ISSN 1676-157X novembro 2012 nO 25
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil
stylus r e v is t a
d e psic a n á lise
A Lógica da Interpretação II
escola de psicanรกlise dos fรณruns do campo lacaniano - brasil
Stylus revista de psicanรกlise
Stylus Rio de Janeiro
nยบ25
p.1-196
novembro 2012
© 2012, Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (AFCL/EPFCL-Brasil) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito. Stylus Revista de Psicanálise É uma publicação semestral da Associação Fóruns do Campo Lacaniano/Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil. Rua Goethe, 66 – 2o andar. Botafogo. Rio de Janeiro, RJ Brasil. CEP 22281-020 - www.campolacaniano.com.br - revistastylus@yahoo.com.br Comissão de Gestão da Afcl/Epfcl- Brasil Conselho Editorial Diretora: Ana Laura Prates Pacheco Ana Laura Prates Pacheco (EPFCL -São Paulo) Secretária: Sandra Berta Andréa Fernandes (UFBA/EPFCL-Salvador) Tesoureira: Beatriz Oliveira Ângela Diniz Costa (EPFCL-Belo Horizonte) Ângela Mucida (Newton Paiva/EPFCL-Belo Horizonte) Equipe de Publicação de Stylus Angélia Teixeira (UFBA/EPFCL-Salvador) Silvana Pessoa (coordenadora) Bernard Nominé (EPFCL-França) Ana Paula Gianesi Clarice Gatto (FIOCRUZ/EPFCL-Rio de Janeiro) Andréa Fernandes Conrado Ramos (PUC-SP/EPFCL-São Paulo) Andréa Franco Milagres Christian Ingo Lentz Dunker (USP/EPFCL-São Paulo) Daniela Scheinkman-Chatelard (UNB/EPFCL-Brasília) Lia Carneiro Silveira Edson Saggese (IPUB/UFRJ-Rio de Janeiro) Rosana Baccarini Sonia Borges Eliane Schermann (EPFCL-Rio de Janeiro) Elisabete Thamer (Doutoranda da Sorbonne-Paris) Indexação Eugênia Correia (Psicanalista-Natal) Index Psi periódicos (BVS-Psi) Gabriel Lombardi (UBA/EPFCL-Buenos Aires) www.bvs.psi.org.br Graça Pamplona (EPFCL-Petrópolis) Helena Bicalho (USP/EPFCL-São Paulo) Editoração Eletrônica Henry Krutzen (Psicanalista/Natal) 113dc Design+Comunicação Kátia Botelho (PUC-MG/ EPFCL-Belo Horizonte) Luiz Andrade (UFPB/EPFCL-Paraíba) Tiragem Marie-Jean Sauret (U. Toulouse le Mirail-Toulouse) 500 exemplares Nina Araújo Leite (UNICAMP/ Escola de Psicanálise de Campinas) Raul Albino Pacheco Filho (PUC-SP/EPFCL-São Paulo) Sonia Alberti (UERJ/EPFCL-Rio de Janeiro) Vera Pollo (PUC-RJ/UVA/EPFCL-Rio de Janeiro) FICHA CATALOGRÁFICA
STYLUS: revista de psicanálise, n. 25, novembro de 2012
Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil - 17x24 cm Resumos em português e em inglês em todos os artigos. Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X 1. Psicanálise. 2. Psicanalistas – Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana. Psicanálise e arte. Psicanálise e literatura. Psicanálise e política. 2 CDD: 50.195
sumário 07 editorial: Silvana Pessoa
conferências 15 29
Bernard Nominé: O analista frente ao inconsciente Marcelo Mazzuca: Ecos do passe. (A voz-a nova)
ensaios 43 53 59 69
Ana Laura Prates Pacheco: Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista Antonio Quinet: A interpretação: uma arte com ética Sonia Borges: Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea Luis Izcovich: As marcas da interpretação
trabalho crítico com conceitos
77 Ana Paula Lacorte Gianesi: Sobre um suplemento de significante 87 Bárbara Guatimosim: Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque? 99 Rosanne Grippi: Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud 107 Raul Albino Pacheco Filho: Interpretação em psicanálise e em ciência: contrapontos
direção do tratamento 123 137 143
Carlos Eduardo Frazão Meirelles: O Manejo da Transferência Roberta Luna da Costa Freire Russo: Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva Ângela Mucida: Espaço da Interpretação e inconsciente real
entrevista 157
Ana Laura Prates Pacheco entrevistada por Silvana Pessoa
resenhas 169 173
Andréa Rodrigues: Resenha do livro Os outros em Lacan Andréa Hortélio Fernandes: Apresentação da Coletânea do Campo Psicanalítico: A lógica da Interpretação
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contents 07 editorial: Silvana Pessoa
conferences 15 29
Bernard Nominé: The analyst before the unconsious Marcelo Mazzuca: Echoes of the pass: The new voice-a
essays 43 53 59 69
Ana Laura Prates Pacheco: For a practice without value: the psychoanalyst’s poetic sufficiency and convenience Antonio Quinet: Interpretation: an art with ethics Sonia Borges: Who’s afraid of ready-made? Psychoanalysis, interpretation and contemporary art Luis Izcovich: The marks of interpretation
critical paper with the concepts
77 87 99 107
Ana Paula Lacorte Gianesi: About a supplement of the significant Bárbara Guatimosim: Neurosis exists and people get cured. What’s the trick? Rosanne Grippi: Construction and interpretation in Freud’s Constructions in Analysis (1937) Raul Albino Pacheco Filho: Interpretation in psychoanalysis and in science: counterpoints
the direction of the treatment 123 137 143
Carlos Eduardo Frazão Meirelles: Management of transfer Roberta Luna da Costa Freire Russo: Tailoring and sewing: interpretation in obsessive neurosis Ângela Mucida: Interpretation space and unconscious real
interview 157
Ana Laura Prates Pacheco interviewed by Silvana Pessoa
reviews
169 Andréa Rodrigues: Review of the book The others in Lacan 173 Andréa Hortélio Fernandes: Presentation of the Campo Psicanalítico’s Collection: The logic of interpretation
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Editorial A revista que você tem em mãos reúne, em continuidade com a Stylus 24, alguns artigos apresentados no XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil que ocorreu em Salvador, em 2011, e que investigou a lógica da interpretação. A exceção desse conjunto reside na publicação de duas conferências êxtimas, uma de Colette Soler, proferida em abril de 2012 em Paris e publicada na Stylus 24, e outra, a de Bernard Nominé, proferida em dezembro de 2011, na Jornada de Encerramento do Fórum São Paulo, publicada neste número. Justificamos a inclusão dessas suas conferências por considerá-las de extrema importância para acompanharmos o debate que ocorre na França e darmos um tratamento clínico e teórico aos ecos que reverberam aqui no Brasil. A primeira conferência, já publicada no número anterior, trata do estudo do conceito de inconsciente real, deduzido pela autora no último ensino de Lacan, e a interrogação sobre consequências da introdução deste conceito para a prática psicanalítica. A segunda, a de Bernard Nominé, é resultado de um trabalho de pesquisa que o autor vem desenvolvendo no seu seminário O inconsciente, de Freud a Lacan, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido. Nessa conferência vocês poderão encontrar uma reflexão sobre a prática do psicanalista diante do inconsciente, para tentar daí desvendar a lógica do passo que fez Freud descobrir o inconsciente e levá-lo a operar na clínica, não sem o sentido, consequência que poderia ser deduzida equivocadamente da extração do conceito do inconsciente real. Essa pesquisa de Nominé, fundamental para a clínica psicanalítica, pode ser dita de diferentes maneiras: “o que faz o analista diante do inconsciente?; qual a lógica da interpretação?; ou mais ainda: “o que é esse algo em que o psicanalista, ao interpretar, produz a intrusão do significante? Esfalfo-me para que ele não o tome por uma coisa, já que se trata de uma falha estrutural” (LACAN, Radiofonia, 1970, p. 411). O que encontraremos como resposta aqui em cada um desses artigos que compõem esta revista? Vejamos aqui na sequência. Marcelo Mazzuca, psicanalista, AE da EPFCL, trata de forma bonita e poética na sua conferência de mais um depoimento do seu passe no que diz respeito à importância dos sonhos e da interpretação na sua análise. Por se tratar de um testemunho vivo, podemos recolher alguns ensinamentos, dos quais destaco: “que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real. Entretanto, dá lugar ao real, não pode provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real repercute no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e ressonâncias”. “Vozes e ressonâncias.” Palavras comuns no campo da poesia, e Lacan estava atento a isso. No Seminário L’insu (1976-1977) ele lança uma pergunta: seria o psi-
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canalista poeta o suficiente? É a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas a poesia permite a interpretação”. Esse é o desenvolvimento proposto por Ana Laura Prates Pacheco no seu artigo, que abre a seção Ensaios. Nele, a autora destaca que a articulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis da linguagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A instância da letra (1958). “Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora e a metonímia.”, diz a autora. Na sequência, Antonio Quinet interroga, de forma interessante, as condições da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação, cujo termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como oráculo, que toma a via do signo e do enigma, correndo o risco de ser tomada como vaticínio e também como fora-do-discurso das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via por excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se a uma significação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de nomear o dizer do analista com esse termo, o autor lembra que Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou seja, o da interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto a escolha da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a mise-en-acte do analista. Sonia Borges também lança recurso da arte para demonstrar a interpretação psicanalítica. Neste seu artigo ela discute a orientação de Lacan para o trabalho de interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpretação é o ready made, Marcel Duchamp [...], que está mencionada na conferência A terceira, de 1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à perspectiva hermenêutica da interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como sendo o seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silenciosamente o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e sustenta todo objeto, esclarece que é jogando com as palavras de forma provocativa que se pode ir além do deciframento dos significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas com significados”. Encerrando esta seção temos o artigo de Luis Izcovich, que traz uma importante articulação entre a interpretação e o final de análise. Nele, o autor interroga se aquele que não tenha levado sua própria análise até sua conclusão poderá assegurar a direção de uma análise, como também poderá fazer uma interpretação “à bon escient”, ou seja, uma interpretação intencional, aquela que se faz com conhecimento de causa e em função de uma finalidade. Conclui defendendo a tese de Lacan, presente desde 1958 no texto A direção do tratamento, que ter atravessado a experiência de final de análise não só é necessário para saber como no que se refere à sua conclusão, mas também condiciona a pertinência da interpretação. Abrindo a seção Trabalho crítico com conceitos temos o instigante trabalho de
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Editorial
Ana Paula Gianesi, que também trata de final de análise. Encontram-se no seu trabalho alguns comentários de Lacan, em conformidade com certa cronologia, até aportar a noção de suplemento, o que indica uma orientação “feminizante” para uma análise concluindo que se em um possível final de análise possa não haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suplementar em relação ao gozo fálico. Também do final de análise trata o trabalho de Barbara Guatimosim. Ela parte de uma conferência inédita de Lacan, de 1978, Congresso sobre a transmissão, para interrogar: como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o truque? Como se cura uma neurose? Baseada nas observações que faz Lacan e sob sua orientação, a autora trabalha algumas questões sobre interpretação e ato. Um trabalho que tem a marca de uma autoria singular que vale a pena acompanhar e analisar as consequências que dele se pode extrair. Na sequência, Rosanne Grippi trabalha o clássico texto de Freud (1934), Construções em análise, considerado por Lacan como o texto que abarca a teoria freudiana por demonstrar clinicamente a interdependência dos conceitos de “construção” e “interpretação”. A autora lembra nesse artigo que Freud questiona o que os analistas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada a partir de um saber soberano do analista é, no mínimo, uma impostura clínica. Ela também trata a diferença que reside no fato de que a interpretação se dá com base em um dado isolado, como um lapso, enquanto que a construção confronta o sujeito com um fragmento de sua história primitiva. Para finalizar esta seção, temos o artigo bem argumentado e fundamentado de Raul Pacheco, que trata o tema da interpretação e das diferentes maneiras de concebê-la nos campos da filosofia, da ciência e da psicanálise, estabelecendo alguns contrapontos entre as discussões nesses dois campos. O autor interroga se existe uma especificidade da interpretação na psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos, e também aponta outras tantas questões, tais como as temáticas do real, da verdade e da causa material, e se a pluralidade interpretativa, na psicanálise, é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à ciência ou isso deve ser concebido de outra maneira? Abrindo a seção que trata da Direção do tratamento, temos o artigo de Carlos Eduardo Frazão Meirelles, que investiga o conceito de manejo da transferência no campo clínico da neurose. Ele acompanha as formulações inaugurais de Sigmund Freud sobre o fenômeno da transferência, no que implica de repetição e realidade sexual, utilizando como referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer, assim como as formulações de Freud sobre a utilização da transferência para o tratamento da neurose, no que diz respeito à produção de saber inconsciente e à sustentação do trabalho analítico. Com Jacques Lacan, ele examina o termo
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freudiano de manejo da transferência, retomando a noção de sujeito suposto saber e sua formalização matêmica, e por fim discute o manejo da transferência no momento de entrada em análise com a apresentação de um fragmento de um caso clínico. Em seguida, Roberta Luna trata da interpretação, baseada na sua experiência clínica com a neurose obsessiva, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia. Isto porque ele amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação. Aqui, para a autora, se desdobra a questão norteadora deste trabalho: como se interpreta, na neurose obsessiva, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose obsessiva? Finalizando esta parte da revista, temos o rigoroso artigo de Ângela Mucida, afirmando que foi a insistência do real incrustado no sintoma que ofereceu a Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. Diz ela: “é pela existência do real fora do sentido que Lacan forjou a tese do inconsciente real, abrindo novas maneiras de se pensar o campo da interpretação”. Nessa direção, a partir da referência de Lacan sobre o “espaço do lapso”, a autora discute a hipótese de um espaço da interpretação como forma de contextualizar o estatuto da interpretação e o inconsciente real, tendo como suporte a questão: como operar com a interpretação com um real fora do sentido?, o que nos leva de volta ao debate introduzido nesta revista. Na parte que trata das Resenhas, Andrea Rodrigues dá boas noticias sobre o livro recém-lançado de Antonio Quinet, Os outros em Lacan, que se inscreve numa coleção cujo objetivo é fazer o leitor conhecer, de “maneira gradual e interdisciplinar, os mais importantes pensadores, ideias e obras”, com linguagem acessível a todos, mas não sem perder o rigor de cada um de seus campos. Também contamos com a resenha de um livro homônimo a esta revista, recentemente publicado pela Associação Científica do Campo Psicanalítico, organizado por Andréa Fernandes, que contém, além do trabalho dos seus membros, a conferência de Marc Strauss, convidado internacional do Encontro Nacional sobre a Lógica da Interpretação. Com este, mais os dois volumes da Stylus, o leitor terá uma bela composição do que foi tratado no Campo Lacaniano em 2011-12 sobre este tema. Encerro esta revista – e este editorial – apresentando a entrevista com a atual diretora da EPFCL – Brasil, realizada por considerarmos um momento oportuno de transmissão de uma experiência, haja vista que em breve haverá uma nova permuta da Comissão de Gestão de nossa comunidade de Fóruns e da Equipe de Publicação da Stylus. Não só por isso, mas também para homenagear a recémcriada Rede de Psicanálise & Criança e, last but not least, para acolher e divulgar
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Editorial
o livro recém-lançado de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do tratamento na análise com crianças. A ela, em nome da Comissão de Gestão, e a todos os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos a confiança e o apoio na realização de nosso trabalho e desejamos a todos uma boa leitura!
Silvana Pessoa em nome da EPS (2011-12)
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conferĂŞncias
O analista frente ao inconsciente Bernard Nominé Desde que Colette Soler iniciou o estudo do conceito de inconsciente real que ela deduziu do final do ensinamento de Lacan, nós nos interrogamos com ela sobre o alcance de tal mudança de perspectiva sobre a prática analítica. É nessa óptica que lhes proponho esta reflexão sobre o psicanalista diante do inconsciente. Pessoalmente, no escopo de um seminário que conduzo em minha região, estimulado pelo trabalho de Colette Soler, dediquei um ano de trabalho ao retomar a leitura de Freud para tentar daí desvendar a lógica do passo que o fez descobrir o inconsciente. Eu havia intitulado este trabalho de O inconsciente, de Freud a Lacan, e prossegui neste ano, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido. Proponho-me então, hoje, partilhar com vocês um pouco deste trabalho. Tomei meu ponto de partida da leitura de um trabalho de Freud que data de 1892, Um caso de cura pelo hipnotismo, que me interessou muito particularmente, porque Freud descreve nesse artigo uma contravontade que me parece ser o antecessor do inconsciente freudiano. Antes de descobrir o inconsciente e sua estrutura linguageira com sua lógica, sua gramática, Freud, que praticava essencialmente a hipnose, teve a princípio a ideia de que a neurose testemunhava a existência de uma contravontade oposta a toda realização positiva do sujeito. E com seu tratamento hipnótico, quer dizer, com seu próprio desejo, ele sustentava o desejo vacilante do paciente para superar a contravontade. Interessei-me, então, por esse conceito de contravontade, Gegenwillen, e procurei verificar o que ele se tornara na obra de Freud. Lembro-lhes que nesse primeiro texto Freud relata o sucesso terapêutico da sugestão hipnótica sobre uma jovem que acabara de parir, e que vomitava, não dormia mais e por isso não conseguia amamentar seu bebê. Freud não se preocupa em procurar um sentido para esse sintoma, ele se contenta em ver a obra de uma contravontade que se opõe, sem o conhecimento da paciente, a seu projeto de aleitamento. O que me impressionou, na leitura desse artigo, é que Freud não considera por um só instante que essa contravontade pudesse ser a manifestação de um sujeito inconsciente que se oporia à vontade consciente. Essa contravontade se manifesta, diz Freud, por representações contrastantes aflitivas. Quando, por exemplo, temos um projeto e esperamos o momento de realizá-lo, podemos ter ao mesmo tempo a ideia de tudo que poderia acontecer e impedir a realização do projeto.
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Segundo Freud, essas representações contrastantes aflitivas devem, sem dúvida, estar sempre lá, ao lado da representação positiva do projeto. Ainda que Freud não o diga de forma explícita, eu deduzo que essas representações contrastantes aflitivas se impõem como um automatismo da língua que faz com que em toda língua os significantes se apresentem sob a forma de pares de opostos. Como se a felicidade não pudesse se pensar sem a tristeza, a conquista sem o fracasso, como a clareza não pode se definir sem a obscuridade. Então, essas representações opostas estão sempre lá, mas o que Freud sublinha – e eis aí seu traço de gênio – é que uma vida sã implica que não as percebamos. Como é que uma pessoa, com vida ideativa sadia, lida com as ideias antitéticas que se opõem a uma intenção? Com a poderosa autoconfiança da saúde, a pessoa as reprime e inibe, na medida do possível, e as exclui de suas associações de pensamentos. Isto muitas vezes sucede em tal medida que a existência de uma ideia antitética contra uma intenção geralmente nem sequer se manifesta, tornando-se uma probabilidade somente quando passamos a examinar as neuroses. (18923/1987, p. 163) Levanto, então, a hipótese de que esse tema da contravontade precede, em Freud, o conceito do inconsciente. Ele mostra como as representações contrastantes aflitivas resultantes da contravontade são excluídas da cadeia de associações - o que corresponde à saúde psíquica – e como elas emergem da neurose e como predominam na neurastenia. Mas o que é surpreendente é que a contravontade não implica, para Freud, a existência de um sujeito do inconsciente, ela não tem, então, que ser interpretada. Ao contrário, o que é muito nítido, é que ela se apresenta como uma especificidade da língua, na qual, primitivamente os significantes se constituem por pares de opostos, como a felicidade com a tristeza, o sucesso com o fracasso, o branco com o preto... sem que isso queira dizer o que quer que seja. Se sou sensível a essa constituição arcaica da língua, é por ter trabalhado sobre a relação dos autistas com a linguagem. Todos aqueles que se ocuparam de crianças autistas terão notado que a criança autista pode passar horas a fazer funcionar esses pares de significantes opostos. Fechar uma porta e abri-la, acender depois apagar a luz, encher e esvaziar a pia... O autista é fascinado por esse nível arcaico, esse funcionamento binário do significante; existe aí, para ele, um gozo muito primitivo que não é articulado à fala e que não é partilhável com ninguém. É uma espécie de gozo automático do significante. A clínica do autismo nos revela então esse nível de articulação arcaico e binário da linguagem que não aparece para aquele que utiliza a linguagem para ser representada por um significante ao lado de outros na fala. Pois, então, trata-se
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de um outro nível de articulação do significante. O significante, aqui, não mais se define pela única diferença em relação aos outros significantes, e notadamente a diferença com o significante oposto, mas se define pelo fato de que ele representa o sujeito para um outro significante. Isso implica a suposição de um sujeito que quer se fazer entender, que quer dizer alguma coisa, enfim, a questão do sentido. Esse nível de articulação da fala faz desaparecer a primeira articulação arcaica e, entretanto, restam rastros. Freud se deu conta e construiu sua hipótese do inconsciente baseado nesses rastros. É por isso que ele se interessou pelos trabalhos de um linguista de sua época, Karl Abel, sobre o sentido antinômico das palavras primitivas. Abel demonstra que haveria primitivamente na língua uma só palavra para designar dois significados opostos. De vez que todo o conceito é dessa maneira o gêmeo de seu contrário, como poderia ele ser de início pensado e como poderia ele ser comunicado a outros senão pela medida de seu contrário? (1884, p. 163). Freud se encanta com essa hipótese pois ela o faz pensar nisso, o que ele mesmo descobriu a propósito do inconsciente, que este não conhece a contradição e que pode utilizar um significante para designar uma coisa ou seu contrário. [...] o homem não pôde adquirir suas noções mais antigas e mais simples a não ser como os contrários dos contrários, e só gradativamente aprendeu a separar os dois lados de uma antítese e a pensar em um deles sem a comparação consciente com os outros. (FREUD, 1910, p.161). Vocês notarão que a lógica do raciocínio de Abel é exatamente a mesma de Freud diante das representações contrastantes aflitivas. É a ideia de que a associação primitiva entre dois significantes opostos pode se desfazer e que se pode enunciar um significante esquecendo seu oposto. É uma condição necessária para poder pensar e falar sem essas conexões parasitas. Essa tese de Karl Abel foi criticada por um certo número de linguistas e deixada de lado pelos psicanalistas. Lacan levou-a muito a sério e a relacionou à língua fundamental do Presidente Schreber. Essa língua fundamental, espécie de alemão primitivo, seria a língua falada por Deus; ela utilizaria eufemismos, antífrases; ela utilizaria, por exemplo, a palavra recompensa para significar castigo, a palavra alimento para significar veneno, ímpio no lugar de santo...etc. Reparamos que nessa língua não há gozo do sentido, mas um gozo arcaico da binaridade do significante. Essa língua é feita de significantes que se articulam
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automaticamente uns aos outros. É uma língua reduzida ao código sem qualquer alcance de mensagem, quer dizer, sem a suposição de um sujeito outro senão Deus, para lhe dar um valor de mensagem. Encontramos em Lacan alguma coisa que se aproxima muito dessa ideia da língua fundamental quando ele estuda um fenômeno que descreve cuidadosamente no alucinado e que ele chama a modulação interior contínua. É no seminário sobre As psicoses, precisamente na aula de 25 de janeiro de 1956. Nessa aula, Lacan se interroga sobre o caráter estrutural da alucinação verbal no sujeito psicótico. E o que me impressiona é que ele adota a mesma abordagem de Freud no que concerne às representações contrastantes aflitivas. Ele nos diz que, na vivência de um sujeito, antes que essa vivência se organize de modo articulado sob forma de história, com momentos cruciais que não são nada mais que pontos de estofo onde essa vivência toma sentido, os significantes encontrados na vivência de um sujeito se registram e sucedem de forma contínua sem outra articulação senão essa estrutura basal da língua onde os significantes se ordenam pelos pares de opostos, por pura contingência, por contiguidade ou simples assonância. Esse tipo de articulação automática interior, inerente à estrutura de base da língua, Lacan a descreve seja como frase simbólica, seja como modulação interior contínua. Ela tem certamente alguma coisa a ver com o inconsciente, mas eu acredito, entretanto que é preciso distingui-la. Lacan sugere isso quando opõe essa sucessão interior contínua e que se inscreve de um modo descontínuo com escansões, pontos de estofo que lhes dão um sentido e a coloca em continuidade com um diálogo exterior; ela se faz então escutar como discurso do Outro. Mas no fundo ela não se articula como discurso do Outro, mas antes como alíngua. E uma das funções do eu é utilizar suas orelhas para selecionar o que deve ser escutado, quer dizer, o que tem um sentido. A modulação interior desfila então num contínuo, mas nossa consciência nos desvia dela. Então, nós não a escutamos. É nisso que ela é inconsciente. Mas isso não quer dizer que o sujeito a recalque intencionalmente. Por que ele a recalcaria? Ela não veicula em si mesma nenhum saber. A consciência nos desvia dela simplesmente para que nosso pensamento não seja parasitado por esse barulho de fundo. A contravontade evidenciada por Freud nos seus inícios é, sem dúvida, uma manifestação disso. Como chamaríamos hoje essa potência obscura que reside nas profundezas da língua e que se opõe às intenções, quer dizer ao desejo de um sujeito? Eu acredito que nós poderíamos chamá-la gozo. É esse gozo ao qual renuncia aquele que toma a palavra. Não é o gozo do sentido que anima aquele que conversa, não é tampouco o gozo do corpo que é preciso calar e que deve passar ao inconsciente.
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É preciso dizer que Freud não soube distinguir claramente esses três níveis de gozo, porque ele assimilou muito rapidamente essa famosa contra-vontade à manifestação de um sujeito que se oporia a essa privação de gozo: o sujeito do inconsciente. É a hipótese freudiana; ela é feita para dar sentido ao sem sentido de alíngua. Um pequeno capítulo de A Psicopatologia da vida cotidiana (1901) - demonstrará isso facilmente a vocês. Eu o encontrei, procurando saber o que teria se tornado o conceito de contravontade na obra de Freud. Encontramos seu rastro nessa passagem sobre o esquecimento de projetos. Freud nos dá, baseado na sua experiência pessoal, alguns exemplos em que ele esqueceu de fazer coisas que tinha projetado fazer e coloca esse esquecimento na conta de uma contra-vontade que se opõe à execução do projeto em questão. [...] compilei os casos de omissões por esquecimento que observei em mim mesmo e me empenhei em esclarecê-los, descobrindo invariavelmente que se podia atribuir sua origem à interferência de motivos inconfessados e desconhecidos – ou, como se poderia dizer, a uma contravontade. Numa série desses casos eu me encontrava numa situação semelhante à do serviço [militar], sob uma pressão à qual eu tinha desistido inteiramente de me opor, de modo que me manifestava contra ela através do esquecimento. (p 191-192). Então, a tese inicial da contravontade sofre uma mutação importante. Não se trata mais de uma potência obscura que age automaticamente; trata-se agora de uma manifestação do sujeito do inconsciente para se opor a uma pressão. A sequência do capítulo é ainda mais clara. Não se trata, forçosamente, de se opor a um projeto preciso, porque Freud nos dá alguns exemplos em que a contravontade não se opõe diretamente a um projeto, mas, utilizando uma associação significante, ela se opõe a um outro projeto aparentemente insignificante.
Freud fala de um projeto que ele tinha para comprar mata-borrão, Löschpapier, durante quatro dias ele se esquece de comprá-lo. Ele não entende porque uma contra-vontade se opõe a esse projeto tão insignificante, até que ele diz que há uma outra palavra para dizer mata-borrão: Fliesspapier. Ora, ele confessa que nesses dias teria tido boas razões para esquecer de pensar em seu colega Fliess, mas que ele não chegara a se desfazer de suas preocupações e que é um instinto de defesa que o faz deslocar o esquecimento do projeto de comprar Fliesspapier, projeto menos importante e então menos resistente. É preciso voltar atrás no texto de Freud para compreender o que ele entende por instinto de defesa.
