VOZES DA EDUCAÇÃO: MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES.

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VOZES DA EDUCAÇÃO: MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES.

Apresentação Na presente obra, “Vozes da educação: memórias, histórias e formação de professores”, socializamos um conjunto de textos apresentados durante o III Seminário de Educação, organizado pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão Vozes da Educação: Memória e História das Escolas de São Gonçalo, da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, em setembro de 2007, evento que recebeu o mesmo título. Todo livro é um objeto material de “memória”, além desse sentido, a presente obra procura, também, se colocar como “celebração” e “convite”. Como objeto de “memória”, trazemos, nos diversos textos, indícios de uma polifonia de vozes que tematizam a formação de professores/as na intensidade do tempo, intensidade que se traduz na problematização do presente, mediada por vestígios do passado e por desejos de futuro. Textos que, ao recuperar diferentes enfoques, falam de um caminho de construção no campo educativo, na interface entre “Memórias, Histórias e Formação de Professores”. Como “celebração”, lembramos, comemorativamente, os dez anos de criação do Núcleo de Pesquisa Vozes da Educação, em uma celebração que se amplia, envolvendo aqueles e aquelas que participaram do III Seminário, e ainda, os que, de alguma forma, lutam também as mesmas lutas. E, finalmente, o presente livro indica o sentido de “convite” a uma leitura crítica e propositiva, não só dos textos que trazemos aqui, mas de um campo de estudos de significativa presença e força na pesquisa educacional, materializado, especialmente, em estudos ligados à História e à Sociologia da Educação e suas interfaces com a formação de professores. O texto de abertura retoma a história do Núcleo de Pesquisa Vozes da Educação, posteriormente, seguimos os caminhos percorridos no III Seminário, apresentando, inicialmente, o texto referente à conferência de abertura, seguindo–se quatro conjuntos de dois textos, representando cada um dos eixos temáticos focalizados, finalizando com a conferência de encerramento. Nesse início de diálogo, com e entre os artigos aqui reunidos, no texto da professora Maria Tereza Tavares,“Percursos e movimentos: dez anos do Vozes da Educação em São Gonçalo”, o discurso da memória é fundamentalmente um discurso amoroso. Desse modo, o seu trabalho de reconstruir a trajetória do Vozes da Educação em São Gonçalo nutre-se tanto de um forte investimento afetivo, quanto de um vigoroso compromisso político-epistêmico com o legado indissociado de ensino, pesquisa e extensão. Do ponto de vista metodológico, a opção por trabalhar com “as cartografias da memória” nos possibilita aventurarmos pelos diferentes percursos, movimentos do Vozes da Educação, dos sujeitos que desenham e animam estas cartografias. Dialogando com a metáfora das “mulheres tecelãs”, a professora Maria Tereza desenovela os fios (e os desafios) que vão tecendo a “trama” do Vozes. Destacamos aí, a polifonia e o dialogismo bakthtiniano como categorias centrais nos diferentes trabalhos do Vozes. Desse modo, sugerimos ao leitor se deixar levar pelas linhas abertas que se abrem para novas e bem-vindas interlocuções. Assim, o texto é um pretexto para um forte e necessário movimento de (auto)reflexão, tanto dos integrantes do Núcleo quanto de todos aqueles que, no chão da escola e da universidade, pensam investigar as relações entre memória/história e formação de professores.


