PERMANÊNCIA DO HORÁRIO INTEGRAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS DO RIO DE JANEIRO: NO CAMPO E NA PRODUÇÃO ESCRITA Lúcia Velloso Maurício
Passados 18 anos da divulgação da proposta de implantação de escolas públicas em tempo integral no Município e Estado do Rio de Janeiro, lê-se em O Glono (04/03/01) “Crianças do Rio passam mais horas na escola”. Levantamento feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) indica que o Estado do Rio de Janeiro é o líder em número de alunos do ensino fundamental em turno superior a 5 horas diárias e que tem 19% desses 2.472.017 alunos estudando em horário integral em escolas públicas e privadas. Constata-se, portanto, que o horário integral em escolas públicas do Município e do Estado do Rio de Janeiro tem conseguido manter continuidade, apesar de ter sofrido dois retrocessos em sua implantação no estado, de 1987 a 1990 e de 1995 a 1999 e de jamais ter sido restabelecida enquanto política educacional no Município do Rio de Janeiro desde 1987. Este trabalho recorda alguns fatos e o contexto político dessa história recente de implantação da escola pública de tempo integral no Rio de Janeiro, relaciona pontos comuns na produção escrita que discutiu essa política e acrescenta novos estudos que possam ajudar a compreender a permanência do horário integral, a fim de verificar as possibilidades de ampliação do seu oferecimento à população, como indica a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
História recente da escola pública de horário integral no Rio de Janeiro O Programa Especial de Educação (PEE), que implantou o horário integral em escolas públicas do Rio de Janeiro, foi gestado no período de retomada da democracia no Brasil. Época de intensa agitação política, com reorganização de entidades representativas da sociedade civil por um lado e atentados da direita, por outro: entre 1978 e 1982, fim da censura prévia e do AI-5; Lei da Anistia e retorno dos exilados; destruição da sede da UNE e atentado do Riocentro; eleição direta para governadores, após 18 anos. Na área da educação, houve greve de professores da rede pública de ensino fundamental nos grandes estados brasileiros. Foram criados a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPEd), o Centro de Estudos de Educação e Sociedade (CEDES) e a Associação Nacional de Educação (ANDE) que realizaram a 1 ª
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Conferência Brasileira de Educação (CBE) em 1980, em São Paulo, com mil e quatrocentos participantes. Nesse ano, a reunião da Sociedade Brasileira para o Progesso da Ciência (SBPC), no Rio de Janeiro, teve como tema Ciência e Educação na sociedade democrática. Em 1981, foi aprovada emenda constitucional que garantiu ao professor aposentadoria aos 25 anos de serviço; em 1982, a 2ª CBE reuniu 2 mil participantes em Belo Horizonte onde discutiram Educação: perspectiva na democratização da sociedade. Os governos estaduais empossados em março de 1983 tiveram seus programas influenciados pelos debates que se travaram nos anos de 78 a 82. Todos os partidos, recém-criados, tentavam consolidar sua linha política em diversas áreas e também na de educação. No dia em que assumiu o governo do Estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, eleito pelo PDT, nomeou a Comissão Coordenadora de Educação e Cultura, presidida por Darcy Ribeiro, vice-governador e secretário de cultura, integrada pelas secretárias de educação do Estado e do Município do Rio de Janeiro, Iara Vargas e Maria Yedda Linhares. Este foi o órgão diretor do Programa Especial de Educação. As diretrizes educacionais do governo foram publicadas em duas versões: a educacional, três blocos de teses que foram discutidos no Primeiro Encontro de Professores do Primeiro Grau da Rede Pública do Rio de Janeiro, ocorrido em Mendes, publicados em novembro de 1983 no Jornal Escola Viva 1, enviado para cada professor de todas as escolas públicas do Estado e do Município do Rio de Janeiro; e a legal, Plano Quadrienal de Educação, contido no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro 1984-1987, aprovado sem emendas pela Assembléia Legislativa, em 21 de dezembro de 1983; as teses reformuladas após o Encontro de Mendes foram publicadas em dezembro de 1983 no Jornal Escola Viva 2. O pequeno intervalo de tempo entre estas publicações gerou suspeita de que a participação dos professores no encontro tivesse objetivo de legitimação e não de discussão das teses propostas. (Mignot, 1988; Cunha, 1991). No ano de 1984, foi publicado orçamento para a construção dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), projeto de escola de horário integral para o Ensino Fundamental. O início das obras desencadeou rude debate entre Darcy Ribeiro e Vanilda Paiva nos jornais a respeito do programa dos CIEPs, denominado escolamamute (Paiva, 1984), que foi revidado com pedagogia vadia (Ribeiro, 1984). Vários educadores posicionaram-se de lado a lado, aprofundando-se o fosso entre academia e política de educação implementada. O tema da III CBE, Da crítica às propostas de