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Nós vemos que muitas coisas são esquecidas por elas mesmas; mas nos casos onde isso não é possível, o instinto de defesa desloca seu objetivo e mergulha no esquecimento uma outra coisa menos importante, mas que... é religada à coisa principal por uma associação qualquer. (Ibid. p. 197). Notemos que a contravontade se manifesta utilizando associações linguageiras, nisso ela mostra bem sua origem tal qual Freud a isolou desde o início. É um tipo de automatismo que não reflete, que não calcula, e que de uma certa maneira age de forma não adaptada: esquecer que queremos comprar mata-borrões quando gostaríamos de esquecer de pensar nos problemas que temos com tal colega; o objetivo principal parece falhar. E, entretanto, Freud fala de um instinto de defesa, e aí ele supõe que a contra-vontade resulte de um cálculo feito pelo sujeito para se defender contra uma instância, uma autoridade que o constrange. Se o objetivo é esquecer o projeto, ele falhou; mas se o objetivo é se opor à autoridade que constrange a se lembrar, então ele foi alcançado. Seja como for, essa contra-vontade não é mais somente um tipo de inércia linguageira, ela é a expressão de um sujeito que diz não, que se opõe a uma autoridade constrangedora (o supereu, sem dúvida) e que utiliza para isso os processos primários que a linguagem lhe oferece. Aqui estamos de todo modo, no registro do inconsciente freudiano. Uma conclusão se impõe. Freud começou sua carreira descobrindo a contravontade que se opõe, às vezes, aos projetos de um sujeito, quer dizer, a seu desejo. Essa contra-vontade, emanando da estrutura basal da língua, nós podemos assimilá-la a um gozo arcaico, aquele que nós podemos deduzir da clínica de alguns sujeitos que fracassam ao se inscrever num discurso. É um gozo da língua, mas nós não podemos assimilá-la com o gozo dito do Outro. Ao contrário, quando Freud levanta a hipótese do inconsciente, ele atribui a um sujeito essa vontade de gozar da língua, e ele a assimila de bom grado a um desejo inconsciente, o que implica enodar esse gozo primitivo ao gozo do Outro. Então, a questão que se nos coloca é saber se todo esse gozo primitivo chega a se enodar ao gozo do Outro, ou se resta dele alguma coisa que resiste a essa transformação. Parece-me que a resposta é sim; alguma coisa resiste a essa transmutação do gozo arcaico em gozo do Outro, e Freud mesmo o localizou com seu conceito de Urverdrängung: o recalque original que Lacan equiparou a um outro ponto inacessível pela decifração do sentido: o não reconhecido, o Unerkannt que constitui o umbigo do sonho. Esse ponto que restou fora do alcance das cadeias associativas que criam o sentido não é inerte, não permanece inativo, bem ao
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contrário, já que é ele que atrai toda cadeia significante que passa na proximidade por pouco que um significante a ele se ligue por homofonia, ou simples contiguidade. Definitivamente, Freud mesmo fala isso; se sabemos lê-lo bem, esse ponto de umbigo é o verdadeiro motor do recalque. É o que opera em Freud uma verdadeira subversão porque, até aí, Freud tinha a tendência de não colocar o recalque senão na conta do eu e do supereu. Aqui, ao contrário, podemos situar a causa do recalque nesse ponto obscuro, esse recalcado primordial que resta fora de alcance de toda tomada do sujeito, esse ponto não é outra coisa que o que Lacan designou com uma simples letrinha: o objeto a. Ele tomou o cuidado de precisar sua função de mais-de-gozar. Quer dizer que a é o rastro desse gozo arcaico que não passou à cifração do sentido para constituir o inconsciente que goza do sentido e, entretanto, é preciso ver que é esse resto fora do sentido que é causa do recalque. Eu não me refiro aí a Lacan, mas a Freud, quando ele no diz explicitamente em sua Metapsicologia: Além disso, é errado dar ênfase apenas à repulsão que atua a partir da direção da consciência sobre o que deve ser recalcado; igualmente importante é a atração exercida por aquilo que foi primevamente repelido, sobretudo aquilo com o que ele possa estabelecer a ligação. Provavelmente a tendência no sentido do recalque falharia em seu propósito, caso estas forças não cooperassem. (1915, p.153). Vemos muito claramente que Freud constrói sua hipótese do inconsciente como resultado de dois tipos de forças: a força de atração do recalcado original e a força da censura que rejeita as pulsões que ela julga perigosas. Parece-me que Lacan vai exatamente no mesmo sentido quando ele precisa as relações do inconsciente com o que designa como alíngua. A função do recalcado primordial e a função de alíngua parecem-me bastante vizinhas, para não dizer idênticas. O inconsciente não é estruturado como alíngua, ele é estruturado como uma linguagem, diz Lacan. Certamente o inconsciente é feito de alíngua, mas Lacan precisa: “O inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua” (LACAN, 19721973, p. 127). Seu saber-fazer consiste em articular significantes, a lhes dar sentido, a partir do galimatias de alíngua e se servindo das possibilidades que ela oferece: representações contrárias, assonâncias, homofonias, metonímia... etc. Porque, definitivamente, quando alíngua se faz ouvir em seu barulho insensato, ela não pode, senão, suscitar um apelo ao sentido. Todo o processo do inconsciente está aí nessa resposta ao apelo, ao sentido. O que todo mundo pode notar é que o sentido fabricado pelo inconsciente é unívoco, ele é exclusivamente de ordem sexual. Esse sentido é impulsionado pelo
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investimento de algumas representações fundamentais que organizam a polaridade da estrutura edipiana. Reportem-se à Conferência XXVII da introdução à psicanálise sobre O sentido dos sintomas (1916-1917). A menina de que Freud fala no segundo exemplo não pode dormir senão depois de ter ordenado seu mundo para evitar toda copulação do travesseiro com a cabeceira da cama, todo batimento intempestivo do pêndulo... etc. Enfim, para organizar seu mundo ela tomou como modelo a copulação de seus pais que ela quisera impedir, porque ela desejava seu pai. Sua libido é, desta feita, impedida, pois o objeto visado lhe é interdito e ela se fixa então sobre as representações que lhe servem de substitutas e que alimentam seu sintoma. A libido, para Freud, é a manifestação da pulsão sexual. É, antes de tudo, um investimento de algumas representações de objeto, é um percurso orientado que encaminha um sujeito em direção à realização de uma satisfação sexual. O sentido das palavras serve então de aparelho para o coito sexual. É o que Lacan diz em uma aula do seu Seminário de 1974, Os não tolos erram (lição de 08 de janeiro). Em uma conferência em Bruxelas em 1977, Lacan dizia essa coisa muito simples: Muito mais do que disse Freud, há a maior relação entre o uso das palavras, na espécie que tem as palavras à sua disposição, e a sexualidade que existe nesta espécie. A sexualidade é inteiramente incorporada a estas palavras. Este é o passo assumido por Freud. A libido toma emprestado o sentido das palavras. Mas, ao mesmo tempo, dando peso a algumas representações, é ela que orienta o sentido das palavras. É uma relação de intrincação. A libido toma emprestado o sentido das palavras, mas ela o reforça também. Podemos, ao mesmo tempo, colocar a questão do que pode ser a sexualidade daqueles que não têm acesso ao sentido das palavras. Recentemente vieram me falar de um jovem adulto autista de quem eu me ocupara em sua infância. Seus educadores estão sobrecarregados pelas crises de agressividade que ocorrem cada vez com mais frequência, e eles acreditam que isso venha da sua impossibilidade de realizar qualquer atividade sexual. Ele, com certeza, é incapaz de ter qualquer relação sexual com quem quer que seja, mas segundo seus educadores, ele não é nem mesmo capaz de se masturbar de verdade. Ele passa longos momentos no banheiro a manipular o pênis enquanto urina, para tentar provocar alguma sensação, mas sai enfurecido, porque nada funciona. A tensão interna real que o assola em seu corpo não encontra uma saída, porque ele não tem os meios para convertê-la em libido. A libido teria necessidade de representações significantes para se orientar. É o que faz falta cruelmente nesse
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autista profundo. Desse fato podemos constatar que esse sujeito não conhece o gozo sexual. Ele é, entretanto, invadido por um gozo que o encerra em sua bolha autista. Mas o gozo autista de alíngua não é da mesma ordem que o sentido gozado que abunda no inconsciente, mas que não é aberto senão ao sentido sexual. Como o inconsciente se vira com alíngua? Ele a utiliza como aparelho para dar sentido ao gozo do corpo. E o sentido que convém ao gozo do corpo é o sentido sexual. Quer dizer que é uma questão [affaire] de discurso. O sentido é sempre uma questão [affaire] de discurso. Não há sentido fora de um discurso. O sentido sexual é gerado pelo lugar que um sujeito ocupa no encontro de seu corpo com o corpo de um outro. É uma questão [affaire] de lugar numa ordem simbólica. Esse lugar não é necessariamente condicionado pelo real do sexo anatômico do sujeito. É por isso que podemos dissociar o sexo e o gênero, está bem na moda, hoje em dia. Se o sexo não faz signo, o gênero, em contrapartida, pode fazer sentido. Seja o que for, a copulação que faz sentido é uma copulação entre significantes. Só os significantes copulam, diz Lacan, e é no inconsciente que eles copulam, independentemente da realidade anatômica que diferencia os sexos. É o que significa a fórmula clássica de Lacan que não é simples de compreender nem de admitir: “não há relação sexual”. Há sentido sexual, todo sentido é sexual, acreditando-se em Freud e Lacan; mas esse sentido sexual, se ele é produtor de gozo – pelo simples fato da cifração do gozo para fazê-lo entrar num discurso coerente –, esse sentido sexual não diz nada do que se passa no nível do real do corpo de um homem e de uma mulher. “Homens e mulheres, é real” – dizia Lacan diante de seu auditório na Capela do Hospital Sainte-Anne – “mas nós não somos, a respeito deles, capazes de articular a menor coisa ‘na alíngua’ que tenha a menor relação com esse real” (1971). Entretanto, existe na língua esse casal de significantes homem/mulher, e ele faz parte dos famosos pares de opostos dos quais vimos que alíngua era feita. Mas no meio do conjunto de pares de opostos, o casal homem/mulher tem uma função particular na condição de que essa função seja calcada sobre aquela da “pequena célula palpitante de simbolismo” que organiza “as primeiras simbolizações da situação edipiana” (LACAN, 1953-1954/1993, p, 103) Contrariamente aos outros pares de opostos que se articulam na alíngua, o que gera essa celulazinha palpitante de simbolismo é o sentido. Podemos então considerar que, de saída, o sentido é sexual. O inconsciente é produtor desse sentido sexual. Se acreditamos em Freud, no inconsciente como discurso do Outro, não há sentido senão sexual. Entretanto, esse sentido não é imediatamente acessível, porque ele é codificado. O que lhe dá seu atrativo particular é que é um sentido que foge, que engana, que
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utiliza desvios, propõe impasses, paradoxos. Nisso ele responde perfeitamente à única definição possível do sentido: o que faz nascer naquele que recebe uma mensagem a questão do que isso quer dizer e a vontade que isso suscita de lhe decifrar. Para mobilizar o sentido é preciso, então, duas operações: uma cifração e uma decifração. O inconsciente cifra, está aí sua função e ele tira daí uma satisfação, Freud dizia um Lustgewinn. Seria mesmo, segundo Freud, no fim das contas, sua única função: satisfazer ao princípio do prazer. Entretanto, não se pode esquecer que o mensageiro que cifra é encorajado em seu trabalho pela ideia do destinatário que vai lê-la com a condição de compartilhar a cifra (o código). O parceiro do inconsciente é o psicanalista. É ele então que o encoraja à cifração e basta um pouco de prática de análise para constatar que os sonhos são feitos para o analista. É preciso se escandalizar com isso? Não, certamente não, é o artifício necessário da transferência. O trabalho analisante se efetua a esse preço. Entretanto, se na cifração está o gozo, como Lacan o sublinha,1 o que se passa no nível da decifração? Uma certa satisfação, não sempre, as melhores interpretações não são aquelas que satisfazem o analisante. Mas admitamos! Se não existe forçosamente satisfação, na análise, a decifração pode trazer um alívio. De qualquer forma, não acho que seja preciso assimilar a satisfação da decifração ao gozo da cifração. Se o analista compartilha com o inconsciente de seu analisante uma paixão sem moderação pelo gozo da cifração, então a aventura se arrisca a durar uma eternidade e não se vê bem qual poderia ser a saída, senão a do desânimo. Seria preciso, então, examinar de perto como a análise opera com o sentido. Não acredito que ela opere desconsiderando-o absolutamente. Se Lacan nos levou a considerar o núcleo fora de sentido a partir do qual o inconsciente é formado, eu não penso que seja para nos encorajar a ceder à fascinação desse real. Creio mesmo poder dizer que Lacan, antes, encorajava o analista a ser tolo do sentido. É o que podemos ler na lição de 13 novembro de 1973 do seminário Os não tolos erram, uma frase muito forte que eu gostaria de lhes transmitir para que vocês não esqueçam: Lacan aconselha aos analistas “forjar uma ética que se fundaria sobre a forma de ser sempre mais fortemente tolo desse saber, desse inconsciente que é, no final das contas, nosso único lote de saber”. Para trabalhar essa questão do sentido na análise, eu precisaria abordar a questão sutil do sentido em relação à significação. Não terei tempo para isso nessa conferência. Confundimos frequentemente sentido e significação. Lacan nos en1 “... que no ciframento está o gozo, sexual decerto, aquele que foi desenvolvido no dizer de Freud, e suficientemente bem para se concluir que o que ele implica é que isso é que é obstáculo à relação sexual estabelecida, e portanto, a que algum dia se possa escrever essa relação: ou seja, que a linguagem jamais deixará outra marca senão a de uma chicana infinita.” Cf. Lacan, Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros escritos, Zahar, p. 558.
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coraja bastante a distingui-los. O sentido é móvel, a significação é fixa. Ela está congelada na fantasia, fixada nas regressões às quais o sintoma nos leva. O que constatamos em nossa prática quotidiana é que a análise libera as significações fixadas interrogando o sentido, sublinhando o não-sentido, fazendo ouvir o duplo sentido, resumindo, remobilizando-o. Vou lhes trazer uma pequena vinheta clínica muito instrutiva a esse respeito. Trata-se de um menino de oito anos que vem, acompanhado de sua mãe, por um problema de enurese. Esse menino foi adotado por seus pais, que não podiam ter filhos. Mas um ano depois da adoção, o casal se divorcia e a criança se encontra então só com sua mãe, numa relação fusional da qual a enurese dava o signo. Sou informado nessa primeira entrevista que para proteger o sono da criança e o de sua mãe, resolve-se colocar fraldas no menino. Observei que ele é bem grande para isso e que essas fraldas testemunham o fato de que sua mãe e ele se entendem muito bem para mantê-lo nesse estado de bebê da mamãe. Utilizo a metáfora de vasos comunicantes explicando à mãe e a seu filho que é alguma coisa de um que transborda no outro. Aconselho vivamente que se tirem as fraldas. Uma semana mais tarde, a criança chega muito contente de me informar que não houve transbordamentos. Eu o encorajo então a me falar de outra coisa e lhe pergunto se ele sonha. Ele me diz que não, depois muda de ideia e me conta um sonho daquela noite. Ele estava em sua casa, e havia uma inundação, mas a porta segurava bem e o nível da água acabava baixando. É muito interessante ver que o gozo que transbordava realmente no sintoma da enurese passou à cifração da qual o inconsciente se serve para se exprimir no sonho sem despertar a criança. Para dizer a verdade, minha intervenção não visava ao sentido, mas denunciava a significação de gozo compartilhado por mãe e filho. Parece-me que essa intervenção mobilizou o operador que faltava para permitir a esse gozo fixado passar à cifração do sentido. Se o sintoma da enurese testemunhava uma significação de gozo fixado na relação entre mãe e filho, o sonho nos informa que agora a libido encontrou um outro meio para se expressar, aquele do sentido. E, como é hora de concluir esta conferência, vou aproveitar dessa vinheta clínica para concluir sobre a fuga do sentido, referindo-me a uma observação de Lacan que considero essencial, concernente ao sentido. Eu a extraí da Introdução à edição alemã dos Escritos (op. cit.), um texto fundamental sobre a questão do sentido: “O sentido do sentido se capta daquilo que escapa, a ser entendido como de um tonel”, e ele acrescenta: “é disso que escapa que um discurso adquire seu sentido” (p. 553). Atenção então aos discursos que não escapam; eles são herméticos, no verdadeiro sentido do termo, eles dão voltas, mas não têm nenhum sentido. Não penso que Lacan tenha prescrito ao discurso do analista privar-se do sentido. Se ele trabalhou tão duro para manter o escape
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do tonel, como ele próprio confessa no texto ao qual eu me refiro, é bem porque ele mediu o risco da passagem ao universitário. Se há um discurso que se quer ao abrigo do turbilhão do sentido, é o discurso do universitário, não aquele do analista. Como o psicanalista de hoje poderia continuar a encontrar o interesse em seu trabalho se não for sempre animado pelo escape do tonel? Tradução: Suzana Rosa Ramos Revisão: Conrado Ramos e Ana Laura Prates Pacheco
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resumo
O autor propõe uma reflexão sobre o psicanalista frente ao inconsciente na óptica do conceito de inconsciente real estudado por Colette Soler a partir de suas deduções do final do ensinamento de Lacan e propõe partilhar um pouco de seus próprios estudos referentes a uma retomada de leitura de Freud, que intitulou: o inconsciente e a questão do sentido. Pesquisando o conceito freudiano de contravontade, que se apresenta como uma especificidade arcaica da língua relativa aos pares de significantes opostos e representações contrastantes aflitivas, o autor lança a hipótese de que ele precede o conceito de inconsciente em Freud, e apresenta relações com o conceito de gozo e de alíngua, demonstrando a presença dessas relações no ensinamento de Lacan. O autor também lança uma reflexão sobre como a análise opera com o sentido, levantando a questão sutil do sentido em relação à significação e discutindo sobre o posicionamento do analista frente a esses conceitos, considerando também os apontamentos de Lacan sobre o fora de sentido.
palavras-chave
Inconsciente real, contravontade, gozo, alíngua, sentido.
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abstract
The author proposes a reflection over the psychoanalyst before unconscious under the perspective of the unconscious real concept studied by Collete Soler from her deductions about Lacan’s final teaching and also proposes to share a little bit of his own investigations on re-readings by Freud, which he entitled The unconscious and the question of the sense. Researching the Freudian concept of counter-will, which is introduced as an archaic specificity of the language related to pairs of opposing significants and afflictive contrasting representations, the author raises the hypothesis that the aforementioned concept precedes Freud’s concept of unconscious, and introduces some correlations with the jouissance and lalangue concepts, demonstrating the presence of these relations in Lacan’s teaching. The author also proposes a reflection on how the analysis operated with the sense, raising the subtle question of the sense in relation to signification, and discuss the position taken by the analyst concerning these concepts, equally considering Lacan’s writings on the out of the sense.
keywords
Unconscious real, conter-will, jouissance, lalangue, sense.
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Ecos do passe. (A voz-a nova) Marcelo Mazzuca Palavras preliminares Para começar, quero dizer-lhes que, a respeito de minha tarefa de AE, creio ter chegado ao final de uma primeira etapa, que qualifico como “a mais testemunhal”, e que consta de cinco testemunhos: (1) sobre o estatuto do inconsciente; (2) sobre o valor de índice de certos sonhos; (3) sobre o conhecimento do sintoma; (4) sobre a passagem da transferência ao desejo do analista; e (5) sobre a função da repetição e a sublimação. Esta série de testemunhos já está publicada na Colômbia e será publicada em breve em Buenos Aires com o nome de Ecos del pase. Por isso, o título geral de minha intervenção de hoje é esse: Ecos do passe. Desde o começo deste ano, estou em uma segunda etapa que consiste em retomar alguns desses problemas cruciais para abordá-los sob a perspectiva dos debates atuais de nossa Escola. Farei referência, então, à lógica da interpretação, mas com especial atenção ao tema do final de análise e suas continuações. E, para tentar renovar a leitura de meus próprios testemunhos, voltarei à pergunta sobre a função do sonho, mas para interrogá-la a partir de outro viés, o do objeto “pequeno a” – como o batizou o próprio Lacan –, mais concretamente sua dimensão de voz. Por esta razão (e tendo em conta o cruzamento das línguas que hoje aqui se encontram) lhes apresento meu trabalho sob o seguinte título: A voz-a nova. Sob esta expressão (a voz-a nova) gostaria de reunir algumas das consequências do final de minha análise e da experiência no dispositivo do passe.
Apresentação do problema: a pergunta sobre a função do sonho Gostaria de começar advertindo-os de que o que primeiro que salta à vista em minha experiência analítica é o valor fundamental que os sonhos e sua interpretação tiveram. Perguntei-me várias vezes sobre este fato tão contundente: por que foram tão determinantes? Sem sombra de dúvida, a interpretação dos sonhos foi o que permitiu a Freud abrir a via de sua própria análise, e com ela a de todas as demais. Mais concretamente, foi o sonho inaugural, conhecido como A injeção de Irma, desencadeado pelo “tom de
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voz” com o qual seu colega Otto se referiu à cura inconclusa de sua paciente Irma. Então, o que me é importante ressaltar hoje daquela experiência inicial? É o seguinte: que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real. Entretanto, dá um lugar ao real, não pode provocá-lo, mas pode, sim, evocá-lo. A formação do sonho surge como contragolpe a este pequeno choque com o real. O que do real percute por meio da língua, repercute no sonho abrindo o campo do sentido com suas vozes e suas ressonâncias. O resto daquela história vocês já devem conhecer: o duplo sentido da palavra “solução” (losung, em alemão) representa o sujeito e o passeia pela cena onírica. Nesse percurso, o corpo é afetado duplamente: o sonhador passa primeiro pelo buraco de uma garganta que o mastiga e o tritura até desfazê-lo. Digamos, um primeiro passo – no interior mesmo do sonho –, uma passagem pelo objeto. Logo, o buraco da garganta o vomita e o cospe contra um muro onde a letra encontra sua representação gráfica e sua hipernitidez (a da fórmula da trimetilamina). Um segundo passo, então – que marca o final do sonho – uma passagem à letra e à fórmula. Lembrarão que todo o trabalho de Lacan consistiu em ler e reconhecer nesse texto a gestação (ou o nascimento) do desejo do analista, para finalmente acrescentar – cito: – “e não é sem humorismo nem sem hesitação, já que isto é quase um Witz – diz Lacan –, que eu lhes propus ver aí a derradeira palavra do sonho. No ponto em que a hidra perdeu as cabeças, uma voz que não é senão a voz de ninguém faz surgir a fórmula da trimetilamina, como a derradeira palavra daquilo de que se trata” (LACAN, 1954-55/1985, p. 216). Frases que têm inclusive um conteúdo poético! Vou falar-lhes, então, daquela voz (a voz que Lacan lê no texto de Freud), tal qual a recebi e a alojei em “meu próprio inconsciente”. Então, para tentar ganhar em clareza expositiva, vou dividir minha intervenção em três partes: a primeira (sob o título O murmúrio da verdade) tem a ver com a experiência da análise; a segunda (sob o título A canção do passe) tem a ver com a experiência do passe; e a terceira (sob o título A voz-a nova) tem a ver com o tema das continuações da análise.
1. O murmúrio da verdade (A experiência da análise) Começarei pelo sonho que inaugurou minha análise. A imagem do sonho era a seguinte: uma mãe e dois filhos feitos de pedra no porta-malas de um carro norte-americano. Um sonho hipernítido, acompanhado de um sentimento de angústia e de horror, isso foi o que me despertou. Mas a diferença em relação ao sonho de
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Freud é que, nesse caso, foi uma interpretação pontual do analista que provocou o sonho. Foi o ato de sua palavra, ou melhor, “sua palavra em ato”. Essa interpretação abriu o trabalho de análise e foi tão decisiva, que me lembro dela até hoje. Consistiu, simplesmente, em marcar um dos termos da partitura do analisante uns compassos depois de haver sido pronunciada pelo paciente. Para ser mais claro, o analista pronunciou uma só palavra, disse, concretamente, em tom bastante elevado: “ fusión!” (fusão). Pronunciou essa palavra quando o analisante falava da presença (inquietante) de duas mulheres na plateia de um recital de música do qual ele era protagonista tocando bateria. Fusión foi, então, o termo que adquiriu valor significante, deslizando do sentido que lhe havia dado o paciente (“gênero musical predileto”) para o sentido de “união harmônica das duas categorias de mulheres”: as mulheres “F” e as mulheres “N”, sendo essas duas letras (F e N) as iniciais dos nomes das mulheres classificadas pelo inconsciente. Ou, como já falei em mais de uma oportunidade: ficava exposta a versão musical da mulher ideal ou a versão ideal da mulher musical. Mas por que essa interpretação teve como efeito o início da análise? Qual foi sua lógica? Creio que há aí três dimensões distintas. 1 - Em primeiro lugar, a dimensão da barra que divide o campo do significado e o campo do significante. Neste caso não foi somente uma substituição de termos que operou nesse nível, mas também um deslizamento do sentido produto da “equivocidade” do termo fusión. Produz-se, então, uma transformação no nível do significante: deixa de ser um nome próprio (o de um gênero musical) e passa a nomear a lógica que anima a operação da neurose (a união do gênero feminino). 2 - Em segundo lugar, é preciso considerar a dimensão do terreno em que o significante se escreve. Porque “a bondade do sentido”, segundo Lacan – como recordou Andréa Fernandez em seu prelúdio (XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011) – “consiste em eliminar o duplo sentido”. Esta segunda dimensão, então, é a da instância da interpretação governada pela letra. Porque o termo fusión não designa somente a operação pela qual a neurose pretende unir os Estados Desunidos do ser feminino, mas a palavra fusión também “é” em si mesma essa união, na medida em que as duas categorias de mulheres (as F e as N) ficam escritas no começo e no final da palavra. Há aí outro terreno, o do “suporte material do significante”, a palavra começa na materialidade da letra F e culmina na materialidade da letra N. 3 - Entretanto, isso não é tudo. Há uma terceira dimensão que não é nem a do significante nem a da letra, e que permite considerar a participação do corpo. “A interpretação”, cito Lacan, “toca a causa de desejo, causa que ela revela” (LACAN, 1972/2003, p. 474). Dito de outro modo, a intervenção do analista é eficaz na medida em que revela essa dimensão causal e objetal do desejo. Esse
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objeto não é material nem possui substância, mas tem uma consistência (lógica) e, “episodicamente” – como diz Lacan –, assume uma função vocal. Neste nível, a interpretação – como o recorda Ana Laura Prates em seu prelúdio – opera menos “pelo que quer dizer” do que pelo fato de que “isso fala” (XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011). Essa terceira dimensão é a da temporalidade de um buraco que se abre e se fecha e, por isso, a interpretação não produz somente o começo da análise, mas também as condições de possibilidade de seu final. Porque a palavra fusión não somente une os termos desunidos do ser feminino, mas, ao mesmo tempo, os separa. Por um lado, porque interpõe outras quatro letras entre o F e o N, preenchendo o espaço da transferência. Mas, além disso, – e fundamentalmente – porque acrescenta o efeito sonoro (inclusive musical) sem o qual a intervenção do analista se reduziria a uma palavra morta. É por essa via que a interpretação “toca o sintoma”: “toca”, no sentido musical e instrumental do termo, o sintoma entendido como partitura (como composição musical escrita). Essa voz a minúscula, que o analista encarna com sua presença, intervém em contraponto ao significante e a letra, instituindo-se como condição de possibilidade da análise. A partir daí, começou um longo murmúrio da verdade que se estendeu durante quatorze anos e muitíssimos sonhos. Fiquem tranquilos! Não irei relatar-lhes esses quatorze anos de análise, irei diretamente ao final. A parte final da análise – que já faz tempo costumo denominar “o corredor do passe” – também esteve marcada pelos sonhos e sua interpretação. Quatro desses sonhos são suficientes para situar o que lhes quero dizer hoje. Neles, se elabora um mesmo conteúdo: a relação do desejo com o gozo fálico e com o Outro gozo. No primeiro: tenho uma relação sexual com uma mulher. Meu irmão está atrás de mim emprestando-me o órgão. No segundo: estou deitado em uma maca a ponto de parir. No terceiro: estou grávido, mas não sou a mãe do bebê. Simplesmente empresto meu ventre para que alguém tenha um filho. E no quarto: deixo meu filho recém-nascido um tempo em um hospital. Vou embora com minha mulher para desfrutar um tempo a sós. O que quero destacar hoje é o “dizer interpretativo” que os condicionou. Chamo-o de “dizer interpretativo” à falta de um termo mais preciso, mas, de qualquer forma, o que quero destacar é a diferença em relação à intervenção pontual que deu início à análise. Nesta parte final, a interpretação não se localiza em uma só intervenção nem se pode atribuí-la facilmente à pessoa do analista, trata-se, melhor, do dizer da análise. Entretanto, intervêm aí as mesmas três dimensões. 1) No que se refere ao campo da linguagem, os termos significantes foram: gestão e gestação. Nesse caso, creio, faz-se mais evidente pela série de sonhos, que o que conta não é tanto o múltiplo significado dos termos senão a operação de
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deslocamento de um termo a outro (de gestão a gestação) e sua consequência, a redução do sentido ao sem sentido do sexo. Porque – como recorda Sonia Alberti em seu prelúdio – “o sentido, que é sexual, fracassa porque sempre fracassa a relação sexual enquanto escrita”. Nesse limite, em que o sentido choca-se contra o impossível de dizer da relação sexual, produz-se o deslocamento da significação fálica em direção ao buraco de onde surge a criação. 2) Quanto à instância da letra, o dizer interpretativo responde a uma lógica comparável, mas diferente. Não é tanto a de unir e separar, senão a de cortar e acoplar. O significante gestão – primeiro dos dois significantes a surgir – vai se recortando entre os termos do discurso analisante e se acopla ao significante gestação, que materialmente o inclui, mas, ao mesmo tempo, o excede. 3) Mas, além disso, os termos soam distintos, e daí a terceira dimensão. O segundo termo é, por assim dizer, o prolongamento sonoro do primeiro. Já não se opõem nem se distinguem com nitidez. Analogamente ao que ocorria com o termo fusión na porta de entrada da análise, o termo gestação “passa ao ato”, se “realiza”. Com isso quero dizer que não é somente o sentido da palavra que conta, senão que ela mesma é uma “gestação”. Reconheço aí uma gesta da própria palavra. Ou, como já disse em alguns dos testemunhos anteriores, considero o termo gestação como um “velho significante reinventado”, cuja participação no final da análise foi fundamental. A meu modo de ver, a série de quatro sonhos expressa que o gestado não é todo meu e que a mulher não é toda mãe. Acrescento, a respeito da cena sobre a qual recai a interpretação que inaugurou a análise, que o nome de meu grupo de música era Gesta Urbana (em homenagem ao conhecido grupo brasileiro Legião Urbana). Dito de uma última maneira: esse significante “esteve desde o começo, uma vez que se produziu no final”. Daí que a lógica da interpretação seja ao mesmo tempo a lógica da cura. Então, estritamente falando, o sonho que pôs ponto final ao trabalho de análise foi outro (e é aí que quero dar ênfase). A imagem do sonho é a de uma cena (escena) e um jantar (cena)1 de mulheres, e volta a enfocar a operação de corte e acoplamento entre os termos que dão suporte material ao trabalho do sonho. A lógica está determinada pela escena (primeiro termo) e cena (segundo termo), e daí a pergunta pelo gozo e pelo desejo feminino. O relato aproximado do sonho é o seguinte: consigo que me convidem e me façam partícipe de um passeio de mulheres. Vamos todas jantar (cenar). Sou uma mulher mais entre as mulheres, o que me causa expectativas e uma grande curiosidade por aquilo que falam. Ao relatar esse sonho em sessão, advirto que se produz um efeito de perda do 1
NT: Escena (cena) e cena (jantar) são palavras homófonas em espanhol.
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“gozo da curiosidade”. O sentido da cena (escena) perde-se definitivamente. Já não há grandes segredos, as mulheres jantam (cenan), como qualquer outro ser humano. Sem dúvida, quando o vazio de suas bocas lhes permite, também falam (e habitualmente falam muito). Mas não falam de nada em particular, simplesmente falam e, claro, gozam (mesmo que não tenham nenhum pedacinho em suas bocas). Pouco tempo depois daquela sessão (sessão de análise e cessão de gozo) – não recordo exatamente quanto – a análise chegou a seu fim. E esse final merece uma nota à parte. Posso testemunhar com dificuldade sobre aquilo que motivou o fechamento da experiência, porque foi uma satisfação mais do que uma conclusão lógica o que marcou o final. Isso sim: lembro-o com muito detalhe. Apareceu uma noite a caminho de um espetáculo de música e de teatro em que atuava com o trio de tango do qual sou integrante e fundador (ou, dito de outro modo, participo de sua gestão e fui artífice principal de sua gestação). Essa noite, “soube” – sem saber muito bem por que – que a próxima sessão de minha análise seria a última, e posso dizer que experimentei, no cenário, uma soltura cujos efeitos foram variados e notórios. Para sintetizá-los, hoje, diria que esse novo estado emotivo fazia que a voz fluísse sem travas. Entendo que esse foi um dos destinos da análise, um efeito de sublimação. Poucos dias, logo depois da sessão final, os sonhos desapareceram durante vários meses, um fato surpreendente em função da presença que haviam tido para mim durante tantos anos. Voltaram a aparecer para inaugurar a experiência do passe.
2. A canção do passe (A experiência do passe) Da série de sonhos do passe – que também foram vários, apesar de muitíssimo menos que os da análise – irei contar-lhes apenas três. (1) O que abre a porta ao dispositivo; (2) o que o fecha, e um terceiro; (3) que mostra até que ponto respondi à interpelação do passe não somente com meu nome próprio, mas também com meu nome de artista, isto é, o nome Arzeno. Começo por este sonho. O sonho, cujo cenário reproduzia o consultório do primeiro passador, era o seguinte: um dos integrantes de Los Hermanos Arzeno (esse é o nome completo do meu trio de tango) chegava atrasado ao show. Além disso, o violão quebrava e era preciso improvisar. Uma espécie de lutier inventa uma corda e uma ponte para o violão. Eu me dispunha então a improvisar uma de minhas composições próprias, adaptando a letra para fazer referência a meu companheiro ausente. Deste sonho surge para mim uma forma de conceber o dispositivo do passe: é
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como cantar uma canção a alguém, ou melhor, como repetir a canção da análise (respeitando sua estrutura formal), mas reinventando sua letra e harmonizando a voz em função do interlocutor da vez. Em síntese, como contar uma piada, em função de sua economia e sua ressonância, mas uma cuja sonoridade – cito um texto de Pascale Leray publicado na Wunsh 9 – “um dizer específico do passe, que faz signo do real”. Nesse mesmo sentido, deixo explícito que estou de acordo com outro dos trabalhos da Wunsh 9 (p. 33), o de Elisabeth Léturgie, que propõe a existência de sonhos que são testemunhos de uma possível “inscrição inconsciente do passe” (Ibid. p. 14). Tomo então os outros dois sonhos do passe, o do começo e o do final. O que me interessa destacar em ambos os casos é uma mesma coisa: a função causal de uma voz feminina e de uma língua estrangeira. No primeiro desses sonhos, uma pessoa, com um esquisito aparelho inventado, projetava da varanda de um apartamento, imagens na superfície do prédio da frente. Como nos casos anteriores, volto a destacar que o que interessa do sonho não é seu sentido (que nesse caso pode ser reduzido ao sem-sentido do significante invenção), e sim o dizer e o objeto que o causam. Nesta oportunidade, foi a frase pronunciada pela pessoa que interrogou minha demanda de passe. Uma mulher que fala uma língua estrangeira e que, ao pronunciar em língua espanhola, contamina o dito com seu próprio canto. Suas palavras precisas foram as seguintes: “A partir de agora, você tem que inventar”. Uma voz similar foi a que interveio para causar o último sonho, o que encerra a experiência do passe. Confesso que não retive muito aquelas palavras, mas sim a notícia de minha nomeação como AE. Por isso, assumo que foi somente aquela voz (comunicando-me a nomeação) que causou o trabalho do sonho final. Este último sonho consistia, simplesmente, na colocação em imagem de três gerações de mulheres de uma mesma família. Uma delas a ponto de “descansar em paz”, as outras duas conversando e se virando com a sorte. Entendo que este último sonho escreve morte e feminilidade, movimento e quietude, mas também – e essencialmente – a transmissão oral do desejo e da palavra viva de geração em geração (palavra que não é necessariamente paterna). A partir daí, pude apreciar melhor um dos aspectos postos em jogo no sonho que inaugurou a análise. Vou dizê-lo assim: o que esse sonho representava (mediante o horror da imagem petrificada dos corpos) talvez não fosse mais que a versão paterna do “traumatismo” provocado pela “canção” materna. Mais precisamente, o traumatismo da língua que a canção materna permite incorporar, “o inconsciente musical”, segundo a expressão que Antonio Quinet utiliza em seu prelúdio (XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011). Acrescento que minha mãe, quando eu era pequeno, cantava tangos para mim no momento em que tentava pe-
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gar no sono (eu soube disso não faz muito tempo). Digamos, uma espécie de “canção de ninar” amorosa e traumática ao mesmo tempo, em síntese: “sintomática”. Por isso, se tivesse que resumir o que o último sonho do passe representa, diria: Uma voz-a nova, que não é inteiramente minha, mas tampouco de alguém em particular. É “a voz de ninguém” – como dizia Lacan do sonho de Freud –, ou melhor, a voz da Escola. Dela, gostaria de dizer-lhes umas palavras antes de concluir.
3. A voz-a nova (As continuações da análise) Começo esclarecendo que a série de sonhos que lhes relatei, tanto os da análise quanto os do passe, não cumpriram a função mais habitual de promover as associações do analisante, o que Colette Soler denominou há muito tempo “o sonho como vetor da palavra” (2007). Neste caso, são todos sonhos-índice (assim os batizei no segundo de meus testemunhos) e cumprem outra função na experiência. Indicam sobre a tomada de posição do ser falante perante o buraco da verdade e ao tampão do real. Há então aí uma dimensão ética a considerar e, para poder fazê-lo, irei relatar-lhes dois últimos sonhos. O primeiro deles pertence ao período que vai do final da análise até o começo do trabalho do passe. O segundo desses sonhos é muito mais recente e pertence ao período posterior à experiência do passe. Como verão, ambos compartilham a característica de serem sonhos produzidos fora dos dispositivos de análise e do passe. O primeiro consistia, simplesmente, em uma imagem em movimento: via dois ou três dedos de minha mão derretendo. Um nítido sonho de castração, mas sem signos de horror nem de angústia. Mas, mesmo assim, foi muito impactante, não somente pela hipernitidez e contundência daquela imagem, porém, também, porque interrompeu um extenso período de vários meses sem sonhar. Era o índice de um desejo novo, o de participar da experiência do passe que a Escola oferece. Um sonho êxtimo: porque não pertence nem à análise nem ao passe e, ao mesmo tempo, pertence a ambos. Digamos que foi o “eco” da análise que “orquestrou” a experiência do passe. E creio que se este sonho tivesse algum sentido seria o seguinte: o buraco da verdade é a castração. Vou agora ao último sonho. Com ele, farei referência às “continuações” da experiência. O que me interessa pensar não é tanto o estatuto do “analisado”, mas o modo como aquele que passou ao lugar de analista pôde retomar sua posição analisante. Dito de outro modo, interessa-me a formação do analista, que tem algo de interminável e cuja base fundamental é a própria experiência analisante. Recordo as palavras de Lacan, que privilegiou as formações do inconsciente na formação do analista. Posso, inclusive, coincidir com Freud, que propunha aos analistas reto-
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mar a análise a cada cinco anos, mesmo que não esteja de acordo em dois pontos. Primeiro, porque não me parece que seja possível determinar de maneira geral a cada quanto tempo um analista deve retomar sua posição analisante (isso é caso a caso). Mas, fundamentalmente – e esta seria minha segunda objeção – porque não me parece que seja estritamente necessário voltar ao dispositivo freudiano para que o analista dê lugar à condição analisante. Como diz Lacan em O aturdito, fazer a experiência do final da análise pode fazer que o analisado fabrique-se uma nova “conduta”, sem por isso supor que seu inconsciente foi eliminado. Pelo contrário, é sobre a base de sua relação ao inconsciente que o analisado poderia fazer-se uma conduta na vida em geral e em sua relação com a psicanálise em particular, já que é desse inconsciente – como diz Lacan – do qual oportunamente se vale para dar uma interpretação. No meu caso, confesso-lhes que não somente continuo sonhando, como poderão supor, mas também que continuo utilizando os sonhos (ao menos alguns) em função de uma conduta que, hoje em dia, não considero senão no âmbito de minha relação com a Escola. Por esta razão, o título de minha intervenção em Paris será: “O AnalistanalisantE”, tudo junto, expressão que tomei de Matías Buttini,2 um de meus colegas do FARP. Passo então, agora sim, ao relato do único sonho (após o passe) em que aparece quem fora meu analista. A situação era a seguinte: fazia parte da casa-consultório de quem fora meu analista, onde também havia outras pessoas que pareciam pertencer a um grupo de estudos. O clima era de muito relax e diversão. Sobre uma pequena mesa estava apoiado um livro de capa amarela, com algumas linhas de outras cores (como se fossem serpentinas) e com algumas marcas (como se partes de suas letras estivessem tachadas). Era uma publicação de quem fora meu analista e de alguns colaboradores, sobre o ato analítico. Pergunto, com interesse, sobre o conteúdo da publicação, mas, quem fora meu analista, lhe retira todo valor e importância. Finalmente, saio daquela casa-consultório, sentindo que não era de todo bem-vindo. Até aqui o sonho. O que rapidamente pude perceber foi o quanto a página inicial do livro do sonho se parecia com a versão impressa que tenho do Seminário 15. Sobretudo, parecida com o cartaz de propaganda de um dos candidatos ao governo de Buenos Aires. A estratégia publicitária dessa campanha gráfica era a seguinte: expunha-se, sobre um fundo amarelo com serpentinas coloridas, uma foto com o estereótipo de pessoas com as quais, evidentemente, o candidato ao governo não simpatiza nem um pouco. Uma pessoa, por exemplo, com a camiseta do River Plate (equipe de futebol para a qual torço) rival histórico do Boca Juniors (clube do qual 2 El analista-analizante. Trabalho de sua autoria apresentado na mesa do Espaço Escola das Jornadas das AlSur, em julho de 2011.
