Revista Refletir EdInf nº 01

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Nº1

janeiro-fevereiro-março

2017

revista on-line sobre reflexões e práticas em educação de infância


Refletir EdInf, nº 1, janeiro – fevereiro - março 2017

Índice Editorial Ofélia Libório

Planear com… Iolanda Pereira

A observação e escuta da(s) criança(s).

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Um encantador caminho de descobertas, aprendizagens e conquistas.

5 As múltiplas fontes de evidências para olhar e documentar o processo de aprendizagem da criança. Rosa Maria Alves 8 O currículo em Educação de Infância Nuno M. Pires Gonçalves

Considerações em torno das OCEPE Maria Jesus Sousa

Plataformas tecnológicas: Mind the gap!!

Porque cooperação pedagógica com alta tecnologia requer alto cuidado Henrique Santos e Vera Terreiro Ribeiro

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Reflexão-Ação Colaborativa Comunicação entre Educadores

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Mónica Rôlo

Porque fazes isso que fazes? Vera Ribeiro e Maria Tomaz

As potencialidades Educativas do Espaço Exterior Cristina Castro

Brincar como forma de desenvolvimento holístico Diana Mendes Crespo

Desenvolvimento e Aprendizagem Eugénia Gonçalves Refletir EdInf, nº 1, janeiro – fevereiro - março 2017

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EDITORIAL Ofélia Libório

3 A publicação de uma nova versão das Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar foi o mote para a realização de MicroComunidades de Aprendizagem em vários locais do país. Foram realizadas 16 sessões que envolveram mais de 1000 profissionais e estão já agendadas outras sessões a iniciar em janeiro. Estes encontros surgiram da necessidade sentida por elementos do Envolve-te de refletir sobre as implicações das novas OCEPE, mas também do repto lançado por muitos profissionais, que na altura ainda não se encontravam ligados ao movimento, de encontrar espaços para esclarecimento sobre o documento. À semelhança das MicroComunidades já realizadas anteriormente, as sessões seguiram uma metodologia de partilha de ideias entre profissionais. Ou seja, partindo da apresentação das OCEPE, por um ou mais dinamizadores do Envolve-te, trocaram-se ideias e debateram-se os assuntos mais sensíveis para os presentes em cada sessão. Desta forma, concretizou-se uma leitura acompanhada do documento que levou ao esclarecimento de dúvidas e certamente contribuiu também para a orientação no processo de leitura e pesquisa autónomas de cada profissional. Da análise e avaliação das diferentes sessões, percebemos que houve questões que se repetiram em todas elas, o que permite inferir que essas mesmas questões poderão eventualmente exigir, no presente e num futuro próximo, maior investimento de pesquisa e reflexão por parte dos profissionais de Educação de Infância. São também, em grande parte, as mesmas questões que desafiaram os elementos do Envolve-te a refletir, na forma escrita, sobre a sua prática à luz das novas OCEPE. São essas reflexões que constituem o conteúdo da revista que agora se torna publica. Os autores dos artigos partiram de ideias que consideraram desafiadoras, presentes nas novas OCEPE, para colocar em palavras escritas o que pensam a propósito, espreitando com estas ideias para a sua própria prática, sem pretensões de esgotar os assuntos ou fazer uma revisão de textos científicos a propósito. Em cada artigo “vivem” um ou mais educadores, com as suas identidades profissionais, construídas através do seu percurso pessoal e profissional. Consequentemente, os artigos diferem também entre si em estilo e aprofundamento da temática versada. Mas todos os autores trazem para este espaço o desejo de participar no processo coletivo de construção de uma identidade profissional comum, pautada pelo princípio da reflexão partilhada, enquanto base metodológica do processo construtivo.


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Planear com… Iolanda Pereira educadoraiola2003@gmail.com

“Planear não é, assim, prever um conjunto de propostas a cumprir exatamente, mas estar preparado para acolher as sugestões das crianças e integrar situações imprevistas que possam ser potenciadoras de aprendizagem.”

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Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (ME/DEB, 2016, p.18)

Planear tendo como suporte as OCEPE exige uma abertura, uma flexibilidade que muitas vezes não temos. Por receio, por dúvidas, seja qual for a razão encontrada, o certo é que planeamos quase sempre sobre o nosso ponto de vista, partindo dos nossos interesses, sem pensar na criança agente, ativa no SEU processo de desenvolvimento e aprendizagem. Se tivermos sempre presentes os princípios educativos, rapidamente entramos em contradição com as nossas práticas comuns. E quando me refiro a comuns, quero mesmo tocar na ferida. Comuns porque as encontramos a nível local e nacional. Comuns com as dos colegas do lado, comuns com as práticas esteticamente atraentes. É impossível existirem planificações iguais, mesmo que seja a do colega do lado! Planear “com” e não “para” é o grande desafio do profissional reflexivo e disposto a desmanchar anos de savoir faire. Temos que ter sempre presente na nossa prática, os objetivos. Sabemos onde queremos chegar, que competências temos que promover. Agora a forma como lá chegaremos, essa tem de ser partilhada, delineada em conjunto com o grupo de crianças. Planear não obriga a planos rígidos, fechados. O educador de infância tem, obrigatoriamente, de ter competências para lidar com o imprevisto. Dar espaço à criança, à família, ao exterior.

Tudo nos chega diariamente pela porta da sala: interesses, anseios e descobertas. Planear no momento, aqui e agora, valorizando o emergente, significa estarmos atentos, sermos espontaneamente observadores exímios e reflexivos. Aproveitar as oportunidades (milhares por dia) e recheá-las de intencionalidade educativa/pedagógica. As crianças dão-nos tanto! Por vezes, o difícil é sermos suficientemente humildes para valorizarmos o que elas propõem, deixando de lado as nossas propostas que tanto trabalho nos deram a planear. Frequentemente dou comigo a pensar que seria muito mais enriquecedor “ler” o que elas aprendem, a partir da observação do brincar. Porém, admito que a planificação é importante, mas a planificação a longo prazo. Planear considerando as competências emergentes a promover, os contextos e as estratégias que levam ao desenvolvimento. Se defendemos, porque acreditamos, que a criança é a construtora do seu desenvolvimento, porque planeamos sem ela? Se defendemos, porque acreditamos, na importância de dar resposta a todas as crianças, será que o fazemos quando planificamos a mesma atividade para todas as crianças, independentemente das suas capacidades e interesses?

Sala de creche. Grupo 1-3 anos

Planificação emergente Estava tudo combinado, os pais participaram com algo para o nosso piquenique, mas o tempo atraiçoou-nos e chegou o vento. Nem conseguíamos estender a toalha na relva. Depois da sesta juntei-os e expliquei-lhes a situação, pedindo-lhes ajuda na procura de uma solução. Na verdade para as crianças a vida é mesmo fácil (muito temos que aprender) – “Faz-se cá dentro Iola!” POR QUE NÃO? DEIXEMO-LOS BRINCAR, DEPOIS EU DOCUMENTO OS SEUS SABERES! 


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A observação e escuta da(s) criança(s).

Um encantador caminho de descobertas, aprendizagens e conquistas. Nuno M. Pires Gonçalves nunopiresed@gmail.com

“É a partir dessa observação, e da escuta das opiniões e sugestões das crianças (…) que a organização do ambiente educativo vai sendo melhorada e ajustada…” (Silva, 2016, p.17)

A criança é vista, cada vez mais, como um ser autónomo, sujeito e participante ativo no seu processo de ensino-aprendizagem, competente, ativo na construção do

conhecimento, com voz própria, com iniciativa, cooperativo, crítico, criativo, investigador e interventivo nas tomadas de decisão. A relevância dada aos direitos e à voz das crianças constitui uma das principais mudanças ocorridas na educação em geral e na educação de infância em particular. Vamos iniciar os passos da aventura… Quando observava a Beatriz, com 3 anos de idade, com a sua mania saudável que caracteriza as crianças (independentemente

da faixa etária) de inventar, recriar e imaginar, reforcei a ideia do quão importante é observar e escutar a criança e o quão necessário é construir formas colaborativas de pensar o quotidiano das salas de atividades, de maneira a reconhecer à criança a sua agência. A Beatriz perseguia os seus objetivos na brincadeira e partilhava os seus desejos e os seus saberes… A observação e a escuta ajudam-me a ficar mais desperto para os interesses das crianças e a centrar-me nos processos de construção de significado. A Beatriz brincava com o Miguel e a Carolina na área da casinha. Este grupo de crianças representava uma família: o pai, a mãe e a filha. - Eu sou a mãe, faz de conta que esta panela é verdadeira como a da minha mãe e este prato é a frigideira e tem lá arroz para a filha comer…- disse a Beatriz. Sentei-me junto à mesa para conversar com as crianças. Falámos dos materiais da área da casinha e a Beatriz disse: - Eu vou trazer as panelas da minha mãe para os meninos brincarem… - É mesmo boa ideia, mas depois temos de as lavar… acrescentou o Miguel - Sabes Nuno, a minha mãe também tem na cozinha um quadro muito grande do Nadir Afonso que ficava muito bem na nossa cozinha…

Respondi que seria uma boa ideia pedir ajuda aos pais mas que poderíamos pensar em ir ao mercado comprar… - Eu acho que é boa ideia… e também compramos o quadro igual ao da casa da Beatriz?- perguntou o João - É muito grande e temos que ter muito dinheiro, tem um vidro e podemos partir, mas eu sei fazer…” – respondeu a Beatriz prontamente. A organização do espaço resulta de uma ação coletiva. É importante percebermos o que as crianças pensam sobre os espaços e materiais. Os projetos emergem da escuta como um mundo de possibilidades, abertos e flexíveis. O interesse da Beatriz contagiou o grupo e durante toda a semana enriquecemos o espaço com alguns materiais que em conjunto considerámos que poderiam fazer parte das suas brincadeiras. Durante o enriquecimento da área o Miguel observou: - A minha cozinha tem muitos livros da minha mãe… e têm lá dentro bolos e comidas. Pensar os espaços do Jardim de Infância a partir do que as crianças nos indicam revoluciona, mexe e remexe, desafia-nos com emoções, visões, que insistentemente nos convidam a deixar-nos seduzir pela magia da fluidez, onde o sonho e a fantasia são possíveis. O espaço ganha outra extensão e recriam-se novas situações de aprendizagem. Os novos materiais permitem tanto situações do quotidiano, como do imaginário, ampliando as experiências de aprendizagem.

