Revista Refletir EdInf nº 00

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Nº0

julho - agosto - setembro

2016

revista on-line sobre reflexões e práticas em educação de infância


Refletir EdInf, nº 0, julho-agosto-setembro 2016

editorial 2

É

com enorme satisfação que damos as boas-vindas àqueles que, por meio da leitura desta revista, se querem envolver na Educação de Infância. A revista digital Refletir EdInf partiu da iniciativa do 1 Envolve-te! , um grupo de profissionais da Educação de Infância que tem procurado, ao longo do último ano, um envolvimento proativo e real dos profissionais nas matérias de Educação de Infância, em consequência de uma necessidade urgente de evolução profissional bem como a afirmação de uma identidade própria e de princípios gerais que permitam, acima de tudo, unir todos os profissionais. O Envolve-te! acredita que a Educação de Infância terá de se assumir como um fator diferenciador e distintivo para o sucesso escolar e de desenvolvimento das populações, representando na vida de cada criança a oportunidade para viver a infância, através de experiências culturais e sociais adequadas às suas caraterísticas desenvolvimentais e onde o brincar surge como eixo central e principal da sua ação. É com base neste pressuposto que a Educação de Infância se assume como um tempo e um espaço de descoberta de si e dos outros, de exploração do mundo, de desenvolvimento e linguagens e, também, de realização de aprendizagens em todas as áreas de desenvolvimento da pessoa humana. De entre as várias iniciativas do Envolve-te! ao longo do último ano, importa dar especial destaque à criação das Micro Comunidades de Aprendizagem, espalhadas pelos vários cantos de Portugal, que se assumem como grupos locais de partilha, reflexão e construção conjunta, numa lógica de valorização da praxis dos profissionais envolvidos. Nesta primeira fase, as várias Micro Comunidades realizadas contaram com a colaboração de elementos do Envolve-te, que dinamizaram as várias sessões nos diversos locais, explorando temas nos quais se sentiam seguros e para os quais se prepararam. Foi com base nos temas e nas propostas de reflexão que sustentaram as várias Micro Comunidades de Aprendizagem que surgiu o conteúdo do primeiro número da presente revista, que 1

https://www.facebook.com/envolv.te/

pretende evidenciar este processo de construção de conhecimento. Mais do que isto, deve ser realçado o facto de que qualquer profissional de Educação de Infância se deve assumir como um investigador da sua prática, que pode transportar os seus resultados para um contexto global, potenciando a construção colaborativa de conhecimento. Isto só é possível se nos assumirmos como profissionais informados, que procuram sustentar a sua prática educativa em ideais e princípios sustentados por conhecimento científico. Enquanto profissionais, e de modo a que encontremos um equilíbrio entre aquilo que nos parece bem e os princípios que regem (ou deveriam reger) o exercício da nossa profissão, é urgente fundamentar as nossas opções pedagógicas, ou pelo menos aprendermos a fazê-lo. Nesta linha de pensamento, os vários artigos resultam deste processo individual de procura de fundamentação daquilo que se faz, justificando o porquê de se fazer. Considera-se que os vários modelos e metodologias pedagógicos utilizados pelos Educadores de Infância, na sua prática com as crianças, são válidos e não se pretende que os artigos presentes se assumam como referenciais na forma como se deve fazer, até porque não acreditamos em “receitas” de como se deve fazer. Estes artigos devem ser assumidos como reflexões de profissionais para profissionais, na primeira pessoa. Contudo, por muito que as metodologias variem, que os modelos utilizados pelos Educadores de Infância sejam diferentes, é essencial destacar que existe um conjunto de pressupostos teóricos, nacional e internacionalmente reconhecidos, tanto em relação à forma como devemos encarar as crianças como ao trabalho do Educador de Infância com as próprias crianças, que nos permitem alicerçar os pilares que devem sustentar a nossa prática e a construção daquela que deve ser a nossa Identidade Profissional. Que esta revista possa continuar a fomentar o espírito colaborativo que tem vindo a ser construído ao longo deste ano, que sirva para continuar a juntar profissionais que queiram melhorar o que fazem pelas crianças na Educação e na Infância das crianças! 


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Índice Editorial Um Outro Olhar Ofélia Libório

À Roda dos Livros, Ler e Contar Tina Azinheiro

Portefólio. Como faço. Milena Branco

Portefólio como Estratégia de Avaliação Alternativa Rosa Maria Alves

Num espaço tão nosso, dá-me tempo! Carta aberta de uma criança sem tempo. Fábio Gonçalves

Se não serve para brincar, não presta! Henrique Santos e Mena Valério

“Era capaz de fazer o mesmo nuns cinco minutos” Rui Inácio

Creche – Uma Organização Social Iolanda Pereira

A avaliação de processos Ofélia Libório

Modos de fazer Pedagogia – a Abordagem de Projeto Maria Jesus Sousa e Maria da Graça Rocha

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Um outro olhar Ofélia Libório

4 Os educadores constroem conhecimento que merece ser partilhado! Constroem conhecimento em meio académico, quando produzem relatórios, dissertações de mestrado, teses de doutoramento ou artigos científicos, mas também quando, fora da academia, fazem investigação-ação, aprofundam conhecimentos sobre um determinado assunto, refletem sobre as suas práticas, a profissão, a educação... Amiúde, esse conhecimento fica circunscrito e aprisionado no contexto onde é construído. Relatórios, dissertações e teses forram as prateleiras dos arquivos das universidades. Às vezes os artigos científicos vão mais longe, chegam a um público espacialmente mais distante, mas quase sempre académico. Os resultados da investigação-ação são (e bem!) reinvestidos na ação, só os envolvidos e poucos mais tomam consciência deles e percebem a sua importância. As pesquisas são para consumo do próprio, engrandecem quem as faz em conhecimento e, na melhor das hipóteses, são partilhadas com outros mais próximos ou conhecidos pela comunhão de interesses. Reflexão sobre as práticas, a profissão, a educação... Quantos são os educadores que o fazem? Onde é que os podemos ouvir, ou ler? Aqui queremos tornar visível e partilhável o conhecimento construído pelos educadores. A especificidade de ser educador imprime, frequentemente, especificidade ao modo como é construído conhecimento em educação. Uma especificidade que se percebe nos temas e nas problemáticas estudadas e até nas metodologias adotadas. Porém, raramente são esses os estudos que povoam a literatura de apoio à profissão e que é consumida pelos educadores. Dar voz aos educadores-investigadores pretende impulsionar a valorização dos profissionais-educadores, afirmando a sua maioridade intelectual no domínio do conhecimento profissional. Será bem-vinda a participação de todos os que, sendo educadores e tendo conhecimento a partilhar, se sentirem desafiados na prossecução dessa intenção.

Reflexão sobre as práticas, a profissão, a educação... Quantos são os educadores que o fazem? Onde é que os podemos ouvir, ou ler? Aqui queremos tornar visível e partilhável o conhecimento construído pelos educadores.


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No âmbito da participação e partilha entre profissionais de Educação de Infância (EI), através de vários grupos e comunidades online e na sequência de diversos encontros presencias com temáticas distintas entre si, mas como objetivo de encontrar dinâmicas conjuntas, foi crescendo, entre todos, o desejo de se constituírem grupos locais de aprendizagem, de iniciativa individual ou de pequeno grupo, nos quais cada profissional (ou um conjunto de profissionais) partilharia o seu know-how sobre um tema/área/dinâmica especifica e, dessa forma, contribuísse para a reflexão sobre (e em) educação de infância e que: - potenciasse o crescimento em rede de profissionais reflexivos e interessados; - corporizasse uma rede comum de reflexões e práticas; - iniciasse um processo de aproximação física entre práticos e investigadores; - promovesse a organização e divulgação de práticas de referência; - consubstanciasse conteúdos de EI que possam ser organizados em modelos de ”mostra”(seminários, encontros, repositório de práticas, etc.) e de publicação (revista online, blogues, páginas em redes sociais, etc.). Na ótica de alguns temas/reflexões que foram sendo abordados, nos diversos espaços de partilha nas redes sociais, tornou-se importante construir uma rede que permitisse ir cruzando saberes, pessoas e alargando a base de profissionais com vontade e capacidade de refletir as suas práticas com outros... O procedimento passou por constituir grupos locais/localizados que refletissem e partilhassem entre si dinâmicas, estratégias e práticas de educação de infância, tendo por base uma proposta temática e a partir daí disseminar o conhecimento. Em termos práticos, pretendeu-se criar pequenos grupos de aprendizagem, numa

lógica de valorização da “praxis” dos profissionais, em que até as próprias instituições, onde os profissionais desenvolvem a sua atividade, pudessem servir como locais de realização. Foi fundamental que os encontros fossem gratuitos e abrangessem temas que pudessem ser úteis para uma comunidade de aprendizagem específica, com o estabelecimento de parcerias entre várias instituições das zonas de influência, que servissem diversos interesses pedagógicos, educativos, culturais e académicos. Como destinatários, e numa primeira fase, tivemos profissionais de Educação de Infância. (em grupos com um mínimo de 10 participantes) a reunir num espaço específico (escola, junta de freguesia, etc.), cuja logística foi assegurada pelo animador/moderador, e a quem ficou a cargo a apresentação do tema de reflexão da sessão. *As propostas temáticas agora apresentadas serviram, apenas, como "motores de reflexão", e sobre as bases reflexivas (científicas e empíricas), que se construíram os textos que agora se apresentam neste primeiro número da revista “Refletir EdInf” Foram realizadas as sessões: AVEIRO “Creche - Uma Organização Social” - 30 Janeiro, 11h. Instituto de Educação e Cidadania (Mamarrosa, Oliveira do Bairro) "O Tempo do Educador e o Tempo da Criança num Espaço de Participação partilhado" - 30 de Abril, 14h. Santa Casa da Misericórdia de Anadia (Aveiro, Anadia) “Avaliação de Processos” - 30 Janeiro, 9h. Instituto de Educação e Cidadania (Mamarrosa, Oliveira do Bairro) “Pensar Educacionalmente – construção de ambientes de aprendizagem ativa” - 20 de Fevereiro, 9h. Centro Paroquial de S. Bernardo (São Bernardo, Aveiro)