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foi presidente o candidato ao governo). A isto se acrescentava a seguinte legenda: “você é bem-vindo” (“vos sos bienvenido”). Mas, o cartaz que eu havia visto tinha sofrido uma série de intervenções urbanas, que valiam como uma interpretação. Na palavra VOS, acrescentaram um risco à letra V (transformando-a em um N) e também riscaram a letra S, transformando a frase “você é bem-vindo” (“vos sos bienvenido”) em “não és bem-vindo” (“no sos bienvenido”). Isso seria o que corresponde ao resto diurno que motivou o sonho. Acrescento que, na época, tinha interesse de estudar o seminário de Lacan sobre o ato psicanalítico, o que, finalmente, estou fazendo hoje em dia em um trabalho de cartel. Havia dito a mim mesmo que não poderia deixar passar mais tempo sem ler esse seminário detalhadamente, em um momento em que minha experiência do passe e meu trabalho de testemunhar estavam perdendo um pouco de força e vivacidade. Evidentemente, estava buscando algum Outro que me proporcionasse o saber sobre o ato psicanalítico, e entendo que daí surge o valor do sonho. É como se recebesse a seguinte resposta: você não é bem-vindo, não há nesse consultório nem neste livro nada que possa lhe servir. Você terá que se virar com o que conseguiu saber sobre o ato a partir de sua própria experiência como analisante e, eventualmente, retomá-la desde os limites desse saber. Então, para terminar, deixo-lhes três impressões como resultado do pequeno trabalho que, como “analisante sem análise”, fiz desta última formação onírica. Primeiro, que o efeito de afeto foi claro e contundente: a partir daí retomei com muito mais força e entusiasmo a tarefa que vinha realizando na qualidade de AE. Segundo, que o sentido que lhe atribuiria ao sonho seria o seguinte: não há doutrina do ato que assegure sua subsistência. Terceiro, que esta é uma das manifestações, via inconsciente, daquela voz que não é minha, mas que tampouco é de ninguém, e que escolho qualificar como o canto que a Escola interpreta, no sentido musical do termo: uma voz-a nova. Entendo que por meio dela repercute esse pedaço de real que percute nossos ouvidos, levando-nos à formação do sonho. Trata-se, como propunha Lacan, de tentar despertar, o que implica uma orientação ética para o trabalho de nossa Escola. Mas, cuidado! Não há despertar do real que seja definitivo. Cedo ou tarde, a verdade mentirosa volta a murmurar seu meio-dizer. Trata-se, então, de continuar conversando, de uma “colocação em diálogo de comunidade” que tente escrever algo do real que nos mantém vivo e nos orienta. Para isso, é preciso poder dar lugar a uma voz-a nova. Ou – como diz Dominique Fingermann no texto de seu prelúdio –, a “um oco proporcionando sempre um eco por vir” (XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011). Tradução: Maria Claudia Formigoni Revisão: Ana Paula Gianesi
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referências bibliográficas FERNANDEZ, A: Interpretação: arte poética do significante à letra, Prelúdio no 2, textos preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil. Salvador, 2011. FINGERMANN, D: A resposta que convém ao estilo do inconsciente, Prelúdio no 4, textos preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil. Salvador, 2011. LACAN, J. (1954-55). O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Tradução de Marie Christine Lasnik Penot, com a colaboração de Antonio Quinet. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. 413p. _________. (1972). O aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 448-497. LERAY, P. A abertura a uma nova satisfação. In: Wunsch no 9, Boletim Internacional da EPFCL. Outubro de 2010. Disponível em: <www.campolacaniano. com.br>. LÉTURGIE, E. Depois do passe. In: Wunsch no 9, Boletín Internacional da EPFCL, Outubro de 2012. Disponível em: <www.campolacaniano.com.br>. PRATES PACHECO, A.L. P: Prelúdio no 1, textos preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil. Salvador, 2011. QUINET, A: O inconsciente musical, Prelúdio no 3, textos preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil. Salvador, 2011. SOLER, C. Acerca del sueño. In: Finales de análisis. Tradução de Graciela Brodsky e Adriana Torres. Buenos Aires: Manantial, 2007. 150p.
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resumo
O tema do presente trabalho é a lógica da interpretação, com especial atenção ao problema do final de análise e suas continuações. Para tanto, tais questões são abordadas a partir da pergunta sobre a função do sonho, mas para interrogá-lo a partir do sesgo do objeto “pequeno a”, mais concretamente sua dimensão de voz. Sob a expressão “voz-a nova”, reúno algumas das consequências do final de minha análise e da experiência no dispositivo do passe. Em minha experiência analítica, os sonhos e sua interpretação tiveram um valor fundamental. O que gostaria de ressaltar da experência inicial? Que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real. Entretanto, dá lugar ao real, não pode provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real repercute no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e ressonâncias.
palavras-chave
Voz, objeto, sonho, interpretação.
abstract
The theme of this work is the logic of interpretation, with particular attention to the problem of end of analysis and its sequels. Therefore, such issues are addressed from the question about the function of the dream, but to interrogate it departing from the profile of the “little a” object, more specifically, its voice dimension. Under the “new voice-a” expression, I collect some of the consequences of the end of my analysis and the experience in the pass device. In my onw analytical experience, dreams and their interpretation have had an essential value. What would I like to highlight from the initial experience? That the dream is not the unconscious, much less the unconscious real. However, it makes way to real, it cannot provoke, but evoke it. This dimension of the real resonates in the dream, opening up the field of meaning with its voices and resonances.
keywords
Voice, object, dream, interpretation.
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ensaios
Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista Ana Laura Prates Pacheco Na aula de 17 de maio de 1977 do Seminário 24 L’insu que sait de l’une bévue s’aile à mourre (1976-1977), Lacan lança uma pergunta: seria o psicanalista poeta o suficiente? Esta é a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas a poesia permite a interpretação”. Articular a interpretação à poesia e, portanto, às leis da linguagem não é exatamente uma novidade em seu ensino. Desde o início, Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora e a metonímia: “a estrutura metafórica, que indica que é na substituição do significante pelo significante que se produz um efeito de significação que é de poesia ou criação” (1957, p. 519). Seria, então, a interpretação, homóloga à estrutura do inconsciente? Vou tentar encaminhar esta questão com base em três breves recortes:
1. Um significante irredutível Ora, não seria excessivo afirmar que a interpretação, enquanto resposta própria do psicanalista, funda a especificidade de seu discurso. Sendo solidária da transferência, é ela que permite ao psicanalista interferir, com seu ato, na tarefa do analisante, isto é, na associação livre. Mas qual seria a visada dessa resposta específica, que faz girar o discurso, fundando uma nova razão? Há, então, dois aspectos que se colocam de saída e de modo imbricado: a questão da verdade e a do sentido. Para Lacan, desde o início de seu ensino, a verdade revelada pela decifração está menos no nível semântico que responderia “o que isso quer dizer” e mais na estrutura de “como isso diz”. Aqui, é patente o deslocamento do plano hermenêutico para o estrutural, já que não é possível encontrar o par ordenado entre interpretante e interpretado, objeto e representação.
Dessa forma, a interpretação é menos um método para se alcançar a verdade recalcada, ou uma técnica de decifração, do que a tática relativa a uma política de cura.
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Prates Pacheco, Ana Laura
O tempo restrito me impedirá de demonstrar os problemas teórico-clínicos que foram se colocando, a partir de quando Lacan, fazendo Escola, inaugurou uma clínica “além da rocha da castração”, com a criação do conceito de objeto a, causa do desejo e mais de gozar. Deixo apenas indicado que estas questões o levaram a se deparar com o impasse da fantasia, em relação ao qual sua resposta é a clínica do passe. E aponto, rapidamente, duas consequências específicas para a interpretação: a primeira delas, obviamente, é que a interpretação deve visar a essa causa. A segunda é tributária do debate com Laplanche, o qual reduz a proposta lacaniana de que a interpretação deve visar ao significante como sendo uma autorização para a polissemia infinita: a interpretação estaria aberta a qualquer sentido. A resposta de Lacan no Seminário 11 (1964) é contundente. Ele diz: “A interpretação não está aberta a todos os sentidos (...). Ela tem por efeito fazer surgir um significante irredutível” (p. 236). Vemos aqui, antecipada de forma extraordinária, a escrita do discurso do analista, tal como Lacan apresenta no Seminário 17 O avesso da psicanálise (19691970), com o S1 no lugar da produção. Seria esse S1 o mesmo que, no discurso fundante da estrutura, o Discurso do Mestre, estava no lugar do agente da produção da causa do desejo?
a S2
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2. Um dizer Avancemos para o Lacan de 1972, para destacarmos esse ponto, que me parece essencial: “é a partir do discurso em que se funda a realidade da fantasia que aquilo que há de real nessa realidade se acha inscrito” (O Aturdito, p. 478). A questão, portanto, que orienta os últimos dez anos do ensino de Lacan é exatamente esta: como propor uma clínica que possa ser orientada pelo que há de real nessa realidade? No Seminário 20 (1972-1973), por exemplo, Lacan formula essa ousadia da clínica psicanalítica desse modo: “O sério (...) só pode ser o serial. Isto só se obtém depois de um tempo muito longo de extração, de extração para fora da linguagem, de algo que lá está preso” (p. 31). Assim, por um lado, a interpretação deve visar extrair esse “algo” a partir da produção do UM determinante, tal como lemos na escrita do discurso do psicanalista. Por outro lado, e eis o paradoxo, não há como operar essa extração a não ser passando pelo sentido. Essa é a razão pela qual, no meu entender, Lacan precisará recorrer de modo simultâneo e indissociável a dois recursos: a criação de uma subversão no plano da lógica pela via do matema (sobretudo as fórmulas da
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Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista
sexuação), que corresponde à interpretação como apofântico; e a valorização do ato pela via do poema, que corresponde à interpretação como equívoco. Eu diria que a apresentação desse programa está declarada no texto O Aturdito (op. cit.), e que Lacan, em seus últimos seminários, nos deixa de herança várias indicações a respeito desses dois eixos – como eu disse, indissociáveis em nossa experiência – e em relação aos quais estamos nos havendo com as consequências, sobretudo no dispositivo do passe. “É a prática do analista”, ele nos diz, “que deve dar conta de que haja cortes do discurso tais que modifiquem a estrutura que ele acolhe originalmente” (Ibid. p. 479). Qual a estrutura que ele acolhe? Trata-se, justamente, da estrutura que possibilitou que um dizer passasse a ocupar o lugar de significante mestre para que os ditos pudessem articular-se à verdade, ainda que fantasmática. É dessa forma que o dizer se demonstra por escapar ao dito, e ex-siste em relação à verdade. Vejamos o que diz Lacan a esse respeito, no Seminário 23: O que Freud sustenta como inconsciente supõe sempre um saber, e um saber falado. O inconsciente é inteiramente redutível a um saber. É o mínimo que supõe o fato de ele poder ser interpretado. É claro que esse saber exige no mínimo dois suportes, que denominamos termos, simbolizando-os por letras. Daí minha escrita do saber como tendo suporte no S com índice S2. A definição que dou do significante ao qual confiro o suporte S índice 1 é representar um sujeito como tal e representá-lo verdadeiramente. Verdadeiramente quer dizer, nesse caso, conforme a realidade. O verdadeiro é dizer conforme a realidade. A realidade, nesse caso, é o que funciona verdadeiramente. Mas o que funciona verdadeiramente não tem nada a ver com o que designo como real. (...) Em outros termos, a instância do saber renovada por Freud, quero dizer renovada sob a forma do inconsciente, não supõe obrigatoriamente de modo algum o real de que me sirvo (LACAN, 1975-1976, p. 127-128). Assim, é graças à interpretação que o analista, com seu dizer apofântico, pode operar sobre os modos redutivos da demanda neurótica que envelopa o conjunto dos ditos e extrair daí um dizer. Aqui, é preciso tomar a etimologia da palavra apofântico: apo (embaixo) e phaos (luz). É curioso que Lacan, após afirmar que o dizer da interpretação tem o estatuto apofântico, retoma o fato de que ela incide sobre a causa do desejo. E completa: “causa que ela revela” – poderíamos acrescentar: mostra. E mais à frente, ele afirma que “a estrutura é o real que vem à luz na linguagem”. A questão fundamental aqui colocada é que à extração do “um dizer” corresponde o ab-sens, o não senso, o sem sentido, e a não relação sexual. Por quê? Ora, afirma Lacan:
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Prates Pacheco, Ana Laura
O essencial do que disse Freud, é que há a maior relação entre esse uso das palavras em uma espécie que tem palavras à sua disposição, e a sexualidade que reina nessa espécie. A sexualidade é inteiramente tomada nessas palavras, esse é o passo essencial que ele deu. É muito mais importante do que saber o que quer dizer (Conferência de Bruxelas em 26/02/1977). E em Momento de concluir (1977-1978), ele acrescenta: “O sexo é um dizer. Isso vale quanto pesa. O sexo não define uma relação. Foi o que enunciei com a fórmula: não há relação sexual”. Assim, podemos afirmar: “que se diga” é equivalente a “não há relação sexual”.
3. Um significante novo Vejam, portanto, que não basta a redução ao UM determinante, e a extração da causa, já que é preciso se perguntar, ainda, como viver depois? É preciso se virar (savoir y faire). Eu gosto bastante dessa tradução do savoir y fair por “se virar”: aponta, por um lado, para uma decisão ativa, para um improviso, para a solidão do ato no final da análise. Por outro, inclui o reviramento (do toro),1 a virada pelo avesso, necessária para desfazer o envelopamento do simbólico. E ainda, porta a conotação sexual, na origem chula da gíria “se vira”, apontando para um consentimento com um modo sexuado de gozo implicado na identificação ao sinthoma – ao contrário do gozo (a)sexuado da fantasia. Lacan é sensível ao fato clínico de que esse “se virar” não seja algo automático, muito menos espontâneo. Entre a extração do “que se diga” e o “se virar” há um ato que instaura dois tempos. Além disso, o sujeito sempre poderá promover, ainda, uma retenção ao UM como chancela pseudoparanoica (saída não tão rara, inclusive no movimento psicanalítico) ou forjar um cinismo relativista, sustentado no redobramento da consistência de seu modo de gozo. Se coloco a questão assim de modo um pouco dramático é porque é dessa forma que essa passagem se apresenta na clínica. A questão aqui é sempre a mesma, formulada de várias formas: “E agora, o que é que eu faço com isso?”, questão que aponta para o ato, e que convoca o analista e o analisante a terem que se posicionar eticamente. Esta é, assim me parece, a visada de Lacan quando nos provoca, nos convocando a responder com nossa suficiência poética: a pó(ética) do ato. Aqui, o paradigma é a interpretação pelo equívoco, na qual se privilegiam a homofonia, as brinca-
1 Remeto ao texto de Conrado Ramos “Considerações topológicas da passagem do sintoma ao sinthoma”. In Stylus n. 23.
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deiras e jogos com a língua. Mas, atenção, pois há aqui uma precisão importante: são eles, os jogos de linguagem, que jogam conosco, exceto – como observa Lacan – “quando os poetas os calculam e o psicanalista se serve deles onde convém” (O Aturdito, p. 493). À homofonia poderíamos acrescentar também a homonímia e o próprio jogo inter-línguas diferentes, cujo paradigma é o texto de Joyce. Neste ponto, eu gostaria de fazer uma observação que me parece importante e que diz respeito ao cálculo poético. Frequentemente ouvimos que o texto de Joyce não tem sentido. Talvez pudéssemos corrigir essa afirmação, dizendo que, se nos ativermos apenas à semântica, talvez ela fracasse na significação (Bedeutung). Mas quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande, que ele perde o valor (lembrem-se do valor de verdade da fantasia), apontando então para o ab-sens. Cada frase de Joyce foi construída como uma escultura, de modo totalmente artificial e calculado. Não se trata de uma escrita automática. Considero esse ponto importante, porque me parece que Lacan faz disso uma espécie de paradigma metodológico, apresentado no próprio título do Seminário L’insu (op. cit.). Assim, me parece que Lacan está propondo em ato (pó)ético a mostração (para além da demonstração) do que ele chamou no Seminário 23 (op. cit.) de usar até gastar. A questão inicial da relação entre a verdade e o sentido desloca-se para a de como “se virar” de forma inédita com a não relação entre o real e o sentido que o sinthoma escreve. Lacan apela à topologia da planificação dos nós – rodinhas de barbante (ronds de ficelles) que em francês também quer dizer “truque” – justamente para realizar a “mostração” da impossibilidade de aceder ao “peso do real” sem os “sedimentos de linguagem”. Não nos esqueçamos que no “nó bo” o sentido está no enodamento do imaginário e do simbólico, já que o real ex-siste ao sentido. Usá-lo até gastar! Eis a escroqueria, a trapaça do psicanalista. Na conferência proferida em Bruxelas (op. cit.), Lacan volta às histéricas, realçando que foi o Discurso da Histérica e seu encontro com o psicanalista que criou um laço social sem precedentes na história: o Discurso do Psicanalista. “Elas, as histéricas, evidentemente não sabem o que dizem com seu blá blá blá e seu chiqué, sua metidez”, sua verdade mentirosa – como dirá Lacan em outro lugar. Eis o inconsciente Une-bévue, corpo de palavras, que nada tem a ver com as representações. Nessa mesma conferência ele afirma que a psicanálise não tem outra saída a não ser passar pelo sentido e, necessariamente, pelas palavras. Lacan diz que aí chega Freud nos Estudos sobre a histeria (1893-1895): “é com palavras que isso se resolve e é com palavras da própria paciente que o afeto se evapora”. Eis, no meu entender, o que faz com que em Momento de concluir (op. cit.) ele diga que a Psicanálise é a “prática da tagarelice”, e uma prática – ressalta – eficaz. E indague: “Como é preciso que o analista opere para ser um retórico conveniente?”.
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Vimos que Lacan já havia advertido que o analista usa os jogos de linguagem, assim como os poetas, quando lhes convém. Como sabemos, Lacan não é inocente. Ele, que vinha havia um bom tempo definindo a psicanálise como práxis – ou seja, a modalidade de ato na qual, para Aristóteles o agente, a finalidade e a produção são indissociáveis –, nos últimos seminários cria um neologismo (pouâte) que articula o ato com o poeta, remetendo então a poiesis (Arte), cuja característica, para Aristóteles, é justamente a de uma produção (obra) que apresenta um caráter externo em relação ao agente. Esse é um terreno fértil para ser explorado, sobretudo no que diz respeito à relação entre o papel do saber, o tipo de formação e experiências implicadas em cada uma dessas ações, bem como o lugar da intenção e da deliberação em cada uma delas, e ainda como as modalidades (necessário, possível e contingente) aí comparecem. Parece-me, entretanto, que mais uma vez Lacan está aqui operando uma subversão nessa separação aristotélica. É evidente, também, que a poiesis aristotélica não se restringe à poesia e que, por outro lado, Lacan está nesse momento conversando com Jakobson, para quem “qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia, ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora” (1969 p. 128). Na função poética, a ênfase é dada na mensagem em si e não no que ela comunica.2 Aqui, Lacan pontua o efeito poético não pela via da criação de sentido como havia feito em A instância da letra (op. cit.). Aqui, prioriza-se a ressonância, o som: “o forçamento por onde um psicanalista pode fazer ressoar outra coisa que o sentido” (L’insu, aula de 19/04/1977). Eis a suficiência poética do psicanalista que está, desde sempre, no cálculo tático e na conveniência da resposta à orientação real do “nó bo”, que foraclui o sentido apontando para o ab-sens. Essa outra ressonância, afirma Lacan, nada tem a ver com o belo: “Uma prática sem valor, eis o que trataria para nós de instituir” (Ibid.).
2 Para um maior aprofundamento nesta questão, tomei por referência a conferência de Silmia Sobreira, apresentada nas Conferências de AME do FCL-SP: “Um significante novo: por que não?”.
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referências bibliográficas JAKOBSON, R. Linguística e poética. (1969). In: _______ Linguística e comunicação. São Paulo: Editora Cultrix, 1969, 118 p. LACAN, J. (1957). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: _________. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 496-533. _________. (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 269p. _________. (1969). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Tradução de Ary Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992. 209p. _________. (1972-73). O Seminário, livro 20: Mais ainda. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 201p. _________. (1973). O Aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448-497. _________. (1975-76). O Seminário, livro 23: o sinthoma. Tradução de Sergio Laia; revisão André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, 249 p. _________. O Seminário: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre. (1976-77) Inédito. _________. Conferência de Bruxelas. (1977). Inédita. _________. O Seminário: Momento de concluir. (1977-78). Inédito.
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resumo
No Seminário L’insu (1976-1977) Lacan lança uma pergunta: seria o psicanalista poeta o suficiente? Esta é a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas a poesia permite a interpretação”. Em meu desenvolvimento, destacarei que a articulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis da linguagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A instância da letra (1958). Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora e a metonímia. A estrutura metafórica, especificamente, produz um efeito de significação que é de poesia ou criação. Seria, então, a interpretação, homóloga à estrutura do inconsciente? Vou tentar encaminhar esta questão com base em três breves recortes: 1. Um significante irredutível; 2. Um dizer; 3. Um significante novo.
palavras-chave
Interpretação, função poética, Aturdito.
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abstract
In the Seminar L’Insu (1976-77), Lacan poses a question: Would the Psychoanalyst be poet enough? This is the provocation he leaves us with, further affirming that “only poetry allows interpretation”. In my development, I will highlight that the articulation between interpretation and poetry, and therefore the laws of language, are present in Lacan’s teaching since at least The instance of the letter (1958). Lacan has demonstrated – with Freud – that the symptom, as well as the dream, is a metaphor, a code whose logic responds to the same laws which orient the significant combination: a metaphor and a metonym: the metaphoric structure, specifically, produces an effect of signification which is poetry or creation. Would the interpretation then be equal to the structure of the unconscious? I will try to work on this question departing from three short perspectives: 1) An irreducible significant; 2) A saying; 3) A new significant.
keywords
Interpretation, poetic function, Aturdito.
recebido 16/02/2012
aprovado 26/02/2012
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A interpretação: uma arte com ética. Antonio Quinet O analista para se diferenciar dos outros agentes dos laços sociais, não deve responder diretamente à questão de quem o procura e sim fazê-lo falar. A singularidade de sua resposta reside, segundo Lacan, não no enunciado e sim na enunciação. Trata-se de uma resposta enviesada, à côté, uma para-resposta, regida pela ética da psicanálise. O analista está advertido do poder de comando de todo enunciado e de que é por sua enunciação que se coloca o desejo do analista. Quais as condições da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação? Lacan nos aponta embaraço do termo interpretação para se nomear o dizer do analista, pois ele advém de “campos tão díspares quanto o oráculo e o fora-do-discurso da psicose”. (LACAN, 1973/2003, p. 492). Esta última é a resposta pela via do sentido por excelência. Na paranoia, ela preenche o vazio da significação com um sentido ditado pelo postulado do delírio. Toda interpretação pela via do sentido é paranoica, na medida em que se refere a alguma significação pre-estabelecida. Ela é o avesso à ética da psicanálise que nos orienta para a desalienação dos sentidos pré-fixados. A interpretação oracular é feita pela via do signo. Lacan desde 1958 evoca o oráculo como exemplo de interpretação analítica: “Intérprete do que me é apresentado em falas ou atos, decido acerca de meu oráculo e o articulo a meu gesto, único mestre/senhor a bordo” (p. 594). E mais tarde cita Heráclito: o oráculo, como o analista, não revela nem oculta, ele faz signo, dá um sinal. Em grego, a palavra oráculo significa palavra obscura, enigma - que deve efetivamente ser o status da interpretação analítica como forma de semi-dizer. No entanto, ela corre o risco de ser tomada como vaticínio, fazendo com que o analisante leia seu destino no enunciado oracular como Édipo, Rei. Como sair do embaraço? Freud aponta o caminho: que o analista siga os caminhos trilhados pelo artista. Tomemos, então, o termo INTERPRETAÇÃO como interpretação de uma obra musical ou teatral. O músico interpreta uma obra com seu instrumento, um ator interpreta um texto de um autor. A arte do analista consiste na sua interpretação dos ditos do analisante. Vejamos o que essas modalidades da interpretação artística ensinam ao analista.
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Interpretação e inconsciente musical A interpretação analítica solidária do inconsciente como saber de lalíngua é a que leva em conta, por um lado, os equívocos de que ela é feita, por outro lado, seus arranjos musicais, que se encontram na enunciação. Equivocidade e música são as características da interpretação poética. É o sem-sentido próprio da música, presente na fala, que nos permite escapar ao autoritarismo do significante, que sempre tende a antecipar um sentido. Lacan afirma que o corpo está ligado ao que da língua se canta (1976/2003, p. 565). Se Joyce nos mostra um manejo de lalíngua que nos remete à interpretação poética, é por ele ter feito a opção pela musicalidade das palavras, em detrimento do sentido, diz Joyce, que “amava mais o erguer e o tombar rítmico das palavras do que suas associações” (2001, p. 186). E chama de canção a própria poesia. “Uma canção de Shakespeare ou de Verlaine, em aparência tão livre e vivaz ... nada mais é do que a expressão rítmica de uma emoção” (1982, p. 388). Com efeito, Um retrato do artista quando jovem começa com duas canções, uma do pai e outra da mãe que o faz dançar: Tralala lala,/ Tralala tralaladdy,/ Tralala lala,/ Tralala lala. E logo em seguida ele conta sua primeira epifania, como todas, musical, com a voz do supereu. Pull out his eyes,/Apologize,/Apologize,/Pull out his eyes. (1968, p. 3). Seus olhos arrancar,/Se desculpar,/Se desculpar,/ Seus olhos arrancar. Uma interpretação analítica pós-joyciana é a que está à altura do inconsciente musical, estruturado por lalíngua, que inclui portanto o trá-lá-lá do real, que restou da lalação, composta pelos traumatismos da língua materna. Pois, lalíngua é composta por significantes da língua materna + a música com a qual foram ditos. A interpretação poética do analista joga não apenas com o equívoco do significante, mas também com a organização de silêncio e sons, altura, intensidade, mudanças de timbre e volume de sua voz. Se o analista muda a entonação de sua voz usando os mesmos significantes do analisante, o efeito é outro apesar de o enunciado ser o mesmo. A poesia, como diz Ezra Pound, é words set to music. “Basta escutar a poesia”, diz Lacan, “para que nela se faça ouvir uma polifonia e para que todo discurso revele alinhar-se nas diversas pautas de uma partitura” (1957/1998, p. 506). A música de uma fala com seu tom, andamento, pausas e sons presentifica o real. A razão da ética da interpretação analítica é sua ressonância, sua réson (com a letra e) como escreve o poeta Francis Ponge ao qual Lacan se refere em seu seminário O Saber do psicanalista, onde se pergunta: “o que ressoa – seria isso a origem da “res”, com a qual se faz a realidade?” (1972/2011, p. 85-86).1 O analista, como um músico, interpreta a partitura do analisante. Ele aponta para 1 Jacques Lacan, O saber do psicanalista, cujas três primeiras conferências foram editadas como Estou falando com as paredes.
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aquela música que o próprio autor não escuta. A para-resposta do analista corresponde à enigmatização do enunciado. Em vez de satisfazer a pergunta, ele a transforma em outra questão - inesperada – transformando o interlocutor em decifrador.
A mise-en-acte do analista Com a retomada da psicanálise no campo do gozo, Lacan nos introduz à clínica do ato e nos faz passar da talking cure para a acting cure, da clínica da fala à clínica do ato, dos ditos ao dizer, definido como todo fazer que funda um fato. Uma vez inscrito num laço social, todo ato é da ordem do semblante, ou seja, um acting, uma representação no sentido teatral, um make believe. Todo agente de cada discurso deve eticamente se submeter a uma performance para que seu ato tenha efeitos no real, inclusive o analista, que deve fazer semblante de objeto a, que é o semblante, por excelência que permite o simbólico fisgar o real. O semblante é também a característica do próprio significante. Como então o analista pode fazer semblante de a, que por estrutura tem “aversão ao semblante” por estar fora do significante? Pois bem, se você tira o significante do semblante o que resta? A pura enunciação: é por meio dela que o objeto a se presentifica. O mesmo enunciado pode estabelecer qualquer laço social de acordo com sua enunciação, que é a maneira de colocá-lo em cena. A enunciação não implica somente a fala, mas também os gestos, os movimentos e o contexto. A enunciação corresponde à encenação. A enunciação de lalíngua designa não apenas a maneira de falar, mas também o contexto em que os traumatismos da língua foram perpetrados, os gestos que os acompanhavam, o cenário, os personagens que estavam presentes, enfim, tudo o que compõe a situação, como na cena de infância de Joyce. Lacan fazia uma palavra dizer qualquer coisa que ele quisesse. A maneira como se fala trará um dizer para além do sentido dos ditos. Falar qualquer texto já é uma interpretação, no sentido teatral. Nesse sentido, falar é interpretar. A interpretação de um texto pode inclusive dizer o oposto do que está sendo dito. Lacan propõe duas modalidades de semi-dizer da interpretação: o enigma e a citação. Ao enigma ele faz corresponder à enunciação e a citação ao texto colhido na trama da fala do analisante e citado pelo analista para o próprio analisante. Assim, o enunciado é enigmatizado por sua enunciação trazendo à cena o que está fora do discurso e que, no entanto, o causa. Como um ator faz com o texto dramatúrgico, o analista interpreta o texto do analisante a partir de uma encenação. O analista confere à literalidade do texto a teatralidade do semblante. Assim como o teatro, a cena analítica deve ser o lugar da poesia viva. O analista é o intérprete que vivifica lalíngua, para o analisante, na poiesis de seu dizer. O
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analista se apaga como sujeito e se inter-presta ao semblante na cena analítica. Ele entra assim na Outra Cena e passa a fazer parte do inconsciente real. Não há como o ato analítico não utilizar-se do semblante para operar, pois é a única maneira de se abordar o gozo e assim visar um pedaço de real do analisante. O objeto a não é um personagem específico de uma peça escrita por algum autor – é um lugar a ser ocupado. O objeto a, como semblante, pode ser todos os personagens possíveis desde que sustentados pela verdade do saber que orienta a estratégias dos semblantes. Tanto a psicanálise quanto o teatro lidam com a encenação e fazem de um texto um ato. A teatralidade do analista não é qualquer uma: ela tem por base a verdade. Não se trata de um faz de conta de mentira. É um faz de conta de verdade, sustentado pela ética do bem dizer. Lacan compara o analista com o ator de tragédia grega. “O semblante deve ser porta-voz por se mostrar como máscara, abertamente usada como no palco grego” (1972, lição de 10 de maio). Essa máscara é o semblante do personagem que utiliza para interpretar. E esse semblante não precisa ser escondido. Ele “tem efeito por ser manifesto” continua Lacan - o analista não precisa fingir que não está representando, ao contrário, ele explicita sua encenação e obtém efeitos de verdade no real. Essa mise-en-scéne do analista em seu ato se encontra desde o início do ensino de Lacan comparando-a a intervenção do mestre zen: um sarcasmo, um ponta-pé. São formas de enunciação. Atos sem palavras, como peças de Beckett, onde coloca em cena a enunciação pura, sem enunciado algum. O analista em seu ato de interpretar paga com sua encenação, não para que o analisante goze, como um espectador, mas para que produza sua particularidade. Ele produz seu dizer num ato cênico da ordem do semblante para fazer escutar a função poética dos signos de sua interpretação. Na partitura da interpretação se conjuga, assim, o fazer e os ditos, a enunciação global paralinguística e o significante poético de lalíngua. O real não faz sentido, mas ressoa. Ele se manifesta na ressonância de lalíngua, na sua musicalidade – por onde se expressa o real do inconsciente. Lá onde o sentido se esvai, desvela-se um novo cogito para o ser falante: Eu soo, logo existo. Eis onde deve incidir a interpretação do analista para fazer ressoar algo do real do analisante.
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referências bibliográficas JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 294 p. _________. Stephan Hero. Oeuvres. T.1, La Pleïade, 1982, 388 p.. _________. A portrait of the artist os a young man. London: Everyman’s Library, 1968, 225 p. LACAN, J. (1957). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: _________. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 496-533. _________. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: LACAN, J. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 591-652. _________. O seminário. ... ou pior. (1971-1972). Inédito. _________. (1972). O saber do psicanalista. In: LACAN, J. Estou falando com as paredes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011. 103p. _________. (1973). O Aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, p. 448-497. _________. (1976). Joyce, o Sintoma. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, p. 560-566.
resumo
Nesse artigo o autor interroga as condições da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação, cujo termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como oráculo, que toma a via do signo e do enigma, correndo o risco de ser tomada como vaticínio e também como fora-do-discurso das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via por excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se a uma significação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de nomear o dizer do analista com esse termo, o autor lembra que Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou seja, o da interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto a escolha da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a mise-en-acte do analista.
palavras-chaves
Interpretação, lalíngua, mise-en-acte do analista.