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ação, que reuniu 5.000 participantes, deixa nas entrelinhas este acirramento de posições, porque tanto pode ser lido como partindo das críticas para a formulação de propostas de ação, como discutindo as críticas às propostas de ação. A conferência, que ocorreu em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, foi organizada por instituições de pesquisa (ANPEd/CEDES), e sindicais (ANDE/CEP), com grande presença de militantes partidários e de estudantes. Em 1985, assistimos à eleição de Tancredo Neves para Presidente da República, por voto indireto pelo Congresso Nacional. Sem chegar a tomar posse, morreu em abril desse mesmo ano. O primeiro CIEP inaugurado, em maio, recebeu seu nome. Outras inaugurações colocaram essa política educacional no centro da campanha para prefeito do Rio de Janeiro. A vitória eleitoral de Saturnino Braga, eleito pelo PDT, possibilitou a continuidade da política em vigor, apesar da intensa campanha contrária efetivada pela mídia. A Comissão Coordenadora de Educação e Cultura enviou Falas ao Professor a todos os profissionais dos CIEPs, como uma orientação de trabalho. Esta publicação, além de conter as teses de Mendes, apresenta a primeira descrição detalhada da proposta dos CIEPs. Em 1986, a campanha para governador e para a Assembléia Nacional Constituinte começou com o Plano Cruzado. A escola de horário integral esteve presente tanto no debate dos candidatos, como na imprensa ou na articulação de greve dos professores da rede pública. A IV CBE reuniu 6 mil participantes em torno de A educação e a Constituinte, dando origem à Carta de Goiânia. O PMDB venceu eleição para governador em 22 estados, inclusive no Rio de Janeiro, onde Darcy Ribeiro, idealizador dos CIEPs, perdeu. O Plano Cruzado encerrou-se 6 dias após a eleição, expondo seu caráter eleitoreiro. Seguiu-se sensível aumento de preços em geral. Darcy Ribeiro editou o Livro dos CIEPs, descrição completa do 1º PEE (Ribeiro, 1986). Cavalieri afirma que esta obra faz um diagnóstico essencialmente político e não técnico da educação pública brasileira e que propõe currículo comprometido ideologicamente com a transformação social. O horário integral aparece como essencial no processo de aprendizagem e que se diferencia de um semi-internato por ter justificativa estritamente pedagógica: a educação integral prevê a socialização, a instrução escolar e a formação cultural, vista como parte essencial do processo de aprendizagem e não como adereço, tornando-se a escola espaço social privilegiado para a formação do cidadão. O currículo apresenta diferentes origens filosóficas, refletindo as diversidades do pensamento educacional brasileiro. (Cavalieri, s/d)
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O debate sobre a extensão do tempo diário de escolarização acirrou-se tanto durante a campanha que a Fundação Carlos Chagas, considerando que as discussões a respeito dessa proposta caminhavam para defesa de interesses de grupos, decidiu fazer um estudo sistemático a respeito dos CIEPs no Rio de Janeiro e do Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC) em São Paulo1. Em fevereiro de 1987, quando os governos que implementaram esses projetos deixavam o poder, foi realizado o seminário denominado Escola Pública de Tempo Integral: uma questão em debate, para o qual foram convidados especialistas que deveriam desenvolver três temas propostos e produzir textos específicos para a discussão em grupo fechado. O seminário, primeiro momento do estudo, tinha dois objetivos (Paro et alii, 1988a): complementar o incipiente referencial teórico sobre o assunto e levantar questões sobre o tema numa perspectiva teórico-prática. O segundo momento foi o trabalho de campo, com enfoque qualitativo; os resultados do seminário levaram à deliberação de recorrer a três fontes: discursos oficiais a respeito de cada projeto; observações diretas em uma unidade de cada projeto; entrevistas com profissionais, alunos, pais de alunos e outros envolvidos na realização dessas experiências. Esse seminário alcançou o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do referencial teórico sobre a escola pública de horário integral, pois os artigos Direito ao Tempo de Escola, de Miguel Arroyo (ARROYO, 1988), e A escola de 1º Grau em tempo integral: as lições da prática de Zaia Brandão (BRANDÃO, 1989), publicado dois anos depois, foram escritos para esse seminário e tornaram-se literatura fundamental sobre o assunto. As comunicações produzidas no Seminário, acrescidas dos resultados da pesquisa de campo, deram origem ao livro Escola de Tempo Integral: desafio para o ensino público (PARO et alii, 1988a), e aos artigos A escola pública de tempo integral: universalização do ensino e problemas sociais (PARO et alii, 1988b) e Viabilidade da escola pública de tempo integral (PARO et alii, 1988c), ambos partes integrantes do último capítulo do livro, que se tornou referência bibliográfica obrigatória para qualquer estudo sobre escola de horário integral, tão indispensável quanto a leitura do Livro dos CIEPs. Embora a intenção alegada para o estudo desenvolvido pela Fundação Carlos Chagas fosse uma apreensão objetiva da oportunidade de implantação da escola pública 1
Convênio do Governo do Estado de São Paulo com as prefeituras para repasse de verbas com finalidade de oferecer às crianças opções de atividades nos horários em que não estivessem na escola, aproveitando espaços comunitários disponíveis, às vezes nas próprias escolas.