LEIRIA "À roda dos livros: Ler e contar" - 23 de Janeiro, 14h. Sociedade Filarmónica de Marrazes (Leiria) LISBOA "Se não serve para brincar, não presta!” - 16 de Janeiro, 9h. Colégio Morangos (Mafra) “Era capaz de fazer o mesmo em cinco minutos”- 02 de abril, 14.30h - Casa do Povo do Concelho da Lourinhã - JI da Marteleira (Lourinhã) "Corpo Falante" - 23 de abril, 14.30h, Colégio Morangos (Mafra) “Porque faço isto que faço?” - 28 de maio, 14h. 8Oitenta - Sintra Family Center (Sintra) PORTO “O Tempo do Educador e o Tempo da Criança num Espaço de Participação partilhado" - 05 de março, 9.00h. Casa de Cultura de Paranhos, (Paranhos) "O Portefólio como estratégia de avaliação alternativa em Educação de Infância” - 05 de março, 11h. Casa de Cultura de Paranhos. (Paranhos) "Do Tempo do Educador e da Criança ao Portefólio como Estratégia de Avaliação" - 09 de Abril, 9.00h. Junta de Freguesia de Paranhos (Paranhos) - 2ª edição "O Portefólio como estratégia de avaliação alternativa em Educação de Infância” - 08 de abril, 11h. Casa de Cultura de Paranhos (Paranhos) - 2ª edição SANTARÉM “Portfólio como estratégia de avaliação alternativa” - 06 de Fevereiro, 9h. Centro de Bem Estar Social Padre Tobias (Samora Correia) VIANA DO CASTELO “Modos de fazer Pedagogia: A Abordagem de Projeto” - 14 de maio, 09.15h, Biblioteca Municipal, Sala Couto Viana (Viana do Castelo). 

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À Roda dos Livros, Ler e Contar Tina Azinheiro tina@atb23.net Educadora de Infância no Agrupamento de Atouguia da Baleia

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Colocou-se a Promoção e Animação da Leitura na Creche e no Jardim de Infância como tema central de reflexão e debate. E porquê promover hábitos de Leitura nas crianças? Referem-se de forma breve algumas opiniões de referência: desenvolver nas crianças “o hábito e o prazer da leitura e da aprendizagem”, é abrir-lhes caminhos que se pretende cresçam e perdurem ao longo da vida, tal como é defendido no Manifesto das Bibliotecas Escolares, da UNESCO. “O hábito de ler, na criança, desperta e estimula a imaginação, fomenta e educa a sensibilidade, provoca e orienta a reflexão e cultiva a inteligência” de acordo com António Gomes (2007, p. 4), que afirma que o livro é “um instrumento insubstituível para a permanente formação intelectual, moral, afetiva e estética do leitor, ao mesmo tempo que aumenta a sua experiência e desenvolve a sua capacidade de compreensão e expressão”. Importa antes de mais ter uma visão integrada e global da promoção e animação da leitura: das suas etapas e dos seus intervenientes. A criação e enraizamento de hábitos de leitura, por ser um processo moroso, deve começar cedo e sempre antes da aprendizagem formal da leitura: na primeira infância - ainda ao colo, na Creche e no Pré-Escolar. Teresa Colomer (2011) menciona que a aquisição do gosto pela leitura tem muito a ver com o contexto familiar e a forma como decorre a socialização das crianças e adolescentes e que, por isso, a escola sozinha não o consegue garantir sozinha; aconselha a que, para que o esforço seja rentável, a escola se junte às famílias e aos bibliotecários, envolvendo-os as nesta responsabilidade coletiva de promoção do gosto pelo livro, através do empréstimo de livros e a progressiva criação de hábitos de Leitura. Na educação para a Leitura importa que a descoberta do livro, o exercitar o pensamento, o desenvolver o sentido crítico e o desenvolver os seus esquemas de leitor em cada indivíduo

sejam para toda a vida, tal como refere Monserrat Sarto, (2011). E como ler? Ler em voz alta para o grupo de crianças cria laços positivos da criança ao livro, pela voz do educador. Assim, importa ler histórias de forma regular e rotineira: diária, tal como desenvolvemos tantas outras atividades em jardim-de-infância. Isso cria uma expetativa positiva na criança, desperta nela o desejo de, àquela hora, desfrutar de mais uma “viagem” pelo imaginário que um livro propicia. Mas Ler, antes de ler às crianças é importante, pois o som com que lemos, muda o significado da palavra. E, como refere Rodolfo Castro (2012), nesse trabalho prévio iremos descobrir no texto as emoções da história que devem que ser destacadas, pois as palavras pedem como têm que ser ditas. E as pausas durante a leitura são como um laço, o silêncio mantém as crianças à espera… Podemos ensaiar até, lendo em voz alta, antes de ler ao grupo. Existem questões da escrita e da oralidade presentes na leitura em voz alta, ou no conto oral, que devemos ter em conta: as seis dimensões das emoções básicas que se devem exprimir através de expressões faciais: Tristeza / Alegria / Raiva / Medo / Surpresa / Nojo; e os três níveis de expressão da voz que devem ser usadas para introduzir variações intencionais na leitura em voz alta: Velocidade / Volume / Tonalidade. Assim, e usando as palavras de Cristina Taquelim (2014), pág 13, na leitura em voz alta “O mediador é alguém que dá voz, corpo e expressão às palavras de um autor, alguém que revela uma imagem, alguém que ilumina o livro (…) O olhar do mediador, é conduzido ora para o livro, ora para o auditório, abraçando com os olhos de todo o grupo. O centro da ação não é o mediador mas o livro que agora todos partilham e que se


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revela através de uma leitura e gestualidade, expressivas mas contidas”. O olhar, a voz e o corpo integram-se na própria história e geram diálogo com a criança ouvinte, provocando-a e convidando-a a mergulhar no mundo dos livros. E o que ler? Nós, educadores, questionamo-nos muitas vezes, como despertar a curiosidade e o interesse das crianças. Serão as crianças que não se interessam pela história, ou sou eu, educador, que escolhi um livro longo, ou que aborda uma temática que não está nos seus interesses deste momento? As experiências de leitura da criança devem fazer-se da diversidade de bons livros, tal como defende o Rui Veloso (2005). Os livros de ficção e de poesia, concebidos para a formação e construção de um saber não escolar, voltado para a imaginação e para a compreensão do mundo, comportam uma dimensão estética que toca a sensibilidade do leitor, enriquecendo-o nos seus valores de humanidade: - Lengalengas, adivinhas, trava-línguas, bem como o folclore, são reforçadas pela musicalidade e o ritmo, têm uma forte componente lúdica, associada ao corpo, gestos e danças. As crianças apropriam-se delas e levam-nas consigo para as brincadeiras no recreio. De acordo com Adolfo Coelho, (1992), o sentido das rimas infantis, é não terem sentido. - Ler poesia, sem necessidade de a explicar nem analisar, pois de acordo com George Jean (1996) “a poesia tem a chave para o imaginário, que cada criança recria para si mesma”, pois cada ouvinte interpretará o poema “à sua maneira, em função das suas vivências, da sua imaginação e da sua sensibilidade”, pág. 157. A atividade poética deverá realizar-se num ambiente descontraído, alegre e prazenteiro. Podemos ler ao pé da horta, no jardim ou no pinhal, os livros podem e devem viajar lá para fora. - Contos populares: transmitem os valores ancestrais da nossa cultura, o seu conteúdo dá voz ao mundo interior da criança: medos, iras violentas, desejos cruéis. O valor projetivo de que as personagens dos contos maravilhosos se revestem, ajudamna a distanciar-se das suas angústias e a libertar-se dos seus medos, através do jogo faz de conta. O livro em que se

mergulha, e que se fecha quando quer, é um espaço seguro para o crescimento emocional: se a criança está a ficar com medo, pode sempre deixar a história a meio e voltar a abri-lo noutro momento. Por outro lado, a linguagem dos contos tradicionais é rica, e devemos usar as palavras que fazem parte da nossa cultura, na opinião de Alice Vieira (2010). - Livros de Texto Literário e álbuns ilustrados - a que a ilustração acrescenta sentidos ao texto e sugere outras leituras - provocam novos caminhos e leituras, que estimulam a observação, e o espírito crítico e libertam a imaginação da criança. Para despertar a curiosidade sobre o conteúdo do livro, podemos explorar a capa com o grupo de crianças, antes de ler, desafiá-las a adivinhar o que tem lá dentro a partir dos elementos que estão na capa. Procuramos captar assim a atenção da criança, já desperta para o nosso livro, quando finalmente lemos o título. Cristina Taquelim (2014) sugere que se pense o livro como “o adereço” para a leitura em voz alta que se vai fazer, pois outros adereços poderiam provocar “ruído”. Depois de ler a história, seguida ou por partes, podemos recontar a história com o grupo, com questões “O mediador é alguém que dá voz, corpo e expressão às palavras de um autor, alguém que revela uma imagem, alguém que ilumina o livro (…)” abertas e onde cabem todos os sentidos que cada criança encontrou, pois não há um sentido único, uma leitura única. Os significados dependem das vivências e aprendizagens prévias de cada criança, que eco as palavras lidas encontraram no seu mundo interior. E por vezes, como defende Alice Vieira (2010), o poder das palavras é frequentemente “pressentido” pelas crianças ainda antes de entenderem o seu significado.

