Delírio Húngaro

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DELÍRIO HÚNGARO Nuno Brito



Rua Barata Feyo, 140 – Sala 1.10 4250 - 076 Porto | Portugal www.edita-me.pt © 2009, Nuno Brito Paginação e Design Carlos Lopes Capa Fábio Fernandes

Revisão Susana Fonseca

Impressão e acabamento Cromotema

1ª edição: Julho de 2009 Depósito legal: xxxxxx/09 ISBN: 978-989-xxxx-xx-x As marcas e direitos mencionados encontram-se devidamente registados e reservados de acordo com a legislação em vigor.

De acordo com a lei é interdita a reprodução do texto, total ou parcialmente, sem a autorização expressa do editor – à excepção de breves transcrições para crítica ou comunicação social.



Não digo que Deus seja uma barrigada de riso, digo que temos que rir com mais força se nos queremos aproximar o que quer que seja dele Henry Miller – Trópico de Capricórnio



D E L Í R I O

H U N G A R O Cassandra

Num sábado de oração na Sinagoga grande, o rabino disse «O milagre não é uma laranja tornar-se cúbica, o milagre é as laranjas já serem esféricas» Nada era melhor do que aquela pedra. Algumas horas. Devia fazer isso com todas as coisas. Às vezes não é preciso tanto tempo, 12 minutos a olhar para um semáforo avariado e torto e já nada é mais bonito do que um semáforo a cair! A cidade está cheia de medo. Nestes dias antes da tua morte, a cidade ficou cheia de medo de nós. Os muros pareciam precisar de ajuda Os prédios não conseguiam suportar mais os seus habitantes. Fez-se um silêncio pleno … Um silêncio Grande, Como quando dez mil camiões buzinam ao mesmo tempo.

Tanta calma … Percebemos logo Tudo. Aprender num dia mais do que no anterior

Como a minha mãe me disse, ou foi a meu filho? O tumor está a alastrar-se a toda a cabeça! – Gritou alguém ao megafone. Cassandra! Está tudo a correr bem! As laranjas são redondas ainda. Tudo é tão leve …

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N U N O

B R I T O

Queria tanto beber do teu leite. Tu empurravas-me a cabeça e rias-te. Acendias um cigarro. O teu corpo era a minha casa.

Quero abraçar todos os homens e mulheres. O Abraço supremo que abarca toda a humanidade com os braços grandes de uma mãe. Os cantores de que tu gostavas estão agora mais vivos. As canções na rádio sabem a leite estragado. Calma, foi apenas o fim do mundo. Tudo o resto continua……….

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D E L Í R I O

H U N G A R O

O carro funerário ia muito devagar Foi tudo tão alegre … Uma alegria Aguda Que entrava dentro de nós Como uma viga de ferro a cair-nos na cabeça Uma felicidade sufocante que ecoava pelo Universo naquele sábado de sol Cassandra Só um som ou uma ideia

Só uma PALAVRA

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N U N O

B R I T O

Felicidade Suprema

Cuidado! Vêm aí a Felicidade Suprema. Tocaram os cornos de carneiro, Boiiiiuummnn!! Calma! É só como levar com uma grua em cima, Como estar dentro de um sino a levar marteladas, Como ser atropelado por um camião. A Felicidade é violenta. Ela vai cair em cima de nós, Vai crescer dentro de nós. Vai fazer nós dentro de nós.

Ninguém vai conseguir escapar. A Alegria vai nos magoar tanto!

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H U N G A R O

Allegro nº 1 Olha! Inventaram as estrelas E criaram os pântanos, E girafas , touros e zebras! Há laranjas redondas para serem comidas! Há cegonhas e baleias, Pinguins e elefantes! Há também elefantes de duas patas e sem tromba Com dois braços e com pêlos no cimo da cabeça Que falam como papagaios. Obrigada Deus maluco! Pela eterna loucura que nos deixaste.

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N U N O

B R I T O

O Riso Nós precisamos do teu riso Deus precisa do teu riso

É a única coisa que lhe tira realmente a sede Pensa em Deus como um velho dentro de uma ambulância A ambulância a apitar no meio da cidade, no meio do trânsito Ainda falta muito para chegar e já Deus perde o pulso, Pensa num Deus cheio de vida, pronto para nascer a cada instante. Põe-te nas mãos dele. Depois dorme. Dorme realmente. Nunca dormiste até hoje. Está na altura de descansares.

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D E L Í R I O

H U N G A R O A Zebra Infinita

A Zebra entrou no grande Templo. Andou em direcção ao fogo sagrado mantido vivo pelas doze sacerdotisas. Viu-as nuas a trazerem bocados de madeira. Uma delas tratava do incenso. Aquele cheiro drogava a Zebra que sentia a cabeça a andar à roda. Uma parte dela estava adormecida. Noutra parte o som de um martelo mantinha a cabeça alerta e alucinada.

Seguiu em direcção ao fogo, contornou as últimas colunas e saiu cá para fora. Cada vez mais excitada com as brincadeiras das sacerdotisas. À sua saída ficaram espalhadas riscas brancas e pretas por todo o lado.

Muito depois em África, a zebra lembrava-se do templo cheio de fogo e de mulheres a comerem figos, a compartilharem-nos consigo. A pintarem com polpa de figo as manchas brancas do seu corpo.

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B R I T O

A estátua de um Deus em bronze olhava para a zebra. Um dia a estátua teve uma enorme necessidade de rir e foi aí que tudo aconteceu. A estátua partiu-se ao meio. Um sismo violento partiu todas as colunas. O tecto veio abaixo. As virgens conseguiram fugir com vida.

Permaneceu uma zebra perpétua dentro do templo. Sempre dentro do edifício. Ao mesmo tempo ali e em todos os outros lugares.

O historiador debruça-se sobre este facto preciso. Não é nem tempo nem espaço o que ele quer. São pessoas. Sim! Sente-se pouco humano e precisa do sangue de todos. De homens e zebras. O historiador precisa de engoli-los.

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Sente uma enorme necessidade de queimar todos os livros e entrar dentro dos braços de cada ser humano. Quer ser injectado em todos os braços, Precisa de sentir a pulsação de todos os homens. Apalpar o braço a todos eles. Ouvir o bater de todos os corações. Só depois é que consegue dormir. Uma bomba nuclear explode dentro dele todos os dias. É isso que o acorda! O historiador regista esse facto todos os dias num bloco de notas. Eternamente vai registar todos os factos no seu bloco com uma precisão milenar.

A estátua estilhaçou-se em bocados de riso. Minúsculos fragmentos que se dissolvem pelo Universo.