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de horário integral, algumas questões chamaram atenção: apesar de o seminário ter priorizado a política de educação do Rio de Janeiro, tanto que o capítulo dedicado a ela era três vezes maior que o de São Paulo, apenas duas pessoas do Rio foram convidadas para falar, sendo todas as outras, com exceção de Arroyo, de São Paulo; no momento da coleta de informações no CIEP municipal, a política de horário integral já não era prioridade, o que se revelava, entre outros fatos, pela saída do Prefeito do PDT em 1986, fato que nem foi mencionado na análise feita. Finalmente, percebe-se ao longo do texto vários indícios de pressupostos subjetivos, como o exemplificado na pergunta retórica, que nomeia uma das partes do artigo escrito, se a escola de tempo integral não seria uma solução à procura de um problema ou na reposta que dá. Um
pouco
ao
estilo
de
políticos
e
intelectuais
megalomaníacos que, de posse de um projeto faraônico que lhes garantirá vantagens e promoção pessoal, saem à cata de justificativas para aplicá-los onde quer que seja, até mesmo na escola. (PARO et alii, 1988c, p. 89) Os novos governos estaduais tomaram posse em março. Moreira Franco, no Rio de Janeiro, convidou alguns intelectuais para cargos de destaque na Secretaria de Educação que, embora não tenham permanecido o período todo, emprestaram seu nome para respaldar o discurso de igualdade de condições para todas as escolas, fazendo com que o horário integral, que requer ações específicas para seu desenvolvimento, fosse inviabilizado. Simultaneamente, Darcy Ribeiro aceitou o convite de Minas Gerais para implantar 1000 CIEPs, como Secretário de Desenvolvimento Social. Em pouco tempo pediu exoneração, percebendo que aquele projeto não sairia do papel. A mudança de partido do prefeito do Rio de Janeiro levou a uma reorientação da política educacional, fazendo com que o horário integral deixasse de ser priorizado. Em 1988, promulgada a nova Constituição, a inflação atingiu 933,6%. O ano de 1989, ainda sob Sarney, vice-presidente que assumiu no lugar de Tancredo Neves, começou com o cruzado novo, passou por uma greve geral com adesão de 42% da população contra a política econômica que permitiu uma inflação anual de 1.764,9% e findou com a eleição de Fernando Collor para Presidente da República. Após sua posse em 1990, o anúncio do bloqueio das contas correntes e de poupança causou estarrecimento do país. A inflação começou a diminuir, mas o PIB chegou a 4,4% negativo, levando a uma ociosidade industrial de 39%. Mais de 50 mil servidores
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públicos federais foram demitidos e outros 50 mil colocados em disponibilidade. No ano seguinte, Darcy Ribeiro foi eleito para o Senado e Brizola, para o segundo mandato de governador, pelo PDT. Em 1991, Collor anuncia o Projeto Minha Gente, implantação de 5.000 escolas de ensino fundamental em horário integral no país inteiro, com prédio pré-moldado específico para essa finalidade, o Centro Integrado de Apoio à Criança (CIAC). Em outubro, Collor inaugurou o 1º CIAC, em Brasília, com intensa discussão a respeito do seu custo e localização. Esses fatos suscitaram novos textos a respeito do horário integral, tanto em jornais quanto em revistas acadêmicas. O ano de 1992, que começou com Collor inaugurando um CIAC no Rio de Janeiro, foi marcado por grandes manifestações pró-impeachment nos estados mais importantes do país, culminando com a saída de Collor do governo em dezembro. Em fevereiro de 1993, o Ministério de Educação (MEC) editou o documento “Linhas programáticas da educação brasileira – 1993-94” em que lançou o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (PRONAICA), que daria continuidade à proposta de educação integral em âmbito nacional. As ações desse programa deveriam se desenvolver nos Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) ou em unidades com adaptações convenientes para as finalidades indicadas. No Estado do Rio de Janeiro, CIEPs antigos foram recuperados e novos foram implantados; todos eles foram equipados e lotados com profissionais de forma que pudessem atender aos três requisitos essenciais de uma escola popular eficaz: “Espaço para a convivência e as múltiplas atividades sociais durante todo o largo período da escolaridade, tanto para as crianças como para as professoras. O Tempo indispensável, que é igual ao da jornada de trabalho dos pais, em que a criança está entregue à escola. Essa larga disponibilidade de tempo possibilita a realização de múltiplas atividades educativas, de outro modo inalcançáveis, como as horas de Estudo Dirigido, a freqüência à Biblioteca e à Videoteca, o trabalho nos laboratórios, a educação física e a recreação. O terceiro requisito fundamental para uma boa educação é a Capacitação do Magistério.” (RIBEIRO, 1995 b, p.22)
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Os profissionais foram capacitados para trabalharem em escola de horário integral. Para isso foi criado o Curso de Atualização de Professores Bolsistas para a Escola de Horário Integral, para o qual eram selecionados, através de prova com dissertação e problemas simples de matemática, professores que tinham concluído sua formação em nível de 2º grau entre 1987 e 1992. O curso, com duração de 1.600 horas, era organizado em módulos, realizado em cada CIEP, prevendo que os professores cumprissem oito horas diárias de formação, sendo quatro de prática docente orientada e três horas de aprofundamento pedagógico. Em 1994, a meta de 500 CIEPs foi atingida, ampliando a oferta de matrículas em horário integral para milhares de alunos. Ainda neste ano, além de ter sido realizado o primeiro concurso do Estado para selecionar professores em regime de 40 horas, para trabalharem nos CIEPs, foi implantado, em prédios de CIEP adaptados para esta finalidade, no município do Rio de Janeiro, o projeto experimental chamado Ginásio Público, com currículo