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abstract
In this article the author questions the conditions of enunciation of the analystâ&#x20AC;&#x2122;s answer classically called interpretation, whose term originates from diverse fields. Oracle at first, it follows the way of the sign and the enigma, running the risk of being taken as prophecy and also as out of the discourse of the psychoses, which takes the paranoid sense as its route par excellence, thus resistant to the ethics of psychoanalysis for referring to a pre-established signification. To get out of the embarrassing situation of labeling the saying of the analyst with such a term, the author recalls that Freud would point to the path followed by the artist, in other words, that of musical or theatrical interpretation, justifying along the text the choice for his path by the musical unconscious of lalingua and the mise-en-actedo analyst.
keywords
Interpretation, lalingua, mise-en-acte do analyst.
recebido 30/07/2012
aprovado 10/08/2012
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Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea Sonia Borges Como referência para desenvolver este trabalho, tomei a surpreendente definição da interpretação analítica proposta por Lacan, em 1974, em Roma, na conferência A terceira. Diante de uma grande plateia, para assombro de todos, ao desenvolver o tema da interpretação do sintoma, Lacan (1974/2005, p. 58) faz a seguinte afirmação: A interpretação deve ser sempre o ready-made, Marcel Duchamp, que ao menos vocês ouçam disso alguma coisa, o essencial que há no jogo de palavras, é isso que a nossa interpretação deve visar para não ser aquela que alimenta o sentido do sintoma. Com esta provocação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à concepção hermenêutica de interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como o seu paradigma: tal qual o ready-made, a interpretação deve apontar para os limites da representação ou da linguagem, para o impossível de se dizer a coisa, para o real. Mas, o que é o ready-made, modelo para a interpretação? Segundo Pierre Cabane (2008), um dos mais importantes críticos da obra de Duchamp, este objeto-arte pode ser pensado como “uma janela para alguma outra coisa”. Não seria esta a função da interpretação? Lacan diz de passagem que, embora o relacionem principalmente aos surrealistas, considera-se próximo do dadaísmo. O dadaísmo nasceu por volta de 1916 e congregou artistas plásticos, poetas e músicos que se rebelavam contra as ideias burguesas existenciais e estéticas então vigentes. Para isso, tinham como arma criações artísticas que veiculavam suas ideias pela via da ironia, da piada, do trocadilho, ou melhor ainda, do non-sense.
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Parada amorosa. (1915). Coleção Particular.
Da Dandy (1913). Coleção Particular.
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Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea
Na esteira desse movimento, Marcel Duchamp, o artista mais discutido do século XX, inventou os ready-mades que, conforme Breton (1934, p. 42), são “objetos manufaturados promovidos à dignidade de objetos de arte”. Aceitá-los como obra de arte significa assumir que as diversas qualidades que, tradicionalmente, caracterizavam as obras de arte, tais como relação forma-conteúdo, habilidade do artista, estilo, expressão, gosto, beleza etc., não são mais, necessariamente, relevantes. Diante desta “nova arte”, não se trata mais de contemplação, mas de experiência com a produção do artista.
Fonte. (1915). Museu de Arte Moderna de Estocolmo.
Roda de bicicleta. (1913). Galeria Shwarz Milão.
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O Mictório, ou “Fonte”, título que já produz equívoco, a Roda de Bicicleta, o “Porta-Garrafa”, o pé “Tortura-Morte”; assim como muitas outras de suas criações, quando expostas em um dos principais museus de Nova York, provocaram uma subversão no campo das artes, cuja repercussão se estende até hoje, inclusive no que tange à crítica de arte. Isto certamente se deve à prodigiosa repercussão de seus efeitos coerentes com os objetivos do dadaísmo, a saber, a crítica ao que Duchamp chamou de “arte retiniana”, ou arte representacional, arte produzida conforme o modelo, então vigente, fundado na aliança entre arte, representação e racionalismo. É esta subversão provocada por Duchamp no campo das artes o alvo de certa crítica que preconiza que suas obras, e a arte contemporânea de um modo geral, nem mesmo devam ser reconhecidas como arte. Duchamp, talvez pela radicalização de seu trabalho, vem sendo o mais atingido. No Brasil, intelectuais reconhecidos como Ferreira Gullar e Afonso Romano de Sant’Ana, entre outros, tecem constantes críticas a essa arte, mostrando verdadeira indignação diante do trabalho de Duchamp e de outros artistas, mobilizados, talvez, pelo amplo movimento e sucesso, inclusive internacional, da arte contemporânea brasileira. Em seu livro Desconstruir Duchamp, Afonso Romano (2003, p. 116) afirma: “Passou-se a aceitar como arte tudo aquilo que o artista apresenta como obra de arte. Passou a valer a assinatura, a intenção. Daí o silogismo perverso: se tudo é arte, então nada é arte”. Como se pode observar, é justamente o que preconizavam os dadaístas, o que está no foco dessas críticas: o seu rompimento com a ideia clássica de arte como representação, que se expressa muito bem no dito de um deles, Richard Huelsenbek: “O bom é que não se consegue, e provavelmente não se deve entender o Dadá” (DEMPSAY, p. 157). A posição apaixonada destes críticos não viria da velha resistência ao desconforto inegável que qualquer representação que rompa a relação biunívoca entre significante e significado nos traz? O que estaria em questão não seria a busca ansiosa pela possibilidade de interpretação que mata a riqueza polissêmica e ambígua de nossas representações, palavras e imagens? Lacan vai na contramão desta posição. Refere-se ao ready-made, na Terceira (op. cit., p. 59), para recomendar ao analista que interprete “jogando com as palavras”, ou seja, de uma forma provocativa que rompa com significados estáveis, que seja capaz de despertar o que o uso corrente do discurso ordinário adormece, evitando-se, assim, engordar o sintoma com significados (p. 94). Para Lacan, em última análise, trata-se de se ir além do deciframento dos significantes primordiais que instituíram o sujeito, retendo-o na posição de sofrimento. Deciframento que, no entanto, não está descartado na direção das análises, como procedimento
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que leva o sujeito a aceder a tais significantes que mostram a sua alienação ao dito, ou à demanda do Outro. Em A direção do tratamento e os princípios de seu poder, Lacan (1958/2005, p. 640) afirma: “é de uma fala que suspenda a marca que o sujeito recebe do seu dito, e apenas dela, que poderia ser obtida a absolvição que devolveria seu desejo”. Assim sendo, pode-se perguntar: o que se faz, então, em uma análise? Decifra-se, ou se cria a partir do que já está ali? As duas coisas, certamente, pode-se responder. Decifrando-se, tem-se os efeitos de desalienação que, justamente, abrem as possibilidades para o processo criativo que se pode experimentar no trabalho analítico além do deciframento. Além do deciframento, porque esse é o ponto em que o significante não mais representa o sujeito para outro significante, mas o apresenta pela via de uma modalidade pulsional, a letra. Ponto ignorado pela ciência, já que para se fazer exige a transgressão de que só o fazer poético é capaz. O poético, que tomamos aqui no sentido grego do termo que, em uma de suas acepções, remete à criação, àquilo que se opõe à theoria enquanto contemplação, e à práxis como ação. É com a poesia que Lacan, sobretudo a partir de 1970, esclarece o que é o ato analítico, ressaltando que “a língua é fruto de uma maturação, de um amadurecimento de alguma coisa que se cristaliza no uso; já a poesia releva de uma violência feita a este uso” (LACAN, 1976-1977/2005, lição de 15/03/1977). A poesia, assim como toda arte, subsiste dessa violência que provoca na língua e, consequentemente, na cultura, transmutando o impossível em contingência. Quando Lacan recomenda que a interpretação produzida pelo ato analítico tenha efeito de equívoco, assim como o ready-made o tem sobre os espectadores nos museus, e até sobre os críticos, aponta para o seu necessário efeito de transgressão, travessia, de ato no sentido estrito: [...] enquanto está escrita, a obra [aqui Lacan se refere à escrita literária] não imita o efeito do inconsciente. Ela coloca dele o equivalente, não menos real que ele, por forjá-lo em sua inflexão (LACAN, 1977, apud LEITE, 2011, p. 37). Estaria neste ponto – no ponto de violência da poesia e de toda arte – a conexão que permite a homologia, feita por Lacan, entre a interpretação analítica e o ready-made? No entanto, sabemos que há também controvérsias e desconforto no campo da psicanálise diante da radicalidade dessa orientação lacaniana quanto à interpretação. Desconforto que advém por também se estar apontando, seja com a palavra que equivoca, que faz enigma, seja com o semidizer ou com o corte em sessões curtas, para os limites da linguagem que proíbem a assimilação entre interpre-
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tação, significado e verdade. E isto, sem se renunciar a sustentar a existência de um saber que pode dar conta da verdade, mas da verdade de inspiração heideggeriana, que está sempre escapando. “Não é o sentido que vocês interpretam”, diz Lacan, “seja ele qual for, e sim o resto” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 141). Mais adiante, volta à questão, precisando, no Seminário 11, que a interpretação, ela mesma, é um não-senso, mas que é falso dizer que está aberta a qualquer sentido. Afirma que não é isto, porque se trata de isolar no sujeito um coração, um KERN de não-senso, ainda que a interpretação seja ela mesma um não-senso. Mas, como se daria isto? Quando Lacan se referiu ao ready-made, estavam em pauta os efeitos da interpretação sobre o sintoma. O sujeito, em sua resposta ao real, busca estabelecer esta montagem “teatral” – o sintoma – que lhe serve de anteparo. As formações do inconsciente, e de modo especial o sintoma, são invenções particulares do sujeito diante do real. Nenhum falante escapa desta perspectiva de ter que inventar esse anteparo. “O que Descartes não sabia”, diz Lacan, também na Terceira, “é que, desde que se fale, há inconsciente” (p. 75). Esta é uma das definições de inconsciente que nos apresenta neste texto. Mas, traz também que o inconsciente é “um saber impossível”, dizendo a seguir que “o ato analítico é um saber sem sujeito”. Estas definições já são suficientes para nos indicar que não podemos sustentar a ideia de que a apreensão do inconsciente possa ser exaustiva. Por isso mesmo, a interpretação produzida pelo ato analítico é da ordem desse saber fazer, que é demonstrativo, no sentido de que não se dá sem a possibilidade de um equívoco. Lacan ressalta, inclusive, jogando com a homofonia permitida pelo francês, que “o um – equívoco” – l’une bévue – é uma tradução tão boa do Unbewusst quanto qualquer outra... “L’une bévue é alguma coisa que substitui aquilo que se funda como saber que se sabe, o princípio do saber que se sabe sem sabê-lo: é justamente nisso que o inconsciente se presta àquilo que eu acreditei que devia suspender sob o título de l’une bévue” (LACAN, 1976–1977, lição de 16/11/1976). Ou seja, l’une bévue é uma escrita de outro registro que não a do significante, avessa a qualquer sistema como tal, “um inconsciente suspenso e caracterizado por descontinuidade, que desliza de palavra a palavra, sem a conexão metonímica; dá conta de uma ordem em que não há a adição, mas a subtração de sentidos” (MORAES, 2011, p. 53). É no bojo desta orientação que Lacan toma o fazer poético, e também o ready-made que, por suas peculiaridades, se presta mais ainda para tal, para cifrar a interpretação analítica. O ready-made caracteriza-se por ser algo que se retira do contexto. É como retirar S2 de S1. O S2 é o que faz o contexto sempre. Esta operação aponta para o furo do real. Os comentadores de Duchamp também dizem que os ready-mades são trocadilhos em três dimensões que, como tal, apontam para o mais além da significação. Nisto, o chiste se aproxima da poesia. Freud (1905,
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p. 154) falava da “benevolência do chiste: as palavras são um material plástico, afirma, com o que se pode fazer qualquer coisa”. Para Lacan, “O que se diz a partir do inconsciente participa do equívoco, do equívoco que está na base do chiste” (LACAN, 1976-1977/2005, lição de 11/08/1976). O fazer poético, o chiste e a interpretação têm em comum ser expressão da função poética da linguagem, portanto têm a mesma estrutura, que os faz aptos à criação, à ficção e à produção de semblantes. Os ready-mades, pode-se dizer, já estavam na casa de muita gente, mas Duchamp os retira, os descontextualiza, e os mostra como invenção ficcional e, ao se tornarem invenção ficcional, indicam que são semblante de algo que está e não está lá. Sua pretensão era de nenhuma representação, e a coisa pura, a roda da bicicleta, se torna arte. Está se falando de semblantes, de ficção, e estes devem ser tomados no sentido que Lacan indica: a verdade tem estrutura de ficção. A verdade é uma montagem, semblante. Esta orientação teórico-clínica de Lacan implica privar o sintoma de sentido, mas ainda é sobre o sintoma que se opera, mas para reduzi-lo. Por isso a necessidade de distinguir a perspectiva semântica, da assemântica da interpretação. A pontuação, por exemplo, ao realçar um significante, produz uma significação, diferentemente do equívoco que interrompe o movimento concernente ao sentido do sintoma, e reconduz o sujeito ao sem sentido do real, à opacidade do seu gozo e à perplexidade. Para terminar, acho importante ressaltar que esta manipulação por Lacan dos efeitos linguageiros, ou dos jogos fono-semânticos que propõe como modelo para a interpretação, não tem como meta efeitos estéticos. Com Haroldo de Campos (2001, p. 116), em seu belo ensaio O poeta e o psicanalista: algumas invenções linguísticas de Lacan, é possível dizer que: Lacan está pensando em situar o inconsciente (...) não pela via destra e mestra do significado, mas pela via canhestra e sinistra do significante; não por uma via prevista e insuspeita do acesso, mas, por um desvio imprevisto (...) insuspeito do insucesso.
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resumo
Este artigo discute a orientação de Lacan para o trabalho de interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpretação é o ready made, Marcel Duchamp [...], na conferência A terceira, de 1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à perspectiva hermenêutica da interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como sendo o seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silenciosamente o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e sustenta todo objeto, esclarece que é jogando com as palavras de forma provocativa que se pode ir além do deciframento dos significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas com significados”.
palavras-chave
Psicanálise, interpretação, sintoma, ready- made.
abstract
This article discusses Lacan’s orientation for the work of interpretation in light of his amazing statement: Interpretation is the ready-made, Marcel Duchamp […], made in the conference The third, in 1974. With this definition of interpretation, not only does Lacan radicalize his criticism to the hermeneutic perspective of the interpretation, but also ratifies the idea of having equivocation as his paradigm. For the fact of silently showing what an object is, or the essential lack which inhabits and sustains any object, the ready-made makes it clear that it is playing with words in a provocative way that one can go beyond the deciphering of the primordial signifiers without, however, “fattening the symptoms with meanings”.
keywords
Psychanalyse, interpretation, symptom, ready-made.
recebido 16/02/2012
aprovado 27/03/2012
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As marcas da interpretação Luis Izcovich Lacan, desde praticamente o começo de seu ensino, põe em conexão a interpretação e o final de análise. Coloquei-me a pergunta: o que justifica, por exemplo, que Lacan proponha em A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) dizer que quem não tenha levado sua própria análise até sua conclusão não saberá nem assegurar a direção de uma análise como também somente fazer uma interpretação “à bon escient”? A interpretação “à bon escient” foi traduzida para o espanhol como uma interpretação com conhecimento de causa, quando na realidade seria mais justo qualificá-la como uma interpretação feita intencionalmente, quer dizer, sabendo o que se faz em função de uma finalidade, já que a interpretação requer o discernimento do analista e, às vezes, vai ao sentido contrário do que se conhece. É o caso da interpretação inexata, mas eficaz. Melhor dizendo, o analista não só desconhece a causa como também suspende o saber que o analisante crê possuir sobre a causa, e isto até o final de uma análise. A causa na análise é só uma: a causa traumática. A análise cria as condições para captá-la, mas a verdadeira causa, a que determinou a posição do sujeito ao longo de sua existência, se capta ao final da experiência de análise. E se o analisante e o analista podem intuir a causa antes do fim, a prudência se impõe até o final no que se refere a saber (quais) os significantes mestres que orientaram uma vida, assim como no que diz respeito a saber em seu momento o modo em que alíngua penetrou no corpo do sujeito. Situa-se aqui toda a distância verificável por ocasião do cartel do passe entre, por um lado, imaginarizar alíngua e por outro como um sujeito passou do “troumatisme”, furo traumático, à identidade de seu sintoma. Concretamente isto quer dizer extrair as consequências vitais dessa passagem e sua tradução em ato quanto ao destino do sujeito depois de uma análise. Interpreta-se com desconhecimento de causa, mas apontando para ela. A pertinência da interpretação depende menos de acertar o alvo do que ajustar-se ao objetivo, ou seja, de revelar a causa traumática. A tese é que ter atravessado a experiência de final de análise não só é necessário para saber como no que se refere à sua conclusão, mas também condiciona a pertinência da interpretação. Poderíamos, inclusive, dizer que Lacan prolonga a denúncia de Freud quando qualifica de selvagem toda a interpretação analítica fora da transferência. Lacan é
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mais sutil e, ao mesmo tempo, introduz uma exigência superior. Não é suficiente considerar que a transferência condiciona a interpretação, mas também é necessário haver atravessado a experiência do final de análise. Percebe-se que o que está em jogo, de um modo implícito, é o momento em que um analisante se autoriza como analista. É um fato da clínica analítica, ao menos nestas últimas décadas, que o momento da passagem, ou seja, da autorização, precede, salvo alguma exceção, o momento do final de análise. Admitimos, portanto, que não é necessário o final de análise para produzir uma interpretação feita intencionalmente? E se assim for, contradiremos o Lacan de 1958 ou isto quer dizer que sua proposição não tem mais vigência? Se bem que, como eu dizia, na passagem a analista se trata de um ato do analisante, na maioria dos casos é um ato sob transferência. Que o ato de autorizar-se seja sob transferência ou após concluída uma análise não é a mesma coisa, no entanto, ambas as situações possuem um denominador comum: é o analista quem dirige o tratamento até o ponto em que a autorização é possível. Que o ato de autorizar-se implique o analisante e também o analista significa que também faz parte da responsabilidade do analista o momento em que um analisante se autoriza no ato de passagem a analista. As razões da proposição de Lacan articulando interpretação e final de análise estão também implícitas desde o texto de 1958 e se tornam explícitas quando colocam que a leitura do texto inconsciente, embora essencial, é somente uma concepção restrita da experiência. Na mesma direção, Lacan assinala o limite da perspectiva freudiana que consiste em dar sentido ao sintoma, ou quando evoca a elucubração freudiana. Trata-se de uma encruzilhada dada pelo fato de que a leitura dá sentido ao sintoma, mas traz em si um saber que não tem limite. Lacan dá uma saída para essa encruzilhada propondo uma volta suplementar, que não é a de uma nova leitura, mas a da análise como escritura. Em relação ao sentido do sintoma, Lacan propõe um mais além, que não é o real como falta de sentido, mas o real como sentido a partir do sem sentido. Finalmente à elucubração freudiana, Lacan dará sua resposta: o real do sinthome. Deduz-se que a proposta é a análise como escritura do sintoma, o que não é um mais além que continua a concepção freudiana. Trata-se, melhor dizendo, de uma descontinuidade que permite afirmar, em alguns casos de reanálise, que se trata de uma contraexperiência. E é o início o que determina que seja verdadeiramente uma contraexperiência, sem o qual, há o risco, como em muitas análises, de que se deem voltas sem que se apanhe o real. Concebem-se duas políticas diferentes para a psicanálise se a limitarmos a uma prática de leitura ou se incluirmos como perspectiva a possibilidade de que o real do sintoma se inscreva como marca no corpo. E, ambas as políticas repercutem na
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concepção de interpretação e condicionam o modo e o momento da autorização como analista. Percebe-se que ambas as perspectivas já estão presentes desde o texto A direção do tratamento (op. cit.). Assim, por um lado, Lacan coloca que a interpretação é decifração, ou seja, é parte da cadeia significante do sujeito e volta a ela; por outro lado, a interpretação aponta para o horizonte desabitado do ser. Não se trata de duas técnicas diferentes de interpretação, mas de uma concepção segundo a qual a análise inclui um mais além da decifração. A decifração é um novo saber que faz cair o saber que funcionou como certeza para o sujeito e que se revela ser uma tela. Isto funda o objetivo da resposta analítica como um trazer à luz. É ao serviço dessa lógica que a análise aparece com a interpretação que elucida. Há em Lacan uma dimensão à qual ele recorre de um modo constante, que é a de fazer perceber o sujeito. Lacan, inclusive, articula essa dimensão com o final de análise, como fazer ver ao sujeito a que significante está sujeitado, do mesmo modo que sua definição de final como um “aperçu du réel” que indica uma percepção do real. Cabe notar que esta concepção não difere da concepção anglo-saxônica, na qual o centro da interpretação é a produção de um insight. Resumindo, a interpretação que elucida não outra coisa que a decifração e a finalidade de uma análise não seria outra coisa que uma prática de tradução de texto. O problema que se coloca para a teoria, mas também para a entrada em análise, é que a decifração da opacidade subjetiva comporta uma passagem ao ciframento inconsciente e a constituição de um novo enigma, que, portanto, é enigma a decifrar. O analista encarna o enigma necessário ao fazer par ao sintoma do sujeito, e a interpretação equívoca é a única propícia a uma conclusão que não seja uma sugestão, que se planeja sempre quando se trata de transferência. No entanto, há que se admitir também, novamente a experiência se impõe como referência, que a interpretação quer seja como citação, enigma ou equívoca, não permite uma conclusão natural da experiência. O que chamo de final natural de uma análise? Para Freud, o fim corresponde ao momento em que o analisante e o analista deixam de se encontrar. É esse o fim, mas é natural? O fim natural é a conclusão por desgaste libidinal. A análise limitada à prática de uma leitura implica o fim por desgaste, sem dizer, no entanto a quem, analisante ou analista, o tempo vai erodir primeiro. O que implica, então, a concepção da análise como escritura? A análise como escritura é o que possibilita uma marca própria à experiência analítica que se propõe a isolar o significante traumático do sujeito, o que é algo mais além do que percebê-lo. Este é o programa que Lacan traça desde a última lição do seminário Os quatro
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conceitos (1964), em que retoma a questão de fazer ver ao sujeito, e a recoloca em termos mais contundentes: que são os de levar o sujeito ao momento no qual, pela primeira vez, se coloca em posição de sujeitar-se ao significante primordial. Dizer que é pela primeira vez reenvia a uma experiência inédita, mais além da terapêutica e que dá uma nova fixação ao ser do sujeito. Essa perspectiva dá vigência à proposição radical de Lacan segundo a qual o fim guia a interpretação. É certo que é possível decifrar o inconsciente de um sujeito, uma vez que se tenha decifrado o próprio inconsciente; e é certo que é possível assumir o lugar de analista sob a condição de não estar afetado pelos próprios afetos e que a contratransferência não interfira demasiadamente. No entanto, não é a mesma coisa autorizar-se a responder as demandas de uma análise desde este ponto, do que desde o ponto no qual uma análise deixa uma marca indelével no sujeito futuro analista. Nisso Lacan insistiu até o final acrescentando, inclusive, uma experiência para o sujeito que, mais além de tê-lo feito ver, é a de tê-lo feito sentir o que é o “des-ser” do analista. Para concluir, por que utilizar a expressão “marcas da interpretação”, no plural? A primeira marca é a marca traumática, índice de que não há trauma para a psicanálise sem a interpretação do sujeito. A segunda é a marca deixada pelo dizer da análise. Sem essas duas marcas da interpretação pode-se dizer que tenha havido análise, mas não se pode afirmar que se tenha produzido um analista. Tradução Luis Guilherme Mola Revisão: Silvana Pessoa e Luis Izcovich
referências bibliográficas LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: _______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 591-652. _________. (1964). O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1973, 271p.
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As marcas da interpretação
palavras-chave
Interpretação, final de análise, direção do tratamento.
abstract
The article brings an important articulation between interpretation and the end of an analysis. It is questioned if the one who has not taken his/her own analysis until the end would be able to ascertain the direction of an analysis, or also to come up with an interpretation “á bonescient”, that is, an intentional interpretation which is done with full knowledge of the case and based on an objective. The author concludes defending Lacan’s thesis, present in The direction of the treatment since 1958, that having gone through the experience of end of analysis, not only is it necessary to get to know to what the conclusion refers to, but also it conditions the pertinence of the interpretation.
keywords
Interpretation, end of analysis, direction of treatment.
recebido 30/07/2012
aprovado 10/08/2012
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trabalho crĂtico com conceitos
Sobre um suplemento de significante Ana Paula Lacorte Gianesi Em O saber do psicanalista, Lacan nos propôs uma definição de interpretação como sendo a intervenção de um analista no discurso de um sujeito, procurando ali um suplemento de significante. Ele nos alertava, outrossim, que o analista não seria, de modo algum, um nominalista. Um analista, em sua práxis, não buscaria as representações do sujeito. Algo desta posição, ética, nós podemos encontrar desde os primórdios do ensino de Lacan. Seguirei alguns de seus comentários, em conformidade com certa cronologia, até aportar nesta noção de suplemento, o que nos indica uma orientação “feminizante” para uma análise. Que em um possível final de análise possa não haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suplementar em relação ao gozo fálico. O bem-dizer ao sinthoma estará, enfim, neste horizonte de discussão. Pois bem, façamos um breve percurso neste ensino que nos orienta. Primeiro, uma citação extraída da Direção da cura: O lugar ínfimo que a interpretação ocupa na atualidade psicanalítica (...) porque a abordagem desse sentido sempre atesta um embaraço. Não há autor que se confronte com ele sem proceder destacando toda sorte de intervenções verbais que não são a interpretação: explicações, gratificações, respostas à demanda... etc. (LACAN, 1958/1998, p. 598).
Lacan fora, então, bastante assertivo: explicações, gratificações, respostas à demanda, estas intervenções não são a interpretação. E destaquemos que neste ponto de seu ensino, ele transmitia o indicador de uma interpretação, fundado, radicalmente, no conceito da função significante. Em meio a seu retorno a Freud, Lacan circunscreveu esta função como o que capta o ponto “onde o sujeito se subordina a ele [significante], a ponto de por ele ser subornado” (Ibid., p. 599). Por seu materialismo decidido, Lacan procurava as bases (no sentido militar) de uma psicanálise que não ficasse à mercê do inefável. Nesta direção, ele nos apontava o risco de um efeito flogístico da interpretação. Um exemplo pertinente, ele nos dá quando aponta certa tendência na qual a interpretação poderia ser encontrada em toda e qualquer parte, isto no impedimento de “retê-la em parte alguma” (Ibid.).
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Não obstante, Lacan já estava ali atento aos efeitos de significante que bordeavam um elemento faltante. E seguia a tese de que a interpretação poderia produzir algo novo. Conforme escreveu, uma interpretação, para decifrar a diacronia da repetição inconsciente “deve introduzir na sincronia dos significantes, que nela se compõem algo que, de repente, possibilite a tradução (…) sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante” (Ibid.). Encontramos, em seu Seminário 11, uma citação que bem conversa com essas colocações iniciais. Com a ressalva de que podemos localizar, nas transcrições de 1964, uma formalização do resto faltante e a inclusão (êxtima) do Real na estrutura. Lacan tinha dado seu passo de invenção, a saber, o objeto pequeno a: A interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo algum não importa qual (...) O que é essencial é que ele [sujeito] veja, para além dessa significação, a qual significante – não-senso, irredutível, traumático – ele está, como sujeito, assujeitado (LACAN, 1964/1985, p. 237). Frisemos isto: um sujeito assujeitado a um significante irredutível, traumático, fora do campo do sentido. E notemos que ali mesmo, em seu seminário sobre Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan nos dizia, o que me parece fundamental, que a direção da cura não deveria visar “tanto o sentido quanto reduzir os significantes a seu não-senso” (Ibid., p. 201). A visada daquilo que está fora do campo do sentido, Lacan a articulou a um possível. Darei aqui um grande salto. Disse ele, em seu Seminário 24, que é possível que o sentido cesse de se escrever. Apenas deste modo o possível poderia ter a ver com o real. Cessar de escrever os sentidos intermináveis que a imaginação neurótica tece em suas teias, em suas redes, em suas elucubrações. Ainda sobre o possível, podemos recordar que poucos anos antes Lacan atestava a possibilidade de um dizer – que se diga. Modo subjuntivo que encontramos em O aturdito, de 1972, outro de seus textos sobre a interpretação. E lembremos que justamente em seu “que se diga” Lacan colocava o reencontro do discurso psicanalítico com o real, ou seja, com o impossível (e ele não deixa de acrescentar: de onde provém o necessário – o que, por sua vez, já implica a contingência). Mais ainda, na aula de 14 de dezembro de 1976 de seu Seminário 24, ele acrescenta que é sempre possível que o sentido atrelado ao significado cesse como equívoco (une bévue e, por homofonia, unbewusst). Pois bem, o equívoco (não sem equivocar com o “inconsciente”), trilhemos de agora em diante nossos caminhos com este termo como companhia. Detenhamo-nos, assim, e apenas um instante, em uma passagem de O aturdito que nos esclarece sobre as articulações entre o inconsciente, a linguagem, lalíngua, o equívoco e o real:
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[...] O inconsciente, por ser ‘estruturado como uma linguagem’, isto é, como a lalíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada uma delas se distingue. Uma língua entre outras não é nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistirem nela. É o veio em que o real – o único, para o discurso analítico, a motivar seu resultado, o real de que não existe relação sexual – se depositou ao longo das eras [grifos meus] (LACAN, 1972/2003, p. 492). Havia, com Lacan, uma clara orientação para que o psicanalista fizesse ressoar o que não fosse o sentido. Vejamos mais uma citação: “O sentido, isso tampona; mas com a ajuda daquilo que se chama escritura poética vocês podem ter a dimensão do que poderia ser a interpretação analítica” (LACAN, aula de 18 de abril de 1977, inédito). O que seria, então, uma escritura poética? Qual sua articulação com a interpretação analítica? Pela via do equívoco (une bévue) e com o que este porta de enigma, afirmaríamos que seria justamente aquilo que vai na contramão do inflar de sentidos? Tanto por declarar o fora de sentido, quanto por exercitar o cúmulo de sentido? Aquilo que produz o furo por seu efeito de escritura? De uma escritura que permite, enfim, uma leitura anortográfica, conforme Lacan sugerira em seu Posfácio ao Seminário 11? Leitura que conta (e canta) o tom e o som e que permite apontar algo do impossível? Lacan perseverava. Na IV Jornada de estudos dos Cartéis da Escola Freudiana – sessão de encerramento, ele afirmou a antinomia entre o sentido e o real e nos mostrou que uma interpretação teria a ver com o real apenas quando a dosássemos. Que uma interpretação incida sobre a causa do desejo, isso declara o absenso. O que é aqui dedutível é o ab-senso da relação sexual. O objeto a, causa de desejo, desnudado em uma análise, mostra o impossível: o não há relação sexual. Apenas pontuemos, para seguirmos, que em seu discurso A terceira, Lacan colocara em homologia, justamente quanto ao não-senso, o S1, essa contingência (de onde provém o necessário), e o objeto a (este pedaço de real). Do mesmo modo, temos elementos para seguirmos com a asserção segundo a qual a incisão da interpretação sobre a causa de desejo dá-se como um tiro no coração que erra o alvo. A Carta aos italianos, de 1974, permite-nos esta leitura. Incidir sobre a causa de desejo, isso surge como o possível de um dizer: Existe o objeto (a). Ele ex-siste agora, por eu o haver construído. Suponho que se conheçam suas quatro substâncias episódicas, que se saiba para que ele serve, por se envolver da pulsão pela qual cada um se mira no coração e só se chega lá com um tiro que erra o alvo (LACAN, 1974-2003, p. 314).