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Até aqui falamos sempre da leitura com o livro em presença, e da leitura integral da história, de um poema, ou de um conto, de um capítulo do livro. Mas a revolução tecnológica a que assistimos e para a qual devemos desde cedo preparar as crianças, permite e favorece que a leitura e a comunicação aconteçam em diversos formatos e suportes. Importa que os docentes entendam os benefícios das novas tecnologias e passem a incorporá-las nos seus planos de promoção do livro e da leitura. Então, como animar e explorar um livro, durante ou depois da leitura? Esta questão tão vasta foi o tema central da partilha entre dos educadores presentes: a leitura ativa com um objeto/elemento da história; a narração oral; a dramatização introduzindo o corpo em movimento e utilizando poucos gestos, firmes e expressivos; o teatro de marionetas; levar o grupo à descoberta dos sons ou dos sabores da história; a reconstrução e ilustração de novos livros pelas crianças e famílias; pesquisar outras versões da história na internet, tal como filmes de animação de elevada qualidade estética ou, ainda, fazer a animação digital de livros a partir do livro original sem comprometer a sua integridade estética ou propriedade autoral. Acerca da partilha de uma história com a comunidade, referidos foram a possibilidade de construir de adereços, máscaras e cenários, vídeos, articulando as diferentes áreas de conteúdo previstas nas OCEP. Mais do que um teatro ensaiado, com um texto decorado pelas crianças, gostamos de uma história escolhida com as crianças, recriada com o corpo, através da dança e do movimento, construir até uma pequena coreografia, vivida com todo o corpo e emoções. Uma história já apropriada por um grupo de crianças poderá, por vezes, ser um projeto valioso e feliz a apresentar às famílias. Agora estamos todos mais conscientes da importância de colocar o livro no centro da promoção da leitura, como ferramenta pedagógica fundamental, e motivadora das aprendizagens das crianças na área da linguagem, dos afetos, dos valores, da vida e da morte, enfim, do mundo que a rodeia.

Saímos reforçados nos nossos saberes, nas nossas competências de mediação leitora. Seremos, no futuro, melhores contadores de histórias? 

Bibliografia: Castro, M. (Novembro, ano 2, nº4 de 2011). Entrevista a Teresa Colomer, “La lectura de ficción enseña a leer". El Monitor de la EducaciónArgentina . Castro, R. (2012). A Intuição Leitora, a Intenção Narrativa. Lisboa: Gatafunho. Coelho, A. (1992). Jogos e Rimas Infantis. Lisboa: Relógio d'Água. Gomes, J. A. (2007). Literatura para a infância e a juventude e a promoção da leitura. Fundação Calouse Gulbenkian (p. 13). Casa da Leitura. Jean, G. (1996.). Na escola da poesia. Lisboa: Instituto Piaget. Sarto, M. (2011). Animación a la Lectura com nuevas estrategias. ediciones SM. Taquelim, C. (2014). Animação à leitura, contributos para o desenho de uma sessão. Obtido de Casa da Leitura. Casa da Leitura/Fundação Calouste Gulbenkian. Veloso, R. (2005). Não receita para escolher um bom livro. VELOSO, Rui Marques, No Branco do Sul as Cores dos Livros. Lisboa: Caminho. Vieira, A. (2010). Palavras de Outrora, Agora. In F. C. Gubenkian (Ed.), Conferencias Gulbenkian Especiais/Palavras de Trapos A língua que os livros falam, (p. 80 a 87).


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Portefólio. Como faço. Milena Branco (milenacavacobranco@gmail.com) Centro de Bem Estar Padre Tobias

Ao longo da minha prática sempre me deparei com várias questões que envolvem a criança e a sua participação nos processos de avaliação. Alterar a forma como avaliamos assusta e cria inseguranças. Por isso, resolvi enfrentá-las. Procurei conhecer outros educadores que usavam uma avaliação partilhada, trilhada a várias mãos e que envolviam não só a criança, como a sua família numa reflexão conjunta. Era chegado o tempo de agir e procurar formação, aprender com quem sabia mais do que eu, reconhecendo que estamos sempre a tempo de aprender, de alterar práticas e de abalar as minhas (in)seguranças. Assim descobri o portefólio de aprendizagem e olhei para ele como uma oportunidade de realizar uma avaliação mais holística de cada um dos meus alunos. No portefólio tenho oportunidade de albergar evidências que

documentam, simultaneamente, comportamentos, fontes de interesse, dificuldades e aprendizagens, refletidas no ponto de vista da criança, do educador e da sua família. Aprendi que para começar era necessário saber como planear, organizar, articular e ajustar toda esta informação, resolvi construir uma linha do tempo. Ter um plano é a melhor forma de dar o primeiro passo! Assim tracei as minhas metas, as minhas estratégias e lancei-me nesta nova aventura. Apresentei ao grupo este novo instrumento que poderíamos construir juntos, acordámos o que iríamos incluir (ou não) neste portefólio, tal como a forma e o tempo em que o iriamos fazer. Nesta decisão comum, acordámos que cada criança poderá eleger, uma vez por mês, os projetos, atividades, ou outros elementos que para si foram mais significativos, com os quais aprendeu mais e/ou até onde sentiu maiores dificuldades, e que possam espelhar a forma como as

resolveu (ou não), onde aprendeu novos conteúdos que respondiam às suas fontes de interesse, os que foram, por vezes, fonte de conflito, enfim, os que de alguma forma lhe eram significativos. Como educadora, caber-me-ia fazer o mesmo, refletindo sobre essas escolhas e o que elas espelhavam, aproveitando para refletir e avaliar a forma como conduzo a minha prática, lendo o grupo através da individualidade de cada criança. A família teria também um papel ativo neste processo, pois são eles muitas vezes os parceiros dos nossos projetos, envolvendo-se presencialmente ou não, refletindo a forma como as crianças aprendem nos diversos ambientes educativos. O portefólio encontra-se na sala, sendo consultado regularmente pelo grupo, individualmente ou em conjunto e pelos pais, sempre que assim o desejarem. Acordámos que o portfólio iria para casa nos três principais momentos de avaliação, (dezembro, abril e junho), para uma

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observação e partilha mais aprofundada. O aspeto físico do portfólio é decidido em grupo, pode ser um dossier, uma pasta arquivadora ou outra proposta apresentada, votada e aceite pelo grupo. A forma como é organizado depende de grupo para grupo, mas geralmente inicia com uma folha de rosto, onde a criança e a família podem antever as suas expetativas sobre o ano letivo, sendo posteriormente avaliadas no final do ano. Neste espaço serão ainda identificados os elementos que participam na elaboração deste portfólio. Segue-se o espaço onde o educador coloca os seus objetivos no uso deste instrumento (apoiando-se no plano individual) dividindo-os pelas áreas de conteúdo, acrescentando outras informações que sejam relevantes, como os instrumentos de recolha de informação, as estratégias e os recursos a utilizar. Com o meu grupo acordámos usar, como evidências, o produto dos nossos projetos, bem como elementos recolhidos durante

o processo de construção, desenvolvimento e divulgação dos mesmos. Como estratégias usamos as entrevistas com as crianças, com as famílias, registos das ocorrências significativas e as reflexões de autoavaliação. Como recursos escolhemos usar as amostras de trabalhos selecionados, fotografias e gravações áudio e vídeo que se entendam significativas dos elementos a recolher. O uso deste instrumento trouxe ao grupo uma visão participada na construção da sua aprendizagem e avaliação, partindo de evidências concretas, escolhidas como significativas para quem as realiza, planeia e avalia, atendemos a uma visão global, partindo da especificidade, do tempo e ritmo de cada elemento do grupo, registamos as aprendizagens sem esconder os conflitos e as dificuldades, encontrando assim em conjunto, novas estratégias para os ultrapassar. O portefólio, que serve de porta aberta a todo o trabalho desenvolvido na

sala e fora dela, é também uma forma de divulgação aos parceiros (e não só) do currículo educativo que se vai desenvolvendo ao longo do ano letivo. Não é um caminho fácil, pelo que é necessária alguma disponibilidade para construir o portfólio, mas os ganhos que dele se obtêm valem todo esse esforço. Todos os anos realizamos ajustes e traçamos novas metas que possam ajudar a registar uma visão global das várias fases de desenvolvimento e aprendizagem das nossas crianças. E porque estamos sempre a desejar ser e fazer melhor, não fecho a porta a novos olhares sobre este instrumento, partilhando cada vez mais com outros colegas estas e outras formas de avaliar, de forma a obter essa tão desejada visão holística das crianças. 