Por todo o lado esse riso quente e forte! Às riscas, tal como tu! Esses fragmentos de riso estão dentro de ti, Quente! Como uma bomba feita de pregos e gasolina. No momento da detonação, o universo expande-se cada vez mais. Branco e preto! Uma gargalhada forte a propagar-se pelo ar de uma sala. Na altura da detonação o teu riso cria novas estrelas Novos Planetas, Tudo!

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Sente a tua mão a passar-lhe no pêlo … Invoca a memória certa e nunca mais pararás de te rir! Com a tua mão, olhos fechados, Distingue o pêlo branco e o pêlo preto. Mais macio e menos macio. Como um Deus malhado! Cria-o à tua medida.

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Leituras de Domingo

Vi naquele dia 500 bispos nus a correr pela praia. Mãe!! Mãee!! Os bispos vinham lá de cima do tempo futuro, saltando para trás a correr como sapos. Houve uma altura em que caí num poço cheio de água Quando ia a cair reparei que o poço não tinha água nem tinha fundo. Continuei a cair durante vários meses e fui sair do outro lado do mundo. Encontrei lá uma coisa muito estranha! Uma mãe! Uma mãe igual a ti que me disse que também era minha mãe. Depois explicou-me que um homem decente tem que ter pelo menos mil mães que olhem por eles. Os califas de Bagdade tinham no Harém do seu palácio 5.000 mães, todas elas suas que os amamentavam até eles serem já velhos e lhes contavam histórias bonitas antes de adormecer. Mas que raio vem a ser isto tudo? Onde estão os moralistas com voz de corneta que nunca mais aparecem para colocar um fim a toda esta situação? Onde estão os apocalipses prometidos pelos falsos profetas? Mãe!! Explica-me o mundo, pelos livros não chego lá.

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Pirâmides e Touros

A minha boca sabe a auto-estrada. Que é que está o meu braço a fazer em cima daquele prédio? Um grilo dentro do coração sempre a cantar uma morte violenta. O sol bate forte na cabeça. O semáforo está roxo. Não é para andar nem para parar.

Porque é que não trouxe o boné? Quinze grilos a cantarem dentro do coração. Uma orquestra que canta a toda a pressa a minha vida. Uma facada nas costas.

Tudo está bem! Pirâmides e touros a serem pirâmides e touros. Labirintos a saberem a Espanha.

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Um porco-espinho assumindo a figura de um terrível humano sentou-se à minha mesa e começou a gritar com um megafone «Ei Marujo! Afia-me esses lápis direito»

Estava uma gaivota sentada à minha mesa também, e eu também me vim sentar à minha mesa. Eu com ar de gaivota estava a comer peixe à beira do porto de pesca.

Um velho estava a passar uma passadeira há mais de 300 anos em frente ao cemitério.

A fila de carros era enorme. Carroças de bois e carros modernos. Um cubo de silêncio veio contra mim. Um cubo de silêncio colorido que ganhava novas formas! Ultimamente tudo está diferente.

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Diagnóstico pouco seguro de um deus cor de laranja O Homem, o único milagre Pico Della Mirandola- Discurso sobre a dignidade do homem

1 Ouve o blues! Sente o blues! O mundo começou agora E já está a menina na sua varanda. Chama-se Jéssica! Mini-saia vermelha a lamber um gelado Duas tranças no cabelo. Ouve o Blues! Sente o Blues!

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D E L Í R I O N G A R O

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2 Estava lá em cima da grua. A cidade estava diferente. Não era dia nem era noite Estava tudo roxo A cidade estava noutro sítio Era outro sítio Estava tudo roxo… Ainda ninguém tinha acordado.

O homem estava a chorar na berma de um passeio A mãe tinha morrido Ele estava a chorar na berma do passeio Passou a noite aí a rezar. Como um perdido

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3 Jéssica Às vezes tremo só de pensar neste nome É um som admirável

Jéssica é tudo Um tremor de terra no Peru é um bocado de Jéssica Digo que faz parte da sua essência ser tudo Estar em todo o lado A palavra tem essa força A força de estar em todas as coisas

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D E L Ă? R I O U N G A R O

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Deus a plantar nabos em forma de camponesa As mamas de Deus tĂŁo apetitosas A saberem a melancia As mamas da menina a saberem a melancia

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O homem metido na sua gabardina Segura uma grande flor amarela A flor muito direita A cidade escura contrasta com uma grande flor amarela

Um cão sonolento e malhado A andar à beira do barco que faz a travessia entre as duas margens A sonolência está interligada com o facto de ele ser malhado Faz parte da sua essência ser sonolento e malhado Pára para urinar à beira do barco O marujo desdentado olha para ele…

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D E L Í R I O R O

H U N G A

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Uma manada de bisontes ultrapassa o caracol sem o calcar O Caracol já está habituado Sabe muito bem que cada um tem a sua velocidade

Sente o vento e a chuva a bater na cara… As nossas limitações são o que temos de mais libertador

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7 Ramo de flores (rosas vermelhas, carnudas, quentes) Apetece comê-las! Rosas vermelhas carnudas na noite quente Os patos a dormirem no rio Reúnem-se e formam um grupo A mãe e a filha vão dar de comer aos patos O sol reflectido no rio… De vez em quando alguém passa na ponte romana Muitas pontes sobre muitos rios Muita gente a atravessar pontes ao mesmo tempo Cai uma ponte nos estados unidos

Quente a água do centro da terra. Obrigado Deus pela água do centro da terra.

Os patos dão a volta… Deixam-se arrastar pela corrente. Vão sossegados outra vez passar por baixo da ponte.

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O velho usa a energia nuclear para tosquiar ovelhas, Tosquia-as com uma paciência infinita Às vezes o reactor está avariado Outras vezes pega no seu pente atómico e vai pentear macacos Penteia-os muito bem, risco ao meio, um bocado de gel…

Gel atómico Todos janotas, dispostos em fila! Já estão prontos para assistir à conferência sobre a força do átomo Uma vez em Hiroshima queriam tosquiar ovelhas Mas falhou qualquer coisa Houve um grande erro As causas ainda estão por apurar Morreram bastantes pessoas Ficaram sombras especadas no chão Sem corpo Só sombras

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Ouve o Blues, Sente o Blues Estå dentro de ti‌

O velho toca trompete A grande gaivota protege o trompete A grande gaivota protege o velho

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Tortura Policial Na Tanzânia um grupo de polícias obriga um homem a andar de cócoras Dão-lhe vergastadas enquanto lhe batem, ele cai, mas eles levantam-no Na Tanzânia a polícia obriga um homem a rebolar na lama Não é bem lama, parece água suja Depois os polícias obrigam o homem a rebolar-se na terra seca Para ficar empapado Para ficar com o orgulho empapado, Cheio de terra

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O faraó passava as tardes a jogar tétris... Os escravos empurravam as peças de acordo com um sistema de cordas, As peças desciam à medida que os escravos iam soltando a corda dos rolamentos, De acordo com as decisões do faraó os escravos tinham que rodar e encaixar as peças umas nas outras. Em baixo alguns escravos

retiravam

as

que

não

eram

necessárias.

