sector químico português, aqui veis de criarem conhecimento, e desenentendido como o conjunto das empresas volverem a capacidade de traduzir esse cuja actividade económica principal se conhecimento em inovação ao nível dos enquadra na divisão 24 (fabricação de produtos e processos. produtos químicos) da classificação das actividades económicas (CAE) portugue- Para saber mais sas. Constatou-se que, no ano de 2003, Büchel, Bettina; Raub, Steffen (2002). "Building knowledge-creating value existiam em Portugal 818 empresas cuja networks". European Management actividade principal se enquadrava na CAE 24 – fabricação de produtos químicos. De Journal, 20 (6): 587-596 entre os subsectores que integram a divi- Day, George S. (1994). "Continuous learnsão 24, destacam-se os seguintes em ing about markets". California Managenúmero de empresas: fabricação de ment Review, 36 (4): 9-31 sabões e detergentes, produtos de limpe- den Hertog, Pim (2000). "Knowledgeza e de polimento, perfumes e produtos intensive business services as code higiene (CAE 245) com 194 empresas; producers of innovation". Internafabricação de produtos químicos de base tional Journal of Innovation Manage(CAE 241) com 158 empresas; fabricação ment, 4 (4): 491-528 de tintas, vernizes e produtos similares, Gibbert, Michael; Leibold, Marius; Probst, mástiques, e tintas de impressão (CAE Gilbert (2002). "Five styles of cus243) com 147 empresas; e fabricação de tomer knowledge management, and produtos farmacêuticos (CAE 244) com how smart companies use them to 100 empresas. Ou seja, estes quatro subcreate value". European Management sectores representam 599 empresas (73,2 Journal, 20 (5): 459-469 por cento) da indústria química portugue- von Hippel, Eric (1988). The Sources of sa. Innovation, Oxford University Press, A indústria química constitui um secOxford. (Continuação da página 4)
Vasco Eiriz é professor de gestão estratégica e empreendedorismo na Universidade do Minho. Edita a Rede2020.
Cristiane Valente é Inspectora tributária na Direcção de Finanças do Porto.
“Decidimos estudar o processo de inovação empresarial ao nível do desenvolvimento de acordos de colaboração com os clientes e a participação destes nas actividades de inovação das empresas estudadas. Além disso, procuramos compreender a importância atribuída pelas empresas ao conhecimento, aprendizagem e inovação ”
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REVISTAS INDUSTRIAL AND CORPORATE CHANGE
STRATEGIC MANAGEMENT JOUR-
The journal is committed to present and interpret the evidence on corporate and industrial change, drawing from an interdisciplinary set of approaches and theories from e.g. economics, sociology of organization, organization theory, political science, and social psychology. It is a forum where industrial historians explicitly relate their analyses to the state of the art in the relevant social sciences and propose conjectures and theories. Conversely, economists and practitioners of other social disciplines are encouraged to apply their models to the historical evidence.
The journal publishes original material concerned with all aspects of strategic management. It is devoted to the improvement and further development of the theory and practice of strategic management and it is designed to appeal to both practising managers and academics. Papers acceptable to an editorial board acting as referees are published. The journal also publishes communications in the form of research notes or comments from readers on published papers or current issues. Editorial comments and invited papers on practices and developments in strategic management appear from time to time as warranted by new developments. Overall, SMJ provides a communication forum for advancing strategic management theory and practice. Such major topics as strategic resource allocation; organization structure; leadership; entrepreneurship and organizational purpose; methods and techniques for evaluating and understanding competitive, technological, social, and political environments; planning processes; and strategic decision processes are included in the journal.
NAL
STRATEGIC ORGANIZATION
Strategic Organization is devoted to publishing high-quality, disciplinegrounded conceptual and empirical research of interest to researchers, teachers, students, and practitioners of strategic management and organization. The journal is also aim to be of considerable interest to senior managers in government, industry, and particularly the growing management consulting industry. Strategic Organization provides an international, interdisciplinary forum designed to improve our understanding of the interrelated dynamics of strategic and organizational processes and outcomes.