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Portefólio como Estratégia de Avaliação Alternativa Rosa Maria Alves

T

al como os restantes níveis de ensino, a educação pré-escolar tem sofrido mudanças significativas a nível educativo. Conceitos como avaliação, e novas estratégias de avaliação, fazem cada vez mais, parte do vocabulário dos educadores de infância. Desta forma percebe-se que estes passaram a olhar com maior atenção para o papel desempenhado pela avaliação na educação de infância. Esta mudança, emerge essencialmente pela forma como se começou a entender a educação das crianças mais pequenas, e olhar para o processo de avaliação como elemento fulcral para a tomada de decisões e para a regulação e melhoramento das práticas educativas. O portefólio como estratégia de avaliação alternativa na educação pré-escolar é cada vez mais utilizado como instrumento de regulação e avaliação das aprendizagens das crianças em idade pré-escolar. Mas a heterogeneidade de pensamento quanto à conceção do conceito do mesmo, objetivos e finalidades e a aplicabilidade deste na prática, são evidências empíricas que têm surgido no quotidiano do jardimde-infância. Para McAfee e Leong (1997, cit.Parente, 2004, p.52), o “Portefolio é uma compilação organizada e intencional de evidências que documentam o desenvolvimento e a aprendizagem de uma criança realizada ao longo do tempo”. Neste sentido, é considerado um instrumento de avaliação alternativa em educação de infância, tal como é preconizada na circular nº4/DGIDC/DSDC/2011. Entende a avaliação como parte integral do processo de ensino-aprendizagem e é uma estratégia colaborativa, já que todos os intervenientes da ação educativa interagem e colaboram neste processo (crianças, educadores, pais), sendo também considerado como uma resposta educacional “ao desafio de aperfeiçoamento de procedimentos de avaliação alternativa e/ou autêntica (…)” (Parente, 2004, p.52), pois ao avaliar as aprendizagens e

desenvolvimento das crianças, está-se a ter em conta aquilo que elas aprendem e como constroem os conhecimentos, inserindo-se este numa perspetiva sócio construtivista alternativa. O portefólio é mais que mero dossier dos melhores trabalhos das crianças realizados num determinado período de tempo. É antes, um conjunto de produções devidamente organizadas e intencionais, das evidências das aprendizagens das crianças, que ao mesmo tempo, documentam e demonstram os processos e produtos das competências desenvolvidas. A organização do portefólio exige uma articulação sistemática entre o desenvolvimento do currículo, a aprendizagem e a avaliação e desta forma “Abrir um portefólio bem feito é como abrir uma arca de tesouro” (Shores e Grace, 2001, cit. Parente, 2004, p.52). Os portefólios deverão incluir amostras de trabalhos, registos de observação da criança, amostra de competências de resolução de problemas, entre outros, categorizadas, datadas e colocadas por sequência temporal, para que se tenha sempre informação precisa dos processos de aquisição de conhecimentos e dificuldades da criança, e não sejam segmentadas as áreas de conteúdo. O educador deve utilizar vários instrumentos de registos de observações sistemáticas e seleções de evidências que documentam os progressos das aprendizagens das crianças, como por exemplo, fotografias, gravações áudio e vídeo, relatos narrativos, notas de observação feitas pelos educadores, comentários das crianças acerca dos seus trabalhos e comentários dos educadores, e outros. A forma como se selecionam as evidências permitem às crianças e aos educadores aprender mais sobre o processo de aprendizagem. Ao implicar as crianças na escolha e reflexão de evidências para colocar no portefólio (Grubb e Courtney, 1996,

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cit. Parente, 2004), está a dar-se um sentido de valor acrescido à participação da criança na sua aprendizagem, e a encorajar a autoanálise quando refletem sobre o que foi feito. As crianças são convidadas a selecionar os trabalhos que querem que constem no portefólio, refletir sobre eles, para que possam compreender o seu próprio percurso de aprendizagem. O educador é um mediador, monitorizando este processo de seleção de forma partilhada com as crianças. Nesta perspetiva, utilizar o portefólio como uma estratégia de avaliação autêntica, colaborativa e contextualizada, realizada ao longo do tempo que a criança permanece no Jardim-de-infância, permite “celebrar e documentar o que a criança faz e pode fazer” (Batzle, 1992, cit. Parente, 2004, p.53) e “ajuda as crianças a moverem-se do eu não sei fazer/e não sou capaz para o eu sei fazer/eu sou capaz” (Collins, 1998, cit. Parente, 2004, p.53), permitindo diálogos criança adulto e adulto criança. Acreditamos que o portefólio numa prática de avaliação alternativa autêntica é um ótimo recurso para a compreensão da aprendizagem na educação pré-escolar. Avalia os progressos, e as dificuldades das crianças, através de um conjunto diversificado de procedimentos, que não podem ser verificados através de outras formas de avaliação. Para que isto aconteça é necessário, que a mudança de conceções e práticas se faça através de espaços e tempos reflexivos, que permitam a construção de novas práticas pedagógicas e de uma cultura de avaliação mais participativa e democrática. 

BIBLIOGRAFIA Alves, M. (2007). Portfolio na Educação Pré-Escolar – uma abordagem supervisiva de investigação, acção, formação. Porto: Universidade Portucalense Azevedo, A. (2009). Revelando as aprendizagens das crianças: a documentação pedagógica. Tese (Mestrado – não publicado). Braga: Universidade do Minho Dgdic, (2009) Projeto: Desenvolvendo a Qualidade em parcerias – Avaliação e desenvolvimento da Qualidade nos Estabelecimentos da Educação Pré-escolar: Um Programa de Desenvolvimento Profissional. Ministério da Educação. Grace, C.& Shores, E. (2001). Manual de Portfolio. Um passo para o professor. Porto Alegre: Artmed Editora Oliveira – Formosinho, J. (1998). O desenvolvimento profissional das educadoras de infância. Um estudo de caso. Dissertação de doutoramento em Estudos da Criança. Braga: Universidade do Minho. Oliveira – Formosinho, J. [et al].(2005). Para uma pedagogia da infância ao serviço da equidade: O portfolio como visão alternativa da avaliação, Lisboa: GEDEI. Oliveira-Formosinho (2007). (Org). Modelos curriculares para Educação de Infância. Porto: Porto Editora. Oliveira-Formosinho, J. (2008) (Org.). A escola vista pelas crianças. Porto: Porto Editora. Oliveira-Formosinho,J eParente,C.(2005). Parauma Pedagogia daInfância aoServiçoda Equidade. OPortfoliocomovisãoalternativadaavaliação. Infânciae Educação.InvestigaçãoePráticas,22-46 Oliveira-Formosinho, J., Azevedo A. e Mateus-Araújo, M. – Um estudo de caso (in DQP-Estudos de caso, 2009) Parente, C. (2002) Observação: Um percurso de formação, prática e reflexão. In J.Oliveira-Formosinho (org), A supervisão na formação de professores I: Da sala à escola (pp.166-216). Porto: Porto Editora. Parente, C. (2004) – A construção de práticas alternativas na pedagogia de infância: sete jornadas de aprendizagem – Tese (doutoramento) Braga: Universidade do Minho


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Num espaço tão nosso, dá-me tempo! Carta aberta de uma criança sem tempo.

Fábio Gonçalves (fabiogoncalvesj@gmail.com)

Dá-me tempo. Acima de tudo tempo. Tempo para ter tempo. Tempo para ter espaço. Espaço para ter tempo.

Quero tempo para falar. Mas, acima de tudo, reivindico tempo para que me ouças. Sei que não é fácil muitas vezes ouvires-me. Estás sempre tão atarefada no meio da papelada.

Quero tempo para crescer. Para crescer naquilo que tenho de crescer e não naquilo que queres que cresça. Eu sei que crescer é importante, fazes questão de me lembrar isso regularmente. Mas vamos com calma. Até porque, quando eu digo que sou crescida é apenas para que te orgulhes de mim. Na verdade, por muito que seja difícil acreditar, tenho apenas 4 anos. Dá-me tempo para ser autónoma e deixa-me fazer coisas sozinha. Mas por favor, não brinquemos às autonomias. Brincar ao faz de conta sim: com as panelas da cozinha, os legos das construções, com a plasticina da modelagem… Comigo não, por favor. Ah, e já agora, não chames cozinha àquilo a que eu tantas vezes chamo castelo. Quero tempo para falar. Mas, acima de tudo, reivindico tempo para que me ouças. Sei que não é fácil muitas vezes ouvires-me. Estás sempre tão atarefada no meio da papelada. Mas quero que percas um minuto a escutar-me. Já estou cansada do “tempinho” que me dispões. Hoje quero tempo. E prometo não te fazer queixas dos meus amiguinhos, nem me lamentar dos meus joelhos esfoladinhos… Hoje queria apenas dizer-te que gosto de ti. Terás tempo para isso? Mas já que falo em queixar-me… Dá-me tempo para que me queixe. Sabes que quando digo que não gosto de alface é porque não gosto? (e para isso não preciso de a provar 43 vezes) Sabes que quando digo que me dói a barriga… há uma grande probabilidade que me doa mesmo? Sabes que quando tenho um arranhão de tamanho inferior a uma formiga, sofro horrores? Sabes que quando quero beber água… é porque tenho sede? Sabes que as minhas dores não têm de ser do tamanho das tuas, certo? Mas confesso… na maioria das vezes só preciso de um abraço e de uns segundos de colo. Mas, para ti, já não preciso disso, nem posso ter isso. Tenho 4 anos… já sou crescido! Também quero tempo para ouvir-te. Se há coisa que gosto é de te ouvir. Encaro-te como um exemplo, como uma das pessoas mais sábias que conheço. Tens sempre resposta para tudo e um elogio para mim na ponta da língua. Mas repara, apesar de ouvir-te ser para mim um momento de prazer, estou cansada de elogios rotineiros e em nada sinceros. Sempre que te mostro algo lá vem a expressão do costume “Que giro” e logo de seguida teces um “Parabéns”… Sabes que, muitas vezes, nem eu próprio gosto e percebo aquilo que faço, certo? E já agora… não tens de estar sempre a perguntar “O que é isto que

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desenhaste?” ou “E isto?”… Podes perguntar. Mas vai com calma, por favor. Quero questões honestas e elogios recheados de sinceridade. Não exageres.

