DO
INESPERADO
DIA
EM
QUE
A
RAZÃO
SE
DESENCANTOU DA VIDA E DE COMO ESTA DESCOBRIU O GRANDE ESPÍRITO COLORIDO QUE SÓ QUERIA VIVER
.
GUSTAVO HENRIQUE DE AGUIAR PINHEIRO 2008
À
pessoa
maravilhosa
que
encontrei na rua que leva a todo lugar. A Vincent van Gogh e Oscar Wilde, personagens de um tempo de razão entristecida, e que, ainda assim, legaram ao mundo a cor, a poesia e a liberdade de suas almas, gerações
para
que
tivessem
as
novas
alegria
de
viver.
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* A pintura que ilustra a capa chama-se “Doze Girassóis numa Jarra”, de Vincent van Gogh. Entre treze e vinte bilhões de anos-luz atrás, quando ainda engatinhava o núcleo da Via Láctea, justamente no dia em que a Terra parou só pra ouvir a cantiga do carimbador maluco, que cobrava uma alta taxa para deixar que os sonhos das crianças fossem à Lua e identidade para se ir ao Sol, nasceu, no meio da relatividade comprovada na serra da Meruoca, uma senhora chamada Razão. Não que ela não tivesse nascido também em outros cantos do Mundo, mas nesse lugar especial havia uma moça determinada de nome Luzia que era também homem, fato que atraía a atenção de toda a humanidade, e que fazia a região crescer muito mais rapidamente do que as demais, principalmente porque lá já existia um arco do triunfo muito antes de Napoleão ter úlcera em seu esquife gigante, que, segundo o homem do bigode pequeno que matou muito mais de um milhão, era afundado no chão por demais. Dizem ser é verdade que o pequeno-grande imperador quis sair do túmulo pra tomar Antak, mas se perdeu bem no meio do buraco vermelho de seu estômago, que tinha sede em Les Invalides, um lugar bem pertinho da rua que leva para todo lugar, que saiu sozinha de Fortaleza até Paris, só para ver se esquecia um grande amor que tivera nuns campos salesianos de setenta e seis mil centeios. Essa façanha da rua que dava para todo lugar, na verdade, somente pôde ser realizada porque um dia passou ligeiro pela mítica 3
via uma tal Iracema, que, não se sabe como, vinha e voltava a pé, no mesmo dia, lá do Ipu até Fortaleza. Foi o segredo dessa mulher que proporcionou o deslocamento da rua que dava para todo lugar para a França, local onde permanece até hoje, encarregada pelo governo francês de dirigir os amores impossíveis até o túmulo de Oscar Wilde. Voltemos, porém, à razão. Essa ilustre senhora, que iluminou um mundo de trevas ao se descobrir bela, se fez admirar por todo lugar conhecido do pensamento, chegando mesmo a fundar uma nova espécie de gente no Planeta, o povo da terra onde todo mundo sabe tudo, nunca se descobrindo o porquê dessas pessoas gostarem muito de vestir roupas e capas brancas ou pretas. Com toda a fama que tinha obtido, a ilustre senhora ficou cheia de si, julgando ser a única face do espírito humano que poderia controlar os destinos da humanidade, o que de fato ocorreu por um longo período. A Razão, não se pode esquecer esse fato importante, ficou amiga da moça chamada Luzia que também era homem, e, sempre que podiam, saíam para passear de jangada no rio Acaraú, conversando sobre o inusitado da diferença entre os homens e refletindo a respeito de amenidades de filósofos e pagãos.
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Num desses passeios, Luzia que também era homem, notou a Razão meio embotada, pálida, como se estivesse padecendo de um grande mal, e pensou levá-la a um feiticeiro preto lá do Marco, parente legítimo de Tiradentes, que não esperou nem precisarem dele, aparecendo magicamente dentro da pequena jangada, que ficou inclusive com excesso de passageiros. O velho feiticeiro examinou a Razão de corpo e alma. Disse que esses sintomas eram causados principalmente pela solidão, pela falta de amigos e brincadeira, mas, sobretudo, por uma praga maldita que tinha se espalhado na essência humana, chamada “umbigocentrismo”, a qual somente poderia ser curada quando os homens procurassem no outro o pedaço de si próprio que Deus lá tinha guardado. Num espantoso fenômeno parapsicológico, o importante feiticeiro desapareceu, causando grande aflição na Razão e em Luzia que também era homem, já que ele não tinha deixado nenhum remédio para tão perigoso mal. Impetuosa e um tanto quanto arrogante, depois de uma leve melhora, a Razão resolveu abandonar Luzia que também era homem e ficar sozinha em seu reino, o qual somente era possível de ser encontrado quando se dizia um mantra descartado por imprestável. De fato, sempre que a Razão queria voltar para casa ela dizia ao tempo: “penso, logo existo”.