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ESCRITA
O acto de escrever Todo o acto de escrever é uma possessão. Durante escassos minutos, mais raras vezes ao longo de horas, a mente transforma-se. Os dois hemisférios comunicam através de um plasma que faz a ponte entre o racional e o emocional, entre os dois eus que existem em cada um de nós. Os psicólogos ainda não conseguem explicar este fenómeno, mas os poetas há muito tempo que o descrevem através de imagens: é a possessão, a epifania, a visão. Qualquer que seja a palavra, a ideia é sempre a mesma: o escritor deixa de ser ele e passa a ser outro. Um outro sobressaltado ao descobrir uma ideia poderosa, oculta dentro de si. Esta inspiração é sempre intensa, perturba e exige ser transcrita para o papel tão rapidamente quanto possível. Há o receio de que esse momento mágico — que Sophia Andresen dizia ser uma oferta dos deuses — desapareça. Por vezes isso sucede, quando temos um sonho interessante, e não tomamos nota dele logo em seguida. É claro que a escrita principia apenas na inspiração. Em seguida, há todo o trabalho de rever o texto, de o podar e enriquecer. Comparo este ofício ao das marés, que ciclicamente vão aplainando a praia, num trabalho de construção e reconstrução.
Alguns dos meus contos preferidos surgiram de momentos como estes, e foram escritos de forma rápida, quase automática. Só depois os corrigi. Refiro-me a «Espécime Distante», a «Jogos Bárbaros» (Foi Amanhã, Vega, 1999), e ao conto que dá título a As Fadas Não Usam Baton. Qualquer um deles foi elaborado de forma muito rápida. Senti que não era eu a escrevê-los, mas sim uma força e um entusiasmo que sendo meus me eram estranhos. Quando acontece um nascimento assim, ficamos ligados às histórias por um afecto que decorre do momento especial da sua criação. É verdade que as pessoas preferem outros contos dessa obra. Muitos elegem «Até para o ano, em Jerusalém», enquanto alguns mencionam «Irmão, irmã». A minha tradutora – Karen Bennett – verteu para Inglês o «Avé Mar», e foi essa história que a Maria José Veiga analisou numa conferência em Los Angeles. Gosto de «As Fadas Não Usam Baton» porque penso ter conseguido escrever como uma mulher e sentir a personagem de uma maneira intensa – nunca me tinha sucedido. Foi também uma desafio: contar uma história de amor e ódio, com uma certa amargura, misturar texto dramático com texto (Continua na página 8)
João de Mancelos Universidade Católica Portuguesa
“Todo o acto de escrever é uma possessão. Durante escassos minutos, mais raras vezes ao longo de horas, a mente transforma-se”
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ESCRITA (Continuação da página 7)
narrativo, fundir prosa e poesia. Por outro lado, a protagonista, Alice, surpreendeu-me. Não fui eu que a criei. Ela insinuou-se, ganhou vida própria, tornou-se real. Algumas pessoas perguntaram-se se tinha mesmo existido alguém assim. Não, nunca existiu. E no entanto, está viva. Uma última razão por que gosto do conto é que remete para outras histórias – para Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll, por exemplo, e para alguns poemas de Eugénio de Andrade. O meu texto conversou com esses textos. Colhi influências deles. Quando a obra foi escolhida para vídeo-livro do programa Acontece, pude observar a forma como um realizador de cinema o lia. Foi curioso, porque não estava nada à espera de uma encenação assim: várias pessoas sentadas numa praia, em círculo, como gaivotas. Mas a escrita é mesmo assim: uma dádiva ao leitor, que fará com ela o que bem entender, e a interpretará de acordo com a sua própria sensibilidade e imaginação. Por razões diferentes, o livro que se seguiu — Foi Amanhã — permanece como o meu favorito. Na altura em que escrevi várias das histórias, andava à procura de um apartamento. Como queria um sítio sossegado, pedi ao agente imobiliário que me deixasse passar uma noite em cada uma das casas, para ver se tinham um bom isolamento sonoro. Ele acedeu ao meu bizarro pedido, um pouco contrafeito. Nesses apartamentos não havia electricidade, nem água, nem qualquer peça de mobiliário. Na escuridão total, deitava-me num saco-cama, e, para me entreter, escrevia mentalmente algumas histórias. Só no dia seguinte as podia registar num caderno. Privado de qualquer distracção, a minha mente viajou por onde quis. Por isso essas narrativas são mais estranhas do que as incluídas na obra anterior, e podem ser classificadas dentro de um estilo que os críticos chamam de realismo mágico. Ou seja, parti de situações verosímeis, e nimbei-as com fantasia – fingindo que era tudo muito a sério. João de Mancelos nasceu em Coimbra, em 1968. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de Aveiro; mestre em Estudos Anglo-Americanos pela Universidade de Coimbra; doutorado em Literatura Norte-Americana pela Universidade Católica Portuguesa; tem duas especializações em Escrita Criativa e Estudos Fílmicos pela Universidade de Luton, em Inglaterra. Presentemente, encontra-se a elaborar pósdoutoramento na Universidade de Aveiro. Escreveu diversas obras de poesia e de contos, entre os quais se destacam: O Labor das Marés (Estante, 1995), Foi Amanhã (Vega, 1998), Línguas de Fogo (Minerva, 2001), As Fadas Não Usam Batom (1ª ed. A Mar Arte, 1998; 2ª ed. Vega, 2004), O que sentes quando a Chuva cai? (Vega, 2006). Publicou dezenas de recensões e ensaios sobre Literatura e Escrita Criativa, a maioria dos quais estão disponíveis em mancelos.googlepages.com/home.