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Tanto a orientação legada por Lacan de reduzirmos os significantes a seu nãosenso, quanto seu propósito de incidir sobre a causa de desejo, ambos os passos apontam para o que, na direção da cura, orienta-se por S( ): o significante da falta do Outro. Pois bem, justamente neste ponto, retomemos o mote deste trabalho: o suplemento de significante. Lacan fora enfático, o analista intervém no discurso do analisante procurando um suplemento de significante (LACAN, aula de 4 de maio de 1972). Sabemos da importância desta noção de suplemento nos últimos anos do ensino de Lacan. Sigamos, então, algumas pistas sobre o suplemento. De rastros deixados, evoquemos seus dizeres que circundam o real, a mulher e o sinthoma-letra. Podemos localizar, em princípio, uma asserção topológica encontrada em O aturdito. Ali, Lacan retomava seu seminário sobre a identificação e nos indicava que o objeto pequeno a, na composição do cross-cap (da fantasia), designar-se-ia por uma “rodela suplementar” (LACAN, 1972/2003, p. 475); elemento heterogêneo em relação à banda de Moebius, elemento dedutível após alguns giros de uma análise, o que não vem sem operações de corte. Em seu Seminário 18, de 1971, encontramos aquilo que ele designou como efeito feminizante de uma análise. Lacan estava ali ancorado pela letra/carta: Trata-se, pois, de tornar sensível como a transmissão de uma carta/letra se relaciona (...) com o gozo (...) trata-se, expressamente de estudar a carta/letra como tal, na medida em que ela tem, como eu disse, um efeito feminizante (LACAN, 1971/2009, p. 121). Do efeito feminizante da carta/letra em sua relação com o gozo, podemos aportar em seu Seminário 20 e sua asserção sobre a mulher: a mulher, diz Lacan, isso não se escreve. A mulher não existe. Daí . Esse não se pode dizer, possui, fundamentalmente, relação com S( ): “A mulher tem relação com S( ) por um lado e, por outro, ela pode ter relação com o Falo (F) e já é nisso que ela se duplica, que ela não é toda” (LACAN, 1972-73/1985, p. 109). Lacan faz corresponder S( ) e o gozo da mulher. O que condiciona que o gozo feminino não esteja todo ocupado com o homem. A mulher é não-toda. Estas colocações podem nos trazer, por fim, um sinal de um gozo suplementar em relação ao gozo fálico. Se o suplemento aponta o não-todo, a mulher (nãotoda) e a partilha dos sexos são postas em questão. Em seu texto D’Ecolage, de 1980, Lacan fez um importante comentário sobre as distinções entre o gozo fálico e o gozo feminino, que é, então, suplementar: “O gozo fálico é justamente aquele que consome o analisante” (LACAN, 1980, p. 52). “O
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gozo fálico não aproxima as mulheres dos homens, mas bem as afasta deles, porque este gozo é obstáculo para acasalá-las com o sexuado da outra espécie” (Ibid., p. 51). Parece-me relevante frisar que esta noção de suplemento aponta para a não equivalência entre o homem e a mulher. O que convoca os dizeres de Lacan sobre o sinthoma. Ele destacou, em seu Seminário 23, que no sinthoma não há equivalência entre o homem e a mulher. Mais ainda, não há equivalência e há relação. Verifiquemos detidamente a citação: Na medida em que há sinthoma, não há equivalência sexual, isto é, há relação. Com efeito, se a não relação deriva da equivalência, a relação se estrutura na medida em que não há equivalência. Há, portanto, ao mesmo tempo, relação sexual e não há relação. Há relação na medida em que há sinthoma, isto é, em que o outro sexo é suportado pelo sinthoma (LACAN, 1975-76/2007, p. 98). A não equivalência entre o homem e a mulher implica, pela via do sinthoma, a relação sexual. No sinthoma o Outro sexo, mulher encontra seu suporte. Proponho-me, neste ponto, a fazer uma breve digressão. Retomemos alguns termos e conceitos desta práxis. Lembremos que a fantasia, segundo Lacan formulou, seria uma tentativa do sujeito de escrever a relação sexual, fazer proporção (e complementação) entre os sexos e isso através da punção entre sujeito e objeto. Fazendo coalescência entre o pequeno a e o S( ), o sujeito (barrado), na fantasia, consubstancialmente se esforça por encampar toda a dimensão do real e fazer este mesmo a equivaler ao –φ. O paradoxal desta tentativa é que o objeto que o sujeito procura englobar é (a)sexuado. Ele o é justamente por ser o a sexuado em sua versão de gozo, de mais de gozar e, igualmente, assexuado, por não ser suficiente para dizer da diferença entre os sexos. Apenas com o objeto a a não equivalência entre os sexos não se mostra. Na fantasia, somos todos sujeitos barrados procurando fazer relação com o a. A não equivalência poderia ser localizada, então, na distinção entre o sujeito (barrado) de um lado e o objeto de outro. Arriscaria dizer que a relação fantasmática não é suficiente para dizer do homem e da mulher. Por outro lado, no sinthoma, homem e mulher não equivalem entre si. Lacan tentou mostrar isso com os nós. No quadro das fórmulas da sexuação talvez possamos localizar a não equivalência entre os sexos nas inscrições de gozo: fálico de um lado, Outro gozo (não-todo fálico) de outro. Parece ser preciso sustentar que a não equivalência entre os sexos, no sinthoma, não é da ordem da realização fantasmática. O sinthoma, ao mostrar a não equivalência entre o homem e a mulher, talvez permita, a um só tempo, o modo de gozo relativo a S( ) e o necessário de S1 (o que não vem sem a contingência). Interessante pensarmos, outrossim, que a não equivalência e a não simetria entre
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o homem e a mulher postos na via do sinthoma chamam a abertura da lógica não-toda e do efeito de um além do significante (e da significação fálica). Esta visada do sinthoma, da identificação ao sinthoma quanto um signo, quanto aquilo que é da ordem da cifra (que não mais clama por decifração), pode nos implicar, por uma torção, na direção da cura. Este fim possível nos remete ao início de uma análise e ao percurso de uma análise. A identificação, enquanto uma operação e um conceito matemáticos, quando a referimos por aquilo que Lacan declarara como o sinthoma-letra, então, a identificação ao sinthoma-letra, isso pode nos esclarecer sobre a função suplementar. E penso que é por isso que Lacan insistiu em dizer que, ao mesmo tempo, há e não há relação sexual. Não há relação sexual, eis o furo, o impossível, o apontamento do real do sujeito. Há relação e não há equivalência, algo que concerne ao sinthoma. Eis um passo ético que concerne ao bem-dizer, ao bem-dizer o sinthoma. E, consubstancialmente, um passo lógico, que nos implica uma lógica que comporta (e suporta) o não-todo. Desta feita, após este percurso sobre o suplemento articulado ao objeto a, ao gozo não-todo e ao sinthoma, poderíamos voltar à função suplementar da interpretação. Aqui, mais uma referência. Em O aturdito Lacan articulou a interpretação ao apofântico. Ele afirmou que a interpretação é o apofântico, o que se refere ao declarativo ou revelativo. Aristóteles teria considerado que esse tipo de enunciado – apofântico – é um objeto da lógica da qual são excluídas as orações, as ordens etc., e cujo estudo pertence à retórica ou à poética (ABBAGNANO, 1998). Outra citação de Lacan: O dizer da análise, na medida em que é eficaz, realiza o apofântico, que, por sua simples ex-sistência, distingue-se da proposição (...) Esse dizer renomeia-se aí pelo embaraço que deixam transparecer campos tão dispersos quanto o oráculo e o fora-do-discurso da psicose, através do empréstimo que lhes faz do termo ‘interpretação’ (LACAN, 1972/2003, p. 491-2). A interpretação, ao realizar o apofântico em sua ex-sistência distingue-se da função proposicional. Por sua dimensão declarativa ou revelativa, aponta-nos a “arte do bem-dizer” e a função poética de onde sobrevém o furo. O apofântico nos deixa em face com o mistério, com o enigma. O enigma (o revelativo do apofântico) parece não caminhar sem o declarativo. Poderíamos nos ater às frases lacanianas sobre o mistério do corpo falante, sobre o enigma do sexo feminino, sobre as epifanias em Joyce e sobre o cúmulo de sentido para assim recolher algumas de suas referências ao enigma e ao mistério. Em seu Seminário 23, ao tratar as epifanias em Joyce, por exemplo, Lacan
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ressalta seu caráter enigmático e nos diz que elas podem ser lidas como algo que aponta o Real: “O enigma é uma questão de enunciação, da relação do enunciado com a enunciação”, sendo a enunciação: “o enigma elevado à potência da escrita” (LACAN, 1975-76/2007, p. 150). Voltamos ao ponto da escritura. E aqui, quiçá, possamos assistir ao encontro da escritura poética com o dizer. Através do enigma, pela prática do equívoco, ser-nos-ia possível reduzir os significantes ao não-senso. S1. Esse-Um. E, desde essa produção, “errar o alvo” que atingiria o objeto a. Conforme Lacan anunciara em Radiofonia, seria como acuar o impossível de tal modo que a impotência (da fantasia) possa mudar de modalidade. O que indica um gozo suplementar ao gozo fálico: S( ). Eis uma orientação que concerne ao suplemento. Pois bem, desde o equívoco (une bévue) Lacan nos propõe, novamente em O Aturdito, três dimensões da interpretação: a homofonia, a gramática e a lógica. “Os equívocos pelos quais se inscreve o lateral de uma enunciação concentram-se em três pontos nodais” (LACAN, 1972/2003, p. 494) – com nenhum deles começando primeiro: a homofonia (da qual depende a ortografia – ou a anortografia). Lembremos, desta feita, da homonímia (homofonia e homografia). A gramática (letra) que conforme Lacan colocara em Televisão “serve de trave para a escrita e atesta um real que, por sua vez, permanece como enigma” (LACAN, 1973/2003, p. 515). Donde ele sugere que prestemos atenção no que seria da amorfologia. E, finalmente, a lógica “sem a qual a interpretação seria imbecil” (LACAN, 1972/2003, p. 494). A lógica, Lacan insiste: o “formalizado”, aquilo que é próprio do matema, isso pode existir desde paradoxos, que nos fazem apostar, e dar um tratamento não trivial à contradição. Tirar proveito de se proibir esse fundamento (da contradição), eis uma relevante chave clínica. Conforme Lacan bem ponderou em seu Momento de concluir: “O inconsciente, diz-se, não conhece a contradição, e é exatamente por isso que é preciso que o analista opere por intermédio de alguma coisa que não se baseie na contradição” (LACAN, Momento de concluir, aula de 15 de novembro de 1977). Desde que se possa configurar uma prática que, enfim, aposte na importância do equívoco nestes três pontos nodais (a homofonia, a gramática e a lógica), pareceu-me interessante pensar, por torção temporal, em dois pontos sublinhados por Lacan em seu Direção da cura. Com o primeiro, referente ao alcance da interpretação em Freud, Lacan nos lembra da tendência (fruto do advento do significante) que se designa por Trieb. Lacan enfatizava, então, a importância da pulsão para a interpretação. Outrossim, nos vestígios do que se poderia chamar “linhas de destino do sujeito” (LACAN, 1958/1998, p. 603), ele atribuía relevância à ambiguidade que operou o veredito de Tirésias (lembremos que ao declarar que seria a mulher, em uma comparação com o homem, quem mais teria prazer, o adivinho
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de Tebas teria provocado a ira de Hera, já que revelava a relação da mulher com a ordem fálica). A pulsão e o preliminar da mulher não-toda, quiçá isto nos indique algo que mais tarde fora lido por suplemento. Como a homofonia e a gramática não andam sem a lógica (esta lógica que permite-se não seguir o princípio da razão referente à contradição), frisaria, com o intuito de estabelecer uma conclusão possível, o segundo ponto, qual seja, uma asserção (lógica) de Lacan: “Uma interpretação só pode ser exata se for... uma interpretação” [grifo meu] (LACAN, 1958/1998, p. 607).
referências bibliográficas ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 1014p. LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: ______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 591652. ________. (1964). O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Versão brasileira M. D. Magno. 2ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. 269 p. ________. (1971). O seminário, livro 18: De um discurso que não fosse do semblante. Tradução. Rio de Janeiro, Zahar, 2009. 176 p. ________. O seminário: O saber do psicanalista. (1972). Inédito. ________. (1972) O aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 448-497. ________. (1972-73). O seminário, livro 20: Mais, ainda. Versão brasileira M. D. Magno. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. 160 p. ________. (1973) Posfácio ao seminário 11. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 503-507. ________. (1973) Televisão. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução Vera Ribeiro Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 508-543. ________. A terceira. (1974). Inédito. ________. (1974) Nota italiana. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 311-315. ________. (1975-76). O seminário, livro 23: O sinthoma. Tradução Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 252 p. ________. IV Jornada de estudos dos Cartéis da Escola Freudiana – Sessão de encerramento. (1975). Inédito. ________. Le seminaire, livre 24: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre.
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(1976-77). Inédito. ________. O seminário: Momento de Concluir. (1977). Inédito. ________. D’Ecolage. (1980). Inédito.
resumo
A proposição lacaniana, encontrada em O saber do psicanalista, segundo a qual a definição de interpretação seria “a intervenção de um analista no discurso de um sujeito, procurando ali um suplemento de significante”, serviu de inspiração para este texto. No texto, Lacan nos alertou que o analista não seria, de modo algum, um nominalista. Um analista, em sua práxis, não buscaria as representações do sujeito. Algo desta posição, ética, nós podemos encontrar desde os primórdios do ensino de Lacan. Seguir-se-ão alguns de seus comentários, em conformidade com certa cronologia, até aportar nesta noção de suplemento, o que nos indica uma orientação “feminizante” para uma análise. Que em um possível final de análise possa não haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suplementar em relação ao gozo fálico.
palavras-chave
Significante, suplemento, objeto a, equívoco (une-bévue), interpretação.
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abstract
The Lacanian proposition, found in The knowledge of the Psychoanalyst, according to which the definition of interpretation would be: the intervention of an analyst in the discourse of a subject, looking out there for a supplement of significant, has served of inspiration for this text. Here, Lacan has warned us that the analyst would not be, in any way, a nominalist. One analyst, in his/her practice, would not seek the representations of the subject. Something from this position, ethics, we can find, since the beginning of Lacan’s teaching. Some of his comments are to follow, in accordance with a certain chronology, until this notion of supplement is reached, what it points to us a “femininizing’ orientation to an analysis. That at a possible end of analysis there can be no equivalence there can be no equivalence between a man and woman, this points to a supplementary jouissance compared to the phallic jouissance.
keywords
Significant, supplement, object little a, equivocal (une-bévue), interpretation.
recebido 16/02/2012
aprovado 28/03/2012
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Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque? Bárbara Guatimosim De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado. (F. Kafka) Então como pode ocorrer que pela operação do significante, haja pessoas que se curem? Pois é exatamente disso que se trata. É um fato que há pessoas que se curam. Freud salientou bem que não era necessário que o analista fosse possuído pelo desejo de curar: mas é um fato que há pessoas que se curam (...) Como isso é possível? Apesar de tudo o que eu disse na ocasião, não sei nada sobre isso. É uma questão de trucagem. Como é que se sussurra ao sujeito que se tem em análise alguma coisa que tem como efeito curá-lo; essa é uma questão de experiência na qual desempenha um papel, o que eu chamei de sujeito suposto saber. Um sujeito suposto é um redobramento. O sujeito suposto saber é alguém que sabe. Ele sabe o truque, já que falei de trucagem, no caso: ele sabe o truque. A maneira pela qual se cura uma neurose. Devo dizer que no passe, nada anuncia isso; devo dizer que, no passe, nada dá testemunho de que o sujeito saiba curar uma neurose. Fico sempre esperando que alguma coisa me esclareça sobre isso. Gostaria muito de saber por alguém que desse testemunho disso no passe, que um sujeito – já que é de um sujeito que se trata – é capaz de fazer mais do que aquilo que eu chamarei de tagarelice habitual; pois é disso que se trata. Se o analista não faz mais do que tagarelar, pode-se estar certo de que ele erra sua jogada, a jogada que é de efetivamente remover (lever) o resultado, isto é, o que se chama de sintoma. Tentei falar mais longamente sobre o sintoma (symptôme). Até mesmo o escrevi em sua ortografia antiga. Por que razão eu a escolhi? “S-i-n-t-h-o-m-e”, seria evidente um pouco demorado explicar-lhes. Escolhi essa maneira de escrever para sustentar o nome sintoma (symptôme), que hoje em dia é pronunciado, não se sabe bem por que, “symptôme”, isto é, algo que evoca a queda de alguma coisa, já que “ptoma” quer dizer “queda”. O que cai junto é alguma coisa que não tem nada a ver com o conjunto. Um sintoma (sinthome) não é uma queda, embora pareça. A tal ponto que considero que vocês todos aí, como estão, têm como sinthoma, cada um, sua cada uma. Há um sinthoma ele e um sinthoma ela. É tudo o que resta do que se chama de relação
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Guatimosim, Bárbara
sexual. A relação sexual é uma relação intersinthomática. É por isso que o significante, que é também da ordem do sinthoma, opera. É bem por isso que suspeitamos a maneira pela qual ele pode operar: é por intermédio do sinthoma. Como então comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante? Foi o que tentei explicar ao longo de meus seminários. Creio que hoje não posso dizer mais nada sobre isso (LACAN, Conclusões – Congresso sobre transmissão, 1978, p. 66).
Do ceder do desejo à cessão de gozo na queda da neurose Nessa pequena comunicação no Congresso sobre a transmissão, Lacan percorre do começo ao fim a travessia analítica. Parte da afirmação da existência da neurose, passa pelo jogo analítico que a faz ceder e chega à possibilidade da emergência e também transmissão, do que chamará de Sinthome. Lacan afirma aqui que a conclusão da análise leva à cura da neurose. Como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o truque?, é a pergunta que o conduz. A partir dessas observações que faz Lacan em suas “conclusões” e sob sua orientação, pretendo levantar e trabalhar algumas questões sobre a interpretação e o ato. Quando o mal-estar de um sujeito se anuncia como demanda ao analista, fazendo sintoma analítico, desde o início de uma análise lidamos com a atitude, a qual Lacan em A ética da psicanálise (1988/1959-1960, p. 382) designa como “ceder do desejo”; cessão que produz angústia e, para o autor, a verdadeira culpa. A não sustentação do desejo é o correlato inevitável do evitamento da castração, esta que viriliza, dá vigor ao desejo. Se na nossa escuta verificamos e acompanhamos a cessão do desejo que se apresenta nas posições e escolhas do sujeito no desfiar do trabalho analítico, o que se pode produzir na análise como queda da paixão, do sofrimento? Uma queda onde se queda (cai e fica)? Qual a lógica da interpretação, o truque que reconfigura o fantasma e faz a queda do sintoma que aí se sustenta? Pretendemos investigar o que envolve o “truque” no que tange às intervenções, pontuações, interpretações, cortes que adquirem a função do ato do analista – sempre verificada no a posteriori – nessa contrapartida analítica que tomamos como “queda”, cessão de gozo.
O ato analítico como função e discurso Um parêntese que não me parece desnecessário: proponho pensar o ato analítico como ato da função e do discurso analíticos e não como o ato da pessoa do psicanalista. Realizar atos e ditar um saber leva o analista para longe de seu
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lugar. Pode ser tão somente impostura e pregnância narcísica o psicanalista se colocar como fazedor de atos (o que em si é um paradoxo, já que o analista no lugar de causa do desejo é atravessado pelo ato) e detentor do discurso analítico (o que imediatamente o reverte em seu avesso, o discurso do mestre). O trabalho analítico é, muitas vezes, comparado a um jogo. Freud foi o primeiro a sugerir a analogia com o jogo de xadrez. Entretanto, jogar verde para colher maduro nem sempre é um bom truque. A provocação artificiosa que ostenta saber para obter efeitos de real, pedaços de saber legítimos, pode ter seu lugar e valor, desde que não precipite a queda vertiginosa da transferência, pois nessa tática, que toca de perto o manejo, a estratégia, corre-se o risco de se obter a destituição selvagem do analista, que cai verde, de véspera, antes de ser pelo uso maturado, em vez de colher uma objeção iluminada e distintiva do sujeito, ou mesmo a aquiescência subserviente e alienada ao suposto saber – o que não deixa de indicar o ponto em que a análise se encontra.1 Analiticamente falando, interessa mais a surpresa que acomete o analista e/ou analisando, quando um suposto “erro”, um lapso, ou ato falho, que pode ir do sutil ao grosseiro e tocar mesmo o absurdo, fisga o peixe da verdade.2 E quantas vezes, a partir da convocação ao inconsciente, agenciada pela presença do analista, intervenções decisivas e mesmo o mais preciso e incisivo ato analítico vêm de lugares e pessoas os mais inesperados e ficam na dependência, no só depois da leitura, dos efeitos de escrita que se constatam no analisando para efetivar-se como ato analítico. Esses efeitos da análise que se estendem para além do tempo-espaço do consultório, que se desprendem da figura do analista, condizem com o que se verifica como ato final, ato destacado do analista, ato separador, que conclui uma análise, e que não pode ser poupado ao analisante, mesmo que do analista venha o aguilhão que acossa na direção da saída. Mesmo porque é com esse ato que o sujeito faz a virada em sua posição analisante ao tornar-se analista. O ato não é somente acéfalo, não intencional, atravessando e “desrespeitando” dessa forma o sujeito – sujeito que ao ser assim atravessado, marca presença em sua função de suporte – e o eu do analista, que é do ato despossuído. A surpresa surpreende atestando sua origem made in real, emergindo sempre do mesmo lugar estrangeiro, ao mesmo tempo podendo provir do topos mais diverso e, para ser ato propriamente dito, tem sempre como destino e con1 “Eis por que uma vacilação calculada da ‘neutralidade’ do analista pode valer, para uma histérica, mais do que todas as interpretações, com o risco de transtorno enlouquecido que disso pode resultar. Desde, é claro, que esse transtorno enlouquecido não acarrete o rompimento e que a sequência convença o sujeito de que o desejo do analista não teve nada a ver com isso.” Ver mais sobre essa questão em Lacan, Subversão do sujeito e dialética do desejo, Escritos, p. 839. 2 Falando sobre o que se pode obter dos erros e construções falsas do analista, Freud cita as palavras de Polônio a Reinaldo, em Hamlet: “(...) frequentemente ficamos com a impressão de que, tomando de empréstimo as palavras de Polônio, nossa isca de falsidade fisgou uma carpa de verdade”. Construções em análise, p. 296.
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sequência, atingir em cheio o vazio da causa do desejo. O ato e a interpretação se sustentam na transferência e no sujeito suposto saber, mas a cada dizer analítico eficaz, faz emergir um sujeito dividido menos alienado no amor, que se distancia de um saber suposto não apenas ao analista, mas também a outros sabichões que povoam a vida cotidiana do analisante. Isso tem como efeito suspender certezas consolidadas, produzir saberes de migalhas do real, até o ato de separação dar o golpe final de destituição no sujeito suposto saber.
A interpretação e suas variantes A interpretação em Direção do tratamento e os princípios de seu poder (LACAN, 1998/1958, p. 594) é o procedimento tático no qual o analista transita com mais liberdade. Coerentemente, Lacan não encoraja nenhuma neutralidade ou apatia na função analítica, justo porque ele, o analista, é “possuído por um desejo mais forte. Ele está autorizado a dizê-lo enquanto analista, enquanto produziu-se para ele uma mutação na economia de seu desejo” (LACAN, 1992/1960-1961, p. 186187), e acrescentaríamos, de seu gozo. Quanto menos o analista tenha contas a acertar com seu desejo, quanto mais esteja ele plantado em sua função, mais tem condições táticas de se movimentar, de se deslocar nas intervenções e na interpretação. A interpretação não se reduz a uma decifração que acredita em uma correspondência entre significante e significado, objeto e representação, na proporção, na simetria sexual, o que jogaria a interpretação, na falta disso por estrutura, à infinitização da análise ou a outros impasses como interrupções, e ainda saídas suspeitas que se concluem pela identificação a ideais. A partir de O aturdito (LACAN, 2003/1972) ganha-se uma certa sistematização da interpretação que não se reduz a regras de aplicação. A interpretação, que surge como um dizer, uma enunciação, se distingue pela homofonia, gramática, e, para “não ser imbecil”, pela lógica – todas se fazendo na via da equivocação, mantendo sua virtude alusiva, seu meio dizer que a situa “entre o enigma e a citação”.3 É por meio do equívoco (do latim: mesmo vocativo, mesma voz, mesma chamada) que, fazendo corte na significação única (palavra vazia), promove a expansão dos sentidos (palavra plena), a polifonia das vozes e das chamadas, abrindo-se ao ab senso, ao fora do sentido e ao pas de sens, passo de sentido. Se a interpretação, em meio ao equívoco, nunca imperativa, sugerir identificatoriamente uma significação, pode, no entanto, levar à asserção apofântica quando iluminar positivamente (e inequivocamente) o vazio da causa do desejo, não restando a menor 3 Lacan, Seminário XVII, O avesso da psicanálise, p. 34-35. A citação também é um meio dizer, e ainda uma enunciação que apela ao nome, chama pela autoria.
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dúvida ao sujeito, por deixar a neurose desarmada, sem recursos, e impotente ao querer retomá-los. No início, temos um objeto encoberto pela transferência amorosa “(...) um objeto dito ‘latente’, no final um objeto revelado, portanto ‘patente’” (SOLER, 1984, p. 46). O ato analítico opera no après coup uma mutação radical na posição do sujeito, ele opera a separação, que destaca um antes e um depois. É ele que está na base da iluminação apofântica que faz com que o sujeito depare com a determinação de seu gozo e com sua condição de sujeito marcado pelo significante. Desse encontro litorâneo com seu gozo e sua marca emerge a potência da letra, que ao se sustentar na causa nodal, pode avançar no sentido de um savoir y faire acordado com seu desejo, fazendo acontecer aquilo que lhe cai bem: sinthoma.
A interpretação e o ato na topologia Depois da virada, nos anos 1970, no ensino de Lacan, nem o sujeito, nem o desejo podem ser concebidos sem o nó borromeano. Com o suporte da topologia pode ser mais interessante vermos como se dão os efeitos lógicos e subjetivos na materialidade das operações de interpretação e do ato analíticos. O convite à associação livre faz a fala puxar um fio, de modo geral contínuo, e segue tomando a coloração imaginária, que é a dimensão da transferência especular amodiosa convocada pela tarefa analisante. Para que a análise não se feche nesse registro, o analista, apoiado na estrutura nodal, deve se encontrar no campo de obstaculização, produzindo os pontos de castração, pontos de corte, que são também pontos de amarração, ou seja, pontos de engajamento e enodamento, onde entram em jogo e em cena os registros simbólico e real. A associação livre convoca no analista a interpretação e o ato, pois toda vez que a fala analisante tenta passar incólume pelos pontos de castração, a intervenção do analista deve ser acionada, desde que sua atenção esteja topologicamente orientada para os pontos de corte e não para ele exibir a performance de sua atuação. Em RSI, Lacan nos dá a frase enxuta que reduz o mito de Édipo à estrutura da castração: “O buraco é a interdição do incesto” (lição de 15/04/75). O nome do pai, não só como nome, mas como nomeador, atua em sua função não só na historieta de cada um, não apenas como personagem, mas enquanto operador estrutural: aquele que faz buraco. Os judeus, segundo Lacan, sabem dizer isso: “Eu sou o que sou, isto é, um buraco” (Ibid.). Nesse buraco o nome que operou pode ser engolido no turbilhonamento do nó, mas também pode ser cuspido de volta. Vemos isso na clínica quando, aparentemente para um sujeito, o pai e o enodamento borromeano parecem não estar operando – o que coloca em questão a estrutura como, por exemplo, em casos graves de inibição. Eis que alguma
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intervenção vinda diretamente do analista ou via uma contingência real produz a fagulha como resposta: o “Basta!” ou o “Alto lá!”, o “Não” – e o sujeito cospe “Le Non” do pai, esfregando-o na cara de quem o pediu. “Não” que porta a objeção firme da significação fálica, bastão que impede a boca do crocodilo de se fechar, para usar a imagem de Lacan no Seminário O Avesso da Psicanálise, (1992/19691970, p. 105). Na psicose, diferentemente, o sujeito responde com a crise delirante e/ou com alucinações, que não deixam de ser seus recursos. As interpretações e os cortes nos intervalos nodais da cadeia revelam, desnudam, refazem os buracos produzidos pela castração inerente à estrutura. Dessa forma, os pontos de enodamento ao longo da trajetória analítica vão repassando e desvelando ou refazendo o nó borromeano, escondido no emaranhado, ou nos escombros da neurose.
Sinthoma, estilo e transmissão Quase toda criança pode saber fazer uma trança, e, uma vez feita, o gesto é automático (fig. 1); mas mesmo tendo a trança como base, saber fazer o nó é outra história. Nesse sentido, a amarração nodal é o próprio percurso analítico, caminho que revela a não proporção sexual e ao mesmo tempo perfaz um modo, para cada um próprio, de lidar com essa impossibilidade. O quarto elo na neurose não está no nó como suplência (que supre uma falta) ligando elos superpostos (fig. 2). Fig. 1
Fig. 2
O Sinthoma como a quarta consistência, que vem reatar o Real, o Simbólico e o Imaginário dispersos.
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O quarto elemento, ou quarto termo, é o próprio gesto de trançar os elos, gesto que ao longo da travessia analítica acaba por definir e desenhar o nó borromeano de modo suplementar, que acrescenta um estilo, um modo próprio de fazer (fig. 3). O estilo é, portanto, o que se produz na análise como o modo de entrelaçar os três registros. Fig. 3
Nó Borromeu: (R) Real, (S) Simbólico e (I) Imaginário
O estilo é um saber lidar que não mais pede, nem cede à interpretação, por ser não mais uma formação de compromisso conflituosa (sintoma), mas um acordamento pacífico (sinthoma) entre as três dimensões de R.S.I. Desse acordo topológico, a consequência central é o recorte e a queda do objeto a: “como causa do desejo em que o sujeito se eclipsa e como suporte do sujeito entre verdade e saber”, diz-nos Lacan na abertura de seus Escritos (1998/1966, p. 11). O objeto a entra em cena para designar o que faz estilo na psicanálise: a singularidade do desejar de cada um. A emergência do objeto a é correlativa à falha irremediável do Outro S(A/) que, sem custear e preencher o sujeito com respostas abre-se-lhe o recurso da invenção.4 Assim, o estilo não é o “homem” ou o “próprio homem” como queria Buffon, mas o mais próprio do homem, o objeto a. Em seu artigo O Estilo, o Analista e a Escola (http://www.oocities.org/), Quinet distingue sintoma do final da análise e estilo, precisando: “Em suma, o sintoma-verdade comporta dois destinos: o estilo, que é da ordem da enunciação por onde circula a verdade; e o sintoma, como real. A verdade se desvincula do sintoma para estar a serviço do estilo”. Um estilo é, pois, o que se destaca do acordamento borromeano sinthomático e se transmite como um modo próprio de amarrar os elos, as letras, como um jeito único de escrever, de enunciar, uma maneira de viver, de tratar os significantes. “Como então comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante?” Prolongamos então esta pergunta de Lacan em outra: não seria o estilo, não o sinthoma, mas o vírus do sinthoma, o objeto a a se transmitir? 4 Em seu artigo “O Estilo, o Analista e a Escola”, Quinet pergunta: “Se o estilo advém do sem recurso (do apelo ao Outro), como se dá em uma análise esse processo em que advém o estilo? E qual sua relação com o sintoma?”.
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Transmissão da lei ética do desejo Lacan, em RSI, elabora uma teorização in progress do quarto termo do nó ao longo do seminário. Inicialmente com Freud, Lacan concebe o quarto elemento como a realidade psíquica, o complexo de Édipo5 ou ainda como o Nome do Pai. Desde o Seminário 3, de As psicoses lemos: [...] se tentamos situar num esquema o que faz manter-se de pé a concepção freudiana do complexo de Édipo, não é de um triângulo pai-mãe-criança de que se trata, é de um triângulo (pai)-falo-mãe-criança. Onde estará o pai ali dentro? Ele estará no anel que faz manter-se tudo junto (1988/1955-1956, p. 359). No Seminário 4, A relação de objeto, Lacan deixa ainda mais clara a posição do pai como quarto termo: [...] vocês viram esboçar-se uma linha de busca que se referia à tríade imaginária mãe-criança-falo, como prelúdio à posta em jogo da relação simbólica, que se faz com a quarta função, a do pai, introduzida pela dimensão do Édipo (1995/1956-1957, p. 81). Voltando ao R.S.I., Lacan situará o Nome-do-Pai no nó borromeano em sua função de enodamento e nomeação simbólica dos registros.6 Como ele mesmo diz: [...] nosso Imaginário, nosso Simbólico e nosso Real estão talvez para cada um de nós ainda num estado de suficiente dissociação para que só o Nome do Pai faça nó borromeano e mantenha tudo isso junto, faça nó a partir do Simbólico, do Imaginário e do Real (lição de 11/02/75). Ao mesmo tempo, Lacan aí se questiona: afinal, não é o Simbólico que tem o privilégio desses Nomes do Pai? Se o simbólico faz furo, ao esburacar o real ele 5 “Foram necessários a Freud, não três, o mínimo, mas quatro consistências para que isso se sustentasse, a supô-lo iniciado na consistência do simbólico, imaginário e real. O que ele chama de realidade psíquica tem perfeitamente um nome, é o que se chama complexo de Édipo. Sem o complexo de Édipo, nada da maneira como ele se atém à corda do Simbólico, do Imaginário e do Real se sustenta. Donde eu ter insistido, com o tempo, em proceder, vem de eu acreditar que, do que Freud anunciou, não é o complexo de Édipo que se deve rejeitar.” (LACAN, idem, lição de 14/01/75). 6 “Certo é que, quando comecei a fazer o seminário dos ‘Nomes do Pai’, (...) não é por nada que chamara isso de ‘Os Nomes do Pai’ e não o Nome do Pai, eu tinha algumas ideias da suplência que o campo toma, o discurso analítico que faz com que essa estreia, por Freud, dos Nomes do Pai, não é porque essa suplência não é indispensável que ela não tem vez” (LACAN, RSI, lição de 11/02/75).
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escreve e dá lugar ao imaginário. No nó borromeano, a interdição, a castração se propaga, se transmite, no entrecruzamento dos elos. Cada um puxa pelos outros. Todas as dimensões participam do Simbólico, Imaginário e Real. Todas têm buraco, consistência e ex-sistência, dimensões nomeadas por Freud como Inibição, Sintoma e Angústia. Quando, na travessia analítica, o Nome do Pai, quarto elemento, torna-se lei implícita, propagada, no plural, Nomes do Pai, das dimensões enodadas, o nó de três se sustenta na lei ética do desejo dispensando, porque perde o sentido se manter, o imperativo moral do Supereu. É essa a queda, feita de cessões de gozo, que promove o discurso analítico e que reverbera em outros tombos identificatórios, efeitos de perda (efeitos terapêuticos) nos sintomas neuróticos. Se “o desejo articula sem ser articulável”, ele também realiza sem ser realizável, quando dele não se cede. Talvez isso explique porque o desejo do analista, apesar de não se realizar na análise como desejo de curar, realize em ato o efeito de cura, quando se cede do gozo. Se no início de uma análise o sujeito que sabe é aquele que é suposto saber o “truque”, aquele que sussurra no ouvido a palavra da salvação, a experiência da análise avança revelando ser o efeito de cura, não uma prestidigitação, mas uma experiência de trabalho e repetição que conta ainda com o real dos bons encontros, sorte contingente, que pode acionar tanto a queda dos sintomas como o traçado do sinthoma. Por que não encontraríamos, com o discurso analítico, algo que desse uma ideia de um truque preciso? E afinal, o que é a energética, senão também um truque matemático? Este não será matemático, é por isso mesmo que o discurso do analista se distingue do discurso científico. Enfim, essa chance, vamos colocá-la sob o signo da boa sorte, ainda (encore) (LACAN, 2010/1972, p. 237). Ao se contar com o Nome do Pai como quarto elemento, pode-se dele prescindir, pois o pai – no plural, Nomes do Pai – torna-se nó borromeano a três, ou seja, os três registros R, S e I enodados. Isto corresponde à conquista do que foi herdado e então é possível, ao sujeito, operar uma mutação na posição subjetiva e abrir-se para o espaço de invenção. Reinventar o pai, a lei, não seria reinventar a roda? Não, talvez pior. Mais radicalmente, nesse lugar, reinventam-se as condições mesmas da invenção da roda. Reinventa-se no próprio movimento, o sinthome que aí ganha rodinhas! “Não foi o mar Juan, mas seu movimento, que nos foi dado em herança.” (M. G. LLANSOL – A terra fora do sítio, 1998)
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resumo
Na pequena comunicação no Congresso sobre a transmissão de julho de 1978, Lacan vai da afirmação da existência da neurose, passa pelo jogo analítico que a faz ceder, e chega à possibilidade da emergência, e também transmissão, do que chamará de Sinthome: o que fica resta ímpar de cada um e, paradoxalmente, algo que vem como um novo laço social ao final de uma análise. Como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o truque? É a pergunta que o conduz. A partir dessas observações que faz Lacan em suas “conclusões” e sob sua orientação, pretende-se levantar e trabalhar algumas questões sobre interpretação e ato.
palavras-chave
Interpretação, ato, final de análise, sinthoma, nó borromeu.