integrando programas de 5ª a 8ª séries e 2º Grau em seis anos, com opção entre horário integral ou parcial. Esta possibilidade de escolha pelo aluno entre permanecer o dia inteiro na escola ou parte dele foi fruto da avaliação feita do funcionamento do projeto no governo anterior, em que se verificou evasão dos CIEPs de segundo segmento do Ensino Fundamental. Ano de campanha eleitoral. Em 1994, o candidato do PDT, Anthony Garotinho, não destacou o programa dos CIEPs na campanha, evitando sua identificação com Leonel Brizola, que, candidato à presidência, teve votação pouco expressiva. Garotinho foi para o segundo turno, apoiado pelo PT, mas perdeu para Marcelo Alencar, naquele momento filiado ao PSDB, cujo candidato à presidência, Fernando Henrique, foi vitorioso como pai do Plano Real. Em 1995, assistiu-se à desativação da rede de escolas de horário integral. Nesse ano foi editada a Revista Carta nº 15, sob o título de Novo Livro dos CIEPs, distribuída pelo gabinete do Senador Darcy Ribeiro. A publicação incluía um decálogo das medidas que Darcy Ribeiro considerava mais urgentes para a educação no Brasil; uma descrição e avaliação do que foi o II PEE; a atualização de diretrizes pedagógicas do I PEE e sua operacionalização no II PEE; a proposta e o desenvolvimento do curso de atualização de professores de escola de horário integral; e os procedimentos e análise dos resultados das avaliações externas aplicadas aos CIEPs em 1993 e 1994. Do apêndice constava o Manual operacional de recursos humanos, enviado às escolas em 1994 para consulta
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dos profissionais a respeito do funcionamento cotidiano do projeto. O ano de 1996 termina com a aprovação da Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, chamada Lei Darcy Ribeiro, seu relator, que morre logo após sua homologação. Em 1998, é criado o Núcleo de Estudos da Escola Pública de Horário Integral (NEEPHI) na UNI-RIO. Em seu primeiro encontro, em que o NEEPHI reuniu 85 participantes interessados na escola pública de horário integral, ficou decidida a criação de um Fórum Permanente de Debates com 4 reuniões anuais. De lá para cá, os fóruns têm se sucedido com presença média de 100 participantes. A dinâmica costuma ser uma palestra ou mesa redonda de manhã e grupos de discussão à tarde, com temas escolhidos pelo plenário do fórum anterior. Esses encontros se distingüem pelo fato da presença a temas específicos da escola de horário integral ser espontânea, diferentemente de encontros institucionais, reunindo profissionais que trabalham nessas escolas do Município e do Estado. Em 1999, Garotinho assumiu o governo do Estado, nomeando como Secretário de Educação Hésio Cordeiro e posteriormente Lia Faria, ambos ex-participantes dos PEEs. Apesar de algumas ações voltadas para diagnóstico dos CIEPs e outras dirigidas à capacitação dos professores, a escola de horário integral não se constituiu em política de educação desse governo. Da mesma forma, no município do Rio de Janeiro, a política de horário integral escolar não foi retomada, embora prefeito Luis Paulo Conde tenha colocado como meta terminar seu governo com 70% das crianças do 1º segmento do ensino fundamental em horário integral, o que não ocorreu, porque nenhuma medida foi adotada nesse sentido
O que tem sido escrito sobre a escola pública de horário integral no Rio de Janeiro A literatura recente sobre a escola pública de horário integral no Rio de Janeiro pode ser vista como a configuração de dois blocos, um favorável e outro contrário à sua implantação. O bloco contrário desenvolveu-se em dois ciclos: o primeiro, de 1987 a 1989, mobilizado pelo projeto dos CIEPs no Rio de Janeiro, utilizou dados do 1º PEE; o segundo, de 1991 a 1992, por ocasião do projeto dos CIACs para o Brasil, retomou as publicações anteriores sem acréscimo de pesquisa empírica. O bloco favorável começou a publicar, em 1990, pesquisas relacionadas ao 1º PEE, continuou com dados do 2º PEE e desenvolve pesquisas até hoje. As críticas, que tiveram acesso a revistas e editoras de maior circulação, abordaram: 1. aspecto populista/clientelista, revelando preocupação
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eleitoral maior que pedagógica; 2. qualidade ainda insuficiente do ensino em tempo parcial, inviabilizando a perspectiva de universalização do ensino fundamental em tempo integral; 3. o caráter excessivamente assistencial da proposta que desloca a função social da escola; 4. a implantação propriamente do tempo integral A crítica ao populismo, introduzida por Vanilda Paiva no debate com Darcy Ribeiro em 1985, teve respaldo na Revista Educação e Sociedade que publicou tanto o debate, no seu nº 22, como a conferência Que política educacional queremos? (Paiva, 1985), no nº 21, reforçada no nº 24 com o artigo de Lobo Jr. Sobre as relações entre as questões da educação e do populismo (Lobo Jr, 1986). Baseado em Vanilda Paiva, o autor identifica o discurso populista com o pedagógico renovador, presente na educação libertadora de Freire e na proposta dos CIEPs. Em sua dissertação de mestrado, CIEPs: a impotência de um desejo pedagógico (Lobo Jr, 1988), o autor afirma que o projeto dos CIEPs é impotente para solucionar o problema da educação fundamental na conjuntura do momento porque filia-se ao pensamento liberal presente tanto na concepção escolanovista quanto na política populista que os implementou. Mignot em sua dissertação CIEP: alternativa para a qualidade de ensino ou nova investida do populismo em educação? (Mignot, 1988) procurou identificar as funções sociais da escola na perspectiva dos professores, dos intelectuais e do movimento sindical, através da discussão qualidade de ensino versus quantidade. Recorreu essencialmente a jornais sem a observação crítica do que fundamenta o noticiário veiculado pela imprensa. Concluiu que a ausência de transparência em relação a custos, critério de localização, número de escolas concluídas e de alunos atendidos reforçou a noção do uso dessa escola como instrumento do populismo. A dissertação CIEPs: a reinvenção da escola pública (Lima, 1988) ressalta que, apesar do projeto ter sido usado como plataforma política para Darcy Ribeiro, essa experiência devia ser aproveitada, construindo-se nova prática, com proposta pedagógica específica para a escola de horário integral. A tese Práticas clientelísticas e recursos públicos para a educação de primeiro e segundo graus (Leal, 1991) sistematizou a literatura sobre clientelismo que define como a distribuição de benefícios oriundos de recursos públicos efetivada por indivíduos ou grupos no poder, para atender interesses particulares, em troca de lealdade, apoio político e até vantagens econômicas, resultando em alto grau de ineficiência social. A questão da construção dos CIEPs mereceu destaque porque:
