Preludio 17

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Prelúdio 17 O corpo entre sexo e gênero Bernard Nominé Hoje em dia está na moda dedicar-se aos estudos sobre o gênero. O interesse pelos estudos sobre o gênero começou no âmbito do feminismo norte americano. Uma tal de Judith Butler foi a primeira a escrever um texto sobre este tema: “Problemas de gênero”[1]. Trata-se de discutir os suposto destino que o sexo anatômico reserva para os homens e as mulheres, além de denunciar e de contrapor-se à influência cultural que determina o gênero na educação. Devemos ressaltar que o conceito de gênero foi extraído da teoria psicanalítica. Segundo Freud, os seres humanos podem distanciar-se da realidade de seu sexo, já que o sexo se inscreve no inconsciente com significantes que pertencem ao registro simbólico. No registro simbólico, os significantes se colocam naturalmente em pares de oposição. O inconsciente aproveita a articulação automática dos significantes para gozar da língua e Freud supôs que essa algazarra deveria ter um sentido; decifrou-a com a chave do sentido sexual. É preciso dizer que, dentro do arsenal simbólico, feito de pares de oposição, há um par que tem um estatuto peculiar por ser gerador do sentido, é o par homem/mulher. Devemos lembrar que os significantes adquirem sentido quando se inscrevem em um discurso e, ao fazê-lo, inscrevem-se de modo a representar uma relação entre um sujeito e o objeto do seu desejo. No entanto, essa articulação fundamental não implica nenhuma simetria. Só o amor – que implica em uma mudança de posição dentro do par – pode suprir a falta de simetria. Assim, pois, a relação sexual entre seres falantes produz-se no nível de um discurso inconsciente que rateia e que não é, em absoluto, simétrico. É assim que as crianças fazem, quando constroem sua novela familiar. Trata-se de um mito individual construído como um discurso em que os significantes copulam. Portanto, no mito individual não se trata de relação entre sexos, mas, sobretudo, entre gêneros. Dito isto, essa relação entre gêneros se torna tão problemática quanto a relação sexual, pois a relação entre gêneros fere a lei da gramática, ela está a serviço dos caprichos do fantasma, ou melhor, da ordem do desejo que não concorda com o binarismo que define a gramática do gênero. Se Lacan dizia: “Não há proporção sexual” – na época em que o gênero não estava na moda – hoje poderíamos dizer que não há, tampouco, proporção entre gêneros. O registro simbólico que funciona com o binarismo do significante não é suficiente, por si só, para dar conta dos paradoxos do desejo e, menos ainda, da relação problemática entre os gozos em jogo no encontro de dois seres humanos. Há outro registro pelo qual a sexualidade se interessa, é o registro da imagem. O imaginário é um registro da maior importância para o ser humano, porque é por meio da imagem que ele adquire uma primeira noção de sua identidade. Pois bem, a imagem do corpo tem uma relação particular com o sexo. Em primeiro lugar é preciso dizer que os órgãos sexuais são partes do corpo que os pais ensinam seus filhos a esconder, porque a imagem do corpo é idealmente assexuada. Na vida sexual do adulto, os órgãos sexuais continuam sendo tampados na imagem, porém, desde então, qualquer parte oculta na imagem evocará o sexual e despertará o desejo. Por isso, a relação do sexo com a imagem é bastante complicada. A imagem pode servir para enganar o desejo, é assim que funciona na mascarada feminina, no fetichismo e no travestismo. A imagem é sexuada, mas o gênero que ela mostra não concorda necessariamente com a realidade sexual daquele que porta a vestimenta. O engano é essencial, de modo que o simbólico e o imaginário tem de se arranjar com o real do sexo. Se Lacan nos mostrou que real, simbólico e imaginário se enodam para dar ao ser humano um aparelho com o qual ele


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