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FORMAÇÃO
Empreender na formação em empreendedorismo Muito se tem escrito sobre a bondade de uma sociedade mais empreendedora. Também se reconhece que a situação portuguesa carece de ser melhorada, existindo vários programas que estimulam o empreendedorismo em geral e a criação de empresas em particular. Um estudo recentemente desenvolvido, a ser publicado pelo Observatório do Emprego e Formação Profissional, analisou 26 programas de formação direccionados à criação de empresas. De uma forma genérica, a taxa de sucesso, medida pelo número de empresas criadas, ronda os 16 por cento. Este número situa-se um pouco abaixo de vários programas europeus, a rondar os 25 por cento. Podemos destacar como factores indutores da criação de empresas, a motivação explícita e genuína dos formandos nesse sentido, o contacto com a realidade empresarial durante a formação, metodologias activas utilizadas no processo e uma orientação para o desenvolvimento das competências empreendedoras, mais do que a elaboração do plano de negócios, característica patente na quase totalidade dos programas. Apesar destas boas práticas, num número muito reduzido de programas continuam a subsistir formações longas, centradas na sala de aula e em conteúdos de gestão, estandardizadas, independentemente do público-alvo, sem qualquer apoio ao nível do financiamento e incubação, com falta de momentos de construção de redes com empresas e entidades, com uma notória falta de monitorização dos percursos e dos resultados dos processos formativos. Atrevemo-nos a sugerir um conjunto de recomendações. Ao nível dos objectivos gerais, necessitamos de acções mais transversais que desenvolvam as competências empreendedoras da população. Ao mesmo tempo, importa também potenciar os indivíduos que possuem ideias capazes de se transformarem em oportunidades de negócios. A utilização do balanço de competências reveste-se de crucial importância, porquanto permitir identificar o ponto de parti-
da e as lacunas existentes, facilitando a customização dos programas de acordo com as características dos formandos. Neste sentido, mais do que a concentração dos programas num espaço temporal definido, urge desconcentrar no tempo, permitindo acompanhar a evolução dos indivíduos e dos seus projectos empresarias, revestindo-se particularmente interessantes a utilização do "coaching". Importa ainda, no campo das metodologias, apostar naquelas que promovam um envolvimento activo dos formandos, para além de se possibilitarem momentos de contacto com os contextos reais de trabalho, potenciando a formação "on Job", junto de empresas e empreendedores que passaram pelo mesmo processo. Um outro aspecto que se deve potenciar reside na organização em parceria destas iniciativas, numa lógica de complementaridade. Entidades formadoras, como escolas e instituições de ensino superior, associações empresariais e de desenvolvimento local, autarquias, entidades gestores de espaços de ciência e tecnologia e de incubação a par de parceiros financeiros necessitam de colaborar com o objectivo de uma formação global em todo o ciclo, oferecendo serviços integrados aos empreendedores. Por fim, mas não menos importante, importa avaliar e publicar essa avaliação. Sugerem-se diferentes níveis de critérios. Por um lado, o número de empresas criadas, quando este seja o objectivo explícito. Mas, a evolução das competências empreendedoras dos indivíduos e o seu percurso no mercado de trabalho deverão também ser objecto de monitorização. Isto significa, que uma perspectiva longitudinal deve enformar este sistema de avaliação.
Pedro Dominguinhos é licenciado em Economia, mestre em Economia Internacional e doutorando em Gestão no Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa. É Professor Adjunto na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal.