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Dá-me tempo para brincar. Sim, eu sei que tu me deixas brincar, todos os dias, várias vezes ao dia. Sei que tenho tempo para isso. Mas, mais uma vez, isso para mim não é tempo… é “tempinho”. Brincar onde tu queres e onde eu não quero será, realmente, brincar? E porque esta é realmente importante, dá-me, mais uma vez, tempo para brincar. E quando brinco horas a fio na casinha, tens de começar a observar mais o que faço antes de me forçares a uma retirada estratégica. Não sei se reparaste, mas hoje em dia faço a cama, ponho os talheres na mesa, dou comida ao bebé, além de que arrumo o leite no frigorífico e os copos no armário. Lembras-te que, ainda há pouco tempo, o bebé andava pendurado na minha mão? Que os copos eram guardados na cama? Que o ferro de engomar era arrumado meticulosamente no frigorífico? A isto chama-se desenvolvimento, vulgarmente conhecido como crescimento. Mas este é o crescer que eu quero e não o que tu me tens permitido. Sim, se quiseres uma justificação para brincar este tempo todo na casinha aqui a tens: brinco para crescer! E quando quiseres que faça um desenho e eu simplesmente queira ir para a “casinha”, talvez fosse interessante que ambos ganhássemos a batalha: fazer desenhos na casinha. Não me importava. Era uma experiência nova. Para ti a casinha serve para brincar mas, para mim, serve para tudo! Ganhamos os dois. Quero tempo para experimentar. Sim, eu gosto muito das experiências que fazes connosco e que me levam a compreender conceitos tão importantes no âmbito da ciência, como a flutuação, o magnetismo, a gravidade… sim, que tu fazes. E que eu vejo. Percebes onde quero chegar? E para que não fiques triste, dá-me tempo para escrever. Mas não quero que me ensines a escrever. Eu gosto de escrever e tu queres que eu escreva. Tentemos arranjar um meiotermo para que eu não deixe de gostar de algo que até me deixa feliz. Fica descansada, a escrita deixa-me feliz. E se continuar assim, terei sucesso na escola primária. Repara, na escola primária… que é significativamente diferente de Jardim-de-Infância. Dá-me tempo para te dar tempo para que brinques comigo. Este é dos mais importantes porque, se há coisa que eu gosto, é de brincar contigo e que, acima de tudo, brinques comigo. Mas um brincar sem intenções camufladas com pedagogias. Brinca comigo de forma natural, da mesma forma que brinco com os meus companheiros de aventura. Se

E para que não fiques triste, dá-me tempo para escrever. Mas não quero que me ensines a escrever. Eu gosto de escrever e tu queres que eu escreva


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hoje brincares comigo garanto-te que amanhã o sorriso com que entrarei amanhã na sala será garantidamente maior… mais puro… mais sincero. Quero tempo para me explicar. Já aqui falei na importância de me ouvires. Mas, além disso, gostava que ouvisses as explicações das minhas intenções. Se quero fazer algo, não é apenas “porque sim”, se não quero também não será “porque não”. Se me perguntares explicar-te-ei. Mas, por norma, tens dificuldades em fazê-lo. Garanto-te que se o fizesses, irias perceber a grande maioria das minhas intenções. E tenho a certeza que se apresentasse os meus argumentos, não terias forma de os refutar.

Já aqui falei na importância de me ouvires. Mas, além disso, gostava que ouvisses as explicações das minhas intenções

Quero tempo para que participes comigo. Não, não estou a falar dos contornos a marcador preto que fazes nos meus desenhos, nem dos presentes que preparas para a minha mãe ou para o meu pai, nem estou a falar de tudo o resto que fazes por mim por pensares que não sou capaz de fazer… Estou simplesmente a referir-me ao fazer em conjunto. Lembras-te da última vez que te sentaste comigo a fazer uma pintura? Eu a minha e tu a tua? Nem eu. Acima de tudo, quero tempo para ser feliz. Mas isso depende de ti. Se me deres tempo para o ser, certamente serei. Dá-me tempo para viver e não para brincar à vida. Parece-me simples, não achas? Continua a dar-me tempo… porque quero continuar a ter tempo para gostar de ti. E gosto de gostar de ti. Uma criança que desabafa. 

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Se não serve para brincar, não presta! Henrique Santos (henriquehsantos@gmail.com) e Mena Valério (mariavalerio3@gmail.com)

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Brincar é condição fundamental para ser sério. Arquimedes

A criança aprende a brincar… Nós, os adultos “sérios”, que temos esquecido a infância, tendemos a considerar o “brincar” como “aquele espaço” da nossa memória há muito perdido. O espaço da fantasia, da pureza, do bem-estar. O espaço/tempo que não volta e que ficou “perdido” entre o real e o imaginário. Quando “olhamos para trás”, recordamos com saudade uma situação, pelo menos, em que ultrapassámos os limites do real físico nas nossas brincadeiras, em que nos espantámos com um brinquedo e acabamos por nos tornar nostálgicos com a experiência que nos “marcou” indelevelmente. Apesar disso, o “brincar” da criança tende a ser desvalorizado (ou apenas valorizado na componente de “entretenimento”), e verificase, atualmente, uma maior preocupação com a “formação académica” (racional, técnica, etc.) das crianças, na qual pais, educadores e gestores educativos, procuram a melhor forma de as tornarem “competentes”. Tem sido comum, por isso, considerar que o brincar não é uma ferramenta por excelência para que a criança desenvolva essa qualidade.. Através do brincar, ela pode desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação. Ao brincar, a criança explora e reflete sobre contexto social e cultural na qual

está inserida, interiorizando-as e, ao mesmo Todos os autores são coincidentes no que tempo, questionando as regras e papéis respeita ao reconhecimento de estruturas sociais. mentais que permitem à criança utilizar a sua Através da brincadeira, as crianças imaginação como forma de experimentar ultrapassam a realidade, transformando-a. ações e interações com o mundo que a Dessa forma, o ato de brincar potencia o seu rodeia, independentemente da realidade mais desenvolvimento e a sua maturação porque imediata. assim aprende a conhecer, a fazer, a conviver e, sobretudo, a ser. Atividade lúdica, jogo, aprendizagem e Além de estimular a curiosidade, a desenvolvimento autoconfiança e a autonomia, o brincar proporciona o desenvolvimento da A criança, no seu processo evolutivo, adquire linguagem, do pensamento, da concentração competências e habilidades de forma fácil e e da atenção. simples, o que lhe permite construir O brincar da criança não é apenas a conhecimento mais complexo. Nesta recordação ou a imitação do que vê o adulto aprendizagem, a existência de desafios fazer. A criança reproduz mais do que a adequados ao seu grau de desenvolvimento realidade, e, de certa forma, reconstrói e e ao seu nível de maturação potenciam um reinventa a realidade. conjunto alargado de experiências São cada vez mais os significativas, que facilitam o Mas mais do que uma autores que defendem surgimento de estruturas mentais "ferramenta", o brincar que o brincar é uma cognitivas e intelectuais da é uma condição das formas mais criança. essencial para o comuns do Ao brincar, a criança mostra suas desenvolvimento da comportamento características, os seus criança humano, principalmente sentimentos, os seus desejos (que durante a infância. muitas vezes não consegue Durante o seu processo expressar através da fala). de desenvolvimento e maturidade, todas as Desenvolve a imaginação e criatividade, crianças atingem fases específicas em várias aprende a controlar o ambiente e seu as faixas etárias. Freud, Piaget, Vigotski, comportamento nesse contexto, fortalece Wallon, Winnicot e muitos outros autores têm suas habilidades sociais, como a apresentado a ideia comum que o assertividade, a empatia, o autocontrole, a crescimento da criança é acompanhado por expressividade emocional e diferentes fases ou etapas de desenvolvimento classes de desempenho social na forma de caracterizadas por aspetos peculiares e lidar com as necessidades das situações significativos em termos físicos, cognitivos, interpessoais. emocionais, espirituais e culturais O ato de brincar permite que a criança importantes para a sua formação integral e procure soluções adequadas para holística. comportamentos que desconhece e, através


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de brincadeiras, aumenta as possibilidades de encontrar alternativas para esses comportamentos desconhecidos atuando através de personagens que representa, podendo depois generalizá-los para o ambiente em que vive.

A brincadeira fornece, pois, ampla estrutura básica para mudanças da necessidade e da consciência, criando um novo tipo de atitude em relação ao real. Nela aparecem a ação na esfera imaginativa numa situação de faz-deconta, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e das motivações volitivas, constituindo-se, assim, no mais alto nível de desenvolvimento préescolar. Vygotski

A criança, o jogo e a atividade lúdica O jogo tem origem no termo latino jocus, que significa "gracejo, graça, pilhéria, escárnio, zombaria". Em latim, essa é a palavra originalmente reservada para as brincadeiras verbais: piadas, enigmas, charadas etc. (Friedmann, 2006). Os jogos e as competições sempre despertaram interesse ao ser humano. A educação lúdica esteve presente em todas as épocas, povos e contextos. A valorização do lúdico e do “brincar”, em termos sociais, sempre foi uma referência constante na produção artística (como é o exemplo do quadro de Pieter Breughel, “Childrens Games”, pintado em 1560, e que nos oferece um enorme espólio de brincadeiras e jogos

da infância. Ver imagem) e isso pode dar-nos uma ideia da vasta rede de conhecimentos, não só no campo da educação, da psicologia, da fisiologia, do comportamento humano que a ação lúdica potencia e sobre a qual muitos investigadores, ao longo do tempo, se têm debruçado. O jogo pode ser visto como "o resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social; um sistema de regras; e um objeto" (Kishimoto, 1994). Esses três aspetos permitem a compreensão do jogo, diferenciando significados atribuídos por culturas diferentes, pelas regras e objetos que o caracterizam. Nesta análise particular, podemos definir como jogos as atividades lúdicas de faz-deconta, os jogos simbólicos, os jogos motores, sensórios-motores, intelectuais ou cognitivos, os jogos individuais ou coletivos, os jogos metafóricos, verbais, de palavras, de salão e uma infinidade de outros mostrando a multiplicidade de situações incluídas na categoria ‘jogo'. Independentemente da denominação que possamos atribuir em cada momento, a ação lúdica, ou jogo, tem especificidades, regras, condições, dentro de um determinado contexto social e cultural em que estão inseridos. De acordo ainda com Kishimoto (idem) o jogo vincula-se ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao símbolo. A conceção do

homem como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à capacidade de sonhar, imaginar e jogar com a realidade, é fundamental para compreender a abrangência do ato de jogar. O jogo diferencia-se de outras ações humanas pela atitude mental do individuo, caracterizada pela incerteza dos resultados, ausência de obrigação no envolvimento, supondo uma situação concreta e um sujeito que age de acordo com ela. No jogo, nunca se tem o conhecimento prévio dos rumos da ação do jogador, que dependerá, sempre, de fatores internos, de motivações pessoais, bem como de estímulos externos, como a conduta dos outros parceiros No ato de brincar da criança, nem sempre se consegue identificar o jogo, uma vez que se pode manifestar num comportamento no qual não está presente a motivação interna para o lúdico. O “brincar” da criança, por ser uma ação voluntária da criança, um fim em si mesmo, que “não pode criar nada”, nem visa a um resultado final, é comummente desvalorizado do ponto de vista pedagógico e da aprendizagem. Contudo, na análise da importância do brincar para o desenvolvimento e para a aprendizagem, o que importa é o processo em si que a criança se impõe. Quando ela brinca, não está p