No texto intitulado “Identidades, histórias de vida e culturas escolares: contribuições e desafios para a formação de professores”, considerando que os sujeitos transitam em vários contextos sócio-culturais, o professor Ricardo Vieira defende a formação de professores capazes de agir interculturalmente. Afirma que aprender significa, sempre, de alguma forma, transformar-se. Por isso a formação de docentes deve colocar ênfase na transformação. Daí a necessidade de modelos mais culturais e antropológicos na abordagem da educação. A antropologia da educação pretende compreender as metamorfoses culturais através da antropologia das pessoas, que investiga os processos de auto e heteroconstrução de si mesmas e da imagem que dão para os outros. Neste sentido, o estudo de biografias educativas de alunos e professores possibilita mostrar como os sujeitos interiorizam os vários elementos culturais de que se apropriam, criando identificações nos seus grupos de pertença. A biografia não só permite a compreensão das identidades pessoais como viabiliza a autoformação de adultos. A construção de identidade consiste em dar significado consistente à própria existência, integrando experiências passadas e presentes, que não constituem mera reprodução da esfera social e cultural. As histórias de vida configuram metodologia para pensar a transformação das pessoas. É preciso fomentar o pensamento comparativo, reflexivo, o relativismo cultural, a integração do local e do global na aprendizagem para formar o professor investigador. No contexto do primeiro eixo temático, trazemos a discussão do tema “Histórias de vida, narrativas (auto)biográficas e formação de professores”. Em “Biografias de educadores gonçalenses: a luta contra a invisibilização e o esquecimento”, a professora Clarice Nunes apresenta o debate de uma “das mais caras tradições na historiografia da educação”: “a elaboração de perfis ou trajetórias de educadores”, analisando a problemática que envolve a produção de biografias na História da Educação. Entre o caráter laudatório e a exegese do pensamento, as biografias constituíram canais para divulgação de perfis ideais, afirmaram-se como homenagens, reforçando o caráter missionário e o exemplo por meio da vida e da obra. Tomando como referência a crítica tecida por Pierre Bourdieu a esse modo de construção das biografias, na segunda parte do texto, encontramos a análise de biografias de educadores gonçalenses, ressaltando-se aspectos do conjunto das biografias estudadas, bem como comentários sobre as características da narrativa biográfica. Dessa análise, destaca-se a permanência “do dom, da vocação, do educador ideal” nas biografias estudadas, bem como elementos sobre a história da formação docente em São Gonçalo. O professor Elizeu Clementino, no texto “A formação como processo de conhecimento: histórias de vida e abordagem (auto) biográfica”, sinaliza aspectos teórico-metodológicos da perspectiva biográfica no contexto da formação de professores, indicando percursos epistemológicos da pesquisa com histórias de vida. Considerando a ampliação de estudos nessa área, o referido texto distingue conceitos, desdobramentos metodológicos e interfaces entre as contribuições sociológicas, históricas e o campo educativo, afirmando sua natureza multidisciplinar e polissêmica. Como caminho para elaboração de estudos sócio-históricos dos processos educacionais, as histórias de vida colocam-se enquanto fontes potentes na atribuição de sentidos para as experiências dos sujeitos e no campo da formação de professores pela busca de modalidades significativas no processo de construção do conhecimento. O conjunto de sua análise reafirma a importância da referida abordagem para a formação docente já que indica “um movimento de investigação sobre o processo de formação e, por outro lado, possibilita, a partir das narrativas (auto)biográficas, entender os sentimentos e representações dos atores sociais no seu processo de formação e autoformação”.


