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QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO Carla Antloga Helena Lima
EFEITOS DA LOCALIZAÇÃO Natália Barbosa Vasco Eiriz
Auto-Retrato num Grupo Almada Negreiros 1925
CURRENT 93 António F. Tavares
E AINDA RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS Ana Paula Faria CONSUMIDOR AO VOLANTE Marcelo Gabriel PÍLULA DO DIA SEGUINTE Pedro Chagas Freitas COMPETITIVIDADE TERRITORIAL Vasco Eiriz
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On the Beach, Edouard Manet, 1873
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Vasco Eiriz vasco.eiriz@gmail.com vasco.eiriz.googlepages.com Empreender
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Ana Paula Faria Professo r a
da
Universidade
do
Minho .
Email:
do
Minho.
Email:
apfaria@eeg.uminho.pt
António F. Tavares Professor
da
Universidade
umpianonafloresta@gmail.com
Carla Sabrina Antloga Professora de psicologia na Universidade Católica de Brasília . Email: antloga@yahoo.com
Helena Carla Barbosa de Lima Consultora de gestão de pessoas da Pangea Idiomas. Email: heleninhapsi@hotmail.com
Natália Barbosa Professo r a
da
Universidade
do
Minho .
Email:
Neste número da Rede2020 estreia-se uma nova coluna intitulada Vinil. Neste espaço, António F. Tavares propõe-se seleccionar um conjunto de obras ímpares na edição musical das últimas décadas. Começa com "Thunder Perfect Mind" da autoria de Current 93. Os efeitos da localização surgem em destaque no artigo em co-autoria entre Natália Barbosa e eu próprio. Também a coluna Sociedade Anónima tem por objecto o território enquanto unidade de análise para compreender a competitividade. Na Fábrica, uma outra coluna periódica, Pedro Chaga Freitas reflecte sobre uma outra "problemática", desta vez dedicada à pílula do dia seguinte. A responsabilidade social da empresa merece atenção noutros dois artigos da autoria, respectivamente, de Ana Paula Faria e Marcelo Gabriel. No primeiro desses dois artigos constata-se que a responsabilidade social da empresa envolve inúmeras actividades sociais e ambientais que vão para além de obrigações legais. Assim sendo, pode concluir-se, assegurar a qualidade de vida no trabalho é porventura uma das obrigações mais elementares da organização. E é precisamente a qualidade de vida no trabalho que merece a atenção de Carla Sabrina Antloga e Helena Carla Barbosa de Lima.
natbar@eeg.uminho.pt
Vasco Eiriz
Marcelo Gabriel Professor
da
Universidade
São
Marcos.
Email:
mgabriel.br@gmail.com
Pedro Chagas Freitas Escritor, linguista, jornalista. Email: criativa.escrita@gmail.com
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EM REDE2020 ENSAIO
4 Efeitos da localização
Natália Barbosa, Vasco Eiriz Como os recursos e competências necessários ao crescimento empresarial não estão de igual forma distribuídos por todos os locais, então é previsível que cada local reaja de forma diferente à criação de uma nova empresa.
PROJECTO
8 Qualidade de vida no trabalho Carla Antloga, Helena Lima A expansão observada nos Programas de Qualidade de Vida no Trabalho (PQVTs) não parece ter melhorado, de fato, a vida dos indivíduos em contexto laboral.
FÁBRICA
10 A problemática da pílula do dia seguinte Pedro Chagas Freitas VINIL
11 Current 93 António F. Tavares ANÁLISE
13 Responsabilidade social das empresas Ana Paula Faria 14 O consumidor ao volante, literalmente falando Marcelo Gabriel SOCIEDADE ANÓNIMA
15 Competitividade territorial Vasco Eiriz REGULARES
6 Comunidades 7 Livros 12 Revistas
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Efeitos da localização A escolha do local onde instalar uma nova unidade produtiva ou desenvolver uma actividade económica é uma decisão importante. Do ponto de vista da empresa, a localização geográfica pode revelar-se um factor determinante no retorno dos investimentos efectuados. A proximidade geográfica dos principais concorrentes pode proporcionar benefícios diversos. Um desses benefícios pode ser a redução dos custos de produção decorrente da existência de infra-estruturas, e qualificações e competências específicas à actividade económica desenvolvida. Outros benefícios potenciais da co-localização são a geração inter-organizacional de conhecimento, desenvolvimento de soluções conjuntas para problemas comuns ou a partilha de muitos outros recursos e actividades. Desta forma, a resposta à questão "onde produzir?" é cada vez mais condicionada por factores do lado da oferta (por exemplo, factores associados à produção), perdendo relevância a localização geográfica dos potenciais clientes. Neste contexto, é compreensível, por exemplo, a escolha da IKEA, o maior retalhista do mundo especializado em móveis, em localizar novas unidades produtivas em Paços de Ferreira, Portugal, a partir de onde exportará aproximadamente 90 por cento da produção local. Naturalmente, o ambicioso plano de abertura de lojas na Península Ibérica influenciou a escolha de Portugal para instalar novas fábricas, mas a localização num concelho no qual existe uma grande concentração de empresas industriais de produção de móveis foi, certamente, um factor ponderado. O entusiasmo dos autarcas com a escolha dos seus concelhos para a instalação de novas unidade produtivas também é compreensível e legítimo mas deverá ser moderado. Na verdade, o aumento directo ou indirecto do