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abstract
In the short communication at the Congress About the Transmission, in July 1978, Lacan moves from the affirmation of the existence of neurosis, passes through the analytical game that makes it give in, and reaches the possibility of emergence, and also transmission, of what he would call sinthome: what is left is unique to each patient and, paradoxically, it is something that comes as a new social bond at the end of an analysis. How does the analyst’s discourse provoke this outcome? What is the trick? That is the question which leads him. From these observations made by Lacan in his “conclusions” and under his guidance, the objective here is to raise and discuss questions on interpretation and act.
keywords
Interpretation, act, end of analysis, sinthome, borromean knot.
recebido 16/02/2012
aprovado 31/03/2012
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Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud Rosanne Grippi A questão “o que os analistas fazem quando fazem análise?” foi colocada por Lacan (1953-54/1983) no início do seu Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud, no qual são trabalhados os escritos técnicos de Freud, que vão de 1904 a 1919. Em 1937, no texto Construções em análise, Freud (1937/1975) toma essa questão interrogando sobre a maneira como a psicanálise vinha sendo praticada, e enfatiza o fato de que faltava ao analista interrogar seu próprio saber. No modo como conduziam a direção do tratamento, sublinha Freud, os analistas pareciam estar “sempre com a razão contra o pobre e desamparado infeliz que estamos analisando, não importando como ele reaja ao que lhe apresentamos” (Ibid., p. 291). Como podemos ler, Freud chama a atenção para as práticas equivocadas da clínica psicanalítica. Construções em análise é tão técnico quanto quase todos os textos freudianos, pois, “em certo sentido”, Freud nunca cessou de “falar da técnica” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 17). Nele, a visada de Freud, segundo assinala Lacan, é tratar “do modo de ação e de intervenção na transferência”, o que não é pouco (Ibid., p. 16). Uma análise visa à reconstrução da história do sujeito, sendo esta a maneira pela qual um analisante poderá fazer progressos, mas, evidentemente, o analista também deverá estar implicado com seu desejo. Reconquistar as recordações perdidas, permitir suspender o recalque é dirimir os sintomas e as inibições presentes, que são substitutos do que foi esquecido. Freud insiste nesse ponto na extensão de toda a sua obra, comenta Lacan. Lacan assinala que a “apreensão de um caso singular” (Ibid., p. 21) é o que está em jogo para um analista quando há uma demanda de análise. À parte o manejo de alguns, “O progresso de Freud, sua descoberta, está na maneira de tomar o caso na sua singularidade” (Ibid., p. 21). Para isso, Freud diz textualmente em Construções...: “a relação de transferência, que se estabelece com o analista, é especificamente calculada para favorecer o retorno dessas conexões emocionais. É dessa obra-prima – se assim podemos descrevê-la – que temos de reunir aquilo de que estamos à procura” (Construções em análise, op. cit., p. 292). Sem transferên-
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cia não há possibilidade de interpretação, o analista não ocupa o lugar de suposto saber para o sujeito, então não acontece uma psicanálise. Mas não basta, pois para alguns analistas a psicanálise; a reconstrução do caso clínico é entendida como um saber construído pelo analista sobre o passado do sujeito analisante, tendo sido estabelecida, inclusive, a “sessão de devolução” pelas chamadas “psicologias de base psicanalítica”. Nelas, há transferência, mas o analista acredita no saber que lhe é suposto. Podemos nos perguntar: por que, em 1937, Freud se debruça sobre o tema das construções em análise se ele sempre pareceu ter dado mais importância à interpretação? Talvez o tenha feito justamente porque sabia que para fazer uma construção os efeitos de interpretação devem ter ocorrido a priori. Sabemos que não há como “devolver” nada ao paciente sem antes ter escutado os elementos simbólicos trazidos por ele. A partir desses elementos linguísticos, o analista poderá pontuar o texto que lhe é apresentado. Dito de outro modo, construção é o ato de pontuar a história que está sendo lembrada, e não ser deduzida por um saber superior. Na clínica psicanalítica, não se trata de conhecer exatamente o que se sucedeu em determinado evento da vida do sujeito, mas escutar sobre o ser do sujeito que se realiza no tempo, isso que é verbalizado na sua singularidade por meio da recordação e do relato de suas lembranças. “A realidade do acontecimento é uma coisa, mas não é tudo. Há algo mais: a historicidade do acontecimento”, diz Lacan, em 1952, em seu Seminário sobre o Homem dos lobos (Lacan, 1952, s/p.). Segundo Lacan, que retoma essa questão no Seminário 1: “a história não é o passado. A história é o passado na medida em que é historiado no presente – historiado no presente porque foi vivido no passado” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 21). O essencial em uma análise é a reconstrução; se trata mais de reescrever a história do que rememorá-la: o passado é o que eu teria sido. Freud compara o trabalho de reconstrução em análise com o trabalho do arqueólogo, passagem clássica desse texto, em que diz que ambos os trabalhos são idênticos, mas a psicanálise estaria em maior vantagem, “já que aquilo com que está tratando não é algo destruído, mas algo que ainda está vivo” (Construções em análise, op. cit., p. 293). A comparação se dá no sentido de que o analista “extrai suas inferências a partir dos fragmentos de lembranças, das associações e do comportamento do sujeito da análise” (Ibid., loc. cit.). Paradoxalmente, o que é vantagem para a psicanálise em seu trabalho de reconstrução da história do sujeito é justamente o que Freud (1937/1975, p. 294) aponta como também sendo a maior dificuldade, pois: “(...) os objetos psíquicos são incomparavelmente mais complicados do que os objetos materiais do escavador, e possuímos um conhecimento insuficiente do que podemos esperar encontrar, uma vez que sua estrutura
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mais refinada contém tanta coisa que ainda é misteriosa”. Uma introdução para o que ele vai retomar – pois já havia tratado do tema desde 1901 e 1922 – sobre a dialética entre a realidade histórica e a realidade material.1 Segundo Lacan, no Seminário 1, nessa passagem Freud acentua e insiste sobre a reconstrução da história do sujeito e coloca em jogo “qual o valor do que é reconstruído?” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 22). Freud sublinha que o importante não é aquilo que o sujeito revive, rememora, “o que conta é o que ele disso reconstrói” (Construções em análise, op. cit., p. 294). Freud equivoca, dizendo que o trabalho de reconstrução em análise é apenas um trabalho preliminar, e que são dois, esses trabalhos, “executados lado a lado, o do analisante e o do analista, cada um com sua tarefa específica” (Ibid., p. 295). Ele o descreve: “O analista termina um fragmento da construção e o comunica ao sujeito da análise, de maneira que exerça um efeito sobre ele; constrói então um outro fragmento a partir do novo material que sobre ele se derrama, lida com este da mesma maneira e prossegue, desse modo alternado, até o fim” (Ibid., loc. cit.). Ao processo descrito acima, Freud vai chamar “interpretação e seus efeitos”, mas afirma que “‘construção’ é de longe a descrição mais apropriada” (Ibid., loc. cit.). O interessante nessa passagem é a retomada que Freud faz sobre o conceito de interpretação em face da construção. Cito-o: “‘Interpretação’ aplica-se a algo que se faz a algum elemento isolado do material, tal como uma associação ou um ato falho. Trata-se de uma ‘construção’, porém, quando se impõe perante o sujeito da análise um fragmento de sua história primitiva, que ele havia esquecido” (Ibid., loc. cit.). Desse modo, podemos dizer, a construção é efeito de interpretação. Em uma das sessões de análise que vem realizando, Anaïs diz o quanto é impossível separar-se do marido com quem está casada há trinta e três anos; ela se queixa de que se sente obrigada a fazer sexo com ele, que não sente nenhuma vontade, mas se ela não ceder, ele pode pensar que ela tem outro. E completa: “Ele não consegue manter a ereção, é uma dificuldade; é chato fazer sexo com ele, nem sequer olha para mim, não me beija na boca...”. Algumas sessões depois, Anaïs comenta que marcou uma hora com uma massagista mulher, “jovenzinha”, para o marido, pois este estava com o pescoço duro, “parecia um pedaço de pau”. A analista pergunta: “O pescoço dele está duro? Nada como uma mulher jovem para dar um jeito, não é mesmo?”. Tal interpretação tem efeitos, pois imediatamente Anaïs diz: “Nossa! Isso foi a maior prova de desamor que eu podia dar a ele”. E lembra-se do “pescoço engessado, todo duro”, devido a um acidente de moto, do vizinho de sua infância, pai de sua amiguinha, o qual fazia brincadeiras sexuais 1 Tal assunto já vinha sendo elaborado desde “Psicopatologia da vida cotidiana (1901)” e investigado em “Mecanismos de defesa da neurose (1922)”. Mais adiante em sua obra, Freud volta a trabalhar sobre o tema em “Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-38])”.
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com ela todos os dias. Lembra-se justamente quando deixou de ir à sua casa, “naquele dia eu vi o pau dele, e saí correndo, não sei como!”. Do amante, homem que lhe dá atenção, quem ouve o que ela tem a dizer e olha para ela na cama, adora quando ele lhe chama de “minha menina, minha criança”. Anaïs diz que sabe que sentia prazer em ser bolinada quando menina pelo pai de sua amiga. Anaïs conta, em sua primeira entrevista, que havia se consultado com outra analista que disse a ela que seu problema era a “síndrome do ninho vazio” e que por isso não prosseguiu em seu tratamento. Podemos afirmar, com Freud e Lacan, que o analista coloca uma análise em movimento quando oferece um pedaço de sua construção, feita a partir dos elementos trazidos pelo sujeito e verifica, a posteriori, se de fato sua construção funcionou, colhendo os efeitos provocados por ela. Lendo Freud com Lacan, só sabemos da interpretação a partir de seu efeito, pois ela é da ordem de um saber sobre a verdade do sintoma. Freud (1937/1975, p. 295) afirma que, situando o analista no lugar da falta, os analistas não pretendem: (...) que uma construção individual seja algo mais do que uma conjectura que aguarda exame, confirmação ou rejeição. Não reivindicamos autoridade para ela, não exigimos uma concordância direta do paciente, não discutimos com ele, caso a princípio a negue. Em suma, conduzimo-nos segundo modelo de conhecida figura de uma das farsas de Nestroy – o criado que tem nos lábios uma só resposta para qualquer questão ou objeção: ‘Tudo se tornará claro no decorrer dos futuros desenvolvimentos’. Seguindo a elaboração sobre os efeitos da construção em análise, Freud imprime uma verdadeira discussão sobre a distinção entre a verdade histórica e a verdade material, nos brindando com reflexões sobre a alucinação e o delírio, ficando claro, inclusive, estes não serem exclusivos da estrutura psicótica. A recordação por parte do analisante após uma interpretação bem-sucedida apresenta uma “anormal nitidez” (Ibid., p. 301) de rostos de pessoas, por exemplo, assim como detalhes da decoração dos ambientes, aos quais a construção estava referida e que, obviamente, o analista não tem acesso, podendo ocorrer tanto em sonhos imediatamente após uma construção, “quanto em estados de vigília semelhantes a fantasias” (Ibid., loc. cit.), o que poderia ser descrito como alucinações. Interessante destacar o assombramento da analisante do caso acima citado quando se lembra dos detalhes do vestido que estava usando nas vezes em que ia à casa do homem que lhe fazia carícias quando criança, perguntando a analista: “Estou louca? Como pode alguém se lembrar assim, é como se eu pudesse vê-la ali!” O interessante nessa passagem, a meu ver, é o destaque que Freud dá à ocorrência de alucinações em pacientes não psicóticos, afirmando ser esse “o meca-
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nismo familiar dos sonhos, o qual, desde tempos imemoriais, a intuição igualou à loucura” (Ibid., p. 302). Freud afirma que “há não apenas método na loucura, como o poeta já percebera, mas também um fragmento de verdade histórica, sendo plausível supor que a crença compulsiva que se liga aos delírios derive sua força exatamente de fontes infantis desse tipo” (Ibid., loc. cit.). No caso de minha paciente, uma neurótica, observou-se que ao rememorar um fragmento de sua verdade histórica, remeteu-a a uma cena traumática vivida em sua infância. A transposição de material do passado esquecido para o presente, ou para uma expectativa de futuro, é, na verdade, ocorrência habitual nos neuróticos, não menos do que nos psicóticos. Freud (Ibid., p. 303) vai equivaler os delírios às construções em análise, dizendo que “tal como nossa construção, (...) o delírio deve seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que ele insere no lugar da realidade rejeitada”. Para concluir, em uma análise o que está em jogo são as recordações e a reescrita da história do sujeito, sempre singular. Desse modo, quando Freud se refere “às nossas construções”, alguns analistas o tomaram ao pé da letra, no sentido de que seria o analista quem faz a construção da história do analisante. Entendo, por outro lado, que ao se referir à “nossa construção” é à direção do tratamento que ele parece querer enfatizar como aquilo que um analista deve promover para que uma análise possa ser realizada em sua real singularidade.
referências bibliográficas FREUD, S. (1937). Construções em análise. In: ______. Moisés e o monoteísmo, esboço de psicanálise e outros trabalhos. Tradução sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 23, p. 289-304). LACAN, J. (1952). Seminário o Homem dos Lobos. Inédito. _________. (1953–54). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Versão brasileira de Betty Milan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983. 336p.
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resumo
Com base no texto freudiano Construções em análise (FREUD, 1934) e em O Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud, de Jacques Lacan, o presente trabalho pretende demonstrar clinicamente a interdependência dos conceitos de “construção” e “interpretação”. Em seu texto, Freud questiona o que os analistas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada a partir de um saber soberano do analista é, no mínimo, uma impostura clínica. Usar do poder da transferência para persuadir ou mesmo convencer um analisante sobre sua história é o que não se pode esperar de uma análise. Em Construções..., o tema da realidade histórica e da realidade material é explicitado, e podemos verificar, dentre outras coisas, que o delírio e as alucinações não são restritos à psicose. O texto Construções em análise confirma que uma construção não ocorre sem uma interpretação. A diferença reside no fato de que a interpretação se dá a partir de um dado isolado, como um lapso, enquanto que a construção confronta o sujeito com um fragmento de sua história primitiva. Lacan afirma, no O Seminário, livro 1, que Construções... abarca toda a teoria freudiana, o que nos instigou a investigá-lo.
palavras-chave
Construção, interpretação, clínica psicanalítica.
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Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud
abstract
Based on Freud’s Constructions in Analysis (1934) and The Seminar, Book 1: The technical writings of Freud, by Jacques Lacan, this study aims to demonstrate clinically the interdependence of the concepts of “construction” and interpretation. In his text, Freud questions what analysts do in their clinic and states that an analysis taken from an arrogant knowledge of the analyst is, to say the least, a clinical imposture. Making use of the power of transference to persuade or even convince an analyzed about his/her history is what cannot be expected from an analysis. In Constructions, the historic and material reality themes are made explicit and we can verify, among other things, that the delirium and the hallucinations are not restricted to psychosis. Constructions in analysis confirms that a construction does not occur without an interpretation. The difference resides in the fact that interpretation takes place from an isolated fact, as a lapse, whereas the construction confronts the subject with a fragment of his/her primitive history. Lacan affirms in The Seminar, Book 1 that Constructions… encompasses the entire Freudian theory, which has instigated us to investigate it.
keywords
Construction, interpretation, psychoanalytic clinic.
recebido 17/02/2012
aprovado 27/02/2012
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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos1 Raul Albino Pacheco Filho O tema da interpretação e as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado fronteiras importantes entre concepções distintas, tanto no campo da Psicanálise quanto no da Ciência. Na Filosofia da Ciência, os diferentes entendimentos sobre as conexões entre interpretação e observação, ou entre fato e teoria (outra face da questão), se opõem, p. ex., a concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper (1934/1993, 1956-1957/1985, 1963/1994, 1970/1979); e a de ambos à de Koyré (1939/1986, 1957/2006, 1966/1982), Bachelard (1934/1996, 1938/1996, 1940/1984) e Kuhn (1962/1982, 1970/1979, 1977/2011, 2000/2006). Na Psicanálise, constatamos que a preeminência da interpretação surgiu já na sua origem, com A interpretação de sonhos (1900/1980): a obra com que Freud marca a ruptura que inaugura seu campo e aponta o foco do que então considerava a “via régia” de acesso ao inconsciente. E sabemos como essa importância só fez por aumentar à medida em que evolui sua obra, com a interpretação sendo a via da busca de sentido também para as demais formações do inconsciente: sintomas, atos falhos, chistes etc. E lembremos como essa importância da interpretação irá prosseguir também na obra de Lacan, ainda que com desdobramentos que o levarão, em um primeiro momento, a criticar um trabalho interpretativo baseado no signo ou na busca de qualquer ‘simbolismo verdadeiro’ (1960/1988a, p. 719) e, mais tarde, a questionar o próprio valor do sentido como finalidade última do trabalho analítico. No que diz respeito à interlocução entre Psicanálise e Filosofia da Ciência, o tema da interpretação também é fundamental. Tanto que a pluralidade de interpretações para um mesmo fato clínico (p. ex., um sonho) está subjacente a algumas das mais importantes críticas à cientificidade da Psicanálise: entre elas a de Popper (1956-1957/1985), ainda que a sua crítica seja mais geral e dirigida à própria atividade de busca de apoio em fatos para as teorias (o que ele chama de 1 Uma versão bastante reduzida do conteúdo deste artigo foi apresentada no XII Encontro Nacional da EFPFCL – Brasil “A lógica da interpretação”, realizado de 4 a 6 de novembro de 2011, em Salvador (BA). O autor agradece a Ana Laura Prates Pacheco as relevantes sugestões feitas por ocasião da preparação do artigo.
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“verificacionismo”), contra o que ele propõe a “ falsificabilidade” ou “refutabilidade” ou “testabilidade” das teorias científicas. De todo modo, é a Psicanálise que lhe serve de instrumento para argumentar a favor de sua concepção de ciência, exatamente pelo fato de os argumentos de Freud em A interpretação dos sonhos terem desempenhado, como ele diz, “um papel importante no desenvolvimento das minhas concepções sobre a demarcação” (p. 204). O argumento popperiano dirige-se contra a pretensão freudiana “de que as suas teorias estavam ‘baseadas na experiência’, do mesmo modo que as teorias das outras ciências”: O que quero assinalar é que Freud não discute em lugar algum uma teoria alternativa (tal como a esboçada aqui) que tome nota do simples fato, agora admitido, de que os sonhos de angústia constituem uma refutação da fórmula geral de satisfação de desejos, como sugerem há muito tempo os leitores “obstinados” e os críticos “mal informados”. Em lugar algum Freud compara a sua teoria com uma rival promissora, avaliando uma em relação à outra, à luz das evidências; e nunca a critica: ele tem a sua teoria e trata de verificá-la; ele a faz se encaixar a elas, na medida do possível – como mostra o exemplo do sonho de angústia – mais além do que ele mesmo pensou ser possível quando publicou pela primeira vez o seu grande livro, A Interpretação dos Sonhos. (...) Rechacei as suas pretensões [de que as suas teorias estavam “baseadas na experiência”] porque vi que as suas teorias não satisfaziam o critério de contrastabilidade ou refutabilidade ou falseabilidade (p. 212-213). Com base nessa argumentação, Popper pretende fundamentar sua opinião de que a teoria freudiana dos sonhos “possui um caráter mais parecido com o do atomismo anterior a Demócrito – ou talvez ao da coleção de relatos de Homero sobre o Olimpo – do que o de uma ciência contrastável” (p. 212). O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns contrapontos entre as discussões nesses dois campos, trazendo para o foco algumas questões relativas à interpretação. Existe uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos? Como a temática do real se liga a isso? E a pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência da falta de rigor e exterioridade de suas teorizações em relação à Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira? Buscando atingir este objetivo, apresentarei razões para me opor à crítica de Popper à Psicanálise, confrontando sua concepção de Ciência com a de outros autores em Filosofia da Ciência. É verdade que na aula de 15/11/77 do Seminário
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25, Lacan afirmou que, “como Karl Popper mostrou com insistência”, a Psicanálise “não é absolutamente uma ciência porque é irrefutável. É uma prática, uma prática que durará o que durar. É uma prática de tagarelice” (LACAN, 1977/2000, p. 1). Mas isso não me demoveu da minha intenção, pois entendo que, como sempre, as palavras de Lacan precisam ser cuidadosamente meditadas. E o fato de ele citar outros pensadores – seja Popper, Hegel, Kant, Heidegger, Sócrates ou Spinoza –, não aconselha a imprudência de incluí-lo entre seus discípulos: seja como kantiano, hegeliano, heideggeriano ou outra denominação qualquer. Antes de se rotular Lacan precipitadamente como um popperiano, é preciso lembrar que na mesma aula ele também afirmou: “Gostaria de observar que o que se chama de racionalidade é uma fantasia” (Id.). E a frase com que concluiu essa aula serviria como golpe definitivo contra quem pretendesse alinhar sua concepção de Ciência à de Popper: “O importante é que a própria ciência não é mais que uma fantasia, e a ideia de um despertar é, para falar propriamente, impensável” (Ibid., p. 3). Lembre-se, além disso, as incontáveis ocasiões em que o próprio Lacan dedicou-se a refutar, com argumentos científicos, por meio da elaboração de sua obra, os desvios na teoria e na prática de psicanalistas pós-freudianos, como, por exemplo, no trecho a seguir de Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano: O que nos qualifica para proceder por essa via é, evidentemente, nossa experiência dessa práxis. O que nos determinou a isso, como atestarão os que nos seguem, foi uma carência da teoria, reforçada por um abuso em sua transmissão, os quais, por não deixarem de ser perigosos para a própria práxis, resultam, tanto um quanto o outro, numa ausência total de status científico. Formular a questão das condições mínimas exigíveis para tal status não era, talvez, um ponto de partida desonesto. Constatou-se que ele leva longe (LACAN, 1960/1998b, p. 808). Dadas as reduzidas dimensões de um artigo de periódico, me limitarei a apresentar, de modo sucinto, apenas a estrutura da argumentação. 1o Ponto: a concepção de lógica da investigação científica apresentada por Popper (em especial no que se refere ao uso da interpretação) é falsa e não coincide com o que, de fato, ocorre nos campos científicos: Para defender esta proposição, recorrerei à concepção de corte epistemológico – revolução, ruptura –, defendida por pensadores como Koyré, Bachelard e Kuhn, lembrando que: em A ciência e a verdade, Lacan afirmou: “Koyré é nosso guia aqui” (1966/1998a, p. 870); e que, em uma referência autobiográfica, Kuhn apresentou Alexandre Koyré como “aquele que, mais do que qualquer outro historiador, tem sido meu maître” (1977/2011, p. 46).
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Popper não é um positivista radical nem um empirista ingênuo, já que concorda com o “fato da observação ‘pura’ jamais ser neutra”: “ela é necessariamente o resultado de uma interpretação” (1956-1957/1985, p. 204). Contudo, Popper, para usar as palavras de Kuhn, “caracterizou a totalidade da empreitada científica em termos aplicáveis apenas aos períodos revolucionários ocasionais” (KUHN, 2011, p. 289). “Valer-se de testes como sinal distintivo de uma ciência é não considerar o que os cientistas fazem na maioria das vezes e, com isso, ignorar a característica mais típica de sua atividade. (...) Sua concepção de ciência torna obscura até mesmo a existência de uma pesquisa normal” (Ibid., p. 295-296). A investigação de fatos relevantes cuja interpretação comprove a teoria, mais do que a refute, que Popper atribui a uma “atitude defensiva” de Freud, é parte essencial dos períodos chamados por Kuhn de “ciência normal”, que se contrapõem aos chamados períodos de “revolução científica”. Tal como um carpinteiro que em seu ofício não pode se desfazer de sua caixa de ferramentas só porque ela não contém o martelo certo para fixar um prego em particular, o cientista não pode descartar a teoria estabelecida em razão de uma inadequação observada. Ao menos não até que surja outro meio de realizar sua tarefa (Ibid., p. 227). Confrontados com falhas em suas predições, o usual é que os cientistas procurem explicações para as incongruências sem trocar de teoria. Kuhn denomina essa atividade de resolução de “enigmas de pesquisa” ou “quebra-cabeças”, já que nos empreendimentos dos períodos de “ciência normal” o pesquisador não produz rupturas nas concepções fundamentais de sua área “e os enigmas em que se concentra são apenas aqueles que ele acha que pode enunciar e solucionar no âmbito da tradição científica existente” (Ibid., p. 250). Consequentemente, os resultados esperados das pesquisas permanecem no interior de uma certa margem de predizibilidade – daí a alegoria do quebra-cabeças –, não extrapolando as inferências que podem ser extraídas das proposições fundamentais do paradigma vigente. Essas pesquisas, se bem-sucedidas, fortalecem e consolidam o prestígio do referencial teórico-epistemológico-metodológico do campo: ampliando o conhecimento dos fatos apontados por ele como relevantes; aumentando a conexão entre esses fatos e as predições do referencial; e articulando melhor o arcabouço conceitual e teórico, ao oferecerem versões melhor desenvolvidas, mais uniformes, mais amplas, ou menos equívocas. O que os estudos históricos das investigações nos campos científicos mostram, como assinala Kuhn, é que, nesses períodos não revolucionários de uma disciplina científica, os resultados totalmente inesperados de uma pesquisa atestam antes o insucesso dessa pesquisa do que a falência
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e abandono dos fundamentos do campo, como pretenderia Popper. É somente o fracasso continuado dessa atividade de tentar articular os fatos à teoria, por meio de interpretações dos resultados de investigações, que pode conduzir eventualmente a uma crise no campo e ao que Kuhn denomina períodos de “pesquisa extraordinária”, os quais oferecem, então, as condições para a busca de novos fundamentos e de um novo paradigma. As revoluções científicas consistiriam nesses episódios extraordinários, em que investigadores extraordinários conduziriam a comunidade da disciplina a um novo conjunto de compromissos de investigação, que subverteriam a tradição de pesquisa da área ditada pelo paradigma anteriormente vigente. Eles implicariam transformações radicais, tanto da concepção do universo em estudo e dos objetos de pesquisa, quanto das regras que ditam a prática científica na disciplina (PACHECO FILHO, 2000, p. 242). Os campos científicos incluem tanto os períodos revolucionários, quanto os períodos de ciência normal, ao longo de sua história. E ambos são parte importante do que se entende por atividade científica. 2o Ponto: os aspectos essenciais das atividades que caracterizam um campo como científico (aí incluído o modo como a interpretação articula fatos à teoria, podendo ou não conduzir à alteração da mesma) são encontrados no campo da Psicanálise. Conferir-se à Psicanálise o estatuto de uma revolução no campo do pensamento não parece ser o mais polêmico, ainda que Lacan não gostasse muito do termo revolução, como bem lembrou Foucault (1981). Aliás, Bourdieu também preferia enfocar os conflitos no campo da ciência a partir dos embates entre “dominantes” e “subversivos”.2 Mas no sentido kuhniano do termo revolução, em que ele está sendo empregado aqui, creio que dificilmente se encontraria quem argumentasse em favor da ideia da Psicanálise ser enquadrada no âmbito do que Kuhn denomina “ciência normal”: como mera continuação dos corpos de conhecimento e dos modos de investigação do ser humano e de seu psiquismo que a precederam. “Revolução”, no sentido kuhniano, é evidentemente mais apropriado do que o seu polo oposto, correspondente à “ciência normal”, do mesmo modo que faz mais sentido empregar o termo “subversivo”, ao polo oposto “dominante”, quando se trata de definir a posição de Freud no campo da Psiquiatria e da ciência de sua época. Como diz Althusser: “Que eu saiba, no transcorrer do século XIX, duas ou três crianças nasceram sem ser esperadas: Marx, Nietzsche, Freud. Filhos ‘naturais’, no sentido em que a natureza ofende os costumes (...) [filhos de] mãe solteira 2 Veja-se Bourdieu (1976/1994).
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(...). [E] a Razão Ocidental faz pagar caro a um filho sem pai” (1964-1965/1985, p. 51-52). Ou ainda, como diz Lacan no Seminário 11, “o inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam” (p. 29). Mais controversa é a questão de se a Psicanálise apresenta as atividades que caracterizam o chamado período de “ciência normal”. Não me deterei aqui em detalhar meus argumentos favoráveis a essa posição, apresentada no meu capítulo do livro Ciência, pesquisa, representação e realidade em Psicanálise (PACHECO FILHO, 2000), ao qual remeto os que se interessarem em conhecê-los. Freud foi indubitavelmente um revolucionário (ou um subversivo, se tivermos preferência pelo termo): mas não o tempo todo! Em boa parte de suas investigações, dedicou-se a consolidar o revolucionário aparato teórico, conceitual, metodológico, epistemológico, clínico e ético por ele instituído. E, como procurei argumentar, isso é parte legítima das atividades em um campo científico. Acrescento a seguir algumas considerações, que vão contra as críticas de Popper a Freud, no texto mencionado anteriormente. A primeira delas é que o próprio exemplo usado por Popper, pretendendo dar substância à sua argumentação mostra em um exame detido exatamente o oposto do que ele pretende provar. Senão, vejamos. Um dos seus argumentos-chave é o de que, ao se propor a oferecer interpretações dos sonhos de angústia que comprovem que eles não constituem refutações à sua teoria dos sonhos como realizações de desejos recalcados, Freud se desviaria o tempo todo de sua promessa: “Freud jamais leva a cabo o seu projeto e, no final, renuncia por completo a ele, embora sem dizê-lo explicitamente” (POPPER, 1956-1957/1985, p. 205). Freud terminaria por limitar-se a rechaçar as críticas, acusando os discordantes de não entenderem sua proposta ou de ‘resistirem’ a ela. Ou então tergiversaria sobre a questão, transferindo a busca de interpretação dos fatos desviantes para um âmbito diferente do circunscrito pela teoria de realização de desejos nos sonhos: “Desse modo, o sonho de angústia se converte[ria] em um problema de angústia: agora, é mais uma ‘parte da psicologia das neuroses’ do que propriamente da teoria dos sonhos” (p. 207). Com isto, “todo caso concebível se converterá em um exemplo verificador” da teoria dos sonhos, que embora “mostre que uma teoria metafísica é infinitamente melhor do que a ausência de teorias” (p. 212), não se apresenta refutável/ testável/falsificável, como se espera das teorias científicas (p. 208). Ora, no Congresso Psicanalítico Internacional de Haia, de 1920, Freud fez uma comunicação sobre uma certa classe de sonhos que lhe “pareceu apresentar uma exceção mais séria à regra de que os sonhos são realizações de desejo. Tratava-se dos sonhos ‘traumáticos’ (...)” (STRACHEY, 1966/1980, p. 15), que exigiriam um ajuste teórico a ser apresentado no mesmo ano, em Além do princípio de prazer (1920/1980). E todo o resto do arcabouço conceitual da Psicanálise (a tópica, a
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teoria das pulsões, a teoria da angústia) também deveria ser revisto: “O exemplo menos dúbio é talvez o dos sonhos traumáticos. Numa reflexão mais amadurecida, porém, seremos forçados a admitir que, mesmo nos outros casos, nem todo o campo é abrangido pelo funcionamento das familiares forças motivadoras. Resta inexplicado o bastante para justificar a hipótese de uma compulsão à repetição, algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princípio de prazer que ela domina” (FREUD, 1920/1980, p. 37). Aí está! Freud não apenas tinha disponibilidade para considerar os fatos cuja interpretação não se harmonizavam com sua teoria, e modificá-la, como de fato o fez. Popper é que não considerou isto em sua argumentação. Além do mais, mostrou seu desconhecimento do campo psicanalítico também na falta de entendimento do que é a trama complexa do seu arcabouço teórico. Não se trata de um punhado de relações funcionais independentes umas das outras, nem de um conjunto de teorias regionais específicas, limitadas a circunscrições particulares da vida do sujeito e desconectadas entre si. As formulações teóricas sobre os sonhos, as pulsões, as instâncias tópicas, a angústia, e assim por diante, mantêm, todas, íntimas e complexas relações entre si. As diferentes partes desse arcabouço não são passíveis, muitas vezes, de verificação ou refutação independentes, na medida em que formam parte de um sistema amplo e articulado. Freud não mostrava precipitação em modificar suas teorias. Mas isto não quer dizer que se aferrasse indefinidamente a elas, mesmo se apresentassem contradições evidentes. Falando sobre o que o conduziu às formulações do Além do princípio do prazer, que poderia ser “o ponto de partida para novas investigações”, conclui o texto afirmando: Isso, por sua vez, levanta uma infinidade de outras questões, para as quais, no presente, não podemos encontrar resposta. Temos de ser pacientes e aguardar novos métodos e ocasiões de pesquisa. Devemos estar prontos, também, para abandonar um caminho que estivemos seguindo por certo tempo, se parecer que ele não leva a qualquer bom fim. Somente os crentes, que exigem que a ciência seja um substituto para o catecismo que abandonaram, culparão um investigador por desenvolver ou mesmo transformar suas concepções (FREUD, 1920/1980, p. 84-85). Alterações substanciais da teoria, movidas por fracassos reiterados na busca de interpretações articulando fatos a ela, não estão de modo algum ausentes da história da Psicanálise. Mas tudo indica que elas mostram o padrão de atividade científica postulado por Kuhn e não o imaginado por Popper. Aliás, é uma curiosidade que não deve passar despercebida, o fato de Freud ter empregado a
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alegoria da solução de “enigmas” ou “quebra-cabeças”, para se referir às atividades de interpretação de sonhos em seu texto Observações sobre a teoria e prática da interpretação de sonhos (FREUD, 1923/1980, p. 131-132): ou seja, os mesmos termos mais tarde empregados por Kuhn, para se referir a uma parcela da atividade dos cientistas, que inclui a busca de explicação para as incongruências teóricas e falhas em suas predições, antes da opção pela alternativa mais radical de troca da teoria. Acrescento ainda, à contra-argumentação a Popper, a menção à obra de Lacan, que foi buscar seus instrumentos em fontes distintas das procuradas por Freud para alimentar sua metapsicologia: no caso de Lacan, a Linguística, a Lógica, a Matemática e a Topologia. É mais uma evidência de que o diálogo contínuo e profícuo entre práxis e teoria, no campo da Psicanálise, tem produzido vastas e profundas reformulações no seu arcabouço teórico-conceitual, nas ‘ferramentas’ usadas para construí-lo e na concepção da prática clínica. 3o Ponto: o tema das relações entre a Psicanálise e Ciência não se esgota na análise do que ela compartilha com os demais campos científicos, devendo-se incluir também a consideração do que ela apresenta de distintivo em relação a eles (em particular, o que diz respeito a seus dispositivos de acesso à ‘experiência’ e a como a interpretação articula os fatos, entre si, e à teoria). Aqui, estamos no terreno abrangido “pela pergunta que torna nosso projeto radical; aquela que vai de ‘É a psicanálise uma ciência?’ até ‘O que é uma ciência que inclua a psicanálise?’” (LACAN, 1965/2003, p. 195). Para começar, destaquemos o que existe de específico na Psicanálise, exatamente no âmbito da interpretação. Nos outros campos científicos, a interpretação é instrumento do cientista para conectar o fato à teoria e assim apossar-se do saber. Em Psicanálise, embora a interpretação seja a “resposta do analista”, a suposição de que este disponha da posse do saber sobre o inconsciente do analisante é apenas uma ilusão instaurada pela transferência: é isto que subjaz à noção de ‘sujeito suposto saber’. Sabemos, contudo, que as diferenças não se limitam a esta (que, aliás, já não é pequena). A inclusão da causa material e do sujeito foracluído nos demais campos científicos foi diversas vezes apontada por Lacan como relevante para se “qualificar sua originalidade na ciência” (por exemplo, em A ciência e a verdade, 1966/1998, p. 890). E à medida que a Psicanálise avança definidamente para o campo propriamente lacaniano (o campo do gozo), a delimitação rigorosa da noção de real vai revelando uma opacidade para a busca de sentido das interpretações, uma margem de liberdade para o sujeito e uma finalidade para a busca de saber, que mostram diferenças ainda maiores em relação ao que acontece nos demais campos cientí-
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ficos. A opacidade do real agora está posta no interior do campo como um elemento conceitual necessário, não eliminável, uma vez que se mostra intrínseca ao próprio objeto que se trata de investigar. Não se trata de um resíduo provisório, passível de eliminação por meio de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos futuros. A interpretação – aqueles que a usam se dão conta – é com frequência estabelecida por um enigma. Enigma colhido, tanto quanto possível, na trama do discurso do psicanalisante, e que você, o intérprete, de modo algum pode completar por si mesmo, nem considerar, sem mentir, como confissão. Citação, por outro lado, às vezes tirada do mesmo texto, tal como foi enunciado. Que é aquele que pode ser considerado uma confissão, desde que o ajuntem a todo o contexto. Mas estão recorrendo, então, àquele que é seu autor3 (1969-1970/1992, p. 35). Seja no sonho, no ato falho, no chiste, o que chama a atenção no funcionamento do inconsciente é o “modo de tropeço” de suas produções. “Tropeço, desfalecimento, rachadura. Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela. Freud fica siderado por esses fenômenos, e é neles que vai procurar o inconsciente” (LACAN, 1964/1985, p. 29-30). Esta estrutura de descontinuidade, é sempre ela que nos põe seu enigma “no nível em que tudo que se expande no inconsciente se difunde, tal o micelium, como diz Freud a propósito do sonho, em torno de um ponto central. Trata-se sempre é do sujeito enquanto que indeterminado”4 (Ibid., p. 31). É verdade que o tema da indeterminação em ciência imediatamente volta nossa atenção para o Princípio da Incerteza de Heisenberg (1927/1983). Sem intenção de aprofundar a análise aqui, ressalto apenas o fato de que, neste caso, a opacidade diz respeito a um limite à precisão na determinação do objeto; e, além do mais, decorrente da interação entre investigador e objeto. Já no caso do real lacaniano, a opacidade vai além de um limite à precisão das interpretações. Decorre dos limites da estrutura simbólica e remete ao tempo lógico da própria constituição do sujeito. Como nos diz Colette Soler, “[trata-se aqui] do sujeito reduzido ao corte no campo do Gozo. (...) O inconsciente é composto de elementos discretos, cada um diferente dos outros. Primeiro, Lacan disse que era composto de significantes; em seguida, de traços unários; e depois, dos elementos de lalíngua” (2010). Isto define uma nova estrutura para a interpretação, mas, diferentemente do que pensa Popper, “a interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo algum, não importa qual” (1964/1985, p. 237). No que se refere à lógica da interpre3 Grifos meus. 4 Grifos meus.