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O fato dos CIEPs cumprirem uma função social no que se refere ao atendimento à demanda por escola pública em áreas carentes, não eliminou a faceta clientelista do projeto, revelada pelo critério de escolha das áreas a serem construídas, pelo excessivo número de CIEPs inaugurados em período pré-eleitoral e pela contratação de pessoal sem concurso. ( p. 150) L. A.Cunha, que, em seu livro Educação, Estado e Democracia no Brasil (Cunha, 1991) compartilha das quatro vertentes críticas citadas, endossa Leal, pois considera que a localização inadequada dos escolões não eliminou o terceiro turno e a pressa nas construções para fins eleitorais deixou vazamentos e afundamentos.Opõe-se firmemente às construções monumentais, como o CIEP, que absorvem grandes recursos financeiros, aumentam os valores simbólicos dos governantes e engordam as „caixinhas‟(p.483). Finalmente, em 1994, ano eleitoral, a Revista do Rio, da UERJ, publicou dois artigos cujos nomes abrigavam certa ambigüidade. O primeiro, Clientelismo e educação em questão, era a transcrição da entrevista concedida por Darcy Ribeiro para a tese defendida no ano anterior por Leal. Monumento à educação: escola pública de tempo integral, era uma versão ampliada e atualizada do artigo publicado por Mignot em 1989. O segundo tema das críticas, a inviabilidade de universalização da escola de horário integral foi primeiramente abordado no artigo Viabilidade da escola pública de tempo integral (Paro et alii, 1988b), parte do livro Escola de Tempo Integral: desafio para o ensino público (Paro et alii, 1988a) resultante do estudo promovido pela Fundação Carlos Chagas. Constata que não é possível estender escolaridade, tendo em vista a situação precária em que se encontra o ensino público. O Estado tem adotado medidas paliativas ou omitido o fracasso da escola através de critérios técnicos, gerando ou disfarçando a evasão e repetência. A simples extensão da escolaridade diária não garante o funcionamento ótimo da escola, levantando a polêmica do custo-benefício do tempo integral que inviabiliza sua universalização no Ensino Fundamental. Um dos graves problemas é a escassez de tempo de permanência do aluno, mas há outros tão graves que podem ser evitados sem ampliação do tempo. Os altos custos da escola de horário integral e as propostas que priorizam a solução de problemas sociais não têm caminhado na direção da universalização da escola. Lobo Jr., já citado, concorda parcialmente, pois defende o programa de alimentação e saúde dentro da escola, considerando que, apesar das contradições, o CIEP foi um imenso laboratório social de
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prática educativa, tendo como obstáculo à sua generalização seu custo e manutenção. (Lobo Jr.,1988) Sônia Kramer diz o mesmo de outra forma: em tese não é contra o horário integral, mas lembra milhares de crianças na faixa da obrigatoriedade escolar fora da escola, o atendimento insuficiente de crianças de 0 a 6 anos e a precária situação do Ensino Médio no país. A escola de horário integral teria que se articular dentro de uma política global (Kramer, 1991). Zaia Brandão refere-se ao custo muito alto diante da incerteza dos benefícios do horário integral (Brandão, 1989). O artigo específico a respeito Comparação das estimativas do custo/aluno em dois CIEPs e duas escolas convencionais no município do Rio de Janeiro concluiu que o CIEP apresentou custo aluno/ano três vezes maior que o da escola convencional de 1ª a 4ª série nos aspectos pessoal e material e duas vezes maior no tocante ao prédio e que as despesas assistenciais não foram relevantes. Como, tanto no CIEP como na outra escola, a maior parte do custo aluno (60%) está na despesa com pessoal, o CIEP com capacidade completa apresentaria resultado diferente. (Costa, 1991) Oliveira, em sua dissertação CIEP: modelos subjacentes de uma escola que está fazendo escola qualifica em dois tipos as críticas ao custo dos CIEPs: de um lado, os que discordavam da oportunidade de implantar uma escola como essa; de outro, as que incidiam sobre a análise dos gastos dessa implantação. Responde à crítica da impossibilidade de universalização do atendimento em tempo integral quando não se garante ainda ensino de boa qualidade em tempo parcial, afirmando que a escola unitária tem sido confundida com uniformidade de atendimento a todos numa mesma rede e que Gramsci reconhecia que há fases “onde defender a qualidade da implantação de um novo modelo parecia mais importante que aguardar as condições objetivas de atendimento igual para todos e que muitas vezes, a defesa intransigente e utópica da melhoria para todos impede a possibilidade de propor o novo, ainda que experimental” (Oliveira, 1991, p.123). No mesmo sentido, em Escola pública de horário integral e qualidade de ensino, apresentado na ANPED em 1995, a autora afirma que qualidade emancipatória a ser desenvolvida no ensino público fundamental requer democracia que se lê, minimamente, como acesso e permanência na escola, mesmo que seja necessário facultar condições desiguais para que as crianças das classes desprivilegiadas possam se tornar iguais. Mas a escola de horário integral não tem sido vista dessa forma pela academia nem tem recebido ajuda significativa das universidades. Conclui que a extensão da quantidade de horas na escola é condição para desenvolver a qualidade