número de empregos na região é apenas parte da história. É o impacto imediato e mediático de uma história que pode ter vários actos. Todos, de uma forma geral, se preocupam em quantificar o número adicional de empregos que os novos investimentos irão criar. Esquecem-se que nem tudo são rosas e que mesmo as rosas têm espinhos. Desta forma, é prudente equacionar o que acontecerá após o aumento inicial do número de empregos no local escolhido. Na verdade, o passar do tempo pode revelar trajectórias no número de empregos bem diferentes de local para local. A trajectória registada num local depende do peso relativo de três efeitos no número de empregos decorrentes da criação de novas empresas. O primeiro efeito — aumento directo e imediato do número de empregos — é um efeito de curto prazo e é comum a todos os locais. Este efeito ocorre sempre e é o mais fácil de verificar e quantificar. Os outros dois efeitos são consequências de médio-longo prazo e específicos a cada local. Um destes dois efeitos é a saída de empresas menos eficientes e competitivas decorrente do acréscimo de concorrência introduzido pela nova empresa. Independentemente da intensidade competitiva, daí decorre sempre uma redução no número de empregos na região. O terceiro efeito decorre do crescimento da nova empresa e das empresas que resistiram e reagiram positivamente à pressão competitiva introduzida pela nova empresa, bem como da criação de novas empresas e actividades no local. Naturalmente, este é o efeito mais desejado pois é capaz de impulsionar o aumento do número de empregos no local de uma forma consistente e duradoura, e contribuir para o desenvolvimento de actividades e produtos com maior valor acrescentado. Em (Continua na página 5)
Natália Barbosa Universidade do Minho Vasco Eiriz Universidade do Minho
“A concorrência acrescida não se revela necessariamente nos mercados de produtos finais, mas no mercado dos factores produtivos como seja o de trabalhadores qualificados”
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ENSAIO (Continuação da página 4)
resumo, uma avaliação cuidada dos benefícios para um local requer a quantificação conjunta destes três efeitos associados à criação de novas empresas nesse local. Se as novas unidades produtivas forem capazes de crescer e de induzir o crescimento das outras empresas e incentivar o aparecimento de novas empresas e actividades é possível registar uma trajectória ascendente no número de empregos. Basta para tanto que o efeito crescimento e criação de novas empresas e actividades seja suficientemente relevante para compensar o efeito decorrente da saída das empresas menos eficientes. Mas isto requer que existam no local recursos e competências capazes de aproveitar as oportunidades de negócio geradas pelas novas empresas. Mais, requer que as empresas existentes sejam suficientemente eficientes e competitivas para poderem lidar com a con-
corrência acrescida trazida pela nova empresa. Note-se, contudo, que a concorrência acrescida não se revela necessariamente nos mercados de produtos finais, mas no mercado dos factores produtivos como seja o de trabalhadores qualificados. Se ano após ano os trabalhadores melhores e mais qualificados se concentrarem num número reduzidos de empresas é bem provável que as outras empresas tenham que encarar de frente a possibilidade de saírem do mercado ou da região. Neste caso, a diminuição ou estagnação do número de empregos é um cenário previsível e com impacto significativo na estrutura do emprego e desemprego de um dado local. Ora, como os recursos e competências necessários ao crescimento empresarial não estão de igual forma distribuídos por todos os locais, então é previsível que cada local ou região reaja (e beneficie) de forma diferente à criação de uma nova empresa.
Natália Barbosa é professora no Departamento de Economia da Universidade do Minho. É Ph.D. in Economics pela The University of Manchester, Reino Unido; Mestre em Comércio Internacional pela Universidade do Minho; e Licenciada em Economia pela Faculdade de Economia do Porto. As suas áreas de interesse são a dinâmica empresarial e investimento directo estrangeiro. Para além de artigos de divulgação que versam estes tópicos, tem trabalhos publicados em revistas científicas internacionais.
“Como os recursos e competências necessários ao crescimento empresarial não estão de igual forma distribuídos por todos os locais, então é previsível que cada local reaja de forma diferente à
Vasco Eiriz é professor no Departamento de Gestão da Universidade do Minho. É Ph.D. in Management pela The University of Manchester, Reino Unido; Mestre em Gestão pela Universidade do Minho; e Licenciado em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão. Os seus interesses de investigação centram-se fundamentalmente no desenvolvimento e reconfiguração de redes organizacionais. Tem trabalhos publicados em revistas científicas internacionais.
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criação de uma nova empresa”
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COMUNIDADES
Academy of International Business “The Academy of International Business (AIB) is the leading association of scholars and specialists in the field of international business. Established in 1959, today, AIB has 3147 members in 76 different countries around the world. Members include scholars from the leading academic institutions as well consultants and researchers. The AIB is the leading global community of scholars for the creation and dissemination of knowledge about international business and policy issues. The AIB transcends the boundaries of single academic disciplines and managerial functions to enhance business education and practice. The objectives of the Academy of International Business, as set forth in its constitution, are to foster education and advance professional standards in the field of international business. These objectives include the following: • facilitating the exchange of information and ideas among people in academic, business, and government professions who are concerned with education in international business; • encouraging and fostering research activities that advance knowledge in international business and increase the available body of teaching material; • cooperating, whenever possible, with government, business and academic organizations to further the internationalization objectives of the AIB AIB holds one international meeting every year in addition to the annual conference on Emerging Research Frontiers in International Business Studies and individual chapter meetings organized around the world. The annual meeting and chapter meetings are open to the public.