O

contramestre sentado num balcão dourado, decidia quais as próximas peças a sair. Acorriam espectadores do alto e do baixo Egipto e também vinham estrangeiros que estacionavam os seus camelos em frente ao grande templo de jogo para ver o faraó a jogar. Os escravos a serem chicoteados pelos capatazes, a rodarem as peças, a encaixá-las. Cada linha era celebrada pelo país inteiro. Os deuses estavam presentes no jogo, Eram invocados. O cheiro a incenso era fortíssimo…

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Dedos compridos Mãos compridas, grandes extremidades A captarem como antenas,

O velho põe as mãos no ar para sentir melhor, sem interferência Sem pensamentos As mãos estão frias O vento gelou-as…

Filha da Puta! Tinha que passar em cima da rede! Filho da grande puta! (os trabalhadores a arranjar o passeio)

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Oração da Esperança

Povo das nove montanhas Que também sois baleias E que também sois girafas E que também sois deserto Enchei os vossos olhos de sol, Porque também sois SOL

Povo das nove montanhas Que também sois semente E sémen E criação Enchei os vossos olhos de sol Porque também sois SOL Povo das nove montanhas Que também sois rebanho,

E também sois serra e conjunto de limões Enchei os vossos olhos de sol Porque também sois SOL…

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Tenho estas mãos Para mudar o mundo Ou para te sentir os cabelos O que é a mesma coisa

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Não tenho medo porque estou na fronteira Tal como todos os homens E todos sabemos que não estamos aqui: Não poderíamos estar aqui.

Sou menos malhado e menos cão do que aquele cão malhado, mas na essência somos o mesmo, feitos da mesma matéria e unidos pela mesma alma

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Sou polícia, tenho três filhos e uma mulher em casa E quero um copo de vinho e uma sandes de queijo. depois vou-me embora.

Ontem comi doze gelatinas rezei a Deus lavei as mãos e a boca

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Carruagem Imperfeita

De onde é que vem esta necessidade bestial e impotente de comer o mundo? Os outros homens também sentem isto. Todos os homens querem de vez em quando comer o mundo Eu quero todos os homens com os seus erros, as suas falhas e imperfeições... Quero abraçá-los todos (comer será pedir de mais?) Porquê o afecto ter sempre a ver com a boca? A sede, as mamas, os beijos, Porquê a boca? Porquê todas as bocas? Porquê a boca? Porquê as palavras?

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Entrar e nunca mais sair! entrar para nunca mais sair… O meu ódio é infinito..................... Sou Capaz de comer o mundo de tanto o amar!

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Cartas do tribunal, Recibos das Finanças.

Facturas, talões, 2002/2003 Recibos de gasolina, cheiro a gasolina, manchas de gasolina camionista, travões e morte etc. ------------------------------------------Fractura na espinha E Fractura no cólon E Múltiplas fracturas no braço e na perna Radiografias mais radiografias E Tetraplégicos e Jesus Cristo e Jesus Cristo; Cartas de tribunal e Jesus Cristo E Recibos de IRS e Jesus Cristo - Fractura na espinha e ------ ----Reza... Menina reza, Para dentro Reza Menina Reza Para dentro, Ninguém se vai aperceber do tamanho da tua crença.

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Tenho apenas um bocado de sede... Dás-me da tua água? Por favor menina dás-me da tua água!? A que levas aí dentro das mãos Não é água que eu quero, são as tuas mãos molhadas ------Só hoje percebi (não tarde de mais) que o único poeta do mundo é cobrador de impostos.

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Sinfonia Nuclear para dois cravos e uns Búzios

Que Deus abençoe os que vão dentro do autocarro E os que vão dentro do metro E todos os que vão fora do autocarro e fora do metro.

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O homem do talho

Tenho o sonho de mudar o mundo... E tenho outros sonhos Sou sincero Sunny, sou sincero porque acredito em tudo: Acredito na Ciência, na fé, no ocultismo e no homem do talho, sobretudo no homem do talho! Tenho uma confiança inabalável nesse homem: Sunny: Se soubesses como amo o homem do talho, com todas as minhas forças, não por ele ter um talho e a bata cheia de sangue (se bem que isso ajude) Mas por ele ser um homem...

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Casa de Pasto

Mas caro amigo, o sabor das hóstias? Então não me lembro? Nunca na minha vida esquecerei o sabor das hóstias. Nós todos ali em ordem, camisas brancas à espera de comer o pão de Cristo. E o padre com o cálice na mão. Redondinho Ahm Ahm! E nós todos em fila a comer hóstias a torto e a direito. O Padre a metê-las na boca dos meninos. A rapaziada toda satisfeita a comer aquele pão da melhor farinha. O 30, senhora, não deve demorar, estava mesmo agora a falar com este cavalheiro acerca do … Mas olhe. Ali vem ele. Como é que vem para o trabalho doutor? Ferrari. Comecemos então a nossa história. Phem! Uma bolada na cara! Tenho tanta sede irmã! «Castração química para os violadores» Deixar de sentir é a pior das penas. Pense bem irmã. O universo há 20 biliões de anos era do tamanho de uma catota, assim. Está a ver. Tudo o que existe estava concentrado num ponto que me cabe entre os dedos. Irmã? Está a ouvir o Big-Ben? Ouve-o bater dentro do peito? Uma simples célula é mais complexa do que a cidade de Nova York. Mas isso interessa para alguma coisa? São só números, eu nunca apalpei números. Não sei se eles existem. Costumo apalpar ortigas e outras coisas deliciosas ao tacto. Mas números, ideias e

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teorias não. Sou um homem de sensações. Está a ouvir irmã? Já adormeceu? Não acha isto interessante? Lá no Sagrado coração de Jesus, o elevador está sempre avariado. Temos que ir pelas escadas. Quando é que vamos andar de Ferrari doutor? Cabeça fora da janela a sentir o vento! Não é que eu seja contra qualquer ideal irmã, mas é que nunca comi nenhum. Do leitão gosto, suculento com batatas fritas. A pele tostadinha é muito saborosa. O mesmo não se passa com as ideias. Vamos à água! Está tanto calor. Como é bom ter um corpo. Abraçar os amigos. Sentir-lhes o corpo. Aqui já não tenho pé. Ó irmã, fico espantado como não sabe tantas coisas. Ensine-me tudo o que não sabe, para eu também não saber isso tudo. É tão bom haver zebras e girafas no mundo. E Basquetebol. Somos deuses dos nossos dias. Somos capazes de tudo, até de criar um dia feliz. Concentremos todas as nossas energias para fazer mais um dia feliz. Ali vem o 30 … Sempre pontual. Mas conte-me lá, dizia que existe no mundo um sítio chamado Darfur. O imperador Adriano gostava muito de comer maminhas de porca com faisão. De todos os pratos só esse lhe dava verdadeiro prazer. Vinho com mel ao sair do banho. Fantásticos milagres são-nos dados todos os dias. Eu era operador de gruas. Do cimo da minha grua vi crescerem muitos prédios. O Senhor é surdo? Digo isto porque não vejo em