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emancipatória, revestindo qualidade de ensino de conteúdo político (Coelho, 1996). A terceira vertente da crítica, que discute a função da escola, também foi introduzida por texto decorrente do estudo proposto pela Fundação Carlos Chagas. O artigo A escola pública de tempo integral: universalização do ensino e problemas sociais (Paro et alii, 1988c) ao responder se essa escola pode servir de instrumento para a universalização da educação elementar para as amplas camadas da população, reafirma a função de instrução da escola sem desconhecer a de socialização que se torna ainda mais importante para as crianças das camadas populares que não contam com alternativas de lazer em ambientes coletivos diversificados. Entretanto é necessário distinguir a escola “em tese” da escola real, pois a instrução tem sido reduzida a mínimos insignificantes e a socialização tem se consistido de práticas autoritárias que recalcam a cultura do dominado, até que essas crianças sejam expulsas da escola sem aprender o mínimo necessário. Diante disso, qualquer proposta de extensão de jornada diária só tem sentido se visar a universalização da escola em termos de acesso, permanência e efetiva apropriação do saber. Entretanto o que se divisa por trás do caráter formador da escola voltada para as classes trabalhadoras é a concepção de pobreza como problema moral, que deve ser eliminado através da educação integral. Mignot concluiu, na sua observação, que a prática dos professores demonstrou que o papel da escola é suprir carências: afetiva, nutricional, cultural e social, redundando num ensino de segunda categoria, já que é uma escola para pobre. A escola termina não cumprindo sua função de ensinar, agravando a carência dos pobres (Mignot, 1988). No artigo Direito ao tempo, escrito para o mesmo seminário, Arroyo discorre sobre as funções que as escolas de tempo integral assumiram ao longo da história. Destaca seu caráter de instituição total, em que se valoriza mais a socialização do que a instrução. Marcada pela percepção negativa da pobreza, estas instituições, destinadas a salvar os filhos dos trabalhadores pobres, têm mostrado quão violenta pode ser a relação pedagógica. O autor relaciona a educação integral dos trabalhadores com a constituição da mercadoria trabalho e com a expectativa da burguesia de educação para o trabalho. Apesar disso, reconhece que a escola de horário integral pode ter um papel a cumprir na nossa sociedade, que não se confunde com mecanismo de ajustamento da mão de obra ao mercado de trabalho, com tempo de espera cada vez mais longo, como ocorre em países de capitalismo avançado (Arroyo, 1988). A tese A escola de educação integral: em direção a uma educação escolar mutidimensional (Cavalieri, 1996) considera que há, hoje, ampliação das funções da
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escola por modificação da natureza da instrução escolar. Assim o tempo de permanência diária passou a condição para que a escola possa desempenhar essas novas atribuições. Se de um lado as famílias tendem a transferir parte das funções educativas para a escola, por disseminação do trabalho feminino ou por miséria e desinformação, de outro há uma tendência mundial de aumento da escolaridade média da população, já tradicionalmente mais amplas em países do Primeiro Mundo. A autora propõe uma escola que atue integradamente em aspectos da vida do aluno quanto ao seu bem estar físico, ao seu desenvolvimento social e cultural e à sua capacitação como ser político. Apresento alguns resultados das pesquisas realizadas por Leonardos, apesar de não ter espaco, em um artigo, para detalhar as rigorosas condições metodológicas que os possibilitaram, porque trazem informação sobre o desenvolvimento dos alunos dos CIEPs, fundamental para a discussão sobre a função dessa escola. Sua tese, que não pode ser generalizada por se tratar de estudo de caso, Opportunities to learn academic skills in the Brazilian public schools: a comparative case study (Leonardos, 1990) apontou distinções qualitativas no que diz respeito a currículo, pedagogia e relação com a comunidade, entre o CIEP e a escola convencional estudados, apesar das duas unidades não se diferenciarem por índices de evasão e de repetência. As diferenças observadas entre as escolas parecem ser resultado tanto da sua estrutura organizacional quanto das ideologias professadas ou ocultas do projeto pedagógico de cada uma. No CIEP, os alunos tinham um leque mais amplo de experiências educacionais. Na pesquisa Avaliação de desempenho de alunos de CIEP e de escola convencional: comparando o desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico (Leonardos, 1991b), definido pensamento crítico como capacidade de avaliar uma idéia, tomar uma posição e argumentar coerentemente pró ou contra a mesma, a autora investigou a fala, a leitura e a escrita em turmas de 4ª série. Pertencentes à mesma comunidade, os alunos do CIEP eram mais pobres, em sua maioria oriundos de famílias desestruturadas, apesar de apresentarem histórico escolar semelhante. Os resultados apontaram que os alunos do CIEP revelaram domínio superior significativo na habilidade da fala e desempenho homogêneo nas três habilidades, na faixa de 65%. Em Análise de discurso das produções acadêmicas de alunos de CIEP (representativo
da
proposta
original)
e
de
escola
convencional,
redações
argumentativas foram submetidas à análise de conteúdo. O estudo concluiu que os alunos do CIEP tinham postura não repetidora do senso comum, com tentativa de elaboração própria; os alunos da escola convencional tendiam para a repetição da