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reocupada com a aquisição de conhecimento ou desenvolvimento de qualquer habilidade mental ou física. Ao brincar com outras crianças, ela encontra os seus pares e interage socialmente, descobrindo desta forma que não é o único sujeito da ação e que, para alcançar o seu objetivo, deve considerar o facto de que os outros também possuem objetivos próprios que querem satisfazer. É a partir das características específicas de cada jogo que a criança desenvolve as suas competências para adaptar o seu comportamento, distanciando-o cada vez mais da impulsividade. Nestes jogos, os objetivos são dados de uma forma clara, devido à sua própria estrutura, o que exige e permite, por parte da criança, um avanço na capacidade de pensar e refletir sobre as suas ações, o que lhe permite uma autoavaliação do seu comportamento moral, das suas habilidades e dos seus progressos.

Os jogos da criança são o insubstituível lugar de uma auto-aprendizagem por si mesma, em que vemos que se trata de uma cultura livre... Por meio do jogo, a criança aprende a coagir a si mesma, a se investir de uma atividade duradoura, a conhecer e a desenvolver as forças do seu corpo. Emanuel Kant

A criança e o brinquedo O brinquedo, na atividade lúdica e nas situações de jogo, apresenta-se como instrumento facilitador da ação e da interação

da criança. O brinquedo representa uma oportunidade de desenvolvimento. Ele traduz o real para a "realidade infantil", suavizando o impacto provocado pelo tamanho e força dos adultos, diminuindo o sentimento de impotência. As dificuldades na manipulação dos brinquedos, objetos, etc., fazem a criança crescer através da procura de soluções e alternativas. Por exemplo, um boneco ou um pano pode ser um bom companheiro e aliado; uma bola, pode ser promotor do desenvolvimento motor; um puzzle pode estimular o desenvolvimento cognitivo e da linguagem… O desempenho da criança enquanto brinca alcança níveis que só mesmo a motivação intrínseca consegue. Paralelamente, os seus níveis de envolvimento estimulam a atenção, a concentração e a imaginação e, por consequência, contribuem para que fique mais calma, mais focada, aprenda a pensar, e capacite a sua inteligência e autonomia. A criança e o seu contexto As crianças permanecem, hoje em dia, em contextos institucionais (escolas, clubes, etc.) durante uma parte importante dos seus dias. Este modelo institucional (e instituído), num constante apelo à racionalização do conhecimento, da valorização técnica e tecnológica, não tem sabido estudar e integrar a natureza lúdica da criança. O processo escolar tem sido concebido segundo o modelo produtivo do adulto, interpretando os miúdos não segundo a sua natureza mas procurando torná-los “seres competentes”, nos quais a “competência” se resume à capacidade de imitar produtivamente e com valor económico imediato. A Escola escolheu “jogos-exercício

” que são demasiados automatismos de acumulação e não de procura e de solução. A criatividade, na sociedade e na Escola, permanece marginal e suburbana. É urgente e necessário que a Escola aprenda a jogar antes de aplicar e “impor” as suas perspetivas e intenções sobre a função do jogo. Nesse sentido, importa provocar, junto dos atores, reflexão e partilha pertinente sobre as mais-valias da utilização do lúdico e do jogo no desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

...o adulto terá que facilitar a concretização daquilo que a criança estiver pronta a encontrar...; procurando acompanhar a omnipotência mágica da experiência dela Winnicot

O Papel do Adulto A criança precisa sentir um vínculo afetivo e confiável e é o adulto que a pode amparar e conferir oportunidades para que se processem as condições necessárias à aprendizagem e ao desenvolvimento. Para isso é fundamental que o adulto esteja consciente do valor do brincar como ferramenta da aprendizagem. É preciso que ele saiba respeitar as necessidades, anseios e incertezas da criança e saiba criar condições para o desenvolvimento de novas situações. É importante que o adulto compreenda o espaço e a ação lúdica da criança e permita


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que a criança seja o verdadeiro protagonista de sua aprendizagem. O adulto pode (e deve) estimular a imaginação das crianças, despertando ideias, questionando-as para que elas próprias procurem soluções para os problemas que surjam. Além disso, brincar com elas, procurando estimular as crianças e servir de modelo, ajuda-as a crescer. A participação do adulto na brincadeira eleva o nível de interesse, enriquece e estimula a imaginação, além de que reforça os laços afetivos. Um adulto, ao brincar com uma criança, está a fazer uma demonstração do seu amor, bem como a conceder-lhe o seu tempo e atenção, que, sabemos nós, tem faltado nestes nossos tempos atuais.

Assim sendo… …O brincar não significa apenas recrear-se, antes pelo contrário, é a forma mais completa que a criança tem de comunicar consigo mesma e com o mundo. A criança precisa ter tempo e espaço para brincar. É importante proporcionar um ambiente rico para a brincadeira e estimular a atividade lúdica no ambiente familiar e escolar, lembrando que rico não quer dizer ter brinquedos caros, mas fazer com que elas explorem as diferentes linguagens que a brincadeira possibilita (musical, corporal, gestual, escrita), fazendo com que desenvolvam a sua criatividade e imaginação. É a brincar que aprende o que mais ninguém lhe pode ensinar. É dessa forma que ela se estrutura e conhece a realidade. Além de estar a conhecer o mundo, está-se a conhecer a si mesma. Ela descobre,

compreende o papel dos adultos, aprende a comportar-se e a sentir-se como eles.

19 Quem chamou BRINCAR ao viver do miúdo foi o adulto. O miúdo, de tão demasiado ocupado a viver, nunca de tal palavra se lembraria” Pedro Soares Onofre

O ato de brincar incorpora valores morais e culturais, em que as atividades podem promover a autoimagem, a autoestima, a cooperação. O lúdico conduz à imaginação, fantasia, criatividade e à aquisição dum sentido crítico, entre outros aspetos que ajudam a moldar as suas vidas, como crianças e, futuramente, como adultos. É através da atividade lúdica que a criança se prepara para a vida, assimilando a cultura do meio em que vive, integrando-se nele, adaptando-se às condições que o mundo lhe oferece e aprendendo a competir, cooperar com os seus semelhantes: a conviver como um ser social. Posto isto… Brincamos?

Referências

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“Era capaz de fazer o mesmo nuns cinco minutos” Rui Inácio (roderium82@gmail.com)

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“Era capaz de fazer o mesmo nuns cinco minutos”, diznos Olívia no livro de Ian Falconer. Numa proposta simples, agitada e à luz da perspetiva da criança, Olívia mostra-nos como é possível viver a arte de uma forma despida de conceitos e de complexidade. Com este mote, a arte torna-se um meio de reflexão, valorizado e baseado nas práticas de cada um. De acordo com o Priberam (dicionário on-line) a palavra “arte” demonstra uma descendência do latim - ars, maneira de ser Ao longo dos tempos o domínio de arte vai sendo alargado, onde se vão encontrando as mais variadas artes, sendo dadas a conhecer às diferentes civilizações que as foram atravessando. Atualmente, e descobrindo a educação a arte como uma forma de alcançar objetivos, questiona-se a forma de ação e a definição de conceitos: arte na educação ou educação na arte? Herbert Read, refere estes dois conceitos, numa perspetiva de confrontar ideias e opiniões, alertando

para o primeiro como uma mudança no que toca às práticas e à formação de professores, ou seja, a inclusão do saber científico e outros nas diferentes áreas e no caso da Educação na arte, vive-se um crescimento à luz da arte, onde se valorizam e desenvolvem os processos criativos, cognitivos e emocionais de cada individuo; uma vivência em que se pretende proporcionar oportunidades que valorizem a ação baseada na opinião, no conhecimento do mundo que os rodeia e no desenvolvimento da criatividade. Numa perspetiva de grupo e de comunidade, fará sentido a adequação das práticas de acordo com o interesse e real necessidade das crianças, revelando a capacidade do adulto conhecer de forma coerente o que pretende com a sua prática e o porquê do que faz. Explorando o conceito de arte no jardimde-infância, as ferramentas disponíveis – OCEPE – olham para esta, como forma de “diversificar as situações e experiências de aprendizagem, de modo a que a criança vá dominando e utilizando o seu corpo e contactando com diferentes materiais que poderá explorar, manipular e transformar de forma a tomar consciência de si próprio na relação com os objetos.” (M.E., 2002, p.57). Assim, tudo se resume às possibilidades proporcionadas de aquisição de conhecimento através de diferentes materiais. No entanto, os conceitos mais consistentes e que proporcionam um conhecimento mais

vasto da arte tornam-se inexistentes. Ainda nas OCEPE, surge a necessidade de começar a olhar a pintura, a escultura,… de forma a ampliar “o seu conhecimento do mundo e desenvolvendo o sentido estético (M.E., 2002, p. 65)”. A brochura “Artes no Jardim de Infância” seguindo um pouco a linha das OCEPE, no sentido da aproximação à cultura, vem agora alargar um pouco este conhecimento, valorizando a “promoção da aproximação a marcos da cultura artística portuguesa e universal” (M.E. 2010, p.9). Apesar de incentivar à busca e procura de conhecimento das mais variadas artes, são apresentadas apenas duas expressões: musical e plástica. Mas sabendo a existência de outras formas de arte, tornar-se-á este elemento um meio redutor de exploração artística? A inclusão na brochura dos termos relativos ao processo criativo permite que a atitude do adulto seja de apoio ao crescimento artístico das crianças, comparativamente à “colocação de andaimes” (Teresa Vasconcelos – conceito scaffolding, baseado na teoria de Vigotsky) ao longo da construção do conhecimento das crianças. Apreciação, execução e criação, três ações simples que valorizam o processo e definem um caminho a seguir no sentido de levar as crianças a viverem a sua forma de arte e não serem simples reprodutores do interesse designado pelo adulto. Ken Robinson (O Elemento, 2010) afirma que “todas as crianças nascem artistas, o difícil é mantê-las artistas até chegarem