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tação, a consideração do real e do gozo, na última parte da obra de Lacan, implicou mudanças radicais. Como disse Ana Laura Prates Pacheco em seu texto que serviu de prelúdio 1 ao XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil – A lógica da interpretação –, “quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande, que ele perde o valor, apontando para o ab-sens (o sem sentido e a ausência da relação sexual)” (2011). Aqui, a análise é o lugar da experiência do impossível de tudo colocar em palavras. Citando novamente Soler: “(...) o gozo é incomensurável a tudo o que se pode dizer ou se ver dele. Incomensurável, portanto, à dialética intersubjetiva e aos debates com o Outro. A experiência, ressalto isto, não se imagina: ela transtorna os equilíbrios, transforma o ser e não se compartilha” (2010). E note-se que ela usa o termo incomensurável, cunhado por Kuhn para se referir ao fato de que os proponentes de teorias científicas distintas “falam línguas diferentes” e apropriadas a “diferentes mundos”. “Sua capacidade para se colocar do ponto de vista do outro é, portanto, inevitavelmente limitada pelas imperfeições dos processos de tradução e de determinação de referências” (KUHN, 1977/2011, p. 23). Antes de terminar, quero lembrar que embora Lacan tenha feito afirmações contraditórias, principalmente ao final do seu ensino, no que diz respeito à articulação da Psicanálise aos campos científicos, aqui, nesta ocasião, prefiro deixar isso subsumido ao terceiro ponto que abordei, sobre a necessidade de se considerar seus aspectos distintivos; e não a uma reversão radical e completa da sua posição anterior. Reconheço que a discussão é complexa e requer um aprofundamento bem maior de aspectos não abordados neste artigo. Por ora, acho apenas oportuno lembrar as proposições de Milner, no livro em que aborda as relações da obra de Lacan com a Ciência e a Filosofia: Serei, por exemplo, levado a dar certa importância à questão da ciência. Sabemos que Lacan a abordou com alguma insistência; entretanto, não é verdade que a partir dela possamos deduzir, em detalhe, o conjunto dos conceitos fundamentais da psicanálise. Ademais, Lacan, nessa questão, não cessa de não se autorizar por si mesmo. Como se a questão da ciência fosse decisiva – a ponto de ser preciso a ela voltar de forma repetitiva (...). A doutrina lacaniana da ciência é derivada de Koyré, mas ela submete Koyré a fins que lhe são alheios. Por conseguinte, ela manifesta propriedades da doutrina de Koyré, por vezes mantidas em estado latente nos textos de referência. Da mesma forma, Lacan revela propriedades da doutrina estrutural, na medida exata em que se mantém em relação a ela numa paradoxal posição de inclusão externa5 (1995/1996, p. 8-9). 5 Grifos meus.
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O tema da “inclusão externa” da obra lacaniana, seja em relação ao Estruturalismo, seja em relação à concepção de Koyré sobre ciência – e, por que não?, seja em relação à própria obra de Freud –, é algo que ainda precisa ser muito mais debatido. Mas isso terá que esperar por uma outra ocasião. Finalizo afirmando minha opinião de que a Psicanálise não é uma filosofia nem uma arte, pois neste caso os psicanalistas seriam maus filósofos ou artistas sem talento. Também não a considero apenas mais uma prática com eficácia meramente simbólica, o que, aliás, é uma sorte: sempre haveria xamãs mais convincentes. “Mas, se a história da ciência, em sua entrada no mundo, ainda é para nós suficientemente palpitante para que saibamos que nessa fronteira algo se mexeu naquele momento, talvez seja aí que a psicanálise se destaca, por representar o advento de um novo sismo” (LACAN, 1960/1998b, p. 811).
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resumo
O tema da interpretação sempre esteve na ordem do dia, seja no campo da Psicanálise ou dos debates em Epistemologia. E as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado fronteiras importantes entre concepções distintas, tanto no interior de um quanto de outro desses dois campos. No campo da Filosofia da Ciência, os modos de se estabelecer conexões entre interpretação e observação, ou entre fato e teoria se opõem, p. ex., a concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper; e a de ambos à de Koyré, Bachelard e Kuhn. E, no que diz respeito à conexão entre Filosofia da Ciência e Psicanálise, lembre-se, p. ex., que a pluralidade de interpretações para uma mesma observação está subjacente à crítica de Popper à cientificidade da Psicanálise. O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns contrapontos entre essas discussões nesses dois campos. Existe uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos? Como as temáticas do real, da verdade e da causa material ligam-se a isso? E a pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira?
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Pacheco Filho, Raul Albino
palavras-chave
Interpretação, psicanálise, ciência, filosofia, epistemologia.
abstract
Interpretation has always been a current issue, be it in the field of psychoanalysis or in the debates in epistemology. And the different forms of conceiving it have established important borders among specific conceptions in the interior of both fields. In the field of philosophy of science, the ways of establishing connections between interpretation and observation, or between fact and theory, oppose, for instance, the logical positivists’ conception of science to that of Popper’s; and that of both to that of Koyré, Bachelard and Kuhn. And in what it is related to the connection between philosophy of science and psychoanalysis, for instance, that the plurality of interpretations to the same observation is subjacent to Popper’s criticism to the scientificity of the psychoanalysis. This presentation aims to establish some counterpoints between these discussions in the two fields. Is there a specificity of interpretation in psychoanalysis, in relation to the interpretation in other scientific areas? How do issues of the real, the truth, and the material cause relate to this? And the interpretative plurality in psychoanalysis: Does it happen only because of the lack of rigor or extimity of its theorizations in relation to science? Or should this be conceived in another way?
keywords
Interpretation, psychoanalysis, science, philosophy, epistemology.
recebido 16/02/2012
aprovado 27/02/2012
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direção do tratamento
O Manejo da Transferência Carlos Eduardo Frazão Meirelles A transferência como fenômeno A transferência é um fenômeno que ocorre em todas as relações sociais, estando na decorrência da condição falante do ser humano. As primeiras referências ao termo transferência na obra de Freud, por exemplo em A Interpretação dos Sonhos (1900/1996), referem-se ao transporte realizado pelas representações, isto é, o fato da estrutura de linguagem dos processos psíquicos, normais ou patológicos, operar com deslocamentos de sentido e afeto. Esta condição de transporte está implicada na acepção da transferência como relação ao outro. As cadeias simbólicas formadas pelos deslocamentos não são as mesmas para dois sujeitos. A disparidade entre as cadeias que estruturam cada sujeito implica um hiato na relação entre os falantes. As identificações de reciprocidade e semelhança, tão necessárias às funções sociais, encobrem a disparidade existente no registro simbólico inconsciente, conferindo todos os riscos para que se implique o outro em conexões inconscientes prévias do sujeito. No início do tratamento psicanalítico, em continuidade com a experiência humana em geral, há uma transferência já presente, espontânea, em relação à qual incidirá o manejo especificamente psicanalítico, distinto das demais formas culturais de se lidar com o fenômeno. Freud caracterizou esta transferência inicial como repetição de “clichês estereotípicos” (1912/1996, p. 112), a inclusão do analista nas séries das imagos constituídas nos primeiros anos de vida do sujeito. É um fenômeno que ocorre já nas entrevistas iniciais, ainda que muitas vezes só possa ser reconhecido como tal a posteriori. Freud comenta que a transferência inicial tende a se manifestar como repetição em ato na sessão, e não como recordação: [...] O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo. Por exemplo, o paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador em relação à autoridade; em vez disso, comporta-se dessa maneira para com o médico. [...] Não se recorda de ter-se envergonhado intensamente de certas atividades sexuais e de ter tido medo de elas serem descobertas; mas demonstra achar-se envergonhado do tratamento que agora empreendeu e tenta escondê-lo de todos.
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Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
E assim por diante. Antes de mais nada, o paciente começará seu tratamento por uma repetição deste tipo (1914a/1996, p. 165-6). O laço particular que cada sujeito institui com o analista antecipa um Outro ao qual o sujeito se relaciona de modo inconsciente, e que, constata-se no decorrer das análises, está implicado na própria questão que o faz buscar tratamento. Se esta antecipação ocorre em qualquer relação social, no laço psicanalítico ela se distingue por ser a própria matéria de que se deve tratar, e o que fornece a condição de sua operação. Sendo os clichês estereotípicos formados na primeira infância os protótipos dos outros fundamentais do complexo edípico, o móvel erótico desse complexo manifesta-se na transferência. Cada um, “[...] durante os primeiros anos, conseguiu um método específico próprio de conduzir-se na vida erótica — isto é, nas precondições para enamorar-se, nas pulsões que satisfaz e nos objetivos que determina a si mesmo” (FREUD, 1912/1996, p. 111). Esta estratégia libidinal estaria sempre apta a se transferir a cada nova relação do sujeito. Freud considera, ainda, que é na medida em que o sujeito encontra-se castrado de sua satisfação que as ideias antecipadas estão mais suscetíveis de serem transferidas: “Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas [...]” (Ibid., p. 112). O mesmo fenômeno incluiria o psicanalista: “Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia libidinal de alguém que se acha parcialmente insatisfeito, uma catexia que se acha pronta por antecipação, dirija-se também para a figura do médico” (Ibid., p. 112). O fundamento sexual da transferência é uma descoberta decisiva de Freud para o início da investigação propriamente psicanalítica do inconsciente, e pode ser datada no desfecho do caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer. É um exemplo paradigmático da transferência como fenômeno, ainda sem o manejo propriamente psicanalítico e com as consequências que isso implicou. Serviu justamente para Freud decidir por uma determinada orientação de manejo em todos os casos posteriores. Os detalhes são contados por Ernest Jones. Após cerca de dois anos de tratamento, tendo a esposa de Breuer se tornado “ciumenta” (1961/1970, p. 237) por “não ouvir do marido mais nada senão esse assunto” (Ibid., p. 237), Breuer decidiu encerrar o tratamento de Anna O., estando ela já em melhores condições. Mas nessa mesma tarde foi chamado à casa da paciente e encontrou-a num estado de grande excitação, aparentemente mais grave do que nunca. A paciente, que, segundo ele, parecia ser um ser assexual e que nunca fizera qualquer alusão
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a esse tópico proibido ao longo de todo tratamento, mostrava-se agora no umbral de uma crise de parto histérica (pseudociese), culminação lógica de uma gravidez fantasística que se vinha desenvolvendo invisivelmente em reação às atenções médicas de Breuer (Ibid., p. 237). Breuer, envolvido em “[...] forte contratransferência diante da sua interessante paciente” (Ibid., p. 237), ficou profundamente perturbado com a revelação do impulso erótico que, agora se notava, viria já de longa data nas sessões de hipnose e conversa. Freud retroagiu o impulso erótico ao histórico clínico da analisante e interpretou, acompanhando o campo sexual não analisado dos sintomas de então – “[...] O simbolismo nele existente – as cobras, o enrijecimento, a paralisia do braço – e, levando em conta a situação da jovem à cabeceira do pai enfermo, facilmente chegará à verdadeira interpretação dos sintomas [...]” (1914a/1996, p. 22). Apesar de Breuer ter reconhecido a motivação sexual da transferência desta analisante, a “natureza universal deste fenômeno inesperado lhe escapou” (Ibid., p. 22). O clichê estereotípico da transferência de Anna O. é sugerido por Ernest Jones: “A Senhorita Bertha (Anna O.) era não somente inteligente, mas também extremamente atraente quanto ao físico e à personalidade; quando foi removida para o sanatório, inflamou os sentimentos amorosos do psiquiatra que a atendia” (1961/1970, p. 238). Ainda que não se possa contestar “o caráter de um amor genuíno” (FREUD, 1915/1996, p. 185) nesta repetição, pois as escolhas amorosas de fato ocorrem com repetições deste tipo, a escuta do dizer inconsciente só se tornou possível na posição de abstinência em que estava Freud, constituindo uma regra que torna possível o manejo psicanalítico da transferência: “[...] A experiência de se deixar levar um pouco por sentimentos ternos em relação à paciente não é inteiramente sem perigo. [...] O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência” (Ibid., p. 182). Localizando o episódio de Anna O. na História do Movimento Psicanalítico (1914b/1996, p. 23), Freud indica a importância do saber que dele extraiu. O surgimento da transferência sob forma francamente sexual – seja de afeição ou de hostilidade –, no tratamento das neuroses, apesar de não ser desejado ou induzido pelo médico nem pelo paciente, sempre me pareceu a prova mais irrefutável de que a origem das forças impulsionadoras da neurose está na vida sexual. A este argumento nunca foi dado o grau de atenção que ele merece [...] mais decisivo do que quaisquer das descobertas mais específicas do trabalho analítico. Lacan, em continuidade com a descoberta de Freud, formula que “[...] é na transferência que devemos ver inscrever-se o peso da realidade sexual” (1964/1998, p. 147),
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Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
ou ainda, que “[...] a transferência é aquilo que manifesta na experiência a atualização [mise en acte] da realidade do inconsciente, no que ela é sexualidade” (Ibid., p. 165).
O manejo da transferência O termo manejo da transferência é utilizado por Freud para indicar como agir com a transferência que se manifesta no início do tratamento. Todavia, o instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo da transferência. Tornamos a compulsão inócua, e na verdade útil, concedendo-lhe o direito de afirmar-se num campo definido. Admitimo-la à transferência como a um playground no qual se espera que nos apresente tudo no tocante a impulsos patogênicos, que se acha oculto na mente do paciente (1914a/1996, p. 169). Freud propõe que o acting out inicial seja admitido à análise para que se transforme em motivo à rememoração. Os “fenômenos da transferência [...] prestam o inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente” (1912/1996, p. 119). O manejo consistiria em fazer com que os impulsos despertados sirvam para causar a associação livre e a interpretação dos sintomas. O termo playground é sugestivo na medida em que pode se referir ao parque infantil, metaforizando a análise como lugar de pôr em movimento, pela fala, o infantil que permanece atuante no adulto. Confere também algo de lúdico para a análise. Mas Freud não deixa de considerar, na metáfora do químico que “maneja substâncias explosivas” (1915/1996, p. 187), os impulsos sexuais recalcados como “forças altamente explosivas” (Ibid., p. 187), e “os mais perigosos impulsos mentais” (Ibid., p. 188). Também utiliza a metáfora de luta: “Esta luta [...] é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada – vitória cuja expressão é a cura permanente da neurose” (1912/1996, p. 119). Neste sentido, Freud chega a afirmar que “[...] as únicas dificuldades realmente sérias que [o psicanalista] tem de enfrentar residem no manejo da transferência” (Ibid., p. 177). Com Lacan encontramos um avanço de formalização do manejo da transferência, com o conceito de sujeito suposto saber e seu algoritmo. [...] Algo que não foi isolado antes que eu o fizesse, especificamente a propósito da transferência: a função que tem, nem mesmo na articulação, mas nos pressupostos de todo o questionamento sobre o saber, o que eu chamo ‘o sujeito suposto
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saber’. As questões são colocadas a partir de que existe esta função em algum lugar, chamem-na como quiserem, aqui ela aparece em todas as suas faces, evidente por ser mítica, que há em algum lugar algo que desempenha a função de sujeito suposto saber (1967-1968, p. 53). Com o conceito de sujeito suposto saber, Lacan isola algo presente na experiência comum, a referência, de todo questionamento, a um lugar em que se supõe haver um saber. Ainda que não se saiba, a possibilidade de saber sendo antecipada, em algum lugar, ou encarnada em alguém, ou suposta em algum procedimento para se obtê-lo. Esta função permite, no campo do tratamento psíquico, localizar a transferência que torna atuante a análise. A investigação dessa função pode ser considerada a partir da questão da entrada em análise, da diferença entre a chegada ao consultório de um psicanalista e o início da abertura do inconsciente, a mudança que aí ocorre no lugar do sujeito suposto saber. A apresentação inicial do sintoma é uma queixa, uma descrição do que ocorre, diante da qual o analista não tem condição de saber sobre os significantes recalcados e os objetos de gozo. É necessária a associação livre do analisante, regra fundamental. Mas, a rigor, não basta apenas falar, pois para que a fala livre se torne operativa como análise é preciso que se enganche como investigação, como pergunta que anseia uma resposta: “É preciso que essa queixa se transforme numa demanda de análise endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo” (Quinet, 1993/1998, p. 20-1). Quando se abre a via de questionamento do sintoma instaura-se a perspectiva de que há respostas a se obter, e a transferência passa a atuar na precipitação de interpretações ao enigma do sintoma. A indicação de Quinet de que algo precisa ser endereçado especificamente àquele analista distingue o que ocorre de suposição de saber antes de se conhecer o analista, e o que ocorre em presença dele articulado ao questionamento do sintoma. Pois quando se procura um psicanalista, de algum modo já se supõe que ele possa curar o mal-estar, ou, mesmo que se tenha certa dúvida disso, a função de suposição de saber está dada. Ainda que o que se produza mesmo nessa suposição seja o próprio inconsciente, ele não é reconhecido enquanto tal e não trabalha com fins de análise, mas repete-se em ato, como nos exemplos freudianos. Em presença do analista o sintoma será conduzido ao questionamento por meio do reconhecimento do Outro que fala nas formações do inconsciente, nas divisões em que o sujeito pode notar falar mais do que costuma considerar. Quando a função do sujeito suposto saber passa de uma suposição genérica de que um psicanalista pode tratar, para a suposição de que o sintoma tem uma verdade a ser alcançada, ocorre simultaneamente a uma especificação da suposição de saber
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àquele analista. Não necessariamente que ele saiba, mas que de algum modo por sua presença alguma forma de acesso à verdade do sintoma se realiza. Esta passagem é correlata a uma mudança na relação transferencial, de uma “transferência selvagem” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 140), uma “mostração” (Ibid., p. 138), a um “amor que se dirige ao saber” (1973/2003, p. 555). Lacan (1967/2003, p. 253) elabora um matema para a transferência analítica, formalizando a função do sujeito suposto saber. S s(S , S2,... Sn)
Sq
1
Fig. 1 O significante sobre a barra (S) é um significante do analisante, o chamado significante da transferência. Sua conexão com um significante qualquer que particulariza o analista (Sq) produz como significado, sob a barra, um sujeito (s) articulado aos significantes do saber inconsciente (S1, S2,... Sn).1 O saber está do lado do sujeito, sob a barra do recalque, mas é experimentado como sendo um saber do analista – “a ilusão [...] pela qual o sujeito crê que sua verdade já está dada em nós, que a conhecemos [...], erro subjetivo [...] imanente ao fato de ele haver entrado em análise” (Lacan, 1953/1998, p. 309). É o passo em que a suposição relacionada ao analista se realiza como saber algo específico, sobre determinado assunto, segundo tal forma de entendimento; ou o passo em que um traço específico do analista se impõe ao analisante, e com ele os significantes relativos à própria matéria em análise. Formas variadas, a cada caso, em que o analista se fazendo de objeto concede campo ao engano que precipita um saber. “O que constitui o ato psicanalítico como tal é muito singularmente esta simulação [...], simular que a posição do sujeito suposto saber seja sustentável” (Idem, 1967-1968, p. 57). Isso sustenta a associação livre, o trabalho de interpretação dos sonhos, lembranças, pensamentos espontâneos; torna presente a hipótese de que da fala advirá a verdade do sintoma. “O ato psicanalítico é, evidentemente, o que dá suporte, autoriza a realização da tarefa psicanalisante. É na medida em que o psicanalista dá a esse ato sua autorização, que o ato psicanalítico se realiza” (Ibid., p. 233). O sujeito suposto saber, tal como formalizado no matema é, em uma análise, deduzido, construído, e não exatamente encontrado diretamente na experiência como o acting out da transferência inicial. Anuncia-se em formações de linguagem, na fala, mas concerne antes ao lugar a partir do qual as falas se orientam. 1 “[...] O s representa o sujeito resultante, que implica dentro dos parênteses o saber, supostamente presente, dos significantes que estão no inconsciente [...]” (Lacan, 1967/2003, p. 254).
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Quando podemos construir o matema é porque a suposição de saber inconsciente já se estabeleceu. Sua instauração pode ser deduzida a partir dos seus efeitos, a ocorrência de associação livre e interpretações, e construída, a partir dos significantes colhidos neste processo, privilegiadamente nas formações do inconsciente. A realidade sexual inconsciente, que se manifesta na transferência, sofre a incidência do manejo que direciona o amor ao saber. “Porém, sua finalidade, como todo amor, não é o saber, e sim o objeto causa do desejo. Esse objeto (o objeto a) é o que confere à transferência seu aspecto real: de real do sexo” (QUINET, 1993/1998, p. 34). As forças sexuais não se resolvem inteiramente na relação de amor ao saber, restando algo quanto ao desejo: “É o objeto a que, ao vir obturar a falta constitutiva do desejo, se torna esse objeto maravilhoso do qual, para Alcebíades, Sócrates é o continente” (Ibid., p. 34). Essa dimensão sexual da transferência, do sujeito analisante encontrar seu objeto obturador da falta no analista, torna presente a estrutura fantasmática que confere lastro ao inconsciente, definida por Lacan na relação do sujeito barrado com o objeto a. Em relação ao manejo transferencial por essa via, Lacan considera que o analista deve “suportar, em um certo processo de saber, esse papel de objeto de demanda, de causa de desejo, que faz com que o saber obtido não possa ser tomado senão pelo que é, ou seja realização significante conjugada a uma revelação da fantasia” (Seminário do Ato analítico, op. cit., p. 245). A abstinência do analista, seu apagamento como sujeito, permite que venha a se prestar a objeto a do analisante. É deste lugar que “se apresenta como a substância da qual ele é jogo e manipulação no fazer analítico” (Ibid., p. 97). Uma questão que pode ser formulada é sobre o que cabe ao analista nesta passagem da transferência inicial à transferência propriamente analítica, pois Lacan é bastante claro: a transferência “ali está graças àquele que chamaremos, no despontar desta formulação, o psicanalisante. Não temos que dar conta do que a condiciona. Pelo menos aqui. Ela está ali no começo” (Lacan, 1967/2003, p. 252). O encadeamento significante da transferência é uma formação que o inconsciente do analisante estabelece ou não, no tempo que lhe cabe. Mas algo como um “apelo do vazio no centro do saber” (Idem, 1960-1961/1992, p. 158), que Lacan comenta em relação à posição de Sócrates, é necessário para que o sintoma se torne uma questão e a transferência analítica possa se estabelecer.
Construção de uma entrada em análise Uma mulher queixa-se de que o casamento vai mal. Brigas com o marido todos os dias, ausência de desejo sexual por ele, irritação, ao ponto de não conseguir olhar-lhe na cara.
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Muitas das brigas surgem por ciúme dela – ciúme da sobrinha do marido, jovem magra e bela que o solicita a todo instante; do interesse do marido pelo computador, preterindo a ela; do marido encontrar a irmã dela sem que ela soubesse. Ciúmes que ela considera descabidos, por serem mulheres da família e objetos inanimados, mas com os quais não consegue deixar de se transtornar, irritada. Nas entrevistas iniciais alternava algumas explicações para seu mal-estar: talvez o problema tenha sido ser muito mimada quando criança, tal que agora quer tudo feito do seu jeito, quando, por exemplo, insiste em algo mesmo sabendo que está errada, apenas para não deixar o marido cheio de si; ou talvez o seu problema seja não gostar mais do marido, e ter falta de coragem de se separar dele, já que ele seria um acomodado, sem pretensões na vida, e sem a pegada sexual que a satisfaça; ou talvez o problema fosse ela ser muito dependente dos outros, não conseguindo fazer nada sem o marido, e ser muito preocupada com o que os outros pensam dela; ou ainda talvez tudo não passe de efeito do ciclo menstrual, ou do remédio para emagrecer que começara a tomar. De certa forma, todos os fios associativos que surgiram nas primeiras sessões se prestariam a um início de análise de seu sofrimento. Contudo, não se ordenavam como um enigma. Cada associação servia antes para desconsiderar a anterior, de uma sessão para outra, de um momento para outro na sessão, em uma mesma frase, uma fuga do sentido pelo deslocamento, sem que se enunciasse um sujeito com o sintoma. O desgaste diário com o que chama de suas dúvidas indica a energia despendida na solução metonímica. As entrevistas iniciais caberiam em uma frase como: “Não sei se o problema é eu ser ciumenta, ou ser mimada, ou ser dependente do que pensam, ou se é meu marido que é sem pegada, ou se sou eu que não tenho coragem, tanta coisa que já nem sei de mais nada”. Diante de uma formação como essa é necessária uma intervenção, sem o que permanece o deslizamento, e não há análise. Que algo se interprete fica por graça da transferência inconsciente da analisante, mas algo como um apelo do vazio no centro do saber é necessário para que a transferência de saber inconsciente encontre lugar. A intromissão analítica ocorreu, nesse momento, com a interpretação freudiana em relação aos meios de representação nos sonhos, de substituir a alternativa (ou... ou...) pela adição (e). Quando, no entanto, ao reproduzir um sonho, seu narrador se sente inclinado a utilizar ‘ou... ou’ – por exemplo, ‘era ou um jardim ou uma sala de estar’ –, o que estava presente nos pensamentos do sonho não era uma alternativa, e sim um ‘e’, uma simples adição. ‘Ou... ou’ é predominantemente empregado para descrever um elemento onírico que tenha uma característica de imprecisão – que, contudo, é passível de ser desfeita. Em tais casos, a norma de interpretação é: trate as duas
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aparentes alternativas como se fossem de igual validade e ligue-as por um ‘e’ (Freud, 1900/1996, p. 342). Como se dissesse à analisante: “Para ouvir o seu desejo talvez devamos substituir o ou por e, e considerar todas as alternativas como válidas: ciumenta, mimada, marido sem pegada, dependência, opinião dos outros, falta de coragem – talvez sejam todas verdadeiras. O que isso diz?”. Inicia a sessão seguinte considerando que suas dúvidas servem para evitar o que ela sabe ser a verdade, e o que ela sabe que deve fazer. Como que para falar do que considera a verdade, diz que tem estado irritada por não suportar beijar o marido, mas precisar fazê-lo por ser casada. Seguindo um fio associativo – “como se fosse a primeira vez”, “primeiro namorado”, “primeiro beijo” –, com pontuações tropeça em dois esquecimentos – “o que eu ia mesmo dizer?” –, para então lembrar de modo especialmente nítido uma cena: “Meu primeiro beijo foi com meu primo, quer dizer, primo do meu primo. O meu outro primo viu. Estávamos na praça. A família toda ficou sabendo, foi aquela confusão. Hoje eu não aguento olhar na cara desse meu primo, fui ficando irritada com ele”. As palavras em itálico foram ditas com certa surpresa, como algo curioso, notando a relação certeira ao que vinha falando sobre o marido. Enquanto narrava, dizia lembrar com muita nitidez, tal que podia ver a cena acontecendo na sua frente; e, de fato, seus olhos percorriam o espaço vazio da sala como se percorressem a imagem de um quadro, apontando com a mão isso e aquilo da cena. Apontavam no espaço virtual a ela, ao primo que beijou, e ao primo que testemunhou, de onde se deduz sua posição de olhar de fora da cena, e não olhando do lugar do banco da praça, ao lado do primo, o que seria a imagem da realidade de então. “No campo escópico, o olhar está do lado de fora, sou olhado, quer dizer, sou quadro” (Lacan, 1964/1998, p. 104); “o objeto a, no campo visível, é o olhar” (Ibid., p. 101). Corte da sessão, e na seguinte inicia no divã. O não olhar na cara e a irritação mudam de estatuto ao se articularem em uma cena sexual que interpreta o sintoma. Não que ela tenha se lembrado de uma cena havia muito esquecida, pelo contrário, nunca a esqueceu; o que lhe é novo é ler a cena, encontrá-la como uma representação simbólica, metafórica, do drama atual que sofre, o efeito de sentido de substituir a cena atual pela do passado. O que se queixa torna-se algo a ser decifrado, por uma relação curiosa entre os eventos de sua vida, significantes que se repetem, algo que parece conduzir a um saber sobre o sintoma. É uma questão de análise. Não é necessário formular uma frase com o ponto de interrogação no final para se ter uma questão de análise. Neste caso clínico, inclusive, as frases interrogativas tiveram antes a função de despiste,
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deslocamento. A lembrança encobridora é dita em frases afirmativas, mas institui uma investigação, orientada por termos que não são quaisquer, e que orientam o tempo subsequente de sua análise. A lembrança é composta também por metonímias, destacadamente a do primo. “Beijei meu primo, quer dizer, primo do meu primo. Meu outro primo viu.” Há uma perturbação com o fato de ser um homem da família, se seria imoral ou não, se seria mais vergonhoso ou não ser vista em gozo, o que ecoa no seu ciúme, agora já não tão irracional, do marido com as mulheres da família. O que se ouve é a reiteração do significante, como um eco, primo, primo, primo..., e então a prima, que certa vez expôs à família assuntos íntimos contados em confiança, razão pela qual não lhe olha na cara. O valor desta lembrança está no que se pode anunciar da relação do sujeito dividido ao seu objeto de desejo e gozo, uma primeira localização de sua posição na fantasia. O corte do olhar com o divã, nesse momento em que se ilumina o olhar como objeto a na fantasia, esvazia a pregnância imaginária da figura humana do analista, deixando a analisante com as imagens produzidas pelos significantes de sua associação livre, permitindo “isolar a transferência” (Freud, 1913/1996, p. 149), “distingui-la no momento de sua pura emergência nos dizeres do analisante” (Quinet, 1993/1998, p. 45). Após esta interpretação de entrada em análise, foi possível construir algo do lugar do significante do analista que estaria implicado com os significantes do saber inconsciente da analisante. Em uma das sessões anteriores havia se surpreendido, com certa vergonha, que apesar de passar toda a semana sem pensar em sexo, nas sessões de análise sempre lhe ocorriam assuntos sexuais. Alguns significantes que participavam de seus assuntos sexuais poderiam servir para descrever traços específicos do analista. É uma transferência inconsciente, de pensamentos que surgem independentemente da sua vontade, e que se revelaram concernentes ao mal-estar de que se queixava. Uma suposição inconsciente de que precisaria contar sobre tais assuntos. É um lugar a partir do qual os ditos da analisante se orientam, e não uma atuação obscena dos assuntos sexuais. Na sessão seguinte, conta animada que pela primeira vez em muitos anos ela e o marido passaram uma semana inteira sem brigar, embora não soubesse muito bem localizar a razão de assim ter sido. Também procurou a prima para conversar sobre sua vida, descobrindo que todos a veem como fria e fechada, repercutindo como questão à sua satisfação sexual. Os efeitos terapêuticos, imprevisíveis, que interpretações comumente acarretam, devem ser avaliados com parcimônia em uma perspectiva mais ampla do tratamento, porque se por um lado há que se esperar que a análise reduza o sofrimento, por outro, um alívio significativo do sintoma-queixa muito prematuramente em uma análise pode pôr em risco sua continuidade.