Pedro Dominguinhos Instituto Politécnico de Setúbal
“A evolução das
competências empreendedoras dos indivíduos e o seu percurso no mercado de trabalho deverão ser objecto de monitorização”
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PROJECTO
Empreendedorismo no Brasil e em Portugal A escolha do tema da minha dissertação de mestrado não foi tarefa fácil, como acredito que não é igualmente para todos os mestrandos. Não tanto pela complexidade e sim mais pela diversidade de temas interessantes que poderiam resultar em um bom trabalho. De certo, apenas uma vontade dominante de fazer algo relacionado ao empreendedorismo, dada à atualidade e a crescente importância do tema. Entretanto, outra dúvida, dentro deste vasto tema, por si só, falar sobre o quê? Foi então que meu orientador sugeriu aproveitar a minha dupla nacionalidade, brasileira e portuguesa, e fazer um comparativo de características culturais entre empreendedores desses dois países. Certamente, além de ser um trabalho de características pioneiras, a dupla cidadania me facilitaria na investigação, considerando o vasto trabalho de campo que esta exigiria nos dois países. Paralelamente, me estimulava muito investigar as características de empreendedores brasileiros e portugueses, porque me dava a curiosa idéia de estar estudando os dois lados da minha formação cultural. Nasci no Brasil e sou filho de emigrantes portugueses, pai e mãe, que emigraram para o Brasil na primeira metade do século passado, portanto, tenho fortes ligações com a cultura dos dois países. Após um breve período solicitado ao meu orientador para pensar nos benefícios e dificuldades de uma investigação dessa magnitude, aceitei o desafio.
Parti então, para a primeira etapa, a montagem de um projeto de pesquisa, e em seguida eu e meu orientador contactamos uma universidade em Portugal, que tem um protocolo estabelecido com a nossa universidade no Brasil, para montarmos na prática uma parceria que viesse a viabilizar a realização da investigação. Foi então que obtive em Portugal uma professora coorientadora que aceitou participar do estudo por considerá-lo realmente de características pioneiras. Após todas as fases típicas de um estudo desses, tais como, revisão de literatura, definição de metodologia, elaboração de um inquérito e outras, parti em Junho de 2006 para Portugal onde fui levantar os dados por meio da aplicação do inquérito em empreendedores com empresas situadas dentro de incubadoras. Durante pouco mais de um mês, esse foi o meu trabalho de campo em Portugal, visitei incubadoras e dentro dessas, conversei com os empreendedores apresentando a investigação e solicitando a participação deles, via preenchimento do inquérito, composto na sua totalidade por 48 questões. O resultado foi bastante positivo, tendo sido obtido um total de 71 inquéritos respondidos. Dando prosseguimento a investigação, retornei ao Brasil em meados de Julho para então iniciar a etapa do trabalho de campo no Brasil, onde foi aplicado o mesmo inquérito, também para empreendedores dentro de incubadoras. O resultado foi (Continua na página 11)
Marco António Oliveira Monteiro IBMEC Rio de Janeiro Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes IBMEC Rio de Janeiro
“A escolha do tema da minha dissertação de mestrado não foi tarefa fácil. De certo, apenas uma vontade dominante de fazer algo relacionado ao empreendedorismo, dada à atualidade e a crescente importância do tema”
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PROJECTO (Continuação da página 10)
igualmente positivo, tendo sido recolhido um total de 85 inquéritos respondidos em um prazo de cerca de um mês e meio. Com o término da etapa do trabalho de campo, foi realizado o tratamento dos dados, para em seguida se iniciar a análise dos resultados e posteriormente as conclusões finais. As etapas de análise de resultados e conclusões são sempre as mais ansiadas pelo investigador, evidentemente porque são em última análise a própria razão de existência do estudo, sendo essas as etapas nas quais me atentarei agora. As análises dos resultados confirmaram as expectativas formadas por ocasião da revisão de literatura. Eram esperadas grandes semelhanças de características entre empreendedores brasileiros e portugueses, principalmente, pelo fato de Portugal ter sido o principal determinante da formação cultural brasileira, conforme destacado por diversos autores, e por ser o empreendedorismo um fenômeno fortemente influenciado pelo ambiente cultural. Assim, tanto os empreendedores brasileiros como os portugueses revelaram sempre
terem muito mais semelhanças do que diferenças em suas características culturais. Todavia, o que mais me chamou a atenção foi a constatação de que em termos culturais ainda estamos distantes de um perfil de características considerado ideal para o crescimento do empreendedorismo nos dois países. Na realidade, tanto Brasil como Portugal são países que demonstram ainda terem em suas culturas uma forte dependência do Estado para fomentar o crescimento econômico, com as iniciativas privadas tendo ainda uma importância secundária nesse processo. O empreendedorismo tanto no Brasil como em Portugal parece não ter vida própria, parece estar na dependência da iniciativa pública. Este fato também confirmou as expectativas surgidas na revisão de literatura que apontavam para existência de uma herança cultural marcada por uma forte influência do estado português tanto na “vida” da metrópole Portugal, quanto no modelo de colonização implantado por este no Brasil colônia.