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a adultas.” Nestas crescentes provocações, os mais pequenos ensinam-nos a ver a arte como um processo simples de compreensão acerca do que os rodeia. “É pintar com o coração” diz-nos G. (5 a.) e ainda completa, a L.(5a) “É a pintar a imaginação”. No livro “O principezinho” somos remetidos para a forma de falar e agir perante o confronto com as criações das crianças: “...peguei num lápis de cor e fiz o meu primeiro desenho. O meu desenho número 1. Ficou assim. Fui mostrar a minha obra-prima às pessoas crescidas. Perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo. As pessoas crescidas: «Porque é que um chapéu havia de meter medo?» O meu desenho não era um chapéu. (…) As pessoas crescidas disseram que era preferível eu deixar-me de jiboias abertas e jiboias fechadas e dedicar-me à geografia, à história, à matemática e à gramática. E assim abandonei, aos seis anos de idade, uma magnífica carreira de pintor.” (Antoine Saint Exupery, “O Principezinho”, p. 9) Sabendo que as crianças são o elemento influenciado por diferentes intervenientes, coloca-se a questão: qual o papel do educador e dos pais? De acordo com Ken Robinson (idem), contrabalançando o papel destes elementos intervenientes do processo educativo, começa por referir, em “O Elemento”, que o educador deverá criar ambientes onde cada um se sinta inspirado a crescer criativamente,

valorizando a descoberta de talentos das crianças. Este ambiente torna-se sujeito a uma avaliação das estratégias e ideias promovendo a eficácia dos planos definidos. O acompanhamento que é dado permite que as crianças superem o erro, e neste sentido, “se não estivermos preparados para errar, nunca faremos nada de original” (ibidem, p.79). Assim, “uma educação excelente depende de um ensino excelente!” (ibidem, p.79). A construção da aprendizagem valoriza-se na “colocação de andaimes” em torno da criança, no sentido de a comparar a um edifício em construção, em que o apoio dado e prontidão na formação e estimulação das crianças, valoriza o interesse das mesmas, levando a existir uma adaptação às necessidades existentes, ocorrendo uma intervenção de acordo com as aprendizagens necessárias ao processo de construção conceito de scaffolding.

“Aqui ao lado têm o melhor retrato que consegui fazer dele, passado algum tempo. O desenho, claro, é bem menos encantador do que o modelo. Mas não tenho a culpa: as pessoas crescidas obrigaram-me a desistir aos seis anos da carreira de pintor…“ (Antoine Saint Exupery, p. 12)

Relativamente ao papel dos pais, Ken Robinson, confronta a preocupação dos mesmos e a vontade de ajudar os seus filhos com os afastar “dos seus verdadeiros talentos, partindo do

princípio de que os filhos têm de seguir caminhos convencionais para serem bem sucedidos” (p. 12). Neste sentido, surge a subestimação das capacidades das crianças e a atribuição de exames padronizados, que tomam as crianças como indivíduos iguais e sem qualquer poder de decisão relativamente ao conhecimento que pretendem adquirir, ou o papel que querem assumir na construção do seu conhecimento. Tornando-se ainda mais ousado, reforça que, “cortamos apoios financeiros ao que consideramos serem programas «não essenciais» e depois perguntamo-nos por que razão os nossos filhos não têm nem imaginação, nem inspiração. O nosso sistema educativo seca-lhes sistematicamente a criatividade” (p. 28). A aprendizagem em par que promove uma interação torna-se um meio de compensação quer para as crianças, quer para os educadores, no sentido de que as crianças transmitem o seu ponto de vista simples e direto. Olham para a arte sem filtros, sem preconceitos e sem influências sociais, que os poderia tornar uns simples reprodutores de opinião generalizada. As crianças aceitam-na, compreendem-na; adoram-na. Ken Robinson reforça que “todas as crianças iniciam o seu percurso escolar com uma imaginação brilhante, uma mente fértil e

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Creche – Uma Organização Social Iolanda Pereira (educadoraiola2003@gmail.com)

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vontade de arriscar”, mas somos nós que moldamos este espírito inato na criança ao que a sociedade pretende que seja atendido. Antoine Saint Exupery toca-nos e provoca-nos “… todas as pessoas crescidas já foram crianças. Há é poucas que se lembrem”. Será coerente defendermos que o objetivo da educação é que as crianças se tornem num “ser livre autónomo e solidário” (M.E., 2002), se agimos de forma contrária? Elas dizem, “era capaz de fazer o mesmo nuns cinco minutos”… E nós, aventuramo-nos a fazer o mesmo nuns cinco minutos num trabalho de parceria e de crescimento mútuo? 

(ilustrações de Ian Falconer “Olívia”) Referências Bibliográficas Duffy, B.. (2004). Encorajando o desenvolvimento da Criatividade (Coord.) Manual de desenvolvimento curricular para a educação de infância (pp. 130 - 142, Trad. P. Almeida). Lisboa: Texto Editora (original em inglês, 1998). Falconer, I. (2000). Olivia. Noticias Editorial: Lisboa (original em Nova Iorque) Godinho, J & Brito, M. (2010, As artes no jardim de Infância. Ministério da Educação Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular. Lisboa. Ministério da Educação (2002), Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Departamento da Educação Básica, Núcleo de Educação Pré-Escolar, Lisboa; Robinson, K. & Aronica, L., (2010). O Elemento. Porto editora: Porto. Vasconcelos, T. (s/d). Encontrar formas de ajuda necessária: o conceito de scaffolding (pôr, colocar andaimes): implicações para a intervenção em educação pré-escolar. Trabalho preparado como lição referente a provas para Professora Coordenadora do Instituto Politécnico de Lisboa (documento não publicado).

A creche é por alguns considerada como o parente pobre da educação de infância, em que o educador de infância é visto como um mero cuidador. Esta foi uma conceção também por mim partilhada. Perante a oferta de assumir a coordenação de uma creche, com a maior das sinceridades, a primeira reação foi de resignação e esperar que rapidamente surgisse a oportunidade de ir para um jardim-de-infância. Aos poucos, fui-me dando conta da proximidade, das descobertas, das surpresas quase diárias, da catapulta de competências adquiridas… enfim todo um mundo a explorar por mim adulto. Mas o facto de nunca ter estado a trabalhar neste nível trouxe-me muitos desafios. Que áreas abordar? Que currículo usar? Que postura tomar perante as famílias e até, imaginem só, perante os próprios colegas? Ok! Como não sou pessoa de desistir e muito menos de me acomodar… iniciei um caminho de leituras, reflexões conjuntas, questionamentos. Um caminho com avanços e recuos mas sempre com um objetivo presente – SER UM PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA! Uma das primeiras coisas que se alterou foi o meu olhar. Comecei a olhar para as crianças mais pequenas como seres capazes. Claro que isto levou-me a refletir nas oportunidades dadas, ou não, no espaço de autonomia que tinha que ser criado por mim e explorado por eles. Refletir os e nos contextos obrigou-me a experimentar, a alterar, a pôr e a tirar. Uma coisa era certa, tinham que ser obrigatoriamente desafiantes, promotores de vivências individuais e de grupo, com regras bem definidas e do conhecimento de todos. Em relação às áreas, defendo quatro: a exploração dos sentidos, desenvolvimento da linguagem/comunicação, expressão motora e a área da formação pessoal e social, tudo isto através de experiências-chave tendo como pano de fundo as relações e o envolvimento, ou seja o afeto. Passei a encarar a creche como uma organização social, um espaço recheado de situações de conflito, de partilha, de disputa e afetos (ou seja uma espaço de vida), em que o adulto era “apenas e só”, mais um. No que concerne o currículo foi, e ainda se mantém, o maior desafio. Que currículo para creche?  Um currículo que forneça as bases para o processo de desenvolvimento humano, desenvolvendo competências para toda a vida e não para a preparação para o pré-escolar;  Um currículo que tenha a família como primeiro ponto de referência;  Um currículo que seja integral, que sinta a criança como um todo;  Um currículo que incremente competências, capacidades e valores;  Um currículo que respeite o processo de maturação cerebral;  Um currículo que seja inclusivo;  E principalmente um currículo que una a investigação com a contínua formação dos educadores e consequente transformação das práticas pedagógicas. Ah! Já me esquecia e tudo isto a BRINCAR!