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si nenhuma reacção, nenhuma expressão facial. É como se nada disto lhe dissesse respeito. Vou continuar a minha história. Ah caro amigo. Ontem não apareceu. Esteve de cama? Íamos em Darfur? Que a vida te sorria irmão! No bairro as mulheres fritam óleo e nas lutas entre grupos rivais atira-se óleo queimado de cima das janelas. Os rapazes vão a passar, tronco nu. Isso do espírito não me entra muito bem. Eu quero é corpo! Está a ver? Corpos a rebolarem na neve. A sentirem arrepios, espasmos, convulsões! Olhe. Já passou a sua paragem. Até manhã amigo! A pornografia interessa-me bastante. Levo várias revistas para o cimo da grua. De lá de cima tenho uma vista privilegiada sobre toda a cidade. Ó doutor já sabe que eu sou contra as teorias, mas como o facto de me opor a qualquer teoria é por si só uma tomada de posição, uma ideia, uma teoria em si, eu prefiro não ser a favor nem contra nada. Simplesmente sinto. E faço-o da melhor maneira que consigo. Esforçando-me por melhorar a cada dia. Sentir é o meu contributo para o mundo. Não tomo partido. E não leve a mal a minha indiferença. O saborear de um gelado ou a degustação de mexilhões não é fácil. Exige a reunião de todos os sentidos com vista ao prazer. No verão, dormir dentro de uma arca congeladora é estimular

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cada vez mais o tacto, tornar o corpo cada vez mais sensível a novos impulsos, quer positivos, quer negativos. Sempre com vista ao prazer. Confundir os nossos sentidos, é isso que eu faço todos os dias. É um exercício hilariante. Não dou o que o corpo pede, confundo-o. Pode-se dizer que eu penso, mas penso com os sentidos. Vinho com mel e mamas de porca. Dá-lhes o que ele pede. Ham Ham. Estás a ouvir? - Faz o que tens a fazer e depois vai-te embora - Disse o Cartola. Era preciso telefonar a uns amigos. Deus a plantar nabos em forma de camponesa. As mamas de Deus são tão apetitosas. Já teve realmente sede? Em Darfur, no Sudão faz muito calor e as tropas do governo praticam uma limpeza étnica. Entre as terríveis coisas que os tropas fazem aos aldeões há uma prática de tortura que me atrai especificamente. Repare que está muito calor e falta água, a pouca que existe é preciso ir buscá-la bastante longe em vasilhas. Os tropas entram nas casas e dão um tiro em todas as vasilhas depois vão-se embora. Podemos estabelecer algum pensamento sobre isto? Deus a jogar ping-pong na China e Deus em forma de girafa a comer folhas num jardim zoológico. Eu sei perfeitamente do que

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fala. Também eu sinto esse medo a formar-se na garganta como se fosse um bolo alimentar que fica entalado. Ung!!!! Esse medo desconhecido que nos faz engolir as palavras. E o arrepio na espinha. E a sensação de queda durante o sono. São as brilhantes sensações que o corpo nos proporciona. Às vezes não sei se estou acordado ou a dormir. São instantes. Pequenos segundos que nos dão autenticidade. O cheiro a suor … Gastaria horas e horas a …Mas agora tenho de sair, esta é a minha paragem. O senhor também devia sair. Já anda no autocarro às voltas há bastante tempo. A sua paragem já passou várias vezes. Que casa de pasto agradável. Traga-me um fino … Perdemos a nossa vida à procura de um fio condutor. E olhe ali um! Tente agarrá-lo. Já passou. Tarde de mais. Ó Papa-hóstias sente-se aqui. Saboreie comigo deste mel. Aí tem a sua colher. É de prata. Serviço da Suábia. Espelha a sua cara e tudo. Agora ao ataque! Colheres à boca! E que mais cheguem, há colheres para todos. Uma sensação única de bem-estar. É preciso encontrar a entoação única para cada frase. Não sei se me está a entender? Já reparou como os europeus têm um nariz muito grande? Já foi à Europa? Olhe isto. Não o queria acordar tão cedo, ainda não passou a sua paragem, mas isto emociona-me realmente. Isto é extremamente humano. Toque. Apalpe. De olhos fechados. Concentre todos os sentidos na mão. Não vale batota. O tacto é o seu único sentido Consegue descobrir o que é? Adivinhe … Sente

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como ele é vermelho? Vou pôr a gravar, terça feira, dia 15 estou aqui com o senhor Luís. Vermelho. Pois está quente! Está quente! Sinta-o palpitar! Sinta! Você também tem um.

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Acerca da Imortalidade

Muito haveria a dizer acerca da Imortalidade

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Antiga Escritura Deposito todas as minhas energias em ti nuvem, montanha, rapaz, céu, égua, sol deposito toda a energia em ti… Ceroulas, couve, água, limão, Bomba atómica Deposito toda a minha confiança em ti homem que lês… eu sei (como todos) que sou pedra e sei que sou muro e sei que sou homem a urinar contra muro, Na Turquia ou no Curdistão, ou nas Ilhas Sandwich, ou no Texas Muitos homens urinam contra muros ao mesmo tempo Eu sou urina e sou poça,

E esguicho forte Quente depois da febre

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Voo de mosca, orelha malhada de cão Mosca pica orelha de cão

Mosca bebe sangue de cão, São tempos novos …………..

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Campeonato Mundial das ideias caducas 1ºBons 7 Pontos 2ºMaus 7 pontos --------------------------

3ºTerrorismo- 7 pontos 4ºCapitalismo - 7 pontos 5ºLiberdade - 7 pontos ------------------------6ºIgualdade -7 Pontos 7ºFraternidade- 7 Pontos 8º Shalke 04 -3 Pontos

8ª Jornada:

Liberdade 4- Terrorismo 4 Igualdade 2 - Fraternidade 2 Bons 0 - Maus 0

9ª Jornada

Capitalismo - Maus Igualdade - Terrorismo

Liberdade -Bons Shalke 04 - Fraternidade

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O Homem do Talho

Que Deus abenรงoe o homem do talho! Que Deus abenรงoe o homem do talho! Que Deus abenรงoe o homem do talho!

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Choque frontal Em Cristo, Sob Cristo, Dentro de Cristo: Automóvel em despiste perpétuo Voam os anjos em direcção á IP5 …………….