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É também através destes momentos, onde ocorrem as brincadeiras das crianças, que desafiamos a forma de conceber a planificação. A Beatriz continuou a expressar a vontade de replicar o quadro de Nadir Afonso que tem em casa. Como na sala a colaboração dos pais é uma constante, na nossa mala das surpresas apareceu um quadro verdadeiro de Nadir Afonso, vindo da casa da Beatriz. - Quero fazer um desenho igual ao quadro do Nadir. Vou fazer as meninas com marcadores e lápis de cor e depois à volta pinto com tinta azul…” – afirmou a Beatriz no momento da planificação. Terminada a planificação, a Beatriz dirigiu-se para a área de expressão plástica, pegou numa folha, lápis de cor e marcador e começou a desenhar. Enquanto desenhava foi olhando para o quadro de Nadir, tentando reproduzi-lo. O Miguel aproximou-se: - O que estás a fazer? - É o meu desenho do quadro do Nadir. – Respondeu a Beatriz. Feita a primeira figura humana, a Beatriz levantouse e conta o número de figuras no quadro de Nadir: -1, 2, 3, 4. Acho que me enganei! Olha-me fixamente e pergunta: - Achas que são 4 meninas?”

Respondo-lhe que não tenho a certeza. A Beatriz reconta até 5, senta-se e continua a desenhar. Realizado o primeiro esboço do quadro vai buscar copos com tinta azul e coloca-os em cima da mesa, dirige-se ao cavalete e pega em dois pincéis, um grosso e um fino. O Miguel ajuda-a na escolha dos pinceis. A Beatriz senta-se e começa a pintar à volta do desenho enquanto comenta: - Vou fazer o quadro à volta. Acabado o trabalho a Beatriz mostra-o, a mim e a um pequeno grupo ali próximo e acrescenta: - Agora tem que secar. Estas são as havaianas na praia, porque têm «biquínis». Os níveis elevados de envolvimento da Beatriz e o seu bem-estar emocional, em todo o processo, indicam a certeza de que o contexto responde às suas necessidades e interesses. A criança experimenta sensações, partilha sentimentos, ideias, opiniões, coopera e partilha com o outro e dispara o seu desenvolvimento. “A avaliação da organização do ambiente educativo permite ao/à educador/a refletir sobre as suas potencialidades educativas, a partir do que observa: exploração e utilização dos espaços e materiais; interações e relações entre crianças e entre crianças e adultos; distribuição e utilização do tempo.” (Silva, 2016, p. 17) Neste acompanhamento e observação das atividades da Beatriz verifico a importância da

escuta, enquanto ponto de partida para uma prática mais democrática. O brilhozinho nos olhos da Beatriz é estendido ao grupo e nesse momento tudo faz sentido. Estes são momentos excelentes onde a observação sensível acontece e me torno um elemento do grupo. A comunicação surge. Sensivelmente escutamos, a vontade, o interesse, a necessidade da criança e do grupo e, como escribas, registamos. Resguardo-me para observar e documentar. A Matilde observa-me e diz: - Estás a escrever que queremos ir àquelas pinturas do Nadir Afonso? - Referindo-se à exposição de Nadir Afonso na Biblioteca Municipal de que já tínhamos falado, intitulada “A emoção da geometria”. Planeámos em conjunto visitar a exposição patente na Biblioteca Municipal. A Matilde solicitou-me o “olhar” enquanto ser ativo que é, competente e com direitos. A sua escuta levou-nos a sair do Jardim de Infância para a comunidade. As crianças observaram os quadros, comentaram e mostraram o seu contentamento. De súbito, uma pergunta surge em voz alta, da Bárbara:


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- Ó Nuno o Nadir é pequenino? Ele também pinta riscos! Esta questão levou-nos a conhecer o pintor e os quadros, exploraram-se conhecimentos prévios, ideias, fizeram-se pesquisas. O entusiasmo das crianças levou-nos a querer construir um grande atelier na sala. O João sugere: - Podíamos fazer na nossa sala aquilo igual ao Nadir, onde ele pintava com muitas tintas e coisas para pintarmos e fazermos aqueles quadrados, círculos e desenhos e depois o Nadir vinha ver… Resguardo-me para documentar, recolher dados e interpretá-los, respeitar na prática os direitos das crianças. A sala foi-se alterando e recriaram-se novas situações de aprendizagem. Transformar o espaço pedagógico num lugar onde se experimentam interesses e múltiplos significados implica o compromisso de todos. Ao longo desta caminhada tentei o exercício de uma observação e escuta cuidadosa e intencional, que qualifica o meu/nosso trabalho educativo. Registei as observações e as falas das crianças, usando técnicas e instrumentos adequados às suas especificidades, através de entrevistas, notas escritas, fichas de observação em pares, num pequeno grupo, em grande grupo ou individualmente. Observei as interações, os

níveis de iniciativa, os níveis de envolvimento (Laevers, 2005). Recolhi e compreendi a perspetiva da criança, que também se expressa através do desenho, da expressão dramática e musical, nos diálogos, nas fotografias, nos vídeos e nos portefólios. Todo esse precioso material, quando partilhado com as crianças, ganha novo significado para redirecionarmos caminhadas e estratégias, renovar práticas, desafiando os nossos pensamentos e a nossa capacidade de reflexão, para desta forma melhorarmos e ajustarmos a organização do ambiente educativo. Basta estarmos atentos aos sinais que as crianças nos dão para que surjam oportunidades, onde elas nos enunciam e indicam os caminhos possíveis para a construção de um espaço que respeita os seus direitos. 

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Bibliografia Laevers, F.(2005).Well-being and Involvement in care. Bélgica: Kind en Gezin and Research Centre for Experiential Education, Leuven University. Silva, I.L. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral da Educação. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_I magens/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19. Oliveira-Formosinho, J. & Andrade, F. (2011). O espaço e o tempo na Pedagogia-em-Participação. Porto: Porto Editora.


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As múltiplas fontes de evidências para olhar e documentar o processo de aprendizagem da criança. Rosa Maria Alves rosamaria.alves@sapo.pt

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“Avaliação em educação de infância é tão importante como em qualquer outro nível do sistema educativo. É uma “peça fundamental no trabalho dos bons profissionais de educação”, desde que se afaste dessa “imagem convencional” e redutora em que “avaliar é dar notas, avaliar é examinar, é medir as crianças, avaliar é comparar e introduzir diferenças entre pequenos (…) ” Zabalza (2000).

Olhando para as novas OCEPE, há uma frase na página 15, sobre avaliação que sintetiza tudo o que venho fazendo já há alguns anos na minha prática pedagógica: “Assim, considerase a avaliação como uma forma de conhecimento direcionada para a ação.”. A afirmação reporta-me para o quão é importante a recolha de informações, a tomada de decisão, o quão é importante documentar, registar para planear a avaliação, o que implica obviamente os instrumentos de registo. Mas, antes de explanar sobre a importância dos instrumentos de registo, é pertinente dissertar um pouco sobre a avaliação alternativa e ecológica em Educação de Infância. Começa a haver uma nova forma de olhar para a educação das crianças em idade de creche e pré-escolar, e ao mesmo tempo, de um novo modo de conceber o processo de avaliação, como elemento fundamental para a tomada de decisões e

para o aperfeiçoamento das práticas educativas. Nesta perspetiva de avaliação, inspirada nas teorias sócio construtivistas, realçam-se os conhecimentos prévios das crianças, bem como os contextos onde estas se inserem (familiares, sociais, profissionais, comunitários). É uma avaliação feita através de uma observação pluralista, pois não avalia as crianças, mas as aprendizagens das crianças no contexto educacional, o que requer que, simultaneamente, se avalie as crianças e os contextos. Pressupõe ainda a importância da criança ter adquirido conhecimentos prévios, que são fundamentais para a construção de novos conhecimentos. Esta construção da aprendizagem não é feita isoladamente pela criança, mas sim em interação com os seus pares e educadores, já que estes têm um papel importantíssimo na construção do saber, tornando-se os educadores mediadores entre o saber e a criança. Por outro lado, o desenvolvimento do currículo na Educação de Infância, reveste-se de um caráter articulado e globalizante que se relaciona com a natureza do processo de aprendizagem, reconhecendo-se ao educador o protagonismo na construção e gestão. O currículo orienta o educador de forma mais objetiva para o desenvolvimento de um conjunto de saberes em ação. O educador é um observador privilegiado no contexto de jardim-de-infância. A sua reflexão é feita a partir dos efeitos e sobre os processos do que vai observando, o que lhe permite estabelecer a progressão das aprendizagens a desenvolver com cada criança e com o grupo. O educador tem como principal foco a aprendizagem das crianças, passando estas a desempenhar um papel ativo no processo de avaliação. É esta avaliação “como forma de conhecimento direcionada para a ação”, que leva a que o educador utilize técnicas e instrumentos de observação e registos diversificados, que