The Academy of International Business publishes at regular intervals the following publications: • Journal of International Business Studies (JIBS) - a scholarly journal, published 6 times a year; • AIB Insights - published 4 times a year; • AIB Newsletter - published 4 times a year; • Conference Proceedings - published annually . Membership to the AIB includes subscriptions to the AIB Newsletter, AIB Insights, JIBS and access to JIBS Online. JIBS Online provides access to the complete archive of JIBS articles from its inception in 1970 - over three decades of JIBS articles for the price of one year's membership to the AIB! Members, and non-members alike, may purchase hard copies of back issues of JIBS from its publisher, Palgrave Macmillan. The AIB newsletter and the AIB Insights are published quarterly and distributed electronically through this website and as hard copy to the members.”
Academy of International Business www.aibworld.net
Logótipo da Academy of International Business
A conferência de 2008 da AIB vai decorrer em Milão, Itália.
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LIVROS
Enterprise, Entrepreneurship and Innovation: Concepts, Contexts and Commercialisation Robin Lowe, Sue Marriott Butterworth Heinemann, Oxford, 2006 ISBN: 9780750669207
Marketing of High-Technology Products and Innovations, 2/e Jakki Mohr, Sanjit Sengupta, Stanley Slater Pearson/Prentice-Hall, Upper Saddle River, NJ, 2005 ISBN: 9780131230231
«Enterprise, Entrepreneurship and Innovation: Concepts, Contexts and Commercialisation provides readers with an accessible and readable introduction to the various dimensions of entrepreneurship and market innovation. It has a clear structure that is easy for the reader to follow and it focuses on enterprising behaviour. The text contains: case studies and pause and reflect situations for the entrepreneur to deliberate on the information they have available before making their decision. This helps to emphasise the point that there are few simple and straightforward decisions closely reflecting decisions in real life; integrative personal development activities that provide a basis for readers to reflect on the learning of the chapters and develop a personal development strategy to increase their ability to become more entrepreneurial and improve their ability to manage market innovation; an accompanying website giving students and lecturers access to additional resources in order to explore the subject further. A full set of powerpoint slides plus exercises is included, plus suggestions for the use in class of the case studies and other illustrations. Students can access further learning resources to build up their knowledge of innovation situations using the hotlinks to useful websites that will add further depth and bring up to date the case studies and illustrations.»
«High-technology products are introduced in turbulent, chaotic environments where the odds of success are often low. As a result, the marketing strategies for high-tech products must be optimized to enhance the odds of success. Yet, marketing is often not a well-developed competency in many high-tech firms. For those who wish to understand best-practices marketing in high-tech markets, this newly updated book offers practical, thorough advice. It provides tools and frameworks to develop effective marketing strategies in high-technology environments. A sampling of topics covered: leveraging partners to grow market share; avoiding downward price pressure in high-tech markets; licensing considerations; adding high-margin services to your high-tech product mix; developing collaborative strategies between the technical team and the marketing team; identifying target markets.»
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Qualidade de vida no trabalho A expansão observada nos Programas de Qualidade de Vida no Trabalho (PQVTs) não parece ter melhorado, de fato, a vida dos indivíduos em contexto laboral. Mesmo nos PQVTs mais abrangentes encontram-se contradições que denunciam a distância entre o que é prometido e o que é alcançado. Em 1973, foi publicado estudo de referência sobre Qualidade de Vida no Trabalho, de Richard Walton. Em “Quality of Working Life: What is it?”, o autor anunciava o que se compreendia por QVT naquele momento: equilíbrio entre trabalho e outros aspectos da vida do indivíduo, enfocando o papel social da organização e a necessidade de se atrelar produtividade e qualidade de vida. A partir desse estudo, a questão da produtividade passou a pertencer de vez aos objetivos dos Programas de Qualidade de Vida no Trabalho. Ao longo das décadas seguintes, noções como igualdade de oportunidade de emprego e necessidade de se ter um trabalho significativo, importância das necessidades humanas e importância da receptividade social do trabalhador foram incorporadas ao conceito de QVT. Sempre, entretanto, buscando aumentar a capacidade de produzir do indivíduo. Atualmente, identificam-se componentes comuns nas concepções de Qualidade de Vida no Trabalho, tais como o indivíduo como variável ajuste, o caráter assistencial ou de endomarketing dos programas, desespero pela produtividade e uma proposta de “sedução” do
trabalhador. Ao invés de melhorarem as condições de trabalho, pretendem melhorar as condições do indivíduo, transferindo para ele toda a responsabilidade por seu desempenho, sua motivação e suas realizações. Os PQVTs, via de regra, têm-se apresentado como “receitas de bolo” que pouco consideram as peculiaridades tanto das empresas, como dos trabalhadores. Além disso, a padronização desses programas não leva em conta as diferenças que existem entre as naturezas das atividades, nem as diferenças culturais entre as organizações. Também não tocam nas relações sociais de trabalho, nem na organização do trabalho. Pergunta-se, então: os Programas de Qualidade de Vida no Trabalho cumprem o que prometem? Deixam o trabalhador mais motivado? Realmente ajudam na sua Qualidade de Vida? Alteram o contexto de trabalho do indivíduo? Tanto organizações públicas como privadas têm investido muitos recursos nos PQVT na esperança de que possam diminuir o nível de insatisfação, ou minimizar a incidência de doenças ocupacionais, ou ainda aumentar o grau de comprometimento. Na base dessas propostas está o aumento da produtividade, que pode até acontecer, mas que não se sustenta por muito tempo, mesmo porque os trabalhadores tendem a abandonar os programas, que são considerados como ineficazes, ou como (Continua na página 9)
Carla Sabrina Antloga Universidade Católica de Brasília Helena Carla Barbosa de Lima Pangea Idiomas
“A questão da produtividade passou a pertencer de vez aos objetivos dos Programas de Qualidade de Vida no Trabalho”
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PROJECTO (Continuação da página 8)