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Estação de Serviço em Mercúrio

A menina estava a brincar na praia em frente ao mar, um campo de concentração feito de areia. Veio uma onda e apagou quinze séculos de História. Lutamos todos os dias para conseguir a memória mais pura. Veio a menina. Eu era a brincadeira preferida dela. Metia a minha cabeça entre as suas pernas e sentia o sabor salgado do seu corpo depois de vir do mar. Só quando me olhava nos olhos é que eu percebia que estava morto. Recebi um apedrejamento de felicidade. Os braços bem abertos, dois quilómetros de braços. A cada pedrada as veias inchavam, uma felicidade cada vez mais aguda. Com a últimas pedra, a morte. Quente. O corpo pedia água. Deus com os pés no Nilo a comer melancia. Eu bebi o Nilo todo, tinha muita sede. Mesmo assim continuei insatisfeito. Apetecia-me beber tudo. Explosão de camião armadilhado mata 78 pessoas. Um gigante aborrecido dá um pontapé no meu prédio. Devia haver homens pagos só para estarem com os pés de molho no Nilo. Isso fazia de nós melhores pessoas. Enquanto isso há fracturas múltiplas na auto-estrada e uma baleia fêmea espreme o seu leite gordo para a cria. Nunca perder um sentido de globalidade. Todos somos homens e caranguejos ao mesmo tempo. Cada vez

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mais felicidade, a cada pedra todas as células vibram. Entramos em ebulição constante. A terra vista de Mercúrio, um pequeno ponto azul. Ali concentrada toda a energia humana. Todos os homens com os seus problemas. Com a última pedra uma felicidade eterna. Pessoas, homens, corpos. As duas mamas a saberem a melancia. A menina a olhar para mim. Um homem a urinar contra a parede da pirâmide um esguicho forte e amarelo que cria uma mancha na parede. Todos os que urinam na pirâmide escolhem aquela mancha. Um cão do século XII ou uma criança do século XX com o seu boné azul. Todo o corpo estremece! A espinha dorsal da civilização humana está arrepiada como se passasse um cubo de gelo ao longo das costas. Na Estação de serviço em Mercúrio, duas motas paradas com os homens a descansar. Quente escaldante. Aqui um sol grande bate-nos nos olhos. Folha de alface com vinagre a escorrer. O grilo a olhar. A avó de Napoleão contava histórias muito engraçadas ao pai de Napoleão. Tinha dentro das veias um sangue muito vermelho. Como era divertido adormecer sossegadamente na travesseira enquanto uma estrela explodia ou um planeta se formava. Nós juntávamos

as

cabeças

e

líamos

qualquer

coisa

pouco

interessante. Puxei-te a saia no dia de circo. Em busca de uma verdade mais doce injecto mel directamente no coração Bac!… Morto! A minha insensibilidade é maior que as

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muralhas da Palestina. Exércitos inteiros de meninos e meninas com os seus sorrisos não me põem abaixo. Consigo matar com o meu silêncio! A minha cara inexpressiva fere mais que a bomba atómica. O resto não interessa. Levantei-te a saia em frente aos elefantes. Folheei depressa o genocídio arménio. Não há tempo a perder. Fervia-me na garganta uma palavra, vim para a rua. Se fosse pronunciada tudo continuava terrivelmente na mesma. Engoli a palavra. Um cão que era todos os cães passou em cima da passadeira. Uma girafa com o pescoço partido dá à luz. Agora a verdade em forma de cubo de gelo – Houve, uma vez uma praga de pulgas no Egipto. As pulgas entraram nas cidades, invadiram as ruas, saltaram dos cabelos dos homens para os pelos dos cães e dos camelos. Entraram nas casas, nos armazéns, nas pirâmides, o faraó teve que rapar o cabelo. Vibração em tom de cristal repercute-se ao mesmo tempo dentro de cinquenta baleias. As mulheres atiram flores para dentro da cratera do vulcão, a terra treme por baixo delas e o magma já vem lançado. A terra não aguenta nem mais um segundo, todo o continente pedia isto. O globo contraído à espera do segundo em que a consolação finalmente vai surgir. O Farol evangelista dános o sinal. O colosso pega no farol, e atira-o para o meio do mar, parte a ponte em duas. Perspectivámos o colosso de frente, de lado, de

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trás. De todos os ângulos possíveis mesmo que os nossos olhos apenas permitam uma perspectiva pobre dele. Vamos falar com os outros, os que vem o colosso de costas. Eles trazem novas notícias. O rabo do colosso está a arder. Ele atira um prédio para o meio do mar, para o sítio onde tudo começou. Onde tudo está sempre a começar a todo o momento. Onde tu começaste. Não muito longe a menina chamou-me com a sua voz de areia molhada. Eu juntei-me a ela. Falámos algum tempo. Eu ia ao mar encher os baldes. De uma vez trouxe uma estrela-do-mar. Ela pô-la nos cabelos. Estava ainda viva, mas um bocado mais morta do que nós. Atirámo-la de novo ao mar e fomos para a beira das rochas apanhar caranguejos. Tudo era verdade – 1807 invasões francesas. Em 1807 andavam muitas zebras em África exaltadas porque sentiam que era um ano muito especial. Era o ano das invasões francesas num sítio qualquer. Os pinguins da Patagónia em 1939 andavam confusos. Eu estava no parque infantil e explicava a duas velhinhas sentadas num banco tudo o que sabia sobre uma folha de uma planta que apanhei do chão. Explicava-lhes tudo o que sabia sobre o caule, a folha, com os seus veios, como é que a árvore se alimentava, ficava uma tarde inteira a falar de uma folha. Outro dia explicava como é que as abelhas vêm o mundo sempre todo a amarelo e preto.

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Era naquele banco de jardim em frente ao escorrega que surgiam novas perspectivas, a velhinha era minha tia ou minha avó, a outra também era minha tia ou minha avó. Ficavam a ver-me a apanhar escaravelhos no parque enquanto falavam. O mugir de uma vaca pode-nos indicar o caminho para a Índia, pode condensar em si o saber de todas as antigas civilizações. Não percebemos a sua linguagem. No fundo do mar a lagosta olha para o meu cadáver. Examina-o com as suas antenas. Pareço-lhe com um aspecto apetitoso. Come-me do início ao fim. Outras lagostas não tem a mesma sorte, estão dentro de aquários sujos à espera de serem cozidas vivas em panelas a ferver. As coisas ganham diferentes tamanhos e nós também ganhámos

diferentes

tamanhos

num

exercício

de

ajuste

constante. Na área de serviço em Mercúrio olhamos de frente para o sol. Aqui o sol é muito grande embora seja sempre noite. Os pirilampos acendem-se e os grilos começam a cantar. Passa uma ambulância. A menina dá-me a mão. Percebemos que é a altura de um começo Podemos começar as vezes que quisermos. Outro dia num café quando reparava nos estranhos ruídos que alguns

moucos

fazem

quando

conversam,

percebi

que

as

pirâmides foram erguidas com o silêncio dos homens. Também eu e a menina criámos um colosso. Horas e horas de mãos dadas com os pés de molho no rio. A nossa solidão criou um monstro que anda agora à solta. Olha, ali vem ele para nos apanhar.