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permitem sistematizar a recolha de ocorrências e informação, que demonstram a aplicação dos saberes de cada criança e da evolução das suas aprendizagens e permitem ao educador ter elementos para reflexão e adequação da sua prática pedagógica. Na minha sala de atividades disponho de vários instrumentos de registo de avaliação, faço observações sistemáticas e seleciono evidências que documentam os progressos das aprendizagens. Em termos de observação/documentação, tendo por base a pedagogia da escuta e das relações, opto, para além da amostra de trabalhos, pela recolha de outros elementos, como por exemplo: fotografias, gravações áudio e vídeo, relatos narrativos, notas de observação, comentários das crianças e meus acerca dos seus trabalhos, entrevistas onde são colocadas as questões à criança para que descreva as suas realizações e assim revele o seu pensamento, listas de verificações feitas com as crianças e ocorrências significativas, que coloco no portefólio reflexivo de cada criança, oferecendo assim, uma possibilidade de organização de elementos e informações significativas que documentam o desenvolvimento e a aprendizagem de cada criança. Desta forma, se bem concetualizado e realizado, o portefólio é um apoio imprescindível neste processo complexo de avaliação para a ação. Utilizo ainda a autoavaliação, pois fornece estratégias de autorregulação da aprendizagem. Desta forma, a criança, ao avaliar conjuntamente com o educador, regula a sua própria aprendizagem. Considero que ela adquire novos conhecimentos e competências e vai revelando um aumento progressivo da capacidade reflexiva e de autoanálise, o que favorece os processos de metacognição, já que as crianças se envolvem com a “própria história pessoal de aprendizagem” (Parente, 2004, p. 61). Tenho ainda em conta a colaboração da família, que considero importantíssima, já que esta possui muitos elementos para compreender a criança. Há sempre uma história particular que deve ser conhecida e que ajuda a compreender o ser

único que é cada criança (Bassedas, Huguet & Solé, 1999). Em Educação de Infância avaliar é observar, registar, encontrar modos de documentar o trabalho que a criança faz e como faz, tendo como base a variedade de decisões educacionais que afetam a criança. De acordo com Perrenoud (1999), neste novo paradigma a avaliação é um processo que medeia a construção do currículo e se encontra intrinsecamente ligada à gestão das aprendizagens das crianças. Considero que as múltiplas fontes de evidências para olhar e documentar o processo de aprendizagem da criança são um importante mecanismo de regulação do processo educacional, beneficiando a aprendizagem da criança como ser individual e melhorando as práticas educativas dos profissionais da educação de infância. 

Referências: Alves, M. P., (2004). Currículo e Avaliação. Uma perspetiva integrada. Porto: Porto Editora. Bassedas, E., Huguet, T. & Solé, I. (1999). Aprender e Ensinar na Educação Infantil. A avaliação e a observação (pp. 171-242). Porto Alegre: Artmed Parente, C. (2004) – A construção de práticas alternativas na pedagogia de infância: sete jornadas de aprendizagem – Tese (doutoramento) Braga: Universidade do Minho Perrenoud, P. (1999). Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed Editora. Spodek, B. e Saracho, O. (1998). Ensinando Crianças de três a oito anos. A avaliação na educação para a primeira infância (pp. 187-207. Porto Alegre: Artmed. Schõn, D. (1987). Educating the reflective practitioner. Towards a new designfor teaching and learning in the professions. San Francisco: Jossey- Bass Publishers. Zabalza, M. (2000). Evaluación em Educación Infantil. Perspetivar Educação. Nº 6, (p.30-35).

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O currículo em Educação de Infância Considerações em torno das OCEPE Maria Jesus Sousa bloguefolio@gmail.com

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s Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE) “(...) não constituem um programa a cumprir, mas sim uma referência para construir e gerir o currículo, que deverá ser adaptado ao contexto social, às características das crianças e das famílias e à evolução das aprendizagens de cada criança e do grupo” (Silva, 2016, p.13). Uma análise a esta afirmação, presente na atual versão das OCEPE, publicadas através do Despacho n.º 9180/2016 Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19, passa necessariamente por um aprofundamento do conceito de currículo, nomeadamente no contexto da Educação de Infância. O termo currículo reporta-se, genericamente, ao conjunto de aprendizagens que devem ser realizadas e à forma como estas se organizam durante o percurso escolar. Maria do Céu Roldão entende que “aquilo que de facto, histórica e socialmente, constitui o currículo, é o reconhecimento de um conjunto de aprendizagens necessárias, necessárias para as pessoas e necessárias para a sociedade e que, porque são necessárias, é preciso garantir a todos.” (DEB, 2001, p.19). Poderemos considerar a existência de dois tipos de currículo:

- O currículo oficial, determinado ou temas transdisciplinares, ou o modelo oficialmente pela administração central baseado em situações e funções sociais do sistema educativo e que se manifesta (Ribeiro, 1992, pp.3-6) mas, no caso da através da publicação de leis, decretos, Educação Pré-escolar, é de maior despachos e mesmo dos próprios relevância o modelo centrado nos programas; educandos, que assenta no princípio de - O currículo real, aquele que é que as componentes do currículo devem efetivamente desenvolvido na prática. ser estabelecidas em função das No entanto, o currículo não pode, ou necessidades e interesses imediatos dos não deve, ser algo de imutável. Os educandos, que se desenvolvem e objetivos, os conteúdos, as experiências aprendem mediante a interação e o de aprendizagem, as estratégias de envolvimento ativo com o seu meio, o ensino, a avaliação e que está em os fatores da consonância com o Todos os educadores de organização escolar articulado nas OCEPE, infância são, por permitem diversas quando se refere que inerência, construtores e formas de “deverá ser adaptado gestores de um currículo estruturação e, por ao contexto social, às isso, os currículos características das que desenvolvem na sua devem ser alterados crianças e das famílias prática letiva com as quando adequado, e à evolução das crianças. para responder à aprendizagens de evolução de cada criança e do necessidades induzida pelas rápidas grupo.” (Silva, 2016, p.13). mudanças da sociedade atual. Ora construir e gerir um currículo exige Um modelo de organização curricular é um conhecimento aprofundado do meio uma forma de identificar os elementos e dos educandos, mas também do que são fundamentais e o modo como suporte legislativo que regulamenta a estes se relacionam, como se estruturam Educação Pré-escolar o que, no caso e como se aplicam na prática. Existem português, parte da Lei-Quadro da diversos modelos de organização Educação Pré-Escolar (Lei nº5/97, de 10 curricular, tal como o modelo centrado de Fevereiro). em disciplinas, em núcleos de problemas


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Aí se define ser incumbência do Estado crianças” (Circular n.º estabelecer “as orientações gerais a que 17/DSDC/DEPEB/2007). deve subordinar-se a educação préSendo um quadro de referência para escolar, nomeadamente nos seus todos os educadores, as OCEPE reúnem aspetos pedagógico e técnico, aquilo que está acordado oficialmente, competindo-lhe: (…) Definir objetivos e que é comum e oficial para todos, mas linhas de orientação que deve ser curricular” e se adequado a cada Vinculam a determina como contexto educativo, intencionalidade do princípio geral que “a através da processo educativo, que é educação pré-escolar é construção do o cerne da questão neste a primeira etapa da respetivo Projeto educação básica no Curricular de Grupo. nível de educação, pois processo de educação É essa permite atribuir sentido à ao longo da vida, intencionalidade ação. sendo complementar que carateriza a da ação educativa da intervenção família, com a qual deve estabelecer profissional do educador de infância, estreita relação, favorecendo a formação que demanda coerência e consistência e o desenvolvimento da criança, tendo nas suas conceções e valores: qual o seu em vista a sua plena inserção na papel profissional, que imagem de sociedade como ser autónomo, livre e criança e de educador defende, o que solidário.” valoriza naquilo que as crianças sabem e Deste princípio decorrem os objetivos da na maneira como estas aprendem. educação pré-escolar enunciados na Significa ter um propósito, uma referida lei, que enquadraram a finalidade, saber a razão do que faz e o organização das OCEPE, os quais “se que pretende alcançar com essa ação, é constituem como um conjunto de a sua forma de construir e gerir o princípios gerais de apoio ao educador currículo, que define a sua ação na tomada de decisões sobre a sua profissional e que implica “uma reflexão prática, isto é, na condução do processo sobre as finalidades e sentidos das suas educativo a desenvolver com as práticas pedagógicas e os modos como organiza a sua ação” (Silva, 2016, p.5).

As OCEPE destinam-se a apoiar a reflexão dos educadores sobre essa intencionalidade, não constituem um currículo fechado, hermético, que deva ser ensinado a todos de igual forma e ao mesmo tempo. 