“ladrões do tempo” no trabalho. Outro problema está na concepção que gestores têm de bem-estar: parece que pode ser atingido com estratégias alheias à atividade do trabalhador. Assim, desenvolvem-se PQVTs onde são oferecidas massagens, yoga, meditação, ou ainda benefícios em dinheiro, como se isso fosse melhorar as dificuldades e crises que o indivíduo enfrenta especificamente no seu dia-a-dia de trabalho. E como o trabalhador percebe seu dia-a-dia de trabalho? Aumentam cada vez mais as queixas sobre a rotina excessivamente exigente, sobre a subutilização de seu potencial e de seu talento e sobre condições de trabalho inadequadas. Quais as conseqüências dessas queixas? Aumento do absenteísmo, diminuição do rendimento, maior rotatividade e impactos sobre a saúde física e mental dos empregados e decorrente disso, queda da rentabilidade empresarial. Parece haver uma lacuna entre o que esses Programas prometem, e o que de fato alcançam como resultado. Um
ponto de partida para resolver essa questão pode estar num diagnóstico prévio onde se considere aspectos centrais como cultura organizacional, condições de trabalho, diferença entre o trabalho prescrito e o trabalho real e relações sociais de trabalho, todos esses específicos para cada empresa, cada atividade, não podendo ser generalizados nem descritos como ingredientes de receitas. Assim, pensar num Programa de Qualidade de Vida no Trabalho que realmente beneficie o trabalhador significa pensar num planejamento coerente com cada contexto, considerando as necessidades reais do trabalhador, e não só o desejo da empresa de aumentar a lucratividade. Isso significa pensar o trabalho de forma mais ampla, compreendendo que há, em função dele, implicações físicas, cognitivas e afetivas indissociáveis do contexto de produção. E o mais importante: são efetivos os programas pautados numa proposta de prevenção e de mudança de mentalidade, atuando sobre a empresa, a gestão e as condições de trabalho.
“A padronização desses programas não leva em conta as diferenças que existem entre as naturezas das atividades, nem as diferenças culturais entre as organizações”
Carla Sabrina Antloga é psicóloga; professora de psicologia na Universidade Católica de Brasília, Brasil; e doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na Universidade de Brasília, Brasil.
Helena Carla Barbosa de Lima é psicóloga; consultora de gestão de pessoas da Pangea Idiomas, Brasil; e mestranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na Universidade de Brasília, Brasil.
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FÁBRICA Por Pedro Chagas Freitas
A problemática da pílula do dia seguinte Perdi, ontem, algum tempo a observar, pelos ecrãs da televisão, a imagem de muitos corpos juntos debaixo do mesmo tecto, suados e excitados, com gemidos e palavras pouco menos que indecifráveis à mistura. Mas não foi – lamento muito se desiludi alguém – para abordar o que se passa na Assembleia da República que resolvi escrever este texto. Mudemos, então, de assunto, e entremos no que realmente interessa. O tema que hoje me faz dissertar de forma eminentemente analítica é, como já terão calculado pelo título desta crónica, a problemática – bastante actual – da pílula do dia seguinte. Antes de mais, é fundamental expor um facto incontornável: se a pílula do dia seguinte já existisse há 76 anos, a Cinha Jardim nunca teria existido. E é esse, em primeira análise, o maior elogio que se pode fazer a este método contraceptivo. Mas, infelizmente, nem tudo são rosas. Segundo dados revelados recentemente, o número de pessoas que recorreu a este meio aumentou em 17%, sendo que este número não inclui – dado que se refere a pessoas – o gasto efectuado pelo Alexandre Frota. Algo que, a ser feito, aumentaria para cerca do dobro a percentagem apresentada. Ora, este aumento deve, sem dúvida, ser considerado preocupante. Para um país que, desde tempos ancestrais, advoga ser um ninho de machos latinos, este aumento é, convenhamos, bastante reduzido, e necessita, de forma a ser convenientemente resolvido, de ser profundamente estudado. Poderá, neste ponto, o leitor efectuar uma ligação directa entre o uso da palavra “profundidade” e a Elsa Raposo. Não obstante esse tipo de raciocínio reunir, de facto, alguma lógica, temo que não seja por aí que se resolve este défice de actividade sexual sem regras. Pelo menos não será só por aí. É essencial perceber que este défice é,
ele sim – e não desvalorizando, de forma alguma, questões dramáticas tão graves quanto o aumento da taxa de desemprego ou a voz do Toy –, o verdadeiro drama que assola Portugal. Senão vejamos: a pílula do dia seguinte é – disso não restarão dúvidas a quem quer que seja – um convite ao erro. Neste capítulo, gostava de deixar bem claro que, ao dizer isto, não estou – de forma alguma e ao contrário do que possa, à primeira vista, parecer – a afirmar que a pílula do dia seguinte é um convite ao Cláudio Ramos. Retomemos então o fio discursivo. Ao criarem a pílula do dia seguinte, os cientistas enviaram uma mensagem às mulheres em geral e ao George Michael em particular. É como se a pílula lhes dissesse, enquanto pisca, de forma sorrateira, o olho: - Errem, suas vadias. Eu depois cá estarei para vos salvar. Ora, há, imediatamente, duas ideias que ressaltam desta mensagem: 1) as limitações de ordem linguística e discursiva que a pílula, de forma bem evidente, denota possuir; 2) uma evidente desculpabilização de um possível acto sexual espontâneo e impensado. Relativamente ao primeiro ponto, pouco se poderá dizer, a não ser, somente, não apontar o dedo à pobre pílula. A culpa por não ter tido, ao longo da sua vida, uma família que a pudesse auxiliar nos seus estudos não é, de todo, sua. Já no que diz respeito ao segundo ponto, terei de ser mais contundente na minha análise. As relações sexuais são, sem dúvida, algo de muito sério, algo de verdadeiramente especial. Ao enveredar-se por um caminho em que é possível, sem risco de maior, ceder a uma tentação de ocasião, a uma excitação momentânea, sem com isso correr o risco de engravidar e – por óbvia inerência e porque tal é manifestamente imprevisível – correr o risco de colocar mais um Elton John no mundo, é um convite dissimulado à
liberalização do sexo, o que retirará a carga emocional e afectiva que sempre esteve intimamente ligada a este acto tão especial da existência humana. Ora, tal facto é, efectivamente, gravíssimo. Não se entende como é que só agora é que se criou isto. O que terão os cientistas andado a fazer? Que importância terá o inventor do telefone, da roda – ou até do Iô-Iô – perante o inventor da pílula do dia seguinte? Essa é a pergunta que deixo no ar, meus amigos. Tenho, aliás, para mim – além de sete caixas de pílulas deste tipo –, que o inventor deste genial método contraceptivo foi, praticamente, obrigado a inventar o que inventou. Ou não fosse ele, segundo me foi confidenciado, o primeiro parceiro sexual da Odete Santos. O que, parecendo que não, explica muita coisa.