“Tanto Brasil como Portugal são países que demonstram ainda terem em suas culturas uma forte dependência do Estado para fomentar o crescimento econômico”
Marco Antonio Oliveira Monteiro é licenciado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil; Mestre em Administração de Empresas pelo IBMEC/ Rio de Janeiro, Brasil; e Pesquisador na área de Empreendedorismo do IBMEC/Rio de Janeiro, Brasil.
Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes é Doctor of Philosophy pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA; Pós-Doutorado na Universitaet Stuttgart, Alemanha; e Professor Titular do IBMEC/Rio de Janeiro, Brasil.
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COMUNIDADES
Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional “A Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional (APDR) foi fundada em 1984, visando contribuir para a inovação, aprofundamento e divulgação de conhecimentos no âmbito do desenvolvimento regional, promover a troca de informação e experiências entre os seus associados e profissionais de instituições diversas, promover o encontro entre as diferentes disciplinas envolvidas e fomentar a colaboração entre a Universidade e a Administração Pública, tendo em vista uma mais estreita ligação entre o conhecimento científico e a prática do desenvolvimento regional. A APDR é a secção portuguesa da European Regional Science Association (ERSA) e tem actualmente cerca de 220 membros, que desenvolvem as suas carreiras em instituições académicas ou noutras instituições públicas e privadas ligadas ao desenvolvimento regional.
A APDR organiza, desde 1998, um congresso anual onde, habitualmente, entre duas a três centenas de investigadores portugueses e estrangeiros se reúnem para discutir em torno de mais de uma centena de comunicações científicas na área da Regional Science. No mesmo ano, iniciou a "Colecção APDR", que inclui hoje 19 obras publicadas; de entre estas destaca-se o Compêndio de Economia Regional, obra colectiva destinada a apoiar o ensino nas universidades de língua portuguesa. A APDR publica também um boletim trimestral e, desde 2003, a Revista Portuguesa de Estudos Regionais.” Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional
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FÁBRICA Por Pedro Chagas Freitas
A problemática do céu-da-boca Bárbara Guimarães revelou, em entrevista, que desliga o telemóvel a partir das oito horas da noite, altura em que, segundo a apresentadora televisiva, está junto de quem ama e, por isso, não quer ser incomodada por quem quer que seja. Depois de ler isto, a questão que se impõe é só uma – e não pode ser escamoteada: como é que Manuel Maria Carrilho consegue entrar em contacto com a sua esposa a partir das oito horas da noite? Por seu turno, Miguel Ângelo, vocalista dos Delfins, afirmou adorar ver filmes de terror com os seus filhos. Neste ponto, urge perguntar com alguma veemência: quando é que te cansas de ver – e de obrigar os teus pobres filhos a fazê-lo – os teus próprios concertos, ó Miguel? Estará, o prezado leitor, neste momento a pensar em uma de duas coisas: 1) na imagem da Soraia Chaves coberta – mas pouco – com a roupa interior vermelha de renda que visualizou na montra da sex-shop do bairro; 2) na relação que poderá haver entre os primeiros dois parágrafos desta crónica e o título da mesma. Ora, apesar de ter para mim que, certamente, é na roupa interior que o leitor estará a pensar, serei obrigado, para salvaguardar a hipótese de o Cláudio Ramos estar a ler isto – o que não é, de forma alguma, despiciendo –, a segunda hipótese. Assim, a ligação entre as duas asserções que efectuei no início desta minha prosa deveu-se – como é evidente – à intrínseca ligação entre o céu-da-boca – sobretudo a saliva – e as duas criaturas que protagonizam os supracitados parágrafos. Passo a explicar: ao olhar para a Bárbara Guimarães, é natural que o mais comum dos humanos providos de instintos de acasalamento – o que exclui, desde logo, o José Castelo Branco – sinta água na boca. Por outro lado, o mesmo acontece sempre que um concerto dos Delfins é transmitido pela televisão, isto é, começamos – regra geral – a espumar da boca. Mas neste caso de cólera. Serviu este pequeno excurso para introduzir, com base em exemplos bem claros e conhecidos do grande público – e também do pequeno (vá lá, Marques Mendes, não fiques amuado) –, a problemática que hoje procuro abordar de forma séria e isenta. Refiro-me, como já perceberam, ao céu-da-boca e aos seus inúmeros mistérios.