Referências bibliográficas: Capucha, L. (2007). Gestão do Currículo na Educação Pré-escolar - Circular nº 17/DSDC/DEPEB/2007. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, Direções Regionais de Educação e Inspeção-Geral de Educação. Disponível em: http://www.ige.minedu.pt/upload/GTAA/Circular_1 7_DSDC_DEPEB_2007.pdf Departamento da Educação Básica (DEB). (2001). Gestão Curricular no 1º ciclo – Monodocência / Coadjuvação. Lisboa: Ministério da Educação. Disponível em:http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/docs/Gest ao_curr_%201ciclo.pdf Ministério da Educação (1997). Lei-quadro da Educação Pré-escolar - Lei nº5/97, de 10 de Fevereiro. Disponível em: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EInfanc ia/documentos/28282834.pdf Ribeiro, A. C. (1992). Teoria e Desenvolvimento Curricular - Modelos de Organização Curricular. Lisboa: Texto Editora. Disponível em: file:///D:/Users/Utilizador/Desktop/Modelos%20de %20organiza%C3%A7%C3%A3o%20curricular..pdf Silva, I. L. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral da Educação. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias _Imagens/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19

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Plataformas tecnológicas: Mind the gap!! Porque cooperação pedagógica com alta tecnologia requer alto cuidado Henrique Santos (henriquehsantos@gmail.com) e Vera Terreiro Ribeiro (verarib78@hotmail.com) em concorrência ou contradição com o que as crianças aprendem na “A Escola pode contribuir de um modo fundamental para a garantia do princípio de

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escola, porque “a criança é uma esponja que regista e absorve

democraticidade no acesso às tecnologias da informação e comunicação e pode

indiscriminadamente (visto

tirar partido da revolução profunda no mundo da comunicação operada pela

discriminação) tudo aquilo que vê” (idem).

digitalização da informação, pelo aparecimento do multimédia e pela difusão das

Posto isto, se sabemos que a tecnologia é, hoje em dia, central na

redes telemáticas” Atas do Encontro sobre A Sociedade da Informação na Escola, do Conselho Nacional

ainda não

ter a

capacidade de

construção de saber e de relacionamento entre as pessoas, tornase fundamental que a escola, com base na utilização de

de Educação (CNE, 1999, p.13).

metodologias

ativas

e

participativas

e

com

recurso

a

Vivemos uma era em que o “ter” se sobrepõe ao “ser” e muitas

instrumentos e estratégias tecnológicas no processo de ensino e

vezes o substitui… A forma como lidamos hoje com a tecnologia

aprendizagem, utilize e ensine a utilizar criticamente a

espelha bem esta premissa. As crianças com as quais trabalhamos

tecnologia como ferramenta transversal ao currículo e às

têm

aprendizagens.

vários

brinquedos

tecnológicos.

Computadores,

Tablet,

telemóveis fazem parte do seu “ter”. Farão parte do seu “ser”?

Para tal, partilhar experiências/recursos/saberes no seio da

Saberão as crianças ser utilizadores (cons)cientes? Qual pode ser o

comunidade educativa, estimular estratégias e práticas que

nosso papel enquanto educadores daqueles que estão ainda a

levem ao envolvimento dos alunos e das famílias em

descobrir que têm uma identidade digital?

trabalho prático com tecnologias, produzir, utilizar e

Não é de agora que sabemos que a tecnologia (nomeadamente o seu

avaliar recursos educativos potenciadores da construção

espaço comunicacional) oferece potencialidades imprescindíveis à

do conhecimento e interação pessoal e social são

educação e à formação, permitindo um enriquecimento contínuo dos

objetivos pedagógicos e educativos essenciais.

saberes.

A

Atualmente, qualquer criança que chegue à escola transporta

aprendizagem

consigo a imagem de um mundo – real ou fictício – que ultrapassa em

colaboração e as parcerias, inclui retroação e é

muito os limites da família e da sua comunidade.

reflexiva” (Carmean, C & Haefner, J. 2002;

A este propósito, “a verdade maior, e global, é que a criança cuja

Brandsford, J. D. 2000), torna-se imperioso a

primeira escola (a escola divertida, que precede a escola

integração de ferramentas de comunicação e

aborrecida) é a televisão, é um animal simbólico que recebe o seu

interação à distância no processo de ensino e

imprint, o seu cunho formativo através das imagens de um mundo

aprendizagem,

todo ele centrado no ver” (Sartori, 2000, p.29).

aprendizagem

no

Mas as mensagens mais variadas – lúdicas, informativas ou

fomentando

momentos

publicitárias – que são transmitidas pelos meios de comunicação

decorrentes da prática letiva.

social e pelos dispositivos eletrónicos móveis entram, muitas vezes,

“aprendizagem é

profunda social,

ativa,

prolongando tempo

ocorre

e

quando

promove

momentos no de

espaço

de e

reflexão

a

a


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

Porque fazer Sou educadora há já onze anos, neste entretanto, as novas tecnologias e, sobretudo, o acesso à internet generalizaram-se. Percebi cedo que teria de as integrar na minha prática. Não foi fácil. Eu não gostava nada de computadores e a tecnologia sempre me meteu medo. Tive acesso aos computadores muito tarde, não parecia essencial… E as outras máquinas?? Ai!! Como arranjar se estragasse? Por onde começar?…

O espaço do meio envolvente ou do contexto educativo, que se caracteriza também por ser um espaço constante de colaboração e partilha, potencia a criação de efetivas redes de parceria que objetivam

um

desenvolvimento

sustentado

do

espaço

de

implantação da escola na comunidade local. Aqui, destacam-se as necessidades de intensa colaboração a vários níveis, designadamente com as famílias, parceiros educativos, instituições e empresas de zona, na disponibilização de serviços e produtos por parte de algumas delas para atividades escolares e letivas ou mesmo na construção de estratégias conjuntas. Ao referir explicitamente que “ao dar conhecimento aos pais/famílias

e

a

outros

membros

da

comunidade,

presencialmente ou à distância (blogues, plataforma da escola, etc.) (…) o profissional de educação de infância favorece um clima de comunicação, de troca…” (p. 30), as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE) vêm, de forma clara e explícita, utilização

sustentar

a

consciente

importância e

de

uma

continuada

dos

instrumentos tecnológicos e digitais capazes de aproximar os vários contextos onde a criança se insere, nomeadamente a escola e a família. Sendo a internet o espaço mobilizador por excelência, a elaboração de um espaço em linha que sirva para comunicar a atividade (do processo, dos produtos, das conquistas, da evolução…) é também um espaço de trabalho cooperativo à distância, nomeadamente através da colaboração/partilha com outros alunos, com

outras

escolas,

com

outros

profissionais e com as famílias. e, acima de tudo, que a comunidade compreenda

O que é certo é que comecei! Hoje, utilizo as redes sociais diariamente e vou divulgando um pouco do que sei e do que sinto acerca da Educação de Infância. Uma espécie de montra de mim com outros… Troco também, com muita frequência, correio eletrónico com as famílias e têm-se estabelecido pontes muito importantes. Considero que uma boa comunicação entre pais e escola é fundamental. E para que isso aconteça, a relação tem de ser baseada na confiança e transparência entre a família e o JI, tudo o que estreite este GAP é potenciador 13 do desenvolvimento das crianças. “Even good quality childcare will not alone militate against the effects of deprivation and disadvantage; early intervention working with parents, as well as children, will have the best long-term outcomes” (Davis, 2015) Cresci muito como profissional com este apoio das tecnologias: quer com as pontes de comunicação com as famílias, que me ajudaram muito a mostrar positivamente cada criança e a conhecer cada família um pouco melhor; quer com as redes sociais que muito me têm levado, também, a refletir com outros profissionais. De facto, levo muito tempo a construir esta montra, exige muito cuidado ético e estético, muita reflexão. Mas ganho qualidade na intervenção pedagógica, porque é mais contextualizada e há maior fluidez na comunicação, que é mais constante e cuidada. Penso cada detalhe, e tento aproximar as famílias mostrando o que há de melhor em cada criança. Porque acredito como Davis (idem) que para ajudar as crianças temos de ajudar as famílias. Promover uma boa imagem daquilo que cada criança é capaz é muito potenciador, bem como contribui significativamente para o bem-estar e auto estima de cada criança. Ignorar estes recursos seria, para mim, empobrecer muito a minha prática. Não promover na sala o acesso a tecnologia seria muito incoerente… e tão empobrecedor da vida das crianças, quanto foi da minha até tarde. Por isso, jogamos juntos, brincamos juntos, pesquisamos juntos, tento passar-lhes com o meu exemplo muitas das funcionalidades dos computadores que já domino e tento pôr à sua disposição muitos suportes tecnológicos diferentes, com a expectativa de que tenham também nesta área consciência de si como aprendentes. Na atitude crítica que se exige em relação às redes sociais, aos média, à informação em geral, tento também ser modelo e ser coerente. Não poderia sequer exigi-lo a nenhuma criança se a não praticasse e se não a promovesse de forma transversal na sala. Há coisas que só se aprendem de forma global… Há muitos momentos na rotina onde se prevê que os conflitos aconteçam e que mobilizem discussão, assim como potenciem o crescimento. O ser digital de cada um é, assim, só mais uma dimensão do seu ser que a criança reconhece com naturalidade, uma identidade com que age, sobre a qual pode e deve refletir. Terá de filtrar informação para o resto da vida, nesta como noutras áreas e não poderá fazê-lo sem o filtro que se constrói a cada interação com o outro e com os recursos todos, nas relações, com escuta, em diálogo e passo a passo.

Vera Terreiro Ribeiro


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

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a finalidade, os objetivos, a função e os benefícios da Escola.

todas as plataformas há espaços “vãos” a considerar e cabe-nos

Neste particular, a participação em projetos específicos (redes

enquanto educadores o papel de estreitar esses espaços no que

sociais, web, plataformas digitais internas – moodle, joomla, etc. -

concerne ao acesso à tecnologia, tornando-o seguro, intencional e

ou externas – e-twinning, laboratórios de aprendizagem, etc.)

rico, dos pontos vista estético, ético e lúdico! Torna-se, também,

consubstanciam, também, a modelação de estruturas de apoio

fundamental refletir sobre alguns perigos que possam advir dessa

pedagógico, didático e educativo que, potenciam as dinâmicas de

“utilização”. Porque nestes meios, a um vazio(vão) de informação

apoio, reflexão e ação, que permitindo um crescimento e

corresponde muitas vezes uma queda em acessos escuros…pouco

aprendizagem “em rede”.

seguros ou despropositados.