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palavra autorizada. Segundo a autora, não há como negar o impacto dos programas educacionais na diferença verificada, apesar de não se poder afirmar que este seja o único fator determinante. Os alunos da escola convencional se reconheciam como classe média “de fora” ou elite da classe baixa (“de dentro”?). Enquanto grupo social, os alunos do CIEP se identificam com a classe baixa, estabelecem relação de pertinência com a sua comunidade, reivindicam uma postura menos discriminatória por parte dos “lá de fora” e questionam o discurso dominante no que concerne a associações do tipo pobreza-violência. (Leonardos, 1992, p. 43) Em relação à implantação em si da escola de horário integral no Rio de Janeiro, além dos aspectos inseridos nas três primeiras vertentes da crítica, há outros decorrentes deles, como a discussão sobre a pertinência do horário integral, tendo em vista a necessidade da criança colaborar com a renda familiar (Paro, 1988c; Cunha, 1991; Kramer, 1991). Interessante ver a dissertação de mestrado Análise da evasão de alunos de um CIEP de segundo segmento do Primeiro Grau para escolas de horário parcial (PERISSÉ, 1994). Concluiu que, diferentemente do que se supunha, o motivo principal para o abandono do horário integral não era a necessidade de complementar a renda familiar, mas a não implementação da proposta original do Professor Darcy Ribeiro, tanto por responsabilidade do governo da época quanto pela dos profissionais que trabalhavam naquele CIEP, deixando os alunos na ociosidade por longo período do dia. Também foi observada a contradição entre o discurso da equipe central e a prática das escolas (Lima, 1988) ou entre o discurso e a prática dos próprios professores (Aguiar, 1991). Leonardos, em artigo que afirma o CIEP como escola eficaz e inovadora para população em situação de risco, alerta que, embora a liderança do diretor e a coesão dos membros da escola sejam da maior importância, a pouca integração da comunidade ameaça a manutenção das características básicas deste programa num momento de falta de apoio político e financeiro., pois a proposta do CIEP foi feita para a comunidade e não com a comunidade do aluno de baixa renda. (Leonardos, 1991a). Oliveira critica o discurso salvacionista de Brizola que enfatiza o estigma do CIEP como escola para pobre (Oliveira, 1991). Três aspectos positivos merecem destaque por terem sido citados, em contextos diversos, tanto por críticos como por defensores da implantação da escola de horário
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integral. O primeiro, e talvez significativo para a permanência da demanda por essa escola, é a satisfação dos pais. Paro et alii (1988c) reconhecem que, à primeira vista, a população deseja esses projetos que estão sendo oferecidos. Lobo Jr. (1988) atribui o entusiasmo das comunidades e das equipes internas em torno do CIEP a uma estreita ligação entre a proposta populista do CIEP e um certo consenso vulgar do que seja escola de qualidade. Lima (1988) registra que, apesar da omissão da escola em discutir a disciplina, diante de tantos casos de violência, a visão dos pais era positiva, um descanso saber que os filhos estavam na escola. Leonardos (1991a) compartilha esta percepção ao afirmar que o conceito de CIEP da comunidade em geral era de um prédio em que funcionava uma escola de horário integral, o que lhes dava tranqüilidade para trabalhar e mantinha as crianças alimentadas. Oliveira (1991) menciona a expectativa favorável da população que é confirmada pela avaliação externa realizada em 1994 (Maurício e Silva, 1995), segundo a qual o índice de aprovação da comunidade em relação ao horário integral, ao prédio escolar, à integração criança-escola e à qualidade de vida da comunidade após implantação da escola ficou acima de 80%. O segundo aspecto positivo enfocou o horário integral do professor que, segundo Paro et alii (1988b) permite intervalos para planejamento, preparação de material didático e aperfeiçoamento profissional, que se tornou indispensável diante do baixo padrão de qualidade do professor resultante do desprestígio da profissão e dos baixos salários. Arroyo (1988) já aborda outro aspecto, considerando que o horário integral do professor contribui para a constituição de um sistema de ensino mais definido, com um corpo profissional mais consistente, conformando-se num interlocutour para a classe trabalhadora. Brandão (1989) registrou que o projeto de horário integral criou condições para o treinamento em serviço; Costa (1995), que o tempo mais extenso na escola pode propiciar maior envolvimento do professor com o projeto de educação; e Silva (1997) percebeu ênfase na formação continuada do professor, que constitui a principal estratégia para garantir a valorização da cultura da criança. O último aspecto compartilhado por vários autores citados foi o de que a proprosta dos CIEPs suscitou discussão sobre a escola pública. Lobo Jr. (1988) classificou como sem precedentes. Para Mignot (1988), contribuiu para o avanço do processo de democratização da escola pública, tanto que na campanha para governador, candidatos e associações de moradores defenderam os CIEPs, apesar de ressalvas. Brandão (1989) destacou que, apesar das críticas que o CIEP sofreu, figurou como plataforma política de todos os candidatos ao governo do Estado; tornou-se “nome próprio” para escola de
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tempo integral; entrou na vida dos usuários, nos debates de educação, dos intelectuais e dos políticos. Para Oliveira (1991), a discussão sobre a inadequação da escola pública decorrente da introdução do projeto teve como conseqüência a incorporação do direito à educação de boa qualidade em jornada ampliada às reivindicações das classes trabalhadoras na Constituição do Estado e na Lei Orgância do Município. Garcia (1992) resume tudo dizendo que o CIEP colocou a discussão sobre escola na rua.