Antes de penetrar na problemática propriamente dita, gostaria de deixar uma dúvida existencial que, com certeza, perseguirá muita gente por esse mundo fora: será que as salivas, quando morrem, vão para o céuda-boca? Deixo esta intrincada questão no ar. Mergulhemos, então, naquilo que realmente me fez escolher esta problemática e não, por exemplo, a problemática, também ela assaz interessante, da revolta dos rinocerontes no Pólo Norte (tema pertinente, na medida em que, como todos sabemos, não existem rinocerontes no Pólo Norte. Uma limitação que, ao que parece, não os inibiu de se revoltarem por estarem onde, já se viu, não estão). E não há, aqui, é bom deixá-lo bem claro, qualquer analogia, de carácter musical, entre Pólo Norte e rinoceronte. Mas, como procurava expor, houve uma razão incontornável que me fez escolher abordar esta problemática: nenhuma. Na verdade, que outro tema me poderia oferecer menos matéria para análise do que este? Conseguirá o leitor encontrar – sem recorrer a artifícios demagogos como o de chamar à colação o cérebro da Ana Afonso – algo mais desprovido de conteúdo do que o céu-da-boca e todas as suas especificidades? Sinceramente, não me parece. Ainda assim, e não obstante – como já comprovei – nada haver a dizer sobre este assunto, posso informar, com indisfarçável orgulho, que já consegui escrever, até este momento, cerca de 3500 caracteres acerca do mesmo, o que prova, de forma imediata, duas coisas: 1) que o estimado leitor é, neste momento, alguém com muito tempo nas mãos e que, por isso, ainda está a ler algo que versa sobre – basicamente – nada; 2) que a capacidade de ocupar palavras sem nada, com elas, dizer, não é recurso discursivo exclusivo dos políticos e do Luís Filipe Vieira. O que é, por si só, uma boa notícia no que concerne ao bom funcionamento do sistema democrático no nosso país. Por outro lado, é fundamental, como seria inevitável quando se aborda a problemática inerente à boca e às suas idiossincrasias, trazer a este putativo exercício argumentativo – adivinharam – a Manuela Moura Guedes. Na realidade, é simples de perceber a ambivalência da estrutura bocal francamente desenvolvida da ex-
apresentadora do Jornal da Noite da TVI. Para José Eduardo Moniz, isso parece-me simples de assimilar, em momentos – como dizê-lo? – mais acalorados, a boca da Manuela será, com certeza, um verdadeiro céu pelo prazer físico que pode representar. No entanto, para o comum dos ouvintes, sobretudo para os telespectadores da TVI – e até mesmo para o próprio José Eduardo Moniz – tudo, ou quase tudo, o que é produzido e articulado por aquela boca acaba por ser algo muito próximo do inferno. Ora, à laia de conclusão, urge expor, a partir deste simples mas objectivo encadear de ideias, que, na realidade, nada – até mesmo o posicionamento dos órgãos do nosso corpo – é feito ao acaso. Com excepção, talvez, da Simara, sendo que, aí, não se trata de acaso, mas sim de ocaso, uma vez que, como é fácil de perceber, sempre que ela se coloca em frente ao sol se assiste ao seu ocaso. Ou, em português mais corrente, ao eclipse solar. O que explica o facto – que sempre foi alvo da minha acesa curiosidade – de, em todas as ocasiões em que a Simara é fotografada numa praia, o areal estar completamente deserto. Frio, meus amigos, é a explicação.
Pedro Chagas Freitas acredita reunir características que lhe permitam, um dia, vir a ser chamado de humano. Entretanto, vai exercendo actividades perfeitamente irrelevantes, todas elas relacionadas com a escrita. Há quem diga que estudou Linguística durante quatro anos. Há quem jure a pés juntos que um dia o viu ser jornalista. Há, ainda, boatos que o dão como capaz de exercer funções criativas e redactoriais em agências de publicidade. Até ao momento, contudo, nenhuma das possibilidades foi devidamente comprovada. Fontes próximas dão como certo somente um facto: não gosta de conduzir.