E se a utilização dos meios e tecnologias de comunicação

e

informação

pode

ser

desencadeadora de variadas situações de efetiva aprendizagem e desenvolvimento de competências,

nomeadamente

de

competências de utilização, compreensão e gestão do conhecimento e dos instrumentos tecnológicos e de comunicação, o espaço de

…é também um espaço que permite a visibilidade ao trabalho desenvolvido pela escola e pelos seus profissionais…

Cabe-nos,

por

isso,

desenvolver um conjunto de práticas que fomentem, nas crianças, hábitos de gestão de segurança e, acima de tudo, que possam motivar comportamentos de autosegurança e reflexão crítica

relação/cooperação interdisciplinar e com

sobre

os

instrumentos

outros parceiros educativos assume-se como

postos

ao

estratégia fundamental ao partir da sala de

como promover um uso de

dispor,

assim

jardim-de-infância para regressar a ela. As plataformas que

suportes tecnológicos diferenciados, possibilitando, a cada um, a

proporcionarmos serão o acesso de embarque ou desembarque,

consciencialização progressiva de uma identidade digital.

rumo ao mundo da tecnologia, por favor MIND THE GAP…

A identidade digital é a representação digital dos dados relacionados com uma pessoa (dados pessoais), empresa, sistema ou máquina,

As “dificuldades” e os “perigos”

acessível através de meios técnicos. Pode incluir dados como nome,

“A comunicação respeita princípios éticos e deontológicos que deverão

morada, etc. e pode abranger um conjunto de informações

orientar a sua prática tendo em conta o superior interesse da criança,

atualizadas, organizadas e codificadas em meios informáticos,

não se centrando nos seus insucessos, mas sim nas suas conquistas e

relativamente a pessoas físicas e jurídicas.

descobertas, não divulgando informação confidencial e respeitando a privacidade das crianças e suas e famílias.” (OCEPE, 2016, p. 22)

É notória a vantagem de se utilizarem as redes e os espaços digitais para desenvolver e criar dinâmicas e práticas pedagógicas e educativas, São plataformas de acesso, pontes elevatórias… Em

«Dados pessoais»: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada direta ou indiretamente, designadamente por referência a um número


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

O que faço Com uma prática de mais de dez anos de utilização da internet como “fornecedor de conteúdos” e “divulgação de processos e produtos” de atividades desenvolvidas em Jardim de Infância, considero existir um conjunto de premissas que devem ser sempre respeitadas. Nomeadamente, no que se refere ao uso de dados sensíveis.

de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social” Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro - Lei da Proteção de Dados Pessoais

A gestão dos dados individuais dos alunos (cidadãos) que, muitas das vezes pedimos sem analisar seriamente, quer nas suas implicações sociais, quer na sua necessidade, podem constituir-se como elementos facilitadores da restrição do direito à reserva da

Nas publicações na internet (sobretudo), mas também em outros locais de divulgação (revistas, e jornais escolares, CD com “imagens do ano”, participação em congressos ou conferências, etc.), há algumas “regras” a ter em conta. A primeira e mais fundamental, é a autorização de uso. Que deve ser clara e explicada, e fazer referência explícita à recolha de imagens do aluno para divulgação e partilha de atividades de interesse pedagógico e educativo, sempre que o docente titular de grupo entender necessário e útil. Deve ainda referir15 que as imagens poderão ser alvo de edição e publicação (CD, jornal escolar, exposições, conferências), salvaguardando as questões de identificação e identidade pessoal em vigor na lei. Também deve esclarecer que as imagens a utilizar não permitirão a identificação dos envolvidos, nem será associada outra informação pessoal ou sensível aos dados divulgados no âmbito da promoção da informação educativa.

intimidade da vida privada, dependendo da forma como forem usados, exigem-nos um respeito profundo. Daqui se depreende que, se a informação pessoal (e entenda-se aqui informação como os dados pessoais, mas também audiovisuais, sociométricos, etc.) estiver disponível para um leque alargado de pessoas e entidades, ainda que de forma involuntária, pode vir a ser erradamente usada, ou mesmo de forma criminosa. Para o evitarmos, enquanto cidadãos e utilizadores de “informação sensível”, devemos refletir também acerca do modo e dos usos que daremos à informação pessoal recolhida. De uma forma simples, podemos referir que a “ética de utilização” deve garantir um padrão de como os registos são tratados: não serem facultados a outras entidades para as quais não foram fornecidos, poderem ser verificados, mas não alterados por terceiros e terem garantia de sigilo profissional por parte das pessoas que têm contacto direto com essa informação (possibilidade de rastreio transparente e de responsabilização). Acresce que, aos pais deve ser dada a escolha de consentir a recolha e utilização dos dados pessoais da criança para utilização interna, dando-lhes também a possibilidade de não consentir que esses dados sejam partilhados com terceiros. Mas,

numa

perspetiva

formativa,

e

independentemente

dos

“cuidados” atrás descritos, parece-nos mais fundamental ainda que os nossos alunos sejam envolvidos e alertados para essa mesma “utilização de imagens e dados”. É fundamental que as crianças

As imagens devem ser sempre de situação e evitar ao máximo a possibilidade de identificação da criança/ator. Se considerarmos que o registo imagético se refere ao “processo” e ao “resultado”, é possível fotografar sem identificar o ator (ou fotografando apenas a ação e/ou o contexto ou reduzindo a qualidade da imagem por forma a tornar ilegíveis os traço fenotípicos1). Neste particular, cabe ao docente compreender, antes de mais, que o que se pretende divulgar é o resultado de um trabalho de um grupo/turma, ou uma atividade específica, sem que se dê especial importância “a quem” o tenha realizado. Também é possível “ensinar” um conjunto de técnicas fotográficas às crianças/alunos para que, na recolha de imagens, seja, desde logo, feita uma triagem. É muito recorrente, e especialmente quando se publicam imagens nas redes sociais, proceder à identificação e localização dos atores e das imagens. Tendo em conta que este processo de georreferenciação também divulga dados sensíveis, compete ao profissional evitar usar as ferramentas preexistentes nas redes sociais e também desmotivar o seu uso (por pais, familiares, ou os próprios alunos), promovendo uma clara informação e reflexão sobre os perigos que advêm desse tipo de identificação. No que concerne à utilização das publicações como “portfólio”, e assim permitir o seu uso recorrente, há também alguns cuidados a observar, nomeadamente aqueles que dizem respeito à identificação (para pesquisa e utilização futura), mas também à organização e indexação da informação. As redes sociais (facebook, youtube, twiter, linkdin, instragram, etc.) dispõem de um conjunto de ferramentas próprias que permitem uma “arrumação” (por tópicos, datas, conteúdos, assuntos, etc.) bem como um conjunto de ferramentas de edição e proteção de dados que não só surgem como muito intuitivas como relevam aqueles que consideramos os “principais problemas” em termos de identificação e localização. Torna-se, portanto, fundamental usar todos os instrumentos e recursos existentes, mas com uma consciência plena das vantagens, perigos e de que forma é que se transformam em mais-valias educativas. O que significa dizer que a internet e as tecnologias só se constituem uma ameaça se não lhes dedicarmos o tempo, a reflexão e a análise profunda, como de resto fazemos com qualquer análise de necessidades que façamos para apoiar a nossa prática pedagógica. Henrique Santos


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

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sejam “tidas em consideração” sobre a utilização da sua imagem,

Referências bibliográficas

filmes sobre si (e consigo), dados pessoais e outros referentes

Abrantes, J. C. (1998) Educação para os Media, Cadernos de Educação de Infância, 44, P 28-29, Lisboa: APEI.

identitários.

CNE (1999). A Sociedade de Informação na Escola. Lisboa, Ministério da Educação.

Não obstante, compete ao profissional de educação dotar-se de um

Bransford, J. D et all (2000) How people Learn: Brain, Mind, Experience and School,

conjunto de práticas capazes de minimizar os riscos decorrentes do uso

indevido

de

informação

pessoal

desnecessária

e,

simultaneamente, planear e avaliar os efeitos de tal uso.

Washignton D.C: NRC, National Academy Press. Carmean C. e Haefner, J (2002) Mind over Matter: Transforming course Management systems into Effective Learning Environments, Educause Review, Vol. 37, nº 6 (Nov./Dez.). Disponível em: http:www.educause.edu.

Na educação de infância existe, por vezes, a ideia de que “ainda é

Silva, I. L. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar.

cedo” para promover a privacidade, como um dos direitos

Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral da Educação. Disponível em:

fundamentais. Contudo, é desde tenra idade que o cidadão/criança é

confrontado

com

um

largo

conjunto

de

experiências

condicionadoras da sua liberdade individual. Mesmo que não tenha essa consciência ao ser utilizador dos instrumentos tecnológicos, a

http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Imagens/ocepe_abril2 016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19 Papert, S. (1998) A Família em Rede. Lisboa, Relógio D’água. Santos, H. (2001) Os Computadores e Nós – Algumas informações úteis sobre o processo de aprendizagem. Cadernos de Educação de Infância, n.º 60. Lisboa, APEI.

criança está a entrar numa “realidade” dependente de controlo e

Sartori G. (2000) Homo Videns - Televisão e Pós Pensamento. Lisboa, Terramar

pode, ela própria ser controlada.

Davis, Angela (2015) "Family support more important than pre-school care in securing

children's wellbeing." ScienceDaily. ScienceDaily, 14 July 2015. University of Warwick.