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Enclausurada na solidão de seu luxuoso reino, entretanto, a Razão foi piorando do assustador mal cada vez mais, espalhando uma epidemia mundial de depressão em todo o planeta Terra, exatamente como tinha acontecido com a peste negra, causando uma tristeza profunda nos seres sensíveis da humanidade, aqueles que não podiam conviver com a injustiça, a pobreza, a violência, a miséria, a falta de solidariedade e amor entre os homens. A preocupação com a saúde da Razão se espalhou pelo mundo inteiro, fazendo com que cientistas e magos a procurassem para oferecer a panacéia para os seus males. A pobre Razão, entretanto, que também tinha transtorno do pânico, estava paralisada em sua invisível dimensão, pois somente ela sabia as palavras mágicas para lá chegar, e ninguém, nem mesmo ela, sabia como sair. Foi então que dois velhos bruxos, da terra do onde-pode-se esperar-tudo-de-bom, afirmaram que tinham uma saída para Razão e começaram a cantarolar um mantra encontrado para lá da inconsciência coletiva da humanidade, "penso onde não sou, logo sou onde não penso". Os efeitos da magia dos bruxos foram imediatos. A Razão soltouse de sua clausura invisível e tomou de novo o rumo da serra da Meruoca atrás da Luzia que também era homem, para lhe pedir desculpas pelo abandono.
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Foi então que aconteceu o fato mais doloroso de toda essa história: ao voltar à procura de Luzia que também era homem, ela a encontrou chorando alucinadamente aos pés de uma penitenciária de Sobral, querendo morrer de tristeza, pois, na mesma prisão em que foram encarcerados os baldos de cizo, os homossexuais e os corcundas, a sua parte homem tinha se suicidado, em virtude da doença da razão, deixando-a na corrosiva solidão de um nome sozinho, sem sentido, que não era nada sem o homem que sempre lhe fez companhia. A Razão ficou completamente transtornada e esmagada pela culpa, mas, como agora possuía o mantra dos velhos bruxos, teve esperança e começou a cantar uma melodia jobiniana encantada: “Rua, Espada nua Bóia no céu imensa e amarela Tão redonda a lua Como flutua Vem navegando o azul do firmamento E no silêncio lento Um trovador, cheio de estrelas Escuta agora a canção que eu fiz Pra te esquecer Luiza Eu sou apenas um pobre amador Apaixonado Um aprendiz do teu amor 7
Acorda amor Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração Vem cá, Luiza Me dá tua mão O teu desejo é sempre o meu desejo Vem, me exorciza Dá-me tua boca E a rosa louca Vem me dar um beijo E um raio de sol Nos teus cabelos Como um brilhante que partindo a luz Explode em sete cores Revelando então os sete mil amores Que eu guardei somente pra te dar Luiza Luiza Luiza”٭. Enquanto a canção mágica reproduzia a última nota de amor, impressionantemente, a Luzia, que já não podia ser homem, foi sendo tomada pelo encanto transanímico da melodia, e foi recebendo de volta, em outra forma, a parte que era sua e tinha se matado de tristeza, o que gerou uma linda completude, em que Luzia agora era também Luiza, o mais belo ser de alma híbrida que tinha visto por toda a humanidade. ٭
Música “Luiza”, de Tom Jobim.