REDE2020
VOLUME
3
NÚMERO
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CLAUSTRO
RePEc com mercado dos dois lados Uma das temáticas mais em voga entre os economistas que trabalham a área de Organização Industrial é, exactamente, a referente aos mercados de dois lados, sendo que estes apresentam uma característica única, mas ao mesmo tempo polivalente, ou seja, a possibilidade de o mesmo agente obedecer à lógica de oferta e de procura, recorrendo ao uso da mesma plataforma. Um exemplo consentâneo de plataforma é o da base de dados Research Papers in Economics, a qual é uma iniciativa conduzida por voluntários, que visa, fundamentalmente, criar uma base de dados dotada de acesso público, a qual promove a comunicação entre profissionais, académicos e investigadores das áreas de ciências económicas e empresariais. Nessa base o profissional/autor que efectua o upload dos seus papers, também fica dotado da capacidade simultânea de efectuar o download dos papers dos seus partners. Esta é uma vantagem incontestável dos mercados de dois lados, os quais promovem a concorrência, mas também incentivam a cooperação, na medida em que contribuem para tornar a informação e, mais tarde, o conhecimento, em bens públicos. Os dados actuais apontam no sentido de que a referida base de dados contém informação sobre mais de 428.000 itens, sendo que 321.000 estão disponíveis online, e de entre os quais se destacam: - 10.750 profissionais individuais (contacto profissional e publicações associadas); - 9.850 instituições (departamentos de gestão, economia, institutos de investigação e organizações governamentais); - informação bibliográfica sobre 190.000 documentos de trabalho, os quais são publicados por instituições e indivíduos; - citações bibliográficas para 233.000 artigos de revistas internacionais e para 2.300 livros e capítulos. - 1.400 descrições de software e programas. A totalidade da informação da RePEc está disponível em acesso aberto e de forma gratuita a partir de uma série de serviços com interface gráfica Web, que convém destacar, nomeadamente: IDEAS; EconPapers; CitEc; Socionet Personal Zone; Inomics; Munich Personal RePEc Archive. Uma palavra especial para o serviço público prestado pela Munich Personal RePEc Archive, com a qual colaboro, directamente, desde o final de 2006, como editor internacional para papers escritos em língua Portuguesa. Na realidade, trata-se de mais um serviço público que permite aos profissionais de instituições não registadas efectuarem o upload dos seus papers, não obstante ser condicionado à selecção dos editores, para posterior disseminação internacional pelo serviço New Economics Papers (NEP), nas suas diferentes áreas. A minha experiência acumulada como editor voluntário do NEP em cinco áreas: Microeconomia, Marketing, Economia da Educação, Economia Pública e Economia do Desporto, desde 2001, permite-me relatar episódios interessantes e gratificantes ao ponto de serem relatados de forma telegráfica nas
linhas subsequentes. Esta é uma actividade voluntária sem datas prédefinidas que exige trabalhar de dia e de noite e também durante as férias, em especial aquelas em que tive de desembolsar uma pequena fortuna para editar relatórios a partir de Peniche, algures num CyberCafé infestado de jovens fumadores. Mas não ficam por aqui as peripécias, é recordar, por exemplo, o ano de 2002 em que João Leitão foi confundido com um vírus maligno que atacava as caixas de correio dos investigadores que participavam com frequência nas Jornadas Luso-Espanholas de Gestão Científica. Já num terreno mais sério, valeu a pena encetar a luta “poderosa”, juntamente, com o editor geral do NEP, Bernardo Batiz-Lazo, para a inclusão de relatórios relacionados com a área científica de Ciências Empresariais. A criação do relatório de Marketing, por cedência do relatório de Economia Pública, foi uma realidade, contestada mas ultrapassada, a partir de 2004. Devo destacar que esta iniciativa tem propiciado múltiplos contactos internacionais com outros investigadores e instituições de ensino e investigação. Adicionalmente, tem facilitado a integração de profissionais ligados à Universidade da Beira Interior em conselhos editoriais e científicos de revistas e de conferências internacionais de referência. Uma última vantagem fundamental é ter contacto, numa base semanal, com o que há de mais recente, em versão de documento de trabalho, no que concerne a investigação científica nas áreas das ciências económicas e empresariais. A informação que gera conhecimento deve ser, de facto, um bem público, e este é um dos caminhos que deve ser percorrido, sendo que falta agora intensificar os laços nacionais e internacionais de cooperação entre investigados de áreas científicas-fronteira, porque certamente o produto da investigação daí resultante terá maior valor acrescentado.
João Leitão é Professor Auxiliar da Universidade da Beira Interior. É doutor em Economia e Licenciado em Gestão de Empresas e investigador do Núcleo de Estudos em Ciências Empresariais.