Pedro Chagas Freitas acredita reunir características que lhe permitam, um dia, vir a ser chamado de humano. Entretanto, vai exercendo actividades perfeitamente irrelevantes, todas elas relacionadas com a escrita. Há quem diga que estudou Linguística durante quatro anos. Há quem jure a pés juntos que um dia o viu ser jornalista. Há, ainda, boatos que o dão como capaz de exercer funções criativas e redactoriais em agências de publicidade. Até ao momento, contudo, nenhuma das possibilidades foi devidamente comprovada. Fontes próximas dão como certo somente um facto: não gosta de conduzir.
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VINIL Por António F. Tavares Thunder Perfect Mind Current 93 Durtro,1992
Uma das vantagens de ouvir muita música é descobrir verdadeiros tesouros de beleza poética e sonora de entre uma quantidade infinita de escolhas. Não há muitos discos que possam ser classificados de eternos, mas Thunder Perfect Mind (1992) dos Current 93 é inegavelmente um deles. Dito isto, é importante sublinhar que este não é um disco fácil. Numa carreira que conta com mais de 40 discos e 25 anos de existência, havia muito por onde escolher, mas as razões que se seguem explicam, em parte, a selecção de Thunder Perfect Mind para primeiro disco destas críticas. Thunder Perfect Mind é o mais longo disco de originais dos Current 93, com quase 79 minutos de música, e um dos mais consistentes e articulados. É considerado uma obra-prima do folk apocalíptico, termo usado para descrever música à base de guitarra acústica dedilhada e letras melancólicas e/ou sombrias. Os textos são notoriamente inspirados na poesia de William Blake e a música nos temas do folk inglês de Shirley Collins. Embora a guitarra acús-
tica seja predominante, há aspectos muito pouco convencionais neste disco. Os primeiros 30 minutos (9 faixas) são extremamente melódicos, marcados pela guitarra acústica e pela flauta, gentilmente tocadas, e pela voz do “outro mundo” de David Tibet. Os momentos mais marcantes são In the Heart of the Wood and What I Found There e A Lament for my Suzanne. Este excelente disco de música folk muda significativamente de sonoridade a partir da décima faixa – All the Stars are Dead Now. Inesperadamente, é aqui introduzido um sampler de Saint Louis Blues, um original dos anos 20, do swing e das big-bands. Simplesmente desconcertante. Mas nada prepara o ouvinte para o que se segue. Entra um repetitivo riff de guitarra acústica tocado até à náusea e acompanhado por Tibet a recitar um longo poema, de conteúdo largamente obscuro e ininterpretável, mas que, tanto quanto se percebe, é uma profecia sobre o apocalipse. O tom sinistro prossegue com Rosy Stars Tears From Heaven e a voz de Tibet, sinistra na faixa anterior, torna-
se aqui simplesmente diabólica. Como a surpresa é, por vezes, a mãe da genialidade, When the May Rain Comes, uma versão de um original dos Sand, é lindíssima. Os instrumentos usados (baixo, flauta e guitarra) produzem uma sonoridade melódica e a interpretação pelo dueto David Tibet e Rose McDowall faz estragos na mais empedernida insensibilidade. Segue-se o tema título, Thunder Perfect Mind, um crescendo musical ameaçador acompanhado pela leitura de textos do livro homónimo. Depois de 55 minutos de música deslumbrante, faltava um tema épico para atirar tudo o que é convencional pela janela. Hitler as Kalki dura 16 minutos e 28 segundos e é dedicado ao pai de David Tibet, já falecido, que combateu na II Guerra Mundial. O início é influenciado por música tradicional hindu, mas a peça musical transfigurase lentamente numa espiral eléctrica, levemente tocada pelo minimalismo, com David Tibet a dissertar sobre Hitler e o apocalipse. No texto que acompanha o cd, Tibet explica-nos que algumas pessoas consideram que Hitler foi Kalki, a décima e última incarnação do Deus Hindu Vishnu, que vem num cavalo branco para destruir o cosmos no final de cada ciclo universal. Tibet incita à reflexão e à oração para que a destruição termine e um novo paraíso e uma nova Terra possam surgir. Para além de ser um disco místico e experimental, Thunder Perfect Mind é também uma obra complexa sob o ponto de vista poético. Qualquer interpretação da poesia contida nesta obra é subjectiva. Os conteúdos genéricos são o apocalipse, o arrependimento, a piedade e a salvação, mas qualquer interpretação literal dos textos aqui contidos será, muito provavelmente, errada.