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A avaliação de processos Ofélia Libório (liborioofelia@gmail.com)

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avaliação das crianças faz parte da prática pedagógica dos educadores de infância. Nenhum negará a sua importância. Porquê? Serão as justificações inequívocas e todas aceitáveis? Esgrimem-se argumentos a favor e contra da avaliação como prática reguladora do desempenho das crianças, convoca-se para a discussão a necessidade de compreender o que fazemos pelo desenvolvimento das crianças e o que ainda nos falta fazer, ou contrapõe-se a necessidade de construir imagens que nos ajudem a criar retratos dessas mesmas crianças, em diferentes momentos e em diferentes perspetivas. São argumentos que evidenciam a necessidade dos adultos em demonstrar que as crianças se desenvolvem e aprendem nos contextos educativos que estruturam para elas. Mesmo quando nos empenhamos em dar um sentido ao processo, partindo das vozes das crianças, somos apanhados com facilidade na teia de uma lógica avaliativa com que nos construímos enquanto alunos e, posteriormente, enquanto educadores. Em período de avaliações, a Leonor perguntou-me porque vinham os pais ao jardim-de-infância, sem os meninos, nesse dia à noite. Respondi que vinham falar da avaliação e percebi de imediato a falta de sentido no que acabava de dizer. A Leonor olhava para mim com estranheza e ar inquiridor. Apressei-me a explicar que os educadores falam com os pais sobre o que os meninos fazem e aprendem, mas atrapalhei-me nas palavras, porque me senti presa “naquela teia”. A Leonor olhou para o quadro onde registamos a avaliação do que aconteceu durante o dia e depois para mim, inquiridora. Sorri, dei-lhe um beijo e ela foi brincar... Mas sossegou-me também a ideia de poder falar com os pais sobre a minha observação do processo de desenvolvimento e aprendizagem, a partir das escalas de implicação e bem-estar emocional, que Laevers publicou na Bélgica há várias décadas (Laevers, 1994). Ou seja, evidenciando o processo numa perspetiva bottom up (a partir do “sentir” das crianças). Afinal, aquilo era um assunto nosso, de adultos, era um registo meu do sentir das crianças naquele contexto, enquanto pessoas e aprendentes, uma interpretação sobre o significado experiencial do estar ali, a viver aquelas experiências!

Os níveis de bem-estar emocional e implicação das crianças aumentaram no último período, uma boa notícia a dar às famílias, o que significa que o contexto respondeu às necessidades e interesses das crianças. De todas as crianças? Não! Algumas apresentam níveis mais baixos, é necessário continuar a “escutar”, para que as crianças me indiquem um caminho a seguir. Na esteira de autores que defendem os pressupostos da aprendizagem experiencial, aceito o princípio de que as crianças sabem escolher o que necessitam para o seu desenvolvimento, num determinado contexto cultural, quando são feitas as ofertas adequadas. Mas ainda não consegui o encontro “perfeito” entre a

“À noite, quando vi a mãe da Leonor a folhear o portefólio da filha, senti a falta da autora. Aflorou na minha mente o pensamento de que ao fazer “como os outros” me deixei enredar pela visão reguladora” oferta de atividades e as características de algumas crianças. Será que alguma vez conseguirei? Terei de continuar a observar, a escutar, a avaliar para continuar a tentar. Só assim faz sentido! Foi de histórias e formas de registo de evidências, tendo por base os conceitos supracitados, que falámos na MicroComunidade “Avaliação de processos”. Falámos do Afonso que chora de manhã e do filme revelador do seu bem-estar emocional enviado à família. Observámos, também em filme, a alta implicação do Duarte a brincar com sapos de plástico, numa atividade espontânea, solitária e nada estruturada. Na mente dos presentes afloraram as histórias e os exemplos. Alguém disse que foi interessante perceber numa prática princípios teóricos importantes. Acho que ficou muito por dizer e refletir sobre avaliação e sobre os princípios que a devem mover em Educação de Infância. Aliás, considero que falta fazer uma reflexão profunda e alargada entre os educadores sobre este assunto, o da avaliação.  Referências Bibliográficas LAEVERS, F. (1994). The Innovative Project Experiential Education. 1976-1994. Leuven; Centre for Experiential Education/Research Centre for Early Childhood and Primary Education.

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Modos de fazer Pedagogia – a Abordagem de Projeto Maria Jesus Sousa e Maria da Graça Rocha

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A Pedagogia é um conceito multifacetado, sendo que, para nos apropriarmos da sua real amplitude, necessitamos refleti-lo e debatê-lo, construindo-o e reconstruindo-o em companhia, indo buscar os alicerces à investigação científica. Porque, afinal, como referiu Bernardo de Chartres, “somos como anões aos ombros de gigantes, pois podemos ver mais coisas do que eles e mais distantes, não devido à acuidade da nossa vista ou à altura do nosso corpo, mas porque somos mantidos e elevados pela estatura de gigantes”. Foi o que se pretendeu concretizar na realização desta microcomunidade, primeiro através de uma discussão livre e participada e mais tarde, em concordância com a definição de Vasconcelos, que afirma a Pedagogia como “todo o domínio relacionado com a nossa responsabilidade social pelas crianças, pelo seu bem-estar, aprendizagem e competência, o que envolve: uma teoria, uma prática diária, a formulação de políticas, e a formação de educação de profissionais (não apenas professores). Trata-se da educação da pessoa na sua totalidade: corpo, mente, sentimento, espírito, criatividade e, de forma crucial, a relação do indivíduo com os outros” (2009:40). O passo seguinte foi a abordagem aos modos de fazer pedagógicos, procurando clarificar as diferenças entre uma metodologia transmissiva e uma metodologia participativa, com referência às suas principais caraterísticas: objetivos, conteúdos,

métodos, materiais, processo e etapas de aprendizagem, avaliação, motivação, atividade da criança, papel do docente, tipos de interação e de agrupamento, tendo como ponto de partida um quadro comparativo, da autoria de OliveiraFormosinho (2007:16-17). A proposta era aprofundar as principais diferenças, ajudando os profissionais presentes a refletirem as suas práticas e a situarem-se nos diversos aspetos em presença, bem como alertar para os riscos de uma escolarização precoce, procurando destacar o papel ativo da criança como condição primordial para o seu desenvolvimento e bem-estar. De seguida fez-se a ponte para a Abordagem de Projeto, como uma das formas de praticar a pedagogia participativa, aquela que dá voz e agência à criança. A dinâmica de projeto foi apresentada usando a voz de diversos autores de referência, como Oliveira-Formosinho, Vasconcelos, Vigotsky, Malaguzzi, Katz, Edwards, Lino, Ferreira de Andrade e Rinaldi, bem como com recurso ao documento (na altura ainda em discussão pública) que deu origem às novas Orientações Curriculares para a Educação Préescolar. Abordaram-se ainda as diversas etapas identificadas com a metodologia de trabalho de projeto, com base num possível Guião de um Projeto, inspirado em Katz. Na segunda parte da sessão houve partilha de práticas, sendo apresentados dois projetos realizados em contexto de jardim-

de-infância da rede pública, um de cada uma das animadoras. Na discussão aberta que se seguiu, foram partilhadas oralmente, de forma necessariamente breve, outras experiências de projetos desenvolvidos por educadores participantes. Concluiu-se que a curiosidade da criança pode ser integrada em processos intencionais de exploração e de compreensão da realidade, mediante o desenvolvimento de projetos, que englobam diferentes áreas de desenvolvimento e aprendizagem e mobilizam diversas formas de saber, mas que há múltiplas resistências e inseguranças, por parte de alguns profissionais, que levam a que estes não arrisquem sair da sua zona de conforto. Em síntese, concordou-se com as palavras de Oliveira-Formosinho, quando refere que a Metodologia de Trabalho de Projeto é uma forma de pedagogia-em-participação, “uma pedagogia transformativa, que credita a criança com direitos, compreende a sua competência, escuta a sua voz, para transformar a ação pedagógica numa atividade compartilhada” (2007:14) e que seria desejável que mais profissionais de educação aderissem a esta opção metodológica, no respeito pelo bemestar e pelo direito à participação das crianças no seu processo de desenvolvimento. 

Pedagogia: “todo o domínio relacionado com a nossa responsabilidade social pelas crianças, pelo seu bem-estar, aprendizagem e competência, o que envolve: uma teoria, uma prática diária, a formulação de políticas, e a formação de educação de profissionais (…)

Referências Bibliográficas: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morshida; PINAZZA, Mônica Appezzato. (orgs.) (2007). Pedagogias da Infância – Dialogando com o passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed. VASCONCELOS, Teresa (2009). A Educação de Infância no cruzamento de fronteiras. Lisboa: Leya, SA.


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ENVOLVE-TE Porque acreditamos que A Educação de Infância representa na vida de cada criança, nas sociedades industrializadas, a oportunidade para viver a infância, através de experiências culturais e sociais adequadas às suas características desenvolvimentais e onde o brincar surge como eixo central e principal da sua ação. A Educação de Infância consubstancia-se como um tempo e um espaço de descoberta de si e dos outros, um tempo de exploração do mundo, de desenvolvimento de linguagens e 25 de realização de aprendizagens essenciais em todas as áreas de desenvolvimento da pessoa humana. A Educação de Infância é um “lugar” para o exercício da cidadania pelas crianças e, simultaneamente, para a preparação dos cidadãos do futuro. Temos por base um conjunto mais alargado de visões e reflexões sobre a prática, o conceito e os princípios gerais que unam todos os profissionais.

www.facebook.com/envolv.te

Refletir EdInf revista on-line sobre reflexões e práticas em educação de infância

Nº 0 julho – agosto – setembro

2016 Coordenador: Fábio Gonçalves Equipa Redatorial: Henrique Santos, Iolanda Pereira, Ofélia Libório, Rosa Maria Alves, Tina Azinheiro. Colaboradores neste número: Fábio Gonçalves, Henrique Santos, Iolanda Pereira, Maria de Jesus Sousa, Maria da Graça Rocha, Mena Valério, Milena Branco, Ofélia Libório, Rosa Maria Alves, Rui Inácio, Tina Azinheiro. Contactos: ENVOLVE-TE www.facebook.com/envolv.te micro.comunidades.aprendizagem@gmail.com


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