Indicadores para reflexão sobre a permanência da escola de horário integral O primeiro ponto a destacar é a compreensão de autores significativos desse debate de que ele se travou num contexto de disputa partidária que levou à exacerbação. Até a motivação do seminário proposto pela Fundação Carlos Chagas fundamentou-se nesse reconhecimento. O artigo de Zaia Brandão (1989) A escola de 1o Grau em tempo integral: as lições da prática expõe sua relutância em participar deste seminário tal o clima “emocional” em relação ao PEE. Relata a origem do seu criticismo com os CIEPs, mas reconhece que ele reflete preconceitos e vícios da academia: tendência a desconfiar dos políticos e a “não sujar as mãos”. Afirma que o impacto nacional causado pelo programa dos CIEPs colocou em discussão não as escolas, mas a disputa políticopartidária representada por Brizola, Darcy e Niemeyer. Apesar de reconhecer o boicote da imprensa ao Governo Brizola, considera que as críticas veiculadas expressam a polêmica levantada pelos CIEPs. A mesa redonda Avaliações Acadêmicas da Escola em Tempo Integral, parte do simpósito O desafio da escola básica: qualidade e eqüidade, promovido pela Comissão de Educação do Senado Federal em 1991, reuniu Paro, Oliveira e Leonardos. No debate, após certa tensão por diferenças de enfoque, os três expositores caminharam para compreensão comum de que a pesquisa qualitativa se faz por acréscimo, de que não se pode tratar o tema separando quem está a favor e quem está contra, nem conhecê-lo por apenas uma das abordagens (Cadermatori, 1991). Oliveira (1991) considerou que a estratégia de divulgação dos CIEPs pelo governo Brizola contribuiu para a polarização e partidarização da discussão. Em Escola pública e a construção de um espaço alternativo de educação, Mignot (1991) diz que é necessário empreender um esforço para romper com visões cristalizadas que têm configurado os CIEPs como heróis e vilões, solução e desgraça. Propõe que se procure identificar as diferentes concepções de qualidade de ensino que estão informando essa política educacional e as críticas a ela dirigidas .Garcia (1992),
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em CIEP – a paixão deslocada afirma que a discussão sobre CIEP não pode ser dicotomizada em paixão e ódio por Brizola ou Darcy Ribeiro. O centro deve ser a função da escola na sociedade. Análise da partidarização de concepção de escola, que ocorreu não apenas com os CIEPs, está na tese Arquitetura escolar como representação social de escola (Moussatché, 1998) que mostra, em três escola, cada uma representativa de uma época de expansão da oferta de vagas na rede escolar pública do Rio de Janeiro, sendo a última um CIEP, como a escola, ao longo do século, foi utilizada por diversos grupos políticos, fazendo com que sua imagem se apresentasse como “objeto de desejo” da população por uns e “objeto de desprezo” por outros. Segundo a autora: Ao assumirem o Poder, os grupos antagônicos ao governo anterior, entretanto, não se dedicam a mudar a “marca”, como poderia-se esperar, mas abandonam completamente as políticas de expansão e, o que é mais grave, deixam de investir na manuntenção dos prédios existentes (...) E os prédios recém-construídos, assim como os mais antigos, deterioram-se até o momento em que, sem condições ambientais de utilização, passam a ser apresentados à população, através dos meios de comunicação, como “edificações obsoletas” (Moussatché, 1998, p.186) O segundo ponto constatado por vários autores foi a dificuldade de avaliar os resultados do horário integral tendo em vista a exigüidade de tempo de vigência dessa implantação (Oliveira, 1991; Cunha, 1991; Garcia, 1992). O terceiro ponto foi decorrente do estudo para definição de instrumento de pesquisa para minha tese de doutorado, realizado no grupo de professores que freqüenta os fóruns promovidos pelo NEEPHI. O objetivo era verificar as razões que levam os professores a optarem pelo trabalho em escola de horário integral, o que eles percebem a respeito das mães levarem seus filhos para essa escola e de elas, na eventualidade, tirarem-nos de lá antes do término do curso. Como essas opiniões podem variar segundo diversos fatores de inserção na escola – função, tempo de escola, formação etc – essas variáveis também foram verificadas. O estudo ainda tinha como finalidade levantar um repertório de associação de idéias com os temas escola pública, escola pública de horário integral, CIEP, Brizolão, escola pra pobre para configurar a representação
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social dos professores a respeito (Maurício, 2.000). Os dados indicaram que existe um conjunto estável de profissionais, que trabalha nos CIEPs, interessados na implantação da escola pública de horário integral, dada a recorrência de CIEPs que comparecem aos encontros e o tempo de permanência dessas pessoas nas escolas. Além disso constataram-se dois fatos fundamentais para a escola de horário integral: quase 100% dos professores com horário integral na escola e a afirmação de que 80% preferem trabalhar em escola de horário integral. No Município, destacaram-se ainda dois fatos que podem colaborar: mais de 70% dos presentes estavam em função dirigente e mais de 90% tinham nível superior, sendo 1/3 com pósgraduação . Evidenciou-se, na ótica deste seleto grupo de possíveis multiplicadores da escola pública de horário integral, a necessidade dessa escola por parte da população, seja porque a mãe precisa trabalhar fora e não tem onde deixar a criança, seja porque lá as crianças podem se alimentar melhor, seja porque é oferecida educação infantil em horário integral, seja porque mãe ou filho gostam da escola. O fator rejeitado foi que a opção pela escola de horário integral se dá por falta de alternativa. Por outro lado, os entrevistados afirmaram que as crianças que interrompem o curso fazem-no, principalmente, por precisarem colaborar com a renda familiar ou com o trabalho doméstico. Recusaram as possibilidades de abandono do curso por deficiência ou inadequação da escola. Essas observações indicaram que há demanda pela escola de horário integral e que há necessidade de medidas complementares para que as crianças possam completar seu curso lá. Finalmente, a representação social que emergiu da associação de idéias desse grupo que trabalha há anos em CIEP é de fato favorável à escola de horário integral, sem qualquer conotação negativa, nem atributo assistencial, com intenso trânsito de significados entre escola de horário integral e CIEP, distintos pela noção de passado que envolve o CIEP e a de futuro que dá à escola pública de horário integral um matiz de projeto, luta, bandeira. Estas imagens estão muito distantes da que foi construída em torno de Brizolão, que se identifica, nos aspectos negativos, com escola para pobre, profundamente rejeitada com exaustivas repetições ofensivas. Assim a permanência de 19% de alunos do ensino fundamental em horário integral, a existência de um núcleo de estudos da escola de horário integral que, além de promover fóruns de discussão freqüentado regularmente por profissionais desta escola, tornou-se referência para estudos e pesquisadores do horário integral, o reconhecimento
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de que o debate travado há 10 anos atrás estava minado de expectativas, a constatação de que ainda não foi possível avaliar os efeitos do horário integral escolar por descontinuidade dessa política, a evidência de que há possíveis multiplicadores dessa política já implantados nas escolas, a percepção desses multiplicadores de que há demanda dessa escola por parte da população e a convicção que essas mesmas pessoas têm de que a escola de horário integral não é e não pode ser reduzida a escola para pobre constituem bom patamar para pesquisas a respeito da oportunidade de ampliação de oferecimento da escola de horário integral à população.
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