António F. Tavares é professor auxiliar do Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública da Universidade do Minho. Ocupa os tempos livres com uma extensa colecção de CDs e as suas críticas musicais aparecem no blogue Um Piano na Floresta, acessível através do endereço umpianonafloresta.blogspot.com.
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REVISTAS ACADEMY OF MANAGEMENT LEARNING AND EDUCATION
JOURNAL OF MANAGEMENT EDU-
The Academy of Management Learning & Education (AMLE) advances the knowledge and practice of management learning and education. It does so by publishing theoretical models and reviews, qualitative and quantitative research, critique, exchanges, and retrospectives on any substantive topic that is conceived with, and draws implications for, how managers learn and the educational process and context. AMLE is an interdisciplinary journal that broadly defines its constituents to include scholars, educators, program directors, deans, and other administrators at academic institutions, as well as consultants, policy makers and practitioners in private or public organizations in which management learning and education are of central concern.
Created to meet the growing demand for research, analysis and discussions on teaching management and organizational behaviour, the Journal of Management Education serves as a forum for the improvement of management education in both classroom and corporate settings, comprehensively covering such diverse areas as: human resources organizational behaviour public administration management consultation entrepreneurship organizational communication production and operations industrial and labour relations. The Journal of Management Education explores the methods and theories behind management and organizational behaviour education. The journal''s reflective and informative nature makes it an ideal source for teaching exercises, ideas and strategies. Its experienced editorial board ensure readers receive a variety of relevant topics and key issues, including: Field Projects and Internships Classroom Participation Student-Generated Examinations Humour and Teaching Role-Playing and Simulations Gender Issues Research Versus Practice Business Ethics Sex, Racial and Ethnic Stereotypes Active Listening CoTeaching Student Evaluation Curriculum Development Organizational Culture International Perspectives Writing-toLearn Case Methods.
CATION
JOURNAL OF MANAGEMENT DEVELOPMENT
Provides an international communications medium for all those working in management development whether in industry, consultancy or academia. A review process involving the Editor and other subject experts ensures the content's validity and relevance. The Journal of Management Development draws together the thinking and research relating to the role played by managers in their immediate environment, and the ways in which they can widen their responsibilities to take on larger roles. Many companies now appreciate that investment in management development helps to reduce costs, increase sales and improve productivity-so it's well worth investigating. Management development is a subject commanding intense interest from organizations serious about the personal development of their staff, and the ways in which they can maximize their potential. If you are kept informed of new research and incompany practice, you are better placed to make appropriate decisions about the introduction of new techniques in your own organization.
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ANÁLISE
Responsabilidade social das empresas A responsabilidade social das empresas (RSE) é um tópico que tem vindo a interessar cada vez mais empresários e académicos e que passou a receber maior importância em Portugal após a aprovação da “Agenda de Lisboa 2010” pelo Conselho Europeu, em Março de 2000, onde foi estabelecida uma estratégia para a renovação económica, social e ambiental da União Europeia (UE). De acordo com a definição da Comissão Europeia, a responsabilidade social das empresas diz respeito à integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na sua interacção com outras partes interessadas. Esta definição sublinha a natureza voluntária da RSE uma vez que se refere a tudo aquilo que as empresas façam, no campo social e ambiental, que vá para além das suas obrigações legais. Exemplos destas práticas são a disponibilização de cantinas, creches e infantários, apoios aos estudos de familiares dos trabalhadores, formação profissional, higiene e segurança no trabalho, protecção social voluntária, apoios e serviços prestados à comunidade, minimização do impacto ambiental. Apesar do crescente número de empresas portuguesas a integrarem a RSE nas suas estratégias de negócio, Portugal aparece em 21º lugar no “National Corporate Responsibility Index 2003”, atrás de todos os restantes países da UE-15, à excepção da Grécia, e imediatamente à frente do Japão e dos EUA. Os números revelam ainda que 25 empresas publicaram relatórios de responsabilidade social e apenas quatro foram certificadas com a norma SA 8000 relativa à responsabilidade social. Na vertente ambiental, os valores são mais animadores havendo já 257 empresas certificadas com a norma ISO 14001. Um aspecto interessante a considerar no contexto da RSE são as motivações das empresas para serem socialmente activas. Dos estudos realizados em Portugal podemos constatar que a ética (44%) e a melhoria das relações com a comunidade e poderes públicos (39%) são as principais razões referidas pelas PMEs portuguesas para as boas práticas sociais, sendo as vantagens comerciais (5,5%) e a rentabilidade (3,5%) as
opções menos escolhidas. Quanto aos benefícios, a melhoria das relações com a comunidade e poderes públicos e a melhoria na lealdade dos clientes foram os mais apontados com 40% e 33%, respectivamente, sendo que 36% das empresas não foram capazes de identificar nenhum benefício concreto. Ora, de acordo, com a teoria económica as empresas têm práticas de responsabilidade social porque visam a maximização do lucro. As empresas investem em responsabilidade social para ganhar ou melhorar a sua reputação, aumentar o preço, ou captar e manter profissionais altamente qualificados e valiosos para a empresa. Porém, estas vantagens são contrabalançadas por custos geralmente elevados, uma vez que é necessário gastar recursos na implementação da RSE. Portanto, as empresas fazem uma utilização estratégica da RSE. A teoria económica diz-nos ainda que a decisão da empresa em ter RSE está relacionada com o tipo de bem que vende e o mercado em que opera. Concretamente, empresas que vendem bens que têm de ser adquiridos ou consumidos antes do seu verdadeiro valor poder ser determinado (automóveis, aparelhos e equipamentos, fundos mútuos) tendem a investir mais em RSE do que empresas que vendem bens cujo valor é rapidamente determinado antes da sua compra (vestuário, calçado, mobiliário). No primeiro caso, a publicidade tende a salientar a reputação da empresa ao nível da qualidade, enquanto que no segundo caso a publicidade assenta na informação sobre o produto e o seu preço. Uma das explicações para este resultado reside no facto dos consumidores entenderem a RSE como um sinal sobre os atributos do bem vendido pela empresa. Assim, a RSE está mais associada a bens onde a diferenciação dos produtos é estratégica para a empresa e em mercados onde se verifica menor concorrência entre as empresas. Curiosamente, estes resultados estão em maior conformidade com a experiência de outros países europeus onde a prática da RSE está mais difundida. Ana Paula Faria é professora da Universidade do Minho. Possui o PhD em economia pela University of Nottinghan (Reino Unido) e as suas áreas de interesse académico incluem temas como a inovação e mudança tecnológica, produtividade e eficiência.