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Tudo começa a todo o instante e ninguém se pode habituar a nada. Habituarmo-nos é morrermos. BOIM! Outro inicio. Viga de ferro em cima da cabeça mata dois trabalhadores. Agora sim, agora é que é o começo, um, dois, três, a menina põe o dedo no nariz e saltámos. Um mergulho fundo nas águas mais puras. Em busca da perspectiva mais perfeita.

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O Faraó

O faraó entra na internet, vinte escravos a um canto rodam uma grande alavanca, são chicoteados nas costas por o mestre. Mais um bocado de força e o grande aparelho conecta-se, a Pirâmide começa a chilrear… O faraó vai sozinho para uma sala apertada, Sunny Leone foi-se preparar à beira do sarcófago, Sunny leone é invocada… O faraó entrou na maior sala de chat do Egipto, é um grande acontecimento, toda a população deve festejar, Está lá o Deus Ra e Osíris, Osíris: Então pá! Hoje sempre apareces? O faraó conecta-se… Entra noutra sala e noutra por entre diversas ligações, perde-se dentro da pirâmide, não tem controlo sobre a situação…

O faraó começa a chorar, Está meio confuso.

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A Vida depois da Vida Às Três horas da manhã… Um tiro de caçadeira na cabeça, ou no coração tanto faz…. Ao mesmo tempo o primeiro choro de uma criança. A avó acorda, vai ao quarto de banho, quinze vezes durante a noite, dorme mal. Está despenteada… Já a vi rezar o terço em cima da cama e já a vi rezar o terço sem estar em cima da cama. A avó nua… Símbolo de quê? A avó nua pergunto – Símbolo de quê? Durante um nanossegundo começam trinta guerras, um homem explode dentro da mesquita, dois gémeos de noventa anos morrem de ataque cardíaco ao mesmo tempo no Brasil e na Noruega. Toda a História Universal. Do neolítico à extinção do último homem. Tudo num segundo. Ou num bilião de anos. . Este é o segundo em que se vão formar todos os ideais e em que vão morrer todos os ideais. Terceira mutação metafísica O mundo começou há dois segundos atrás. Falo com toda a gente, tudo me interessa, se fosse possível criar um sumo que condensasse todas as energias humanas… Só peço um copo de sumo. E depois a morte. Mas primeiro o sumo, um sumo fresco com o sabor de todos os homens, de todos os risos,

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gargalhadas, guinchos, uivos, espasmos, todos os sons e cheiros humanos e suores humanos, humanos de todas as línguas, de todas as lágrimas, de leite humano e esperma e líquidos sujos de todos os continentes. Mas quero só um copo de sumo. Quero todos os homens em frente de mim, diante de mim, quero apertar-lhes o pulso a todos eles, sentir o bater do coração dos que acabaram de nascer e dos que estão a desfalecer. Temos que nos preparar para o próximo segundo como para o novo século. Somos feitos de mudança. Isto é a nossa casa. Como o Minotauro alimento-me de boas energias. Ando nas ruas à procura delas. Ando pelas ruas a encher-me de energias.

Cabelos mais cabelos. Olhos e mais olhos E um nariz! Narizes mais narizes…

Este cheiro a cemitério nunca me vai sair do nariz. Não sei se é lixívia, aquela lixívia reles que se usa para limpar as campas e que se põe nas jarras para as flores ficarem mais tempo sem murchar. Cheiro reles a cemitério, sempre no nariz, adocicado, é

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um bocado como o cheiro que algumas lojas têm, alguns fundos de drogaria, fundos de armazém. Mas o mais certo é ter a haver com a marca da lixívia. A minha avó em cima da campa de vassoura. Lixívia, vassouras, água, muita água. Não tenho medo. Sou um gigante entre gigantes. Há gigantes maiores e mais pequenos do que eu. Tenho uma caneta que pesa 40 quilos e um pequeno bloco de notas. Não dá muito jeito para escrever: A minha missão não é fácil: (ou é fácil, acho que é a mais fácil de todas) Começo por me partir ao meio, depois em quatro… Depois em nada.

Fragmento-me

à

procura

de

um

sitio

onde

dormir

descansado… Será que ali? Que interessa…

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Os três pastorinhos búlgaros Nossa Senhora não se esquece da Bulgária, Depois da escola os três pastorinhos vão lanchar Pães com manteiga molhados no café com leite Leite quente – faz frio – na montanha Muito frio na montanha BRRHh Nossa Senhora não se esquece do povo búlgaro, Dálhes frio quando é preciso e sol quando é preciso, Quando é preciso os búlgaros também têm neve, As ovelhas sobem a montanha seguindo os passos dos Três pastorinhos – sobem as ovelhas, descem as ovelhas, descem a montanha, as pessoas e as ovelhas Nossa senhora não se esquece da Bulgária Aparece sempre bela e provocante aos búlgaros no seu vestido de seda vermelha, braços macios, não feitos de luz, mas de carne humana ajoelham-se diante dela á sombra duma oliveira Os três pastorinhos búlgaros

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H U N G A R O Delírio Húngaro

I. Tal como a Morfina, tiro a dor ao homem Quem me olha nos olhos nunca mais será livre Sou a mulher mais bela de todas as mitologias Sou o paraíso em vida – o mais perigoso de todos, Sou loucura criadora Patrícia, a Irmã de Deus

Os meus filhos são todas as coisas, todas as possibilidades minhas filhas Induzo os mais complexos suicídios, Dou a vida e tiro a vida e não acho isso bem nem mal porque sou uma flor e as flores não julgam – são indiferentes e tristes Aconselho os românticos alemães a pegarem nas suas espingardas e a lutarem por causas inúteis. Meto-lhes pólvora nas armas, Provoco-lhes os Maiores prazeres Sou feita de carne e não de luz – Sou Nossa Senhora do Pólo Norte a ver o sol pingar sobre o gelo:

..................................................................