Foto: Cristina Pinto


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Reflexão-Ação Colaborativa Comunicação entre Educadores Mónica Rôlo monica.rolo@gmail.com

A educação de infância, tal como os outros níveis e/ou com técnicos de restantes níveis de ensino, exige outras áreas. atualmente do educador uma entrega Cada um de nós, em diferentes muito maior do que em tempos momentos das nossas vidas, foi, de passados, uma maior compreensão e alguma forma, tocado por outros que, disponibilidade e o consciente ou desenvolvimento de inconscientemente, “A participação no funções de contribuíram para o planeamento e avaliação de enquadramento, caminho que outros profissionais que orientação e escuta seguimos ou para a trabalham com o mesmo grupo que lhe permitam dar forma como optámos de crianças é um dos meios de respostas adequadas por trilhar o nosso garantir a coerência do às novas realidades, percurso, construindo às novas dinâmicas e em conjunto currículo e de ter outros dificuldades, ao conhecimentos, “olhares” sobre a rápido ritmo de procurando aprendizagem das crianças” crescimento e de justificação para as (Silva, 2016, p.16), desenvolvimento da ações desenvolvidas, sociedade atual, na contornando qual crescem e se desenvolvem as obstáculos ou, simplesmente, olhando crianças de hoje. A reflexão-ação de forma diferente para uma questão – colaborativa do e com o educador aquela para a qual já havíamos olhado permitem a interação consigo próprio e dezenas de vezes! – confirmando, com os outros, entreajuda e completando ou corrigindo o caminho encorajamento, numa profissão que seguíamos. exigente. Confrontados que somos, diariamente, Neste sentido, torna-se cada vez mais com a necessidade de agir, de procurar importante, na construção e gestão do respostas, de melhorar e de nos currículo, valorizar a comunicação superarmos, vivemos, muitas vezes, entre educadores, como forma de essas dificuldades, questionamentos contribuir para o envolvimento e sozinhos e necessitamos, cada vez articulação com docentes deste e de mais, de um espaço/tempo onde

partilhar preocupações, um contexto grupal em que estão outros que, apesar de estarem “fora do problema”, o compreendem e podem contribuir com a sua visão e experiência vivida em situações semelhantes, encorajando e facilitando o crescimento profissional. Este olhar mais distanciado pode ser capaz de identificar elementos que sozinhos não vemos e contribuir para a construção de pontes para a mudança. A partir da troca de experiências, dificuldades e insucessos, satisfações e insatisfações que provêm do terreno e da prática, promove-se a mudança através da interação, do diálogo, da confiança e do respeito pelas opiniões dos envolvidos. Acredito que este processo de reflexão coletiva, em interação com outros com quem se partilham os problemas e dificuldades particulares de cada envolvido, é essencial para a construção da identidade docente e para o seu desenvolvimento profissional, promovendo a mudança e a reformulação das práticas docentes Não obstante, estes espaços de comunicação criados com colegas e outros profissionais não são fáceis. Se, por um lado, podem efetivamente ser momentos em que a reflexão conjunta

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nos fortalece e nos dota de ferramentas para continuar a trabalhar no "nosso" grupo, possibilitando que cada educador realize uma imersão nas suas formas de pensar e de agir, tomando consciência das suas crenças, valores e práticas; por outro, este confronto de ideias e partilha de saberes também nos expõe. Desde a rede pública à solidária ou privada, deparamo-nos com vários modelos de gestão nos quais as relações de poder existentes (e também as relações entre pares), nem sempre permitem uma abertura franca. Isto leva a que, muitas vezes, nos coloquemos “à defesa”, numa posição de ouvintes, participando apenas quando nos solicitam partilhar, propor, analisar…Mas não o fazemos de forma espontânea, completa, não nos assumimos totalmente, na esperança que (ou até que) alguém diga o que pensamos. Construir uma pedagogia participativa requer compromissos individuais e coletivos. Os modelos de reunião que fomos implementando um pouco por todo o lado, tornam-se morosos e pouco objetivos, pouco despoletadores do diálogo e partilha de ideias, dificultando a introspeção sobre os modos individuais de realização e

apenas permitem a troca de informação, o que acaba por desmotivar uma verdadeira participação.

comprometer, ouvir, partilhar, refletir… crescer juntos… 

“(...) também a partilha, debate e reflexão entre equipas de educadores (…) sobre o desenvolvimento de trabalho pedagógico e dos instrumentos de planeamento e avaliação (…) constitui um meio privilegiado de desenvolvimento profissional e de melhoria das práticas” (idem. p.19).

Do ponto de vista individual, considero que necessitamos de desenvolver a nossa capacidade de ouvir (e de nos ouvirmos a nós próprios) e de narrar, pois ao narrarmos, analisamos as nossas ações e vamos descobrindo as nossas realidades, atribuindo-lhes novos significados. Urge criar formas de encontro que não se confinem a instituições ou agrupamentos de escolas, espaços/tempos onde possamos construir o nosso espaço no grupo e respeitar, simultaneamente, o espaço dos outros, onde nos possamos

Referências Silva, I. L. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral da Educação. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noti cias_Imagens/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19.


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Vera Ribeiro (verarib78@hotmail.com) e Maria Tomaz (mariaanatomaz@gmail.com)

E

u e a Maria fomos educadoras na mesma instituição, sendo que quando a Maria chegou, eu já lá trabalhava há uns anos. Lembro-me muitas vezes das nossas primeiras conversas. À hora de almoço misturávamos ideias de Vigotsky, Brunner, Piaget, Kolberg, Chomsky…com o cheiro doce das queijadas e do café. Desenvolvíamos o mesmo tipo de trabalho, com base nos mesmos fundamentos, adaptado a faixas etárias diferentes (ela em creche, eu em JI). Não é difícil. Exige-nos ter um conhecimento aprofundado do desenvolvimento infantil e ter uma base de fundamentação muito bem interiorizada. Conhecer a Maria foi muito importante, ela percebia-me e fazia questões muito pertinentes, ainda faz…. Quando se lançou esta revisão das OCEPE, demos por nós a relembrar muitas destas conversas e percebemos que nos detínhamos muito mais nas primeiras páginas, em que se fala de fundamentação. Um dia, quando ainda trabalhávamos juntas, disse-lhe, em jeito de provocação, que muito me surpreendera ver alguém com um Mestrado, que lhe permitiria lecionar em primeiro ciclo, ali, pela Educação de Infância. Garantiu-me que o que fazemos é para si muito importante e que um professor que queira progredir, terá muito a aprender com a Educação de Infância. Isto pareceu-me mais que uma mera ideia súbita e sentei-me com ela, na intenção de melhor a compreender quanto aos argumentos em que apoiava esta convicção. Comecei por lhe perguntar porque fazia (isso) que fazia, ser educadora de infância. Respondeu-me que o faz porque gosta e que quer sempre fazer mais e melhor. É o que a realiza e o que a faz sentir e viver bem. Não pude negar que assim é

(ou deveria ser), que isso é, sem dúvida, o mais importante: relações de afeto, que fazem as crianças crescer e relacionarem-se consigo próprias, com os outros e com o mundo. Isto começou a trazer alguma luz à afirmação inicial da Maria, de que os professores podem aprender com os educadores. E relancei a questão perguntando-lhe se achava, como Ruben Alves (1980), que o professor é só profissional (no sentido de quem executa, independentemente das especificidades individuais) e que o educador é mais capaz de adaptar os currículos às crianças (no sentido de quem cria para incluir todos e cada um). Respondeu-me que acredita, antes, que devia haver em cada professor um educador e formas de tornar essa adaptação sempre concretizável. De facto, não nos podemos esquecer da intenção, quando atuamos em educação. Em tudo o que fazemos, desde a nossa forma de estar, às conversas que temos com as crianças e com as famílias, às opções que fazemos sobre a rotina, à forma como cuidamos, às propostas e oportunidades que proporcionamos, às atividades que planeamos, aos contributos que damos à nossa instituição e à nossa profissão, é preciso que haja intenção. Tomar consciência do porquê de fazermos (isso tudo) que fazemos. Estávamos de acordo e aditou mais alguns argumentos: disse que a responsabilidade é muita para se “ser sem princípios” e para se “agir sem justificações” e que são essas justificações conscientes e intencionais que fazem de nós profissionais de Educação de Infância. Disse-lhe anuindo, que a consciência dos princípios que regem a nossa prática e dos porquês que justificam as nossas ações, nos

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ajudam, também, a ser muito mais coerentes e que a coerência é essencial para a estabilidade, para a satisfação das principais necessidades emocionais das crianças. Perguntou-me como é que eu fazia na prática. Como é que tomava consciência das minhas intenções na ação? Respondi que paro e penso. Penso antes, durante e depois da ação. E também lhe disse que, às vezes, tenho mesmo necessidade de escrever. Escrever as intenções, os porquês de ir fazer o que vou fazer e como vou fazer, os porquês de ter feito como fiz e não de outra forma. Escrever ajuda-me a visualizar, a ganhar alguma distância desses porquês e a conseguir refletir sobre eles com mais consciência. Para a Maria, também são os princípios que regem a sua ação. Como se de um paradigma próprio se tratasse. No fundo, toda a sua prática assenta sobre esses princípios e, por isso mesmo, eles são o porquê de tudo o que faz. São esses princípios que estão na base de tudo, não só das ações práticas, mas também das opções, das prioridades que se definem, das estratégias que se adotam. No fundo esses princípios norteiam, são o porquê e dizem como fazer. A Maria continuou com outro exemplo. Um dos seus princípios é a relação. Por isso, faz questão de almoçar sentada à mesa com as crianças. Ela acredita mesmo que este pode ser um ótimo momento para nós educadores estarmos com as crianças, conversarmos, para partilharmos, para tornarmos a nossa relação mais forte. Como a percebo! Eu valorizo muito a autonomia das crianças. Por isso, elas brincam a maior parte do tempo. Eu observo, registo, apoio, estimulo, dou espaço e tempo, dou força…

É a brincar que são completamente autónomas para fazer escolhas, para construírem e produzirem ideias, para fazerem gestão de recursos, para resolverem os seus problemas. A Maria também me disse que o facto de deixar as crianças escolher, na hora de fazer os presentes para a família no Natal, no Dia da Mãe, no Dia do Pai, tem por trás esse mesmo princípio, o da autonomia. Ainda que não tomemos consciência destes princípios, destes porquês, eles estão implícitos em tudo o que fazemos e decidimos, nos mais ínfimos pormenores. Porém, há incoerências que deitam tudo a perder e nós temos demasiada responsabilidade para não pensar, não refletir e não tomar consciência disto tudo. 