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Agora, a Luzia, que também era Luiza, queria retribuir o favor que a Razão lhe tinha concedido. A razão, no entanto, ainda continuava triste e se sentindo culpada, vivendo na escuridão de pensamentos nunca dantes vistos, achando mesmo que não tinha mais condição de sobreviver. Imediatamente, Luzia, que agora também era Luiza, invocou o velho feiticeiro do Marco, que lhe entregou uma essência de doze girassóis amarelos numa jarra, que tinham nascido na Holanda, um país que fica debaixo do mar, o que deveria ser suficiente para alegrar a pobre Razão, que queria morrer. A Razão, antes de beber a teriaga do feiticeiro, ainda consultou seus cientistas, que nunca entenderam mesmo coisa de índio, a liberaram para o experimento. Acreditem, pois: quando a Razão tomou a essência de doze girassóis, nasceu nela um grande espírito colorido de todas as cores, deixando com inveja todos os arco-íris encantados jamais vistos pelos olhos das pessoas grandes. Foi quando a Razão incorporou o grande espírito da alegria e passou a cantar freneticamente, por todo o mundo, na língua da Roma contemporânea, que somente pôde ser compreendida por todos em virtude de uma tradução inexplicável de Glória Gaynor: 9
“I will survive At first I was afraid, I was petrified, Kept' thinkin' I could never live without you by my side, But then I spent so many nights thinkin' how you did me wrong, I grew strong, and I learned how to get along, And so your back, from outer space, I just walked in to find you here with that sad look upon your face, I should've changed that stupid lock, I should've made you leave your key, If I had known for just one second you'd be back to bother me, Go on now go, walk out the door, Just turn around now, you not welcome anymore, Weren't you the one who tried to hurt me with goodbye, Did you think I'd crumble, did you think I'd lay down and die, Oh no not I, I will survive, For as long as I know how to love I know I'll stay alive, I've got all my life to live; I've got all my love to give, And I'll survive, I will survive, Hey, Hey! It took all the strength I had not to fall apart, And trying hard to mend the pieces of my broken heart, And I spent oh so many nights just feeling sorry for myself, 10
I used to cry, but now I hold my head up high, And you'll see me, somebody new, I'm not that chained up little person still in love with you, And so you felt like droppin' in and just expect me to be free, Now I'm savin' all my lovin' for someone who's lovin' me, Go now go, walk out the door, Just turn around now, cause' your not welcome anymore, Weren't you the one who tried to break me with goodbye, Did ya think I'd crumble, did ya think I'd lay down and die, Oh no not I, I will survive, For as long as I know how to love I know I'll stay alive, I've got all my life to live, I've got all my love to give, And I'll survive, I will survive”٭.
“No início eu tive medo, fiquei paralisada, Continuava pensando que nunca conseguiria viver sem você ao meu lado. Mas então eu passei muitas noites Pensando como você me fez mal, E eu me fortaleci... E então você está de volta do espaço exterior: Eu acabei de entrar para te encontrar aqui Com aquela aparência triste no seu rosto. ٭
Música “I Will Survive”, de Glória Gaynor.
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Eu devia ter mudado aquela fechadura estúpida, Eu devia ter feito você deixar sua chave Se eu soubesse, apenas por um segundo, Que você voltaria para me incomodar... Vá agora, saia pela porta. Apenas vire-se agora, (Porque) você não é mais bem-vindo. Não foi você quem tentou Me magoar com o adeus? Eu me desintegrei em pedaços? Você pensou que eu deitaria e morreria? Oh não, eu não. Eu vou sobreviver... Enquanto eu souber como amar, Eu sei que permanecerei viva. Eu tenho minha vida toda para viver, Eu tenho meu amor todo para entregar e Eu vou sobreviver, Eu vou sobreviver... Foi preciso toda a força que tinha para não cair em pedaços, Continuei tentando duramente remendar os fragmentos do meu coração partido, E eu passei muitas noites Simplesmente sentindo pena de mim mesma. Eu costumava chorar, Mas agora eu mantenho minha cabeça bem erguida. 12
E você me veja [como] um novo alguém, Não sou aquela insignificante pessoa acorrentada ainda apaixonada por você... E então você tem vontade de fazer uma visita E simplesmente espera que eu esteja desimpedida... Agora estou guardando todo meu amor para alguém que está me amando. Vá agora...”. Dizem que essa canção encantada faz a alma feminina dos homens e mulheres dançar e cantarolar invariavelmente, unindo-os pela alegria de viver e pelo amor à vida. Segundo narra a história, a pajelança do feiticeiro do Marco com os girassóis da terra-debaixo-do-mar, pode ser potencializada por uma canção brasileira que relata a história de um homem que tinha um quintal sem muro e queria ter um milhão de amigos só para poder viver. Boa sorte! FIM
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