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II. Sou o sonho de um camelo deficiente, o delírio das gémeas siameses o pesadelo de quatro girafas recém nascidas A paralisia é o contrário de Deus - dizias

Por baixo das minhas saias, afago-te a cabeça Sou as cinzas de um ditador a voar no bico de um corvo todos os vendedores de marmelada na fronteira do Iraque Por baixo das minhas saias – Amo-te como uma perdida

III. Sou a possibilidade –na minha boca os bois lavram os campos, Deixam as marcas carolinas das suas patas O arado escreve na minha língua uma rima de Petrarca Em letra carolina da mais perfeita caligrafia Escrevo que te adoro em fluorescente métrica nova As fadas papistas de tule Lambuzam-se de geleia e compotas Sonhos: os mais doces, por exemplo África partiu-se ao meio na minha boca África inteira Link, link, link, link

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IV. O medo de ficar sozinha, com a deusa da fertilidade a roer-me o útero Os desejos mais fundos – de um operador de gruas A boca cheia de neve Os cabelos a arder ao som da música – ruivos – os phones ! As nuvens do sonho são menos bonitas Flocos de neve em Bruxelas, os anjos aquecem-se

Percorro todos os dias uma auto estrada de prata que vai até ao centro da tua alma O prazer está em cada átomo, em cada átomo – o universo

Os pasteleiros batem a massa em toda a Hungria na Alta Hungriae na Baixa Hungria Amanhã os meninos húngaros, os mais gulosos - os pasteleiros húngaros, os mais tristes - Olha para mim nos olhos tenho os olhos tristes, dizias: Os mais tristes de todos

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Labirinto com touro dentro

No meio do labirinto dorme um touro de sonhos violentos No meio do labirinto dorme uma menina de sonhos violentos A meio do sonho, a menina bebe o leite O leite que acalma as meninas e os touros, O leite de uma fêmea jaguar que descansa no meio dos morangos, Com as facas aguçadas os talhantes tentam entrar no labirinto Para matar o touro, porque não acreditam em mitologia E porque os mitos não alimentam ninguém. Os homens do talho vão depois pagar os seus impostos, Teseu também está com a ficha de IRS ainda por preencher Declara às finanças que tentou matar um touro, As virgens excitam o touro O touro vem-se para dentro de uma taça dourada A bebida que está na taça não é simbólica

Com o seu vestido da cor do vinho e com as suas tranças Chora para dentro do leite Chora leite para dentro do leite Chora no seu labirinto…

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Sonho violento de uma girafa recém nascida

I. A embriaguez do corpo, A embriaguez dos gestos, Mãos entrelaçadas, braços pernas… Adoro quando te vens dentro de mim Adoro quando ficas e explodes dentro de mim!

II. Sylvia Plath liga o forno Mussolini gesticula violentamente Ainda depois da delapidação? link link link link …

III. Um finíssimo fio de gelo sobe e desce pela espinha dorsal dos paralíticos Está revestido a seda e por ele circula informação muito secreta Faz com que os homens não caiam

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No bosque do Aleixo, as musas…

Para lá do bosque do Aleixo está o povo, filosoficamente caracterizado dentro dos seus apartamentos:

todos abanam as línguas – todos têm cabelos a roçar por trás do ouvido – Quando chove no bosque do Aleixo, as musas vêm cá fora apanhar a roupa, Ao sábado no bosque do Aleixo um velho planta nabos Tem cinco metros quadrados de terreno e unhas sujas – As seringas são chupadas pelos ratos Os preservativos esquecidos no meio do bosque Ainda com sémen desperdiçado – Os ratos vêm comer os preservativos Para lá do bosque do Aleixo está o povo filosoficamente caracterizado Para lá está o cinema, a filosofia, a vida!

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Tigre de Ouro "O único mistério é haver alguém que pense no mistério" Fernando Pessoa

Lorde protector: Escrevo-te para dizer que os teus castigos não chegam aos calcanhares dos humanos. Os teus prazeres são tão pequenos, as tuas frutas e flores não produzem drogas suficientemente fortes - precisam de ser modificadas pelo homem para provocar alucinações verdadeiras Tal como Papini o azul do céu mete-me nojo De todas as figuras de estilo a hipérbole é a que menos me enoja … Não viverei tempo suficiente para ver a musa de Clio a fritar as pernas aos historiadores pouco metódicos, antes disso arrebento de tanto acreditar no Homem Tal como Galactus a minha fome não se sacia nem com uma galáxia inteira, principalmente depois de saber que dois corpos nunca se tocam…

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De todas as figuras de estilo a hipérbole é a que menos me enoja E para quê O mito do eterno retorno Se amanhã voltará a haver rojões à portuguesa? não descansarei enquanto não for inventada uma cadeira eléctrica que aproveite o uso das marés para produzir um choque tão forte e intenso que nunca mate - mas que frite lentamente todos os que se inspiram no mar para produzir poesia – Os corações dos poetas atirem-nos aos porcos e com os seus versos embrulhem as bolas de berlim ---------------------------------------------------------------------Amo a inutilidade - A desintegração --- tudo que é inútil me excita violentamente Estou triste, tristíssima - por não ser a Suécia inteira e choro lágrimas de sal que chovem sobre Copenhaga - Tapo o Sol com as minhas mãos de nuvem e trago a tristeza ao mundo...

Amo-te por seres incompleto LORDE –

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H U N G A R O Esqueleto Latino

A dor é uma (substância) internacional. Tem o seu preço, como qualquer outra droga. A sua linguagem é acessível Simples em Zeros e uns Os hospitais poupam na morfina.

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As idólatras formigas do mal

O vento frio assobia e corre dentro do osso Voando triste de um lado ao outro do esqueleto; Sem medo, Percorre-o até ao arrepio, Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos, As extremidades violentas das pessoas dentro dos carros pretos, Passa um barco a apitar de uma ponta à outra do crânio A medula, a caixa craniana ressoa Quando batida como um tambor contra os faróis de um camião A medula, A caixa craniana, Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos A Rússia inteira com fome, Com todos os seus dedos e articulações Sagrada família esculpida em açúcar apocalipse em braille… As idólatras formigas do mal comem um menino Jesus de açúcar

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O Tigre no castelo de Kafka “Caminante no hay camino, el camino se hace caminando” António Machado

Uma estrada de prata Onde se perdem os suicidas, que leva ao centro da alma, Borges perde-se num caminho bifurcado que leva a um castelo encontra um tigre a olhar para o grande espelho o seu olhar manso e distraído a quem os corvos chuparam a vida no interior do castelo: quero escrever como uma possessa - até o diabo vir com as suas mãos de cereja tocar-me no ombro e dizer que o venci… O tigre espia numa estrada que leva a Chernobill Celeste as almas gémeas fundem-se As mãos derretem por cima da serradura, O que interessa é o processo

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No meio de um holocausto digital os anjos esquecem enquanto sobem

um tigre percorre as ruas de África que há em Praga com um passo Seguro e Forte escreve-se a si próprio em linguagem de calor o tigre no caixão transforma-se em homem ambos esquecem….