Referências: Alves, R. (1980) Conversas com quem gosta de ensinar. S. Paulo: Editora Autores Associados. Conceição, C. & Sousa, O. (2012). Ser professor hoje. O que pensam os professores das suas competências. Revista Lusófona de Educação, 20, pp. 81-98. Lisboa. Costa, N. & Rebelo, J. (2011). A Escola: (também) um espaço de afetos. Revista Lusófona de Educação, 18, pp. 141-153. Huber, M., Huber, J. & Clandinin, J. (2004). Freire, P. (1996) A pedagogia da autonomia. S. Paulo: Editora Paz e Terra. Lopes, A. (2007). Construção de Identidades e Formação de Professores – Relatório da Disciplina. Provas de Agregação. Porto: FPCE da Universidade do Porto. Silva, I. L. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral da Educação. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Imagens/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19. Nóvoa, A. (2002). Formação de Professores e Trabalho Pedagógico. Lisboa: Educa. Osgood, C.; Suci, G.Tannenbaum, P. (1978). The Measurement of Meaning. London: University of Illinois Press. Ribeiro, O. (2008). Cultura Organizacional. Educação, Ciência e Tecnologia, pp.169-184.


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

As Potencialidades Educativas do Espaço Exterior Cristina Castro kikasdsilva@hotmail.com

Ao longo da minha prática (educadora a

a carregar tintas, pinceis, colas, para o recreio.

chuvosos,

desempenhar funções de animadora nas

Algumas vezes, levávamos também mesas e

ou fazer um

Atividades de Animação e Apoio à Família)

cadeiras e no final repetia-se o processo, já que

pequeno

sempre valorizei muito o espaço exterior. Talvez,

tudo tinha de ser arrumado e lavado.

intervalo

em parte, por estar condicionada a um espaço

Durante estas atividades o grupo era dividido em

após

interior (refeitório, ou uma sala de atividades do

pequenos grupos, uns brincavam com os

terminar o

jardim de infância). Por outro lado, sempre estive

materiais disponíveis no recreio (triciclos, blocos,

horário de

em escolas públicas que ofereciam bons espaços

caixas, pneus e paletes), outros lanchavam e

letivo e

exteriores, escolas novas e remodeladas.

outros trabalhavam (pintavam, cortavam

antes de começarem as atividades das AAAF.

Sempre vi no espaço exterior uma oportunidade

desenhavam, faziam o que fosse necessário).

para construir uma sala de atividades ao ar livre,

Chegámos a construir um autocarro, um fogão,

onde, de acordo com as condições climatéricas,

uma pista para os carros (exemplos dos quais

podemos correr, brincar, saltar, construir e

consegui ficar com registo).

imaginar.

Houve momentos de brincadeira livre, com os Houve um ano que

meninos das outras salas das AAAF e fomos

ficou marcado pela

desenvolvendo projetos como a LandArt, onde

história dos Três

íamos para a terra brincar e construir com paus,

porquinhos. Todos

pedras e folhas.

os dias a história

De acordo com as OCEPE “…o espaço exterior é

tinha que acontecer,

igualmente um espaço educativo pelas suas

porque as crianças a

potencialidades e pelas oportunidades educativas

pediam, todos os dias os meninos faziam de

que pode oferecer, merecendo a mesma atenção

porquinhos e de lobos e todos os dias acabava a

dos/as educadores/as que o espaço interior”

história com um jogo da apanhada. Por vezes, era

(Silva, 2016, p. 27).

necessário criar cenários, ou reciclávamos uma

O nosso espaço exterior (recreio) era cuidado e os

bela caixa de cartão e lá íamos nós pintar,

materiais utilizados, seguros, mas escassos. Havia

construir, e a nossa sala virava um autêntico

uma zona coberta que, apesar de pequena, nos

atelier de artes plásticas. Parecíamos as formigas

deixava fazer alguns jogos de movimento em dias

VANTAGENS do espaço exterior de acordo com as OCEPE:  Facilita as interações sociais entre várias crianças;  Permite a exploração e manipulação de materiais naturais (pedras, folhas, plantas, paus, areia, terra, água, etc.) permitindo novas descobertas/aprendizagens;  Permite desenvolver atividades físicas (correr, saltar, trepar, jogar à bola, fazer diferentes tipos de jogos de regras, etc.), num ambiente de ar livre. DESVANTAGENS do nosso espaço exterior:  Não estão equipados com materiais que promovam e desafiem as crianças nas suas explorações motoras;  As crianças passam pouco tempo no exterior, sendo muito desse tempo utilizado pelos educadores para atividades estruturadas e orientadas;  Não possuem elementos da natureza (terra, água, flores, folhas, pedras ou areia).

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Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

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ALGUMAS IDEIAS para tornar os

O ano passado, numa escola mais

Legislação relacionada com o espaço exterior de

espaços exteriores mais atrativos

pequena, tivemos oportunidade, de sair

jardim-de-infância:

para educadores e crianças:

mais vezes, fomos ao parque infantil e

Segurança e equipamento dos espaços de recreio -

 Estruturar o espaço e equipá-lo

explorámos o espaço enorme que

com bolas, triciclos, trotinetes,

tínhamos à porta da escola, onde muitas

andas, cordas, arcos, de forma a

vezes fomos jogar à bola, andar de

incentivar a exploração e a atividade física;

triciclo, correr e brincar às escondidas e até

 Criar uma horta pedagógica e cuidar das plantas

mesmo lanchar. Andámos de escorrega e

(semear, regar, colher), tendo sementes, botas,

trepámos ao telhado da casa que existia no

capas, enxadas, ancinhos, pás, regadores;

parque. Explorámos, também, o comércio

 Criar um espaço Zen - uma área para relaxar

envolvente, fomos comprar fruta à mercearia e

com bancos, puffs, cadeiras, mesas livros, rádio,

recebemos uma excelente oferta que retribuímos

música;

com bolachas feitas por nós. Fomos ao super e ao

 Construir/adquirir estruturas de madeira que

mercado, fomos aos restaurantes cantar as

possibilitem subir, trepar descer, andar, baloiçar.

janeiras e saímos com os bolsos cheios de

 Construir/adquirir estruturas que facilitem a

miminhos.

Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17 de setembro Segurança e equipamento dos espaços de recreio Decreto-lei nº 379/97, de 27 Dezembro Organização dos espaços de jardim-de-infância Despacho Conjunto n.º 268/97, de 25 de Agosto

dramatização, a criatividade e o faz de conta (casinha de madeira, loiças, mesas, cadeiras,

Hoje, ao analisar o espaço exterior da nossa

bonecas, panos);

escola, reflito sobre o que fazer mais.

 Criar uma área na

Uma vez pintámos paredes com as crianças (do JI

terra, casinha de lama

e do 1ºCiclo) e tornámo-lo mais atrativo e bonito.

por exemplo, onde se

Podemos voltar a criar zonas ou áreas que

poderão fazer

permitam construir e estar. Mas também

experiências, mexer e

podemos explorar o recreio do 1º ciclo, coisa que

inventar.

ainda não o fizemos. O recreio tem um campo de futebol e uns baloiços enormes onde ainda não

Referências Silva, I. L. (coord.) (2016). Orientações Curriculares para a

O Nosso Bairro também é um espaço exterior!

andámos. Talvez possamos sair mais a pé e

Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação /

Até aqui falei somente do espaço exterior dentro

desfrutar de novo do que o bairro nos dá... Este

Direção Geral da Educação (DGE). Disponível em

da escola, mas existem tantos recursos no meio

ano somos muitas crianças e poucos adultos,

ambiente que está à volta da escola, o nosso

vamos tentar!

9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de

2016-07-19

bairro!

http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Image ns/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º


O QUE EU SEI…

Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

BRINCAR COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO HOLÍSTICO Diana Mendes Crespo dianacrespo13@gmail.com

Para escrever este artigo questionei-me muito. Na minha opinião, quando nos colocamos em causa e tentamos perceber o porquê de fazermos as coisas como as fazemos, crescemos e alargamos horizontes.

crianças criam o seu próprio mundo, interpretando o mundo real. Fröebel dizia que no jogo está a dinâmica da vida futura e posteriormente outros autores vieram reforçar a sua importância no desenvolvimento infantil.

Brincamos em todos os locais que frequentamos (seja na sala, no parque, no recreio, etc.), e é também através destas brincadeiras que adquirimos regras e desenvolvemos a linguagem.

Partindo de algumas conversas entre profissionais de educação de infância e da minha prática como educadora decidi refletir sobre a ideia brincar como forma holística de aprender. Brincar, onde? Em que espaços? Em casa? Na escola? Na sala? No recreio? Na rua? Na Natureza? Em museus, lojas ou teatros? Brincar, quando? Só nos intervalos? Apenas quando os adultos estão ocupados? Apenas em horas marcadas? Só nos primeiros anos de vida da criança?