No segundo eixo temático, apontamos como tema de discussão Linguagens, cultura escrita e cotidiano escolar: desafios contemporâneos. No texto Alfabetização, Memória e História: cartilhas - um passado ainda presente a professora Carmen Lúcia Vidal Pérez coloca em discussão os significados e os usos historicamente atribuídos às cartilhas - recurso didático visto atualmente como quase indispensável à prática alfabetizadora. Remetendo-se aos Estados europeus do século XVII a XVIII e aos significados políticos-sociais da produção e difusão da leitura e da escrita, a autora aponta que pelo menos por cinco séculos, a alfabetização acontecia sem o uso das cartilhas e enfoca a variedade textual – “cartas de crédito”, “letras de câmbio“, cartas, diários, poemas, baladas, contos, sermões, dramas sacros, orações e histórias dos santos - a partir da qual a alfabetização foi sendo universalizada. Problematizando a função da cartilha como texto alfabetizador, a autora assinala que um texto é muito mais do que uma seqüência de palavras que emitem uma única mensagem. O texto se complementa na leitura e na interpretação do leitor. Ler é criar significados e construir sentidos: o leitor escreve um outro texto nos espaços abertos pelo autor. Tais argumentações permitem questionar a real necessidade do uso das cartilhas de alfabetização à medida que as mesmas se configuram como “um livro feito apenas de letra, um espaço de ausências” no qual falta texto, leitor e acima de tudo, um autor”. Em Ler e escrever – uma mera exigência escolar?, o professor João Wanderley Geraldi tem como foco de análise os usos e significados do ler e escrever como uma unidade de ação e suas implicações na garantia do direito de expressão por todos os membros de uma sociedade letrada. Lembra o professor que pensar a leitura e escrita como uma ação integrada é um senso comum em toda e qualquer sociedade letrada. Contudo, percebe-se nessas mesmas sociedades que enquanto a leitura torna-se uma necessidade vital de todos os seus membros, a escrita é privilégio de alguns que são autorizados a utilizá-la. Em seu texto, o autor coloca em confronto as diferentes formas como a conjugação ler e escrever é apresentada na escola e na sociedade: enquanto na escola se encara o [ler e escrever] como uma unidade de ação, na sociedade [[ler] e [escrever]] representam duas ações distintas por responder a diferentes compromissos sociais. No âmbito da sociedade, fica clara a diferença essencial entre aqueles que podem ler e aqueles que escrevem de modo que a liberdade de expressão de fato corresponde à liberdade de apenas alguns dos membros das sociedades letradas. “Culturas escolares no Brasil: questões para reflexão”, consistiu na temática proposta para o terceiro eixo temático. O texto “A pesquisa histórica sobre cultura escolar no Brasil: impasses e perspectivas”, do professor Luciano Mendes de Faria Filho considera que é necessário avançar o debate sobre a noção de cultura que sustenta as definições de cultura escolar para que esta categoria colabore para o entendimento de escola. Entre nós, a cultura escolar aparece ora como um inventário de aspectos concernentes à experiência escolar ora como normas escolares. Estas noções não contemplam o aspecto simbólico, subtraindo o aspecto cultural da cultura escolar. Para o conceito de cultura escolar é necessária uma definição de cultura articulada a duas dimensões do fenômeno educativo: a dimensão macro dos processos de escolarização com a dimensão micro das práticas escolares. Aos sentidos de escolarização como processos e políticas de organização de uma rede de instituições responsáveis pelo ensino e como produção de representações sociais que têm na escola o locus de articulação e divulgação de seus sentidos e significados, deve ser acrescentado o sentido de ato ou efeito de tornar escolar, ou seja, o processo de submetimento de pessoas, conhecimentos e valores aos imperativos escolares. As culturas escolares são o processo e o resultado das experiências dos sujeitos, dos sentidos compartilhados ou disputados pelos atores que fazem a escola. O processo de reprodução da cultura escolar é,


também, o de sua transformação. As culturas escolares não são passíveis de mudanças bruscas, porque precisam ser construídas nas práticas escolares. O artigo “Escolarização e governo das multidões: reflexões acerca das formas da escola na corte imperial”, do professor José Gonçalves Gondra, mostra que, no Brasil, a “invenção” da forma escolar moderna se dá no século XIX, inserida na sociedade de normalização, modelo no qual se cruzam a norma da disciplina e da regulamentação. A escola é constituída através da articulação entre ambas. A regulamentação constitui uma nova forma de exercício do poder sem anular a disciplina. A criação da escola como agência de governo das multidões mobilizou forças distintas da sociedade, gerando tensão entre elas. A análise deste processo não pode se dar à parte do debate entre a chamada “educação natural” e a “educação do Estado” nem desconsiderar o modelo de Estado e os projetos formulados. Toma-se como ponto de partida o governo das escolas primárias e secundárias da Corte para debater as articulações ortogonais entre disciplina e regulamentação. Para demonstrar seus efeitos, o autor enfoca as conferências pedagógicas, instauradas pelo Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Corte em 1854, ação “modernizadora” do Estado Imperial no que se refere à escolarização. As conferências objetivam possibilitar uma padronização no exercício da docência. Entretanto, entre a norma e seu funcionamento, se há obediência, também há margem para apropriações não previstas. Assim, no processo de construção dos modelos escolares, é importante observar tanto o poder público como o poder exercido por outros agentes sociais. Nesta tensão é que se podem pensar os efeitos da escola na organização da cultura e a escola como efeito da cultura. Compartilhando a temática Os Lugares da Memória Escolar e Educação Patrimonial no Brasil, a professora Libânia Nacif Xavier, em seu artigo “Lugares de memória e da escola no Brasil”, encaminha suas reflexões considerando que as práticas de preservação da memória se manifestam sob várias formas de materialização, cujos registros funcionam “como validação simbólica” dos elementos que engendram a formação das identidades individuais e coletivas. Destacamos o importante inventário reflexivo elaborado pela professora Libânia Xavier sobre os movimentos partilhados por pesquisadores da história da educação em reunir e articular esforços teórico-metodológicos para promover a “musealização da educação escolar” para além da noção de “documento arquivísiticos”, antes confiado, apenas, aos documentos de conteúdo administrativo. A despeito do fértil diálogo realizado pela professora Libânia Xavier a partir de autores e perspectivas teóricas que interrogam o “modelo escolar”, “a cultura escolar”, “o processo histórico de organização do ensino público no Brasil”, entre outros, a autora conclui que a “materialização dos lugares de memória da educação e da escola” tem sido marcada pelo esforço individual ou de pequenos grupos de pesquisadores, frente à ausência de políticas institucionais dirigidas para a preservação da memória, seja no ambiente universitário, seja no ambiente escolar. Por sua vez, o texto “Diversidade museal, educação e movimentos sociais”, do professor Mário Chagas,