Ana Paula Faria Universidade do Minho
“A
responsabilidade social das empresas diz respeito à integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na sua interacção com outras partes interessadas”
REDE2020
VOLUME
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ANÁLISE
O consumidor ao volante, literalmente falando De todas as normas e certificações existentes no mundo empresarial, marcadas por siglas e números como ISO 9001, ISO 14.000, TS 16949 e por aí afora, surge uma nova atriz em cena que deve impactar as cadeias produtivas mais profundamente que todas as outras juntas. Essa nova norma, que deve ser publicada em meados de 2008, atende pelo nome de ISO 26.000 e seu escopo é a Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Muito já se falou e se escreveu sobre a RSC e sobre sua influência nos negócios como vetor de mudança e transformação nas formas produtivas, relações trabalhistas, impacto ambiental e social. O papel dos stakeholders (a melhor tradução para o português seria interessados, num sentido amplo) na cadeia de valores configura-se através da nova regulamentação, cujo caráter é bem distinto das demais normas uma vez que não se pretende uma certificação, mas uma orientação empresarial cuja adoção deve ser feita de forma voluntária pelas empresas. Qual seria, então, o impacto destas linhasmestras no comportamento do consumidor? Imaginando o processo de decisão de compra de um automóvel e utilizando o modelo desenvolvido por Blackwell, Miniard e Engel (2005), o consumidor precisaria reavaliar sua necessidade a partir de critérios mais amplos e complexos que os utilizados atualmente. A necessidade de locomoção, que é a causa raiz da aquisição de um veículo, passa a ser permeada por uma série de conjecturas, quase filosóficas, a respeito do impacto e influência deste locomover no meio ambiente e nas futuras gerações. Carros híbridos, elétricos ou movidos a novas fontes renováveis de energia terão a preferência do consumidor? Na etapa seguinte, o consumidor passa à fase de busca de informações. Os critérios para a segmentação psicográfica serão revistos em função dos créditos e débitos de carbono que uma família possui, além de um entendimento completo sobre o impacto da produção do veículo ao meio ambiente e à comunidade. Michael Porter (1989) enfatiza que toda organização é um conjunto organizado e reunido de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e dar sustentação a um produto. Este fluxo, denominado cadeia de valor, emprega insumos adquiridos, recursos humanos e alguma forma de tecnologia para executar suas funções. Nos três componentes básicos desta cadeia de valor – insumos, recursos humanos e tecnologia – encontram-se variáveis fundamentais para o processo de decisão de compra, dentro de uma abordagem socialmente responsável. Um veículo é um agregado de chapas de aço,
plástico, borracha, fios, tecidos e outros componentes, naturais ou sintéticos, que são projetados, produzidos e comercializados por diferentes empresas e entregues a uma montadora que, em conformidade ao seu auto-explicativo nome, monta um veículo. Assim, caberia ao consumidor uma série de perguntas sobre o fluxo de matérias primas e produtos acabados na montagem de um carro: como se faz a extração do minério de ferro e do carvão coque para a produção do aço? Utiliza-se mão de obra infantil? A siderúrgica tem alguma certificação ambiental como a ISO 14.000? E as demais empresas fornecedoras, como se adaptam às recomendações da ISO 26.000? A estratégia adotada por empresas na União Europeia de utilizar países do leste europeu para reduzir custos de mão de obra e escapar da rígida legislação ambiental adotada pelos países membros tende a esgotar-se rapidamente na medida em que as empresas passarem a adotar as sugestões da norma ISO 26.000 como fonte de vantagem competitiva através da diferenciação. O impacto na indústria automotiva, que responde por parcela significativa do PIB em diversos países e contribui para o avanço tecnológico dos chamados países emergentes, envolveria, além dos questionamentos e comprovações sobre o impacto que o produto causou, uma estratégia clara sobre a destinação das peças e partes dos veículos após o uso (Gabriel, 2006). Ainda é difícil prever as mudanças advindas da adoção generalizada da ISO 26.000, entretanto, os fornecedores e produtores de bens ou serviços cujo processo de decisão de compra envolva a alocação elevada de recursos por parte do consumidor, como imóveis, veículos e eletro-eletrônicos, tendem a perceber inicialmente as mudanças no comportamento do consumidor e vão necessitar de uma velocidade de reação em suas cadeias de valores, superior à atual. Referências Blackwell, Roger D.; Miniard, Paul W.; Engel, James F (2005), Comportamento do consumidor, Thomson, São Paulo, SP. Gabriel, Marcelo (2006), “O consumo sustentável e sua influência na cadeia de suprimentos”, O Mundo da Usinagem, Vol.26, Nº 2, pp. 08-13. Porter, Michael E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Campus, Rio de Janeiro, RJ.