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Exorcismo ao pasteleiro do século XXI “A felicidade consiste em querer ser-se o que se é” Erasmo de Roterdão: O Elogio da Loucura

I. Elas dormem de mãos dadas em Minamara As duas gémeas Com as suas cabecitas encostaditas, Como duas lobas com toda a fertilidade As duas meninas ainda sem mamas São mais braços e pernas entrelaçadas que outra coisa Num labirinto pouco geométrico mas muito quente uma respiração única A febre causa-lhes um único sonho delirante: Por toda a cidade estão a enforcar girafas no cimo das gruas. Às vezes cavalos brancos também são enforcados As duas gémeas continuam abraçadas Agora com uma respiração mais rápida e ofegante As duas meninas são já uma só coisa…

O vento atira-lhes areia para a cara.

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II. Sai droga do olho de Maria Jesus partiu-se ao meio e tinha cocaína dentro, Os carneiros e os bois também se partiram em bocados… A porcelana está mais assustadora Maria injecta o caldo na veia…

III. Não há droga no bairro chic Hoje vais ter que injectar limão e vinagre chic…

IV. Poderoso vidente trabalha amarrações fortíssimas Precisa-se cortador/a para trabalhar no talho Dinheiro: empresto na hora sobre o seu carro e também sobre casas Tel: XXXXXXXXXXX Um crucifixo fluorescente e extremamente triste cumpre a sua missão O pescador contínua sem aparecer, os pescadores nunca aparecem

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A Fome da primeira Loba

I. A menina sem braços tenta alterar a ordem das coisas, A menina sem braços, ela Só ela, claro, consegue alterar a ordem das coisas, Ela Só ela claro,

a menina é loba e tem leite e fertilidade Como só as grandes lobas, tem realmente Poder A menina não é Deus A menina tem mais sangue e é mais coisa …

II. Não é real o menino com fome

Não é real o dragão Não é real o tiro na boca Não é real A lama a entrar na veia Não é real, Não é real,

Não é real…

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III. Onde há ursos polares há repórteres a fotografarem ursos polares Ou a comerem ursos polares, Onde há petróleo há xerifes de turbante a injectar leite condensado directamente no osso … O pasteleiro bate a massa e isso é natural O vidreiro esculpe o vidro e isso é natural…

IV. Que se foda todo o simbolismo, Aqui temos pessoas a sério de carne e osso Físicas e não simbólicas Pasteleiros, montadores de andaimes, condutores de gruas, exorcistas, Todos pagam o IRS a tempo, Todos choram ao fim do dia, em frente aos crucifixos invisíveis Os pasteleiros amassam a massa e acreditam na vida além da morte. Os vidreiros esculpem o vido e acreditam na vida além da morte. Os vidreiros sopram a cerâmica, a platina, o gesso As gaivotas e os albatrozes ficam com as patas presas no

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petróleo e isso é natural. Às vezes uma borboleta é atingida involuntariamente por um esguicho de urina e as suas asinhas não conseguem mais bater. Uma dolorosa morte que de tão natural e pacífica ultrapassa todas as melhores visões do Universo… O assassino da natureza entra depois no seu carro e segue o seu caminho…

V. Pelas costas frias de mármore sobe um caracol … RIP Indiferente à vida e à morte pelas asas de mármore Rip Rip Rip Cimentar, fortalecer relações

Quê? …………………………. Construir laços, de quê?

Mudar os gestos mudou foi, A lâmpada partiu-se mas contínua acesa…

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Pesadelo para quatro gémeos indianos

Não chore senhor lobo! Os profetas comem os seus pães com marmelada nas traseiras de uma fábrica de empilhadores. e ainda há petróleo dentro da esfinge

Não chore senhor Lobo! A fome é uma alucinação das fadas guineenses, A energia nuclear também serve para iluminar os quartos das meninas assustadas. Os pais vêm ao quarto dar-lhes um beijo na testa macia Não chore senhor lobo As catanas também são utilizadas para cortar melancia.

não chore senhor lobo, não chore senhor lobo

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Suicídios para Gardel “O amor é não haver polícia” Linda Martini

O meu quarto sabe a pessoas que se atiram do alto dos muros, a tinta azeda a leite estragado O meu quarto sabe a gente que entra e que sai Trazem o Sol e levam o Sol Com ar desinteressado desviam o curso dos rios o nosso destino é escrevê-los O meu quarto sabe a veia inchada A livro a escrivaninha, a nada

e não consigo dormir enquanto não entrar em toda esta gente A conclusão aterroriza qualquer deus as ninfas foram comprar pomada ao LIDL.

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Humanidade orgasmatic A neve a entrar nos teus olhos de sol sou eu a humanidade orgasmática a suar, a virse em quentes frios espasmos, a neve que te entra nos olhos Sou o que rejeita a publicação a Joyce, a que tira as manchas de sémen nas camisas de Proust a que abraça Rober Diaz, a que acaricia Borges pessoas com frio a transpirar a consolar-se a cada perda Sou esta humanidade inteira nuclearmente ansiosa de riso e de calor e o meu suicídio será um povo etnicamente puro pegar no seu míssil de prata o ditador come o seu iogurte de morango depois da limpeza étnica

também e ele as pernas tremem antes do genocídio a gente consola-se à escala humana, A mais perigosa a Maior amor verdadeiro e amor verdadeiro E sou tu, a ler este texto e agora no rio está reflectida a nossa cara, a múltipla perspectiva menina a arder com Messenger ligado

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H U N G A R O A nossa janela

A nossa janela dá para o Brasil inteiro (Às vezes ele parte-se ao meio) Às vezes sou tão violento como uma menina a correr pela praia com o sol líquido a escorrer-lhe pelos olhos

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Índice 7 Cassandra 10

A Felicidade Suprema

11

Allegro nº 1

12

O Riso

13

A Zebra infinita

17

Leituras de Domingo

18

Pirâmides e Touros

20 Diagnóstico pouco seguro de um Deus Cor de Laranja 32 Oração de Esperança 36 Carruagem Imperfeita 38 Carta do tribunal 40

Sinfonia nuclear para dois cravos e uns búzios

41

O homem do talho

42

Casa de pasto

48

Acerca da imortalidade

49

Antiga Escritura

51

Campeonato mundial das ideias caducas

52

O homem do talho

53

Choque frontal

54

Estação de serviço em Mercúrio

60

O Faraó

61

A Vida depois da Vida

64 Os três pastorinhos búlgaros

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D E L Í R I O N G A R O

H U

65 Delírio Húngaro 68

Labirinto com touro dentro

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Sonho violento de uma girafa recém-nascida

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No bosque do Aleixo, as musas

71

Tigre de Ouro

73

Esqueleto Latino

74

As idólatras formigas do mal

75

O Tigre no castelo de Kafka

77 Exorcismo ao pasteleiro do século XXI 79 A fome da primeira loba 82

Pesadelo para quatro gémeos indianos

83

Suicídios para Gardel

84

Humanidade Orgasmatic

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A nossa janela

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