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do

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produção/preservação/desconstrução/reconstrução/invenção

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discussão sobre o surgimento e a consolidação dos museus no Brasil, problematizando a nossa “herança museal”, bem como a contemporânea dimensão educacional dos museus e a ampliação da perspectiva da “museodiversidade” em todo país. Para o professor Mário Chagas, o museu, compreendido como lugar (ou casa) da memória, envolve implicitamente a tensão entre esquecimento e recordação, entre compromisso e resistência. Para o autor, pensar o museu como lugar de memória e esquecimento, significa vê-lo como um lugar de poder,


de conflito e embates. O texto do autor é um convite para que nós, sujeitos escolares, professores possamos escutar e compreender as diferentes vozes (nem sempre nítidas) na ambiência museal. A fruição educativa e pedagógica do museu como um espaço de “memórias em disputa”, sendo que a fruição estética e ética desse espaço não pode ser negligenciada por todos aqueles que consideram o museu um lugar memória e da educação da imaginação. Seguindo o percurso do III Seminário de Educação, anteriormente referido, fechamos o livro com a reflexão proposta para o seu encerramento “Práticas educativas e aprendizagens formais e informais: encontros entre cidade, escola e formação de professores”, tecida pelo professor Bravo Nico. Aqui, a centralidade do processo de aprender, que envolve nossas formas de ser e estar no mundo é analisada nas mediações entre os espaços/tempos formais e informais, entre vida, escola e formação. Aprendizagem que “não tem fronteiras físicas, sociais, culturais ou institucionais” e que se constitui ao longo da trajetória de vida. Por meio de questionamentos que se desdobram, o texto apresenta alguns vértices das aprendizagens cotidianas: Por que se aprende? O que se aprende? Como se aprende? Onde se aprende? Com quem se aprende? Aprender a favor do quê? No exercício de um direito, aprendemos “a cultura humana global e a cultura local construída”, na singularidade e na multiplicidade de circunstâncias vitais, individuais e coletivas; “em todos os sítios e em todas as circunstâncias”; “com todos, uns com os outros”; “a favor dos ideais e dos valores em que acreditamos”. Concluímos, assim, retornando ao sentido de convite que buscamos na presente obra. Convite que se alarga, a uma formação que, articulando a complexa tessitura de aprendizagens constituídas em diferentes tempos e espaços, possibilite a alunos/as e professores/as, uma experiência existencial com o conhecimento, experiência que nos toque, envolva e transforme, na particularidade e na força coletiva de nossas reflexões-ações sobre o mundo.

São Gonçalo, setembro de 2007.

Inês Ferreira de Souza Bragança, Lúcia Velloso Maurício, Mairce da Silva Araújo e Marcia Soares de Alvarenga



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