Ligações Research Papers in Economics http://repec.org IDEAS http://ideas.repec.org/ EconPapers http://econpapers.repec.org/ Munich Personal RePEc Archive http://mpra.repec.org/ Inomics http://www.inomics.com/cgi/show New Economics Papers http://nep.repec.org/
João Leitão Universidade da Beira Interior
“A informação que gera conhecimento deve ser, de facto, um bem público, e este é um dos caminhos que deve ser percorrido, sendo que falta agora intensificar os laços nacionais e internacionais de cooperação entre investigados de áreas científicasfronteira”
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SOCIEDADE ANÓNIMA Por Vasco Eiriz
Diáspora Com tudo o que isso tem de positivo e negativo faço parte duma geração pós1974, ano da revolução portuguesa. Há já alguns anos que não encaixo em nenhum conceito oficial de juventude e aproximome a passos largos da esquina da idade. Faço esta contextualização para informar o leitor de que, à semelhança de todas as gerações portuguesas de há vários séculos a esta parte, também a minha geração está a falhar. Com os anos vi muitos amigos de infância e juventude a emigrar à procura das oportunidades que nunca encontraram em Portugal. Pensei que fosse um fenómeno isolado. Mas não. É muito mais do que isso. Estava toda a gente convencida de que o desenvolvimento económico do final dos anos 1980 e 1990 tinha estancado a emigração. Enganamo-nos. Ao longo de todos estes anos a hemorragia jamais parou. Terá sido porventura atenuada depois de 1986, ano de entrada de Portugal na União Europeia, com a enxurrada financeira de Bruxelas. Mais tarde, durante alguns anos, os ucranianos convenceram-nos que éramos uma espécie de França ou Suíça do Século XXI. Ainda por cima alguns ucranianos exerciam medicina, o mito profissional do português médio! Iludiram-nos e iludimonos. Centenas de quilómetros de autoestrada e dez novos estádios de futebol depois, as estatísticas continuam a exibir o fenómeno da emigração. Preocupante. Os países de destino tradicional – França, Suíça, Luxemburgo e ali à volta – mantêm-se atractivos, mas agora há um toque mais anglo-saxónico na diáspora. Há centenas de portugueses a criar perus em Inglaterra, a manter galinhas na "pobre" Irlanda e alguns a tirar pós-graduações no MIT. Estes últimos não usam mala de cartão. Basta-lhes uma bolsa. Do mal, o menos; já ninguém vai a salto. Há outros indicadores ainda mais curiosos. Por exemplo, o incontável número de trabalhadores que semanalmente atravessam as fronteiras terrestres em carrinhas brancas para alimentar a construção civil em Espanha. Esses, claro, nem sequer aparecem na estatística da emigração. No regresso, enchem o depósito de combustível e aviam as compras da semana com IVA mais amigável. Outros não precisam de emigrar. São gestores da linha intermédia de empresas espanholas e passeiam-se em
altas cilindradas com matrícula castelhana. Sem IA. No historial da emigração portuguesa quiseram ainda convencer-nos de que os que saíam não tinham habilitações ou competências para cá ficar. Era tudo gente para empregos de colher e vassoura, dizia-se. Voltaram a enganar-nos. O problema é agora mais preocupante. Muitos dos que continuam a sair levam canudo atrás e alguns fazem mesmo os possíveis para trazer o canudo lá de fora. Veja-se, por exemplo, a saída de quadros superiores ou esse caso gritante dos estudantes portugueses de medicina em Espanha e na República Checa. A propósito de checos, eslovacos e outros eslavos, há alguns anos divertia-me imenso a ler a Vida Soviética e a tentar compreender os amanhãs soalheiros dos países do outro lado da cortina. Hoje, afinal de contas, num desses países estão a formar-se os futuros médicos, outros alimentam a internacionalização envergonhada de
algumas das maiores empresas portuguesas e outros vão ultrapassando o país nos "rankings" da competitividade internacional. Um deles – para os lados do Báltico – até se tornou recentemente o primeiro país do mundo a introduzir o voto electrónico, enquanto, em Portugal, cada vez que há eleições ou referendos, se debate a desactualização dos cadernos eleitorais. Enfim, paradoxalmente os factos parecem querer provar que os amanhãs que cantam da Vida Soviética não eram assim tão propagandísticos. Por tudo isto não deixa de ser sintomático que António Barreto, conhecido sociólogo responsável por uma popular série na televisão portuguesa intitulada "Portugal – Um Retrato Social" e conhecedor da estirpe tenha afirmado recentemente em entrevista a um jornal: "Eu não amo nada em Portugal, a não ser pessoas. O que me faz ficar é a idade. Se tivesse 50 ia-me embora e começava tudo de novo. Com 64 é difícil."
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