Eu concordo com Onofre, pois o brincar é algo universal, as crianças brincam antes de saberem andar ou falar. Como educadora também acredito que o brincar surge como eixo central e principal da ação da criança. Para mim, dar oportunidade de brincar é dar oportunidade às crianças de expressarem o que lhes vai na alma e de se exercitarem. Manifestando sentimentos (afeto, agressividade, medos, frustrações), confirmando capacidades (iniciativa, autonomia, imaginação, criatividade) e desenvolvendo outras

Em suma, através do brincar tento chegar aos interesses e necessidades das crianças. Mas do que gosto mesmo é que aprendamos juntos, é que exploremos o mundo na companhia uns dos outros. Consigo identificar-me com as crianças e, tal como elas, sentir que o essencial reside nos momentos simples da vida!

E para quê brincar? Para entreter as crianças? Para elas aprenderem? Para explorarem o mundo e o conhecerem? Para manipularem/ganharem competências motoras? Para interagirem com os outros? Para se conhecerem melhor a elas próprias? Para que percam os medos? E o como? Há uma forma desejável de o fazer? Sem regras? Livremente? Sob orientação dos adultos? Apenas com intencionalidade pedagógica? Com materiais manipulativos? Com brinquedos de madeira, ou de plástico? Com elementos da Natureza? Através de jogos na rua, ou sentados no sofá com dispositivos eletrónicos? Sozinhos? Com amigos? Com adultos? E qual a nossa participação? Como provocamos brincadeiras com o nosso grupo? Reagimos à iniciativa de uma ou mais crianças de querer brincar connosco? Devemos guardar tempo para brincar? Deverá haver tempo de brincar e tempo de trabalhar numa sala de creche, ou de jardim de infância? As atividades que propomos serão uma forma de brincar? As OCEPE defendem, e eu concordo, que brincar é uma atividade natural das crianças, tal como comer, dormir e ter cuidados básicos de higiene. Brincar é uma atividade espontânea e necessária para a criança, sendo, desta forma, muito importante para a sua formação. Brincar é indispensável à saúde física, emocional e intelectual das crianças. E dos adultos! Acho mesmo importante termos os nossos momentos lúdicos, pois eles são fundamentais para um bom equilíbrio humano. A ludicidade é importante para a formação do ser humano e, por esse motivo, penso que é algo que merece mesmo a nossa atenção como educadores. Através do brincar as

Estar com crianças sem brincar é impossível, porque brincar é viver! Brincar pressupõe uma forma holística de encarar a

“Quem chamou lúdico ao viver do miúdo foi o adulto. O miúdo, de tão ocupado a viver, nunca se lembraria de tal palavra...” (Onofre, 1998). (autoconfiança, autoestima, partilha, negociação, liderança), testando limites (motores, relacionais). A brincar aprendem-se conteúdos que são essenciais para a vida (nas conversas, trocas de informação, na cooperação com os outros.) Brincar é algo global, não se refere a uma área de conteúdo, ou domínio curricular. Gosto e faço questão de ter tempo para que as crianças da minha sala brinquem. Daí estipular, atendendo simultaneamente às propostas das crianças, alguns momentos para podermos desfrutar e estar na companhia uns dos outros, por vezes sem brinquedos até! Aproveitando para explorar mais o nosso corpo, através de jogos não verbais, como forma de nos conhecermos melhor uns aos outros. Quando dou oportunidades de escolha às crianças, perguntando o que querem fazer, pretendo que tenham prazer em brincar. Sei que através das brincadeiras vamos aprendendo muitas coisas interessantes, ao mesmo tempo que desenvolvemos a imaginação e a criatividade.

realidade. Num discurso mais curricular diria que no brincar se articulam as três áreas de conteúdo das OCEPE: Área de Formação Pessoal e Social, da Expressão e Comunicação e do Conhecimento do Mundo. Ou então, resgatando o direito à infância, e tal como o nosso colega Fábio Gonçalves escreveu um dia no seu blogue, diria: “Não será a infância o tempo e espaço privilegiado para valorizar e incentivar o brincar por brincar?” 

Referências Onofre (1998). Análise Psicológica, 4 (XVI), pp 615-620. Gonçalves, F. (2016) Apontamentos sobre Educação de Infância. Disponível on-line em: http://apontamentosdainfancia.blogspot.pt/ Silva, I.L. (coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação / Direção Geral da Educação (DGE). Disponível em http://www.dge.mec.pt/sites//ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19

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Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

A terminar…

Desenvolvimento e Aprendizagem Eugénia Gonçalves eugenia-goncalves@hotmail.com

“(…) em educação de infância, não se pode dissociar desenvolvimento e aprendizagem” (Silva, 2016, p.8).

24 Escolhi esta frase pelo sentido profundo que adquire em tudo o que faço com as crianças. Sei que o que faço visa criar situações de aprendizagem, quando “bem feito”, virá a resultar em desenvolvimento. Dos teóricos do desenvolvimento que em tempos estudei, recordo a este propósito, sobretudo Vygotsky pelo facto do autor realçar o ensino e a imitação no desenvolvimento cognitivo, já que estes “põem em evidência as qualidades especificamente humanas do cérebro e conduzem a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. A criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje é capaz de fazer em cooperação”(Vygotsky, 1979, p. 138). Com base neste pressuposto, a educação deverá preocupar-se em oferecer experiências de aprendizagem que vão ao encontro daquilo que ainda está em desenvolvimento, fazendo a criança avançar para um nível de desenvolvimento superior. Mas pôr na prática este pressuposto não é fácil. Sei que organização do grupo, criando oportunidades de trabalho em grupo, ou a pares, é essencial para que a cooperação aconteça, mas a oferta de atividades tem igualmente de considerar o desafio necessário ao desenvolvimento de crianças, com diferentes idades e diferentes características pessoais. Dito assim, pode parecer que estou a defender uma pedagogia baseada em atividades que visam “ensinar” às crianças alguma coisa. Mas não é essa a ideia! Socorrendo-me de novo de Vygosky (idem), considero, como ele, que o brincar é a atividade cultural central na infância, a que cria melhores condições para a promoção do desenvolvimento cognitivo. Brincar permite exercitar no plano imaginativo as capacidades de planear, imaginar situações, representar papéis e possui ao mesmo tempo um

carácter social, devido aos seus conteúdos e às regras inerentes à situação. Mas não é apenas a Vygostsky que podemos ir buscar fundamentação sobre a importância do brincar para o desenvolvimento, muitos são os autores que defendem a sua importância para o desenvolvimento das crianças e não apenas no domínio cognitivo. De acordo com uma revisão da literatura de Libório (2000) existem diferentes teorias sobre o brincar, desde as mais clássicas, que procuram compreender porque é que o filhote do homem brinca, às psicológicas que procuram compreender a sua importância para o desenvolvimento. Bruce (1996) sintetiza os argumentos de diferentes autores sobre a influência do brincar no desenvolvimento dizendo que acontece um chafurdar em ideias e sentimentos que faz parte de uma rede de desenvolvimento mental e aprendizagem. Brincar coordena uma rede de estratégias de aprendizagem, relacionando-as entre si, permitindo que a aprendizagem (seja ela de que domínio for) faça sentido para a criança e se torne uma aprendizagem profunda. Pelo exposto, diria que na minha prática pedagógica há duas ideias que são centrais na forma como a organizo: há momentos em que me preocupo em oferecer atividades desafiadoras e promotoras de aprendizagens às crianças e outros em que o meu foco de atenção está no brincar e nas condições que ofereço para que ele aconteça! 

Referências

Libório, O. (2000). As perspectivas de educadores e crianças sobre o jogo(brincadeira) no contexto educacional do Jardim de Infância. Dissertação de Mestrado. Universidade de Aveiro. Silva, I.L. (coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação / Direção Geral da Educação (DGE). Disponível em http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Imagens/ocepe_abril2016.pdf e publicadas pelo Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de 2016-07-19 Vygotsky L. (1979). Pensamento e linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas. BRUCE, T. (1996). Helping young children to play. London: Hodder & Stoughton.


Refletir EdInf, nº 01, janeiro – fevereiro - março 2017

ENVOLVE-TE Porque acreditamos que A Educação de Infância representa na vida de cada criança, nas sociedades industrializadas, a oportunidade para viver a infância, através de experiências culturais e sociais adequadas às suas características desenvolvimentais e onde o brincar surge como eixo central e principal da sua ação. A Educação de Infância consubstancia-se como um tempo e um espaço de descoberta de si e dos outros, um tempo de exploração do mundo, de desenvolvimento de linguagens e de realização de aprendizagens essenciais em 25 todas as áreas de desenvolvimento da pessoa humana. A Educação de Infância é um “lugar” para o exercício da cidadania pelas crianças e, simultaneamente, para a preparação dos cidadãos do futuro. Temos por base um conjunto mais alargado de visões e reflexões sobre a prática, o conceito e os princípios gerais que unam todos os profissionais.

www.facebook.com/envolv.te

Refletir EdInf revista on-line sobre reflexões e práticas em educação de infância

Nº 1 janeiro – fevereiro - março

2017 Coordenador: Ofélia Libório Equipa Redatorial: Henrique Santos, Ofélia Libório, Rosa Maria Alves. Colaboradores neste número: Cristina Castro, Diana Mendes Crespo, Henrique Santos, Iolanda Pereira, Maria de Jesus Sousa, Maria Tomaz, Mónica Rôlo, Nuno Gonçalves, Ofélia Libório, Rosa Maria Alves e Vera Ribeiro.

Contactos: ENVOLVE-TE www.facebook.com/envolv.te micro.comunidades.aprendizagem@gmail.com


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