Marcelo Gabriel é professor do curso de pós-graduação em Gestão de Marketing da Universidade São Marcos (São Paulo, Brasil) e gerente de Marketing da ArvinMeritor Sistemas Automotivos. Doutorando em Educação (UNICAMP), Mestre em Administração (UNIFECAP), MBA (IBMEC Business School) e Bacharel em História (USP).
Marcelo Gabriel Universidade São Marcos
“Ainda é difícil prever as mudanças advindas da adoção generalizada da ISO 26.000, entretanto, os fornecedores e produtores de bens ou serviços cujo processo de decisão de compra envolva a alocação elevada de recursos por parte do consumidor vão necessitar de uma velocidade de reacção superior à actual”
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SOCIEDADE ANÓNIMA Por Vasco Eiriz
Competitividade territorial Competitividade é um dos termos mais utilizados não só em alguma linguagem especializada mas também na linguagem popular. É, contudo, um conceito muito ambíguo. De forma simples, pode, no entanto, afirmar-se que a competitividade é a capacidade em desenvolver algum tipo de vantagem de forma duradoura. Em Estratégia e Competitividade, uma das disciplinas que lecciono, procuro transmitir o conceito de competitividade como um conceito tridimensional. Nesta perspectiva, apresento a competitividade em termos organizacionais, sectoriais e territoriais. Significa isto que a competitividade de cada uma destas três unidades de análise depende da competitividade gerada nas restantes duas. Neste sentido, a competitividade de um território (por exemplo, um país, região ou cidade) depende da competitividade das organizações e sectores de actividade económica nele instalados. De igual forma, um sector de actividade económica é mais ou menos competitivo consoante as organizações (empresas e outras entidades) que o integram e o território em que está localizado sejam também mais ou menos competitivos. Finalmente, a competitividade duma organização – uma empresa, por exemplo – depende do seu sector e do seu território. Ou seja, existe uma grande interdependência entre organizações, sectores e territórios. Só com uma actuação sobre estes três níveis é possível estimular desempenhos superiores sustentáveis e susceptíveis de conferir algum tipo de vantagem competitiva. Se assim não for, a durabilidade de qualquer vantagem torna-se mais difícil. Por este motivo, repensar a organização territorial de um país pode ser necessário, não só para estimular a competitividade territorial no seu sentido mais restrito, mas também para que as organizações e sectores que fazem parte desse território se tornem mais competitivas. Este tema é frequentemente colocado na agenda política e mediática de vários governos, ainda que, com idêntica frequência, essa intenção não tenha, ao longo de sucessivos governos, passado da intenção. Por exemplo, em Portugal, em Junho de 2005 foi anunciada a intenção governamental de reordenar administrativamente o território com a fusão e extinção de freguesias e concelhos. Curiosamente, o tema desapareceu entretanto da praça pública.
Faz sentido voltar a colocar a questão da organização territorial na agenda das reformas. Mas, cuidado, reorganizar o território não significa necessariamente efectuar uma regionalização podendo envolver, em alternativa ou em complemento, movimentos de extinção e/ou criação de freguesias e concelhos. Por muitas barreiras que esta matéria encontre, a lógica deste pensamento é incontornável: se as próprias organizações e sectores nascem, crescem, se desenvolvem, se transformam, e também se extinguem, porque é que as unidades de organização territorial (por exemplo, um concelho ou freguesia) não hão-de, elas próprias, estar sujeitas a esta dinâmica de tal forma que melhor se adaptem às circunstâncias do presente? Há casos recentes que mostram o quão interligados estão os territórios, organizações e sectores. Pense-se, por exemplo, no ordenamento territorial dos tribunais que aponta para uma redução acentuada das 233 comarcas (agregadas em 58 círculos judiciais) existentes em Portugal no sentido de ganharem eficiência e eficácia na utilização dos recursos. Outros exemplos de reorganização e concentração na distribui-
ção territorial envolvem serviços públicos, como escolas, serviços de saúde, e serviços de segurança. Que sentido fará uma excessiva dispersão de recursos escassos e a manutenção de serviços com padrões insatisfatórios de eficiência, eficácia, e satisfação dos utentes? Se no caso das freguesias e concelhos é a própria organização territorial que está em causa, em exemplos como os da justiça ou segurança está em causa um outro tipo de organizações e sectores, ainda que os casos se aproximem pelo facto do critério territorial ser relevante na forma como cada organização se estrutura. Em resumo, parecem ser bons exemplos de estruturas em que a organização territorial é importante. Além da questão territorial, estes exemplos assemelham-se pelo facto de estarem em causa sectores públicos. Se através das políticas públicas o Estado exerce directa ou indirectamente influência na competitividade das mais variadas organizações e sectores, então no caso da competitividade territorial essa influência parece ser ainda mais determinante.
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