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A força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado que deste se origina. [...] Cada melhora efetua uma sua diminuição. Sozinha, porém, esta força motivadora não é suficiente para livrar-se da doença. [...] O tratamento analítico [...] fornece as quantidades de energia necessárias [...] pela mobilização das energias que estão prontas para a transferência (Freud, 1913/1996, p. 157). A transferência permite conduzir o tratamento para além do alívio pontual advindo da interpretação de formações do inconsciente. Conduzir a uma transformação da condição do desejo pela travessia da fantasia tal que, pela “disjunção do sujeito em relação ao a, a experiência da fantasia fundamental se torna a pulsão” (Lacan, 1964/1998, p. 258). Encontram-se assim melhores condições para que o sofrimento neurótico deixe de acrescentar-se aos demais sofrimentos de uma existência. “O que se torna o sujeito suposto saber? [...] Seguramente ele cai. [...] O objeto pequeno a é a realização desse tipo de-ser que atinge o sujeito suposto saber” (Lacan, 1967-1968, p. 97).
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resumo
Este artigo investiga o conceito de manejo da transferência no campo clínico da neurose. Acompanha as formulações inaugurais de Sigmund Freud sobre o fenômeno da transferência, no que implica de repetição e realidade sexual, utilizando como referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer, assim como as formulações de Freud sobre a utilização da transferência para o tratamento da neurose, no que diz respeito à produção de saber inconsciente e à sustentação do trabalho analítico. Com Jacques Lacan, o termo freudiano de manejo da transferência é retomado a partir da noção de sujeito suposto saber e de sua formalização matêmica. Por fim, é discutido o manejo da transferência no momento de entrada em análise com a apresentação de um fragmento de um caso clínico.
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palavras-chave
Transferência, sujeito suposto saber, clínica psicanalítica, neurose, interpretação.
abstract
The article investigates the concept of management transfer in the clinical field of neurosis. It follows Sigmund Freud’s inaugural formulations on the phenomenon of transfer, what it implies of repetition and sexual reality, using as reference the Anna O. Case conducted by Joseph Breuer, and also how Freud’s formulations about the use of the transfer in the treatment of neurosis, regarding the production of unconscious knowledge and the support of the analytical work. With Jacques Lacan, the Freudian term, management of the transfer, is resumed from the notion of the subject supposed knowledge and its mathemic formulation. Finally, the author discusses management of transfer at initial moment of the analysis with the presentation of a fragment of a clinical case.
keywords
Transfer, subject supposed to know, psychoanalytic clinic, neurosis, interpretation.
recebido 16/02/2012
aprovado 30/03/2012
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Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva Roberta Luna da Costa Freire Russo Inicialmente, preciso dizer que este não é um texto de estilista, embora seja de um estilo que ele trata. Um estilo inaugurado por Freud e formalizado por Lacan, de apelar para o equívoco, servindo-me dos efeitos do significante. É, precisamente, em torno do equívoco que tratarei da interpretação na neurose obsessiva, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia. O equívoco e o corte, entre outros, são exemplos de interpretação dados por Lacan e organizados por Soler (1991) nos Artigos Clínicos. Tanto o equívoco como o corte são designados em função da fala: trata-se de um dizer nada, na medida em que o analista responde com o equívoco, portanto não responde no nível do significado, da nomeação do objeto, para suturar a falta. O dizer nada provoca uma equivocidade no discurso do analisando e provoca também efeitos. Privilegiei o corte, por operar no nível de S1 e S2, ou seja, por operar nos intervalos da cadeia significante e, como diz Lacan (1953, p. 315) “interromper a conclusão para a qual se precipitava o discurso do analisante”; e o equívoco, por estar do lado da enunciação. E privilegiei ambos por serem, em minha experiência clínica com a neurose obsessiva, os operadores que têm provocado maiores efeitos de escansão e deslizamentos no discurso dos analisantes, no segundo caso, quando há inibição associativa. Estudar a neurose obsessiva pôs-se para mim como um grande desafio, não só teórico, mas também clínico, pois enquanto tentamos nos aproximar do “texto” de um neurótico obsessivo, ele se esconde. Seu texto parece preso no significado, pois o significante tem um grande peso para a neurose obsessiva: texto-dicionário, sem poesia e sem vacilo. Suas palavras são expressas de maneira descritiva, precipitadas em engenhosos detalhes, ou, ao contrário, o obsessivo perde as conexões1 com algo que possa dissipar suas dúvidas ou, ainda, resolver alguma situação, restringindo, assim, seu discurso. Este é inibido, recuado, e é recusado pelo próprio sujeito, cuja censura anima a procrastinação, que lhe é tão peculiar. Eis minhas impressões sobre a clínica com neuróticos obsessivos. Como intervir ali onde ele não se mostra, onde insiste... resiste em permanecer morto, morto para o desejo? 1 Freud refere-se a essa característica no obsessivo, no Homem dos Ratos (1909). Obras Completas, v. X, pp.172, 201 e 202.
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Russo, Roberta Luna da Costa Freire
Em sua posição politicamente correta, o obsessivo anda na linha, na borda, equilibrando-se para não cair e esvair-se no esgoto. Em seu funcionamento sacerdotal, ele faz votos de pobreza e de castidade. Sem objeto e sem prazer, ele se situa como aquele que só quer o bem dos outros, e em sacrifício se põe a obedecer, pagando por todos os pecados, o que não o livra do inferno – o inferno da dúvida, do dever e da dádiva. Em sua persistente e árdua tarefa de estar a serviço do outro, o que o obsessivo busca é o testemunho do Outro, no qual, segundo Lacan (1957-1958, p. 431) “se registra a façanha, onde se inscreve sua história”. Sua relação com o Outro consiste, segundo Lacan, em pedir permissão, colocando-se na mais extrema dependência dele para ter acesso ao desejo. Assim, o obsessivo paga pedágio para ter acesso ao desejo. Ele se dispõe ao sacrifício para ganhar o perdão dos pecados e alcançar o reino dos céus. Mas, para sustentar essa promessa, sua relação com o desejo é de amortecimento, ao tentar aproximar-se dele (LACAN, 1957-1958). Daí decorre toda sorte de proibições e renúncias em nome do prometido, as quais se desdobram naquilo que Freud (1907) assinalou como uma religião particular. No seminário A Angústia (1962-1963), Lacan fala da fantasia do Todo-Poderoso, esse Deus onipresente no qual o obsessivo [...] procura e encontra o complemento do que lhe é necessário para se constituir como desejo, a saber, a fantasia ubiquista [...] sobre a qual saltita a multiplicidade de seus desejos, a serem empurrados cada vez mais longe. (p.335) É nessa investidura que o obsessivo é aprisionado a um texto da ordem do dito, o qual, forjado pela intelectualização do que ele pronuncia, atesta seu caráter defensivo em relação àquilo que o próprio deslizamento significante denuncia: a falta no Outro. É disso que o obsessivo não quer saber, por não saber onde está pisando; afinal, sua pergunta seria: o que o Outro quer de mim? Do contrário, o significante, por si só, apreenderia o objeto, o que ele tenta fazer. Contudo, é por não querer saber sobre a falta do Outro, e consequentemente sobre seu desejo, que o obsessivo fala para não dizer. Ele não quer deixar furos em seu texto: busca preenchê-lo a qualquer custo, inclusive à custa da própria morte. Ele procura servir-se do significante com toda a cerimônia. Em sua religião particular, o obsessivo não pode pecar: seu texto é impecável. Ele tenta descrever os fatos de modo literal. Comporta-se como a criança que não suporta que se mude uma palavra da historinha, a qual já conhece. Isso o faz, por vezes, um sujeito de poucas palavras, ou de palavras sob medida, e por não querer ficar em falta, ele busca a exatidão como garantia, ali, como diz Lacan (1998, p. 22) “onde o sujeito nada pode
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captar senão a própria subjetividade que constitui um Outro como absoluto”. Sabemos por Lacan que, ao nos servirmos da língua, há sempre palavras que caem; ou seja, não podemos dizer tudo: há sempre palavras que nos escapam. A propósito disso, na neurose obsessiva, testemunhamos o sujeito funcionar como um pesca-dor, o qual, com sua rede, captura as palavras obliterando o texto, para que não se revelem as falhas no dito, para que não se revele o dizer como um meio-dizer. Não se trata de uma fala desarticulada ao Outro, como na psicose; ao contrário, é para se poupar da emergência do desejo do Outro, tão mortal para o obsessivo, que ele assim se defende. Defende-se numa “certa articulação com o significante”, como diz Lacan (1957-1958 p. 483). Nessa articulação, ele preserva o Outro, embora, por meio dela, aspire à destruição do Outro. Lacan deixa clara a diferença que existe entre o obsessivo e o psicótico: “O obsessivo é um homem que vive no significante. Está muito solidamente instalado nele. Não tem absolutamente nada a temer quanto à psicose” (LACAN, 1957-1958, p. 483). Anulando o desejo do Outro, o obsessivo anula o próprio desejo, abrindo alas ao gozo do Outro. O obsessivo é aquele que identificamos como sendo “do contra”. Ele diz não ao Outro, e é por causa dessa contraposição que terá que pagar sua dívida. Ele deve, por não se permitir desejar. O dever constitui-se como imperativo: ele deve fazer isso ou aquilo. Se não o fizer, seu saldo se tornará cada vez maior e sua dívida, mais volumosa. Isso se impõe recheando o pensamento do obsessivo como enunciado, como um dito – “está dito”–, e ele se põe a trabalhar para pagar seu tributo costurando, costurando qualquer rasgo que indique uma falha, um menos-um, uma exclusão. Aqui se desdobra minha questão: como se interpreta na neurose obsessiva, uma vez que a interpretação está mais do lado do corte e o obsessivo do lado da costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose obsessiva? Ali, onde se constitui um im/passe, o obsessivo se oferece em transferência a uma interpretação. Seu texto está ali e não está ali: é nesse jogo de esconde-esconde que o analista se põe a escutar. Isto é, além e aquém do dito. Ali, onde ele escapa, derrapa sem o saber, onde ele não paga, como diz um analisante meu: “não quero pagar pra ver. Sempre paguei caro toda vez que quis ver”. Por mais camuflada que possa parecer a fala do obsessivo, é na miséria das vielas do dito dele que o analista encontra o esconderijo em que se aloja o dizer. Em sua posição de semblante de a, o analista serve-se dos significantes falados por seu analisante e aguarda sua indiscrição, em cuja máscara de inde/cisão o analista faz corte, faz uma cisão. Na análise, o amor vela o desejo, desejo mandado à merda pelo obsessivo em sua fantasia. Lacan (1960-1961), no seminário A Transferência, afirma que, na neurose obsessiva, o que se tem a fazer é restituir a função do desejo. Em outras
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palavras, esvaziar o gozo. Situado no aquém e no além da demanda, o analista desvela o desejo com sua interpretação ali onde o obsessivo goza de ter que ter para dar. Recusando o encontro com a demanda, o analista, como diz Lacan (Ibid., p. 207), não deve “dar nenhum encorajamento, desculpabilização, até mesmo comentário interpretativo que avance um pouco demais”. O analista, no lugar de semblante de objeto a, comparece como aquele que convoca o analisante a des-fiar os fios do texto deste. Diante da renúncia do obsessivo, de sua oposição, expressa na análise por meio de variações diferentes – negação, fala-dicionário, entre outras –, o analista, com seu meio-dizer, se situa numa equivocidade produzida no dizer nada da interpretação, nada de saber, o que permite fazer aparecer e desaparecer o significante. Portanto, ele está lá e não está, o que é uma subversão da tradução. Isso o que permite dar ao obsessivo o que é do obsessivo, seu desejo, e o convoca a acatar esta proposta indecente: o desejo, por se opor ao Todo-Poderoso, é fonte de todos os pecados. É uma afronta ao pai. Contudo, o obsessivo resiste e, diante do corte, do equívoco, que rasga o significante em diversas significações, ele se põe a restituí-lo costurando... costurando. É assim que ele trabalha: é um costureiro que não deixa um furo no pano, com o qual se veste sem escolher, anulando o desejo e a si próprio. Isto porque ele amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação. Esse um a mais de produção constitui o um a menos de gozo do dito do analisando. Lacan (1972), em O Aturdito, diz que, nos ditos do analisante, há um dizer que ex-siste. Ou seja, enquanto o analisante fala, ele o faz para além de uma intersubjetividade imaginária, mesmo sem sabê-lo. Em outras palavras, falando, dizendo, o sujeito situa-se além e aquém daquilo que o determina, a estrutura da linguagem. Essa é a lógica do neurótico, e por mais que esteja o obsessivo em prontidão para suturar a falta no Outro, ele falha, por sua condição de afetado pelo significante, promoção franqueada pelo analista em sua intervenção. O que busca a interpretação, diz Soler (Artigos clínicos, op. cit.,), é justamente esse sujeito. A análise do obsessivo é regida por toda a liberdade que o discurso analítico condiciona. Animado pela transferência, o dito, como valor de demanda, inscreve a ação do analista num pleito por ele coordenado, cuja eleição obedece ao voto de não dizer qualquer coisa. Isso nos lembra Lacan (1963-1964, p. 237), no Seminário 11: “a interpretação não está aberta a qualquer sentido”. Dessa maneira, mesmo que o obsessivo coloque o analista no lugar de mestre à espera da morte deste, identificado a ele, como morto, o analista em sua falta-a-ser interpreta escutando e equivocando o dito para ter como efeito o dizer do analisante, para que ele se diga para além dos ditos, pois, do contrário, a análise irá para o esgoto.
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referências bibliográficas FREUD, S. (1907). Atos obsessivos e práticas religiosas. Trad. Sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.9,p. 109-117). ______. Notas sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos ratos). Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.10. p. 157252). LACAN, J. (1957-1958) O Seminário - livro 5: As Formações do Inconsciente . Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 532p. ______. (1960-1961) O Seminário - livro 8: A Transferência . Tradução Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. 386p. ______. (1962-1963) O Seminário - livro 10: A Angústia . Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 366p. ______. (1963-1964) O Seminário - livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. 2ª ed. Versão brasileira M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 269p. ______. (1956) O Seminário sobre A carta roubada. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 13-66. ______. (1953). Função e Campo da Palavra e da Linguagem em Psicanálise In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 238-340. ______. (1972). O Aturdito In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. p. 448-500. SOLER, C. Artigos Clínicos. Salvador: Fator, 1991. ______. Interpretação: as respostas do analista. [Editorial]. Opção Lacaniana. Vol. 13. 1995. 159p.
resumo
O presente trabalho trata da interpretação na neurose obsessiva, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia. Isto, porque ele amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação. Aqui se desdobra a questão norteadora deste trabalho: como se interpreta na neurose obsessiva, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose
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obsessiva? O equívoco e o corte, entre outros, são exemplos de interpretação dados por Lacan. Privilegiei o corte, por operar no nível de S1 e S2, ou seja, por operar nos intervalos da cadeia significante; e o equívoco, por estar do lado da enunciação. E ambos, por serem, em minha experiência clínica com a neurose obsessiva, os operadores que têm provocado maiores efeitos de escansão e deslizamentos no discurso dos analisantes.
palavras-chave
Interpretação, neurose obsessiva, corte, equívoco
abstract
This paper deals with the interpretation in the obsessive neurosis, developing the idea that on the analyst’s side, tailoring as intervention, finds its counterpoint: a subject who incessantly seeks the sewing as warranty. This happens because he/she ties up the significant as to leave out the one too much introduced in the interpretation. Here the guiding question of the work unfolds: How is the obsessive neurosis interpreted once it sits closer to the tailoring than to the sewing? In such opposition, what does the interpretation of the obsessive neurosis aim at? Are the misunderstanding and the tailoring, among others, examples of interpretation provided by Lacan? I have privileged the tailoring, as it operates at the level of S1 and S2, that is, as it operates in the intervals of the significant chain; and the misunderstanding, for being on the side of the enunciation. And both, for being, in my clinical experience with obsessive neurosis, the operators which have provoked the biggest effects of scansion and slides in the discourse of the analyzed.
keywords
Interpretation, obsessive neurosis, tailoring, misunderstanding.
recebido 07/02/2012
aprovado 28/03/2012
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Espaço da interpretação e inconsciente real Ângela Mucida Introdução Qual é a atualidade da interpretação e em que sentido seu debate pode avançar em formalizações sobre a direção da cura? A primeira resposta, mais imediata e óbvia, é que não existe análise sem interpretação e que, portanto, há que interrogar e atualizar este conceito oferecendo-lhe nova força operacional. Mas podemos supor outro motivo: as indicações de Lacan advindas do final de seu ensino, concernentes ao inconsciente real e sinthoma, com efeitos sobre as maneiras de se conceber os finais de análise e o passe, só puderam ter efeitos de transmissão no a posteriori da própria clínica, ou seja, na medida em que as análises avançaram e uma experiência significativa com o dispositivo do passe pudesse ser recolhida. É a insistência do Real que permitiu a invenção do dispositivo analítico e obriga os analistas a revisitarem sua prática e os conceitos com os quais operam. Freud sustentou sua clínica e com ela forjou seus conceitos a partir do Real incrustado no sintoma, que se interpunha aos propósitos da hipnose de erradicá-lo. Mesmo que o Real não tenha os mesmos desdobramentos em Freud e Lacan, tomado como impossível e limite ao sentido, ele une a clínica freudiana e lacaniana aos dias atuais por meio de uma questão central: como operar com a interpretação tendo em vista o Real fora do sentido? A partir dessa questão extrairemos algumas lições da prática freudiana da interpretação e o tratamento ao real, para retomar com Lacan o que nomeamos o espaço da interpretação e sua relação com o Real fora do sentido.
O real na interpretação freudiana Apesar de Freud não ter articulado o conceito de Real, ele encontra-se em sua obra em diferentes momentos e com diferentes nomes, como limite e impossível de ser traduzido. Nessa direção podemos cunhar diferentes nomes que indicam seu encontro com esse conceito: barra ao sentido (1896/1977, p. 317-324), ponto
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nodal, núcleo patogênico, umbigo do sonho, ponto de fixação, fixação libidinal, resistência terapêutica negativa e rochedo da castração são alguns dos termos que definem na prática freudiana o real como impossível. Foi a partir disso que não se modifica e resiste que Freud fora obrigado a rever sua prática em cada momento, inventando maneiras de operar com o tratamento do mal-estar subjacente aos sintomas. O Real incrustado no sintoma ofereceu-lhe as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. Ao tentar extrair o sintoma, Freud se deparou com algo resistente levando-o a abandonar a hipnose e a inventar estratégias de condução do tratamento com um uso inédito da interpretação dos sonhos. Aprende-se com ele que a interpretação, aliando-se ao inconsciente e ao sintoma, implica sempre o discurso do sujeito e, portanto, não opera sem considerar a noção de Real em jogo também na transferência. É frequente igualar a interpretação freudiana à busca do sentido. Mesmo que isto toque a verdade, essa relação não nos parece tão simples, já que o próprio Freud alertou em diferentes momentos de sua obra para os riscos de intervenções que ofereçam sentido aos sonhos e aos sintomas. Já nos primórdios de sua clínica ao destacar a confluência de vários sintomas em um mesmo núcleo patogênico, Freud acentua: Se tivermos que iniciar uma análise desse tipo, na qual temos razão em esperar uma organização de material patogênico como esse, seremos ajudados pelo que a experiência nos ensinou, ou seja, que é inteiramente irrealizável penetrar direto no núcleo da organização patogênica. Mesmos que nós próprios pudéssemos adivinhá-lo, o paciente não saberia o que fazer com a explicação oferecida a ele e ele não seria psicologicamente modificado por ela (1893-95/1974, p. 348-349). Ao longo de sua experiência clínica ele não cessa de indicar inúmeras vezes os limites da interpretação e seus efeitos sobre a resistência ao tratamento e o acirramento do sintoma. Por exemplo, sua obra princeps sobre a interpretação, A interpretação dos sonhos (1900-1901/1972), nos dois volumes que a compõem encontramos inúmeros indicativos sobre sua maneira inédita de operar com a interpretação. A primeira lição foi de apreender o sonho como um texto que só toma sentido a partir das associações do sonhador. Nessa direção o inconsciente iguala-se à interpretação, e a função do analista é, a partir da associação livre, abrir novos sentidos, mas com o cuidado de não exceder na valorização e interpretação dos sonhos. Em O manejo de sonhos na Psicanálise (FREUD, 1911/1969, p. 119-127) lemos que quando o analista se dedica demais à interpretação dos sonhos, o analisante traz cada vez mais sonhos enigmáticos, ofertando-os a ele à espera de mais senti-
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do, o que leva à resistência e ao fechamento do inconsciente. Tentar esgotar rapidamente a análise de um sonho ou do sintoma, oferecendo-lhes sentido, é fechar o espaço à intervenção do analista. Dessa forma, se uma análise não se faz sem a interpretação, esta pode funcionar contra a própria análise. Freud nos deixa a lição de que os sonhos se constituem em sua própria interpretação. Dessa forma, ele se interessou muito mais do que verificar o conteúdo latente ou manifesto do sonho, escutar o funcionamento do inconsciente a partir do campo da linguagem. Os sonhos, como produção do inconsciente, da mesma forma que os sintomas, contêm um núcleo resistente à interpretação. Essa fixidez, nomeada nos sintomas, de núcleo patogênico; e nos sonhos, de “umbigo do sonho”, demonstra que nem tudo pode ser interpretado. Freud percebe que havia uma interpretação primeira oferecida pelo próprio inconsciente. Nessa direção, no caso Schreber é acentuado que: Mesmo nos estádios posteriores da análise, tem-se de ter cuidado em não fornecer ao paciente a solução de um sintoma ou a tradução de um desejo até que ele esteja tão próximo delas que só tenha de dar mais um passo para conseguir a explicação por si próprio (FREUD, 1911/1969). De modo similar ao que ele afirmara sobre os sintomas,1 ele acentua que a análise de um único sonho, levada ao seu limite, equivale à análise inteira. Aprende-se com ele que a via régia de acesso aos sonhos e as trilhas que formam os sintomas não são totalmente transitáveis pela interpretação. Seguindo esse ponto resistente à interpretação, ele acentua o valor clínico da resistência terapêutica negativa e aquilo que opera contra a interpretação e a cura; a força da repetição aliada ao recalque originário e a força da satisfação obtida pelo sintoma. Na Conferência XVIII (1916-17/1976), ao associar a neurose a uma espécie de ignorância, e acentuando que não se trata de qualquer ignorância que possa ser suplantada pelo saber ou o conhecimento, Freud nos abre outra via ao estatuto da interpretação na direção do tratamento; algo no sujeito já sabe, mas não quer saber. Com efeito, esse não saber não pode ser tratado por uma interpretação que vise ao sentido, pois: Saber nem sempre é a mesma coisa que saber: existem diferentes formas de saber, que estão longe de serem psicologicamente equivalentes. (...) Se o médico transferir seu conhecimento para o paciente, na forma de informação, não se produz nada. (...) o conhecimento deve basear-se numa modificação interna do paciente ( p. 332). 1 “(...) fazer um relato da resolução de um único sintoma equivaleria, de fato, à tarefa de relatar um caso clínico inteiro (FREUD, Etiologia da histeria [1896 a], 1976, p. 223).
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Tudo isso demonstra que, não apenas ele estivera atento aos usos da interpretação e seus limites, mas soubera indicar por meio da resistência terapêutica negativa, por exemplo, o real resistente à interpretação e ao sentido, interrogando o que resta ao analista quando o sintoma leva a melhor. Perseguindo essa via ele descobre que o sintoma constituía uma solução que o sujeito não queria, ou não podia se livrar facilmente e que, portanto, qualquer interpretação que incidisse diretamente nesse laço sintomático só levaria a análise ao pior.
O espaço do lapso Partindo-se da frase de Lacan que se tornou um paradigma para se pensar a tese de inconsciente real: “Quando o espaço de um lapso não comporta mais nenhum sentido (ou interpretação), somente aí se pode estar seguro de estar no inconsciente” (LACAN, 1976/2001, p. 571), propomos discutir essa indicação com o que nomeamos espaço da interpretação. Antes de nos atermos a essa hipótese de leitura, torna-se necessário destacar alguns dos possíveis desdobramentos da noção do “espaço de um lapso”. Se o inconsciente apresenta-se apenas quando “o espaço de um lapso não encontra mais nenhum sentido (ou interpretação)”, conclui-se de imediato um corte entre interpretação e inconsciente real; este está onde a interpretação não pode chegar; são avessos, já que o real aí em causa, fora do sentido, constitui-se corte à função interpretativa, pondo termo à satisfação atrelada à verdade. Mas, se o inconsciente real não é algo que surja apenas no fim de uma análise, mas faz irrupções em todo seu curso, isto impõe ao analista saber operar com essa barra ao sentido, bem como saber conduzir a análise a esses pontos fora do sentido. Por conseguinte, faz-se necessário entender melhor essa junção entre espaço e lapso. Encontramos no ensino de Lacan diferentes usos desse conceito, sejam no sentido usual, físico, filosófico ou acoplado a diversos conceitos dentro da psicanálise, impedindo uma leitura unívoca do mesmo. Não procederemos a uma pesquisa exaustiva desse conceito, mas destacaremos apenas alguns indicativos, tomados em períodos diferentes, que possam nos auxiliar a análise da frase de Lacan supracitada. No Seminário 1 (1953-1954/1986, p. 168-186), por exemplo, Lacan faz uso de diferentes noções de espaço, aliadas aos conceitos de real, imaginário e simbólico, bem como ligadas à noção de vazio, virtual e de história. Chama-nos à atenção a relação entre espaço e as categorias de real, imaginário e simbólico, já que estas se constituem os pilares que sustentam a realidade psíquica e tomam em seu ensino o caráter de Real; o nó como Real. Nesse sentido, é importante salientar que
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essas categorias percorrem o ensino de Lacan desde muito cedo, apresentando-se em vários seminários em meados dos anos 1950. Mesmo que nesse momento ele não tenha articulado a ideia de nó borromeano enlaçando-as, já é afirmado nessa época uma “interseção” necessária – termos utilizados por ele –, entre o real, imaginário e simbólico.2 Em As formações do inconsciente (LACAN, 1957-1958/1999), a noção de espaço conjuga-se à de campo da linguagem; o inconsciente estruturado como linguagem é definido também como espaço do insconsciente. Outro termo que surge nesse momento é o de “espaço psicológico” que se desdobra em espaço da metáfora e da metonímia (Ibid., p. 153), além da noção de espaço topológico. Alguns anos depois, no Seminário 11 (1964/1993), Lacan retoma a noção de espaço para nomear a outra cena do inconsciente, enquanto fenda, corte, algo de não realizado. Observa-se uma concepção de espaço atravessada também pelo Real. Nessa direção, em Mais ainda (1972-1973/1982), temos o “espaço do gozo” – definido por ele como o campo lacaniano –, constituído por três dimensões (dit-mansions) determinadas pelo enodamento entre real, imaginário e simbólico. A ideia de um espaço constituído de três dimensões repete-se em todos os seminários subsequentes nos quais Lacan faz uso desse conceito. Em Les non-dupes errent (1973-1974), lição de 13 novembro, por exemplo, ao retomar essa ideia ele acrescenta que esse espaço habitado por seres falantes implica que as três categorias real, imaginário e simbólico estejam estritamente semelhantes. Lemos que “semelhantes” não implica ser iguais, mas como é definido posteriormente em R.S.I. (1974), uma dessas dimensões contém o buraco do simbólico, a consistência do imaginário, e é atravessada, podemos pensar, pelo espaço da ex-sistência.3 O espaço enquanto sensível, ao mínimo de três dimensões, é novamente discutido em R.S.I. (Lição 10, de dezembro). Vale destacar, por fim, a referência ao seminário O sinthoma (1975-1976/2005), da mesma época do Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 (1976). Nesse momento, ao discutir a questão do verdadeiro e do real, e afirmando que este se encontra nos “emaranhados do verdadeiro” levando-o à ideia de nó, Lacan acentua que: “Não há nenhum espaço real. Trata-se de uma construção puramente verbal soletrada em três dimensões (...)” (p. 83). Sobre a coabitação, vamos dizer assim, entre espaço e lapso, nos valemos mais uma vez de uma indicação de Mais ainda (op. cit.):
2 A propósito, remetemos o leitor a Lacan, “Resposta a Jean Hyppolite sobre a Verneigung de Freud”. In: Escritos, 1998, p. 385. 3 De forma simplificada, a ex-sistência, implica isto que gira ao redor da consistência fazendo intervalo, ou seja, delimita algo sem ordem e impossível de ser dito.
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É a título de lapso que aquilo que significa alguma coisa, quer dizer, que aquilo pode ser lido de uma infinidade de maneiras diferentes. Mas é precisamente por isso que aquilo se lê mal, ou que se lê través, ou que não se lê (p. 51-52). Dessa rápida retomada podemos extrair algumas consequências. Primeiro, a noção de espaço em três dimensões implica pensar não apenas o campo do sentido dado pelo par significante S1-S2, mas também os efeitos de consistência e o atravessamento do real sobre o espaço da interpretação. Por outro lado, o espaço do lapso comporta, no dizer de Lacan, uma infinidade de leituras diferentes que têm como efeito uma má leitura. Mas, lemos que não é o conceito de espaço em si que se atrela ao campo interminável do sentido e da historicidade, já que este contém as três dimensões e é atravessado pelo corte do Real, mas é a própria estrutura do lapso que demanda mais e mais sentido. A escolha de Lacan, do paradigma do lapso, e não de outra formação do inconsciente, como os sonhos, e sobretudo do sintoma tomado no singular, ocorre porque neste, ao contrário de outras formações do inconsciente, persiste algo duradouro, primário ou fixado, efeito do recalque originário, que impõe limites precisos à interpretação. Os lapsos, ao contrário, são abertos ao sentido e a infinitas leituras, se prestando melhor, a nosso ver, para sinalizar o inconsciente verdade e colocar em causa isso que é da ordem do inconsciente real; o limite à interpretação e à cadeia de sentido. Desse modo, enquanto o espaço do lapso é o espaço onde se veicula a abertura do inconsciente, necessária a uma análise, o inconsciente real apresenta-se nos pontos de fechamento do inconsciente. O espaço da interpretação deve trabalhar abrindo o inconsciente para levar o analisante aos pontos nos quais nenhuma interpretação seja possível. E mais, se a interpretação só é interpretação pelos efeitos que ela produz, podemos supor que ela só opera ao considerar as três dimensões imbricadas no espaço. Supor que só se entra no inconsciente quando o espaço de um lapso “não comporta mais nenhum sentido (ou interpretação)” (1976, op. cit. p. 567) é afirmar ainda o tempo necessário de uma análise que vai dos infinitos sentidos ao fora do sentido. Isto só ocorre porque a interpretação, enquanto espaço, acentuamos novamente, opera pelas três dimensões. Na realidade, podemos ler com Lacan que o analista trabalha com as formações do inconsciente para chegar ao inconsciente e que não há outra maneira de operar com o Real. Mas, “estar seguro de estar no inconsciente” não implica que ali seja o fim de uma análise, pois, além de muitas idas e vindas passando pelo inconsciente real, faz-se necessário que o ser falante possa extrair desse percurso um saber lidar com o Real fora de qualquer sentido e que isto tenha efeitos sobre o espaço de seu
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gozo e a satisfação obtida com seu sintoma. Resta-nos pensar ainda como valer-se do espaço da interpretação para levar uma análise ao inconsciente real e a uma análise finita. Ensaiemos pequenos indicativos a essa questão tão complexa.
Espaço da interpretação e inconsciente real Primeiro, vale acentuar que a tese do inconsciente real tem desdobramentos sobre o conceito de real, simbólico e imaginário bem como incide sobre todos os conceitos fundamentais com os quais operamos. No que tange à nossa reflexão, tomemos inicialmente a questão do sentido e do fora do sentido. Pode-se ler com Lacan a existência de um simbólico aliado à representação, ao sentido ou à verdade no qual um significante chama por outro, como é disposto no discurso do mestre: S1à S2. Ou seja, são Uns que entram na cadeia significante demandando outros significantes. Todavia, temos outra indicação em Mais ainda que define a interpretação como o saber no lugar da verdade, tal como se lê no discurso do analista: Agente Verdade
Outro Produto
a $ S2 // S1
De que S2 (cadeia de saber): pode-se indagar sobre qual saber (S2) se trata nesse discurso, já que ele se encontra sob a barra do recalque e sem acesso ao sujeito? Para entender essa definição de interpretação, devemos cotejá-la com a tese desenvolvida nesse mesmo seminário, que nos leva a pensar a existência também de uma noção de simbólico acossada ao real da alíngua.4 Trata-se, nesse caso, da existência de S1s que não se associam a nada. Os Uns da alíngua – língua original, arcaica ou fundamental – são fora do sentido, em estado bruto, que não formam cadeia e são arredios ao campo da verdade e da historicidade. Se do discurso do mestre pode-se extrair a concepção de um sujeito como efeito dos significantes, efeito dos discursos, representado por pelo menos dois significantes, S1 e S2, temos a partir das teses desenvolvidas no seminário supracitado, a concepção também de um ser que fala e que se encontra fora da representação e os dois não se anulam. 4 Conforme Lacan, “Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação. É o que a experiência do inconsciente mostrou, no que ele é feito de alíngua, essa alíngua que vocês sabem que eu escrevo numa só palavra, para designar (...) alíngua dita materna(...)” ( Mais ainda, op. cit., p. 188).
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Nesse sentido, Soler (2009), tomando a estrutura do discurso do mestre, dispõe de maneira interessante essas duas maneiras dos S1s se apresentarem. O sujeito S1 $
Seu insconsciente S2, saber inconsciente (S1(S1(S1 (S2))))) S2 decifrável
S2 da alíngua
Verifica-se, pois, que o saber no lugar da verdade implica nesse momento um saber sem sujeito, diferentemente do S2 decifrável dispostos no discurso do mestre. “De onde a alíngua aparece como a grande reserva de onde a decifração extrai apenas alguns fragmentos” (SOLER, 2009, p. 24). Isto exibe de maneira clara porque a interpretação encontra seus limites na alíngua ou no que Lacan denomina de inconsciente real. Entretanto, é pela existência da alíngua que alguns fragmentos são extraídos de uma análise e o ser falante pode se nomear identificando-se ao seu sinthoma.5 Isso esclarece porque o passe foi a solução lacaniana para demonstrar que o produto de uma análise é um saber sem sujeito e se trata sempre de uma transmissão não integral. A noção de fora do sentido incide também sobre diferentes versões de Real. Este pode ser analisado como interno ao simbólico da linguagem na medida em que esta se liga a “alguma coisa que no real faz furo” (LACAN, 1975-1976/2005, op. cit., p. 3). Intrínseco à linguagem, esse real “(...) faz acordo” (Ibid., p. 40), podemos dizer faz nó ou é o próprio nó. Mas a noção de Real fora do sentido foraclui, termo de Lacan, a copulação entre o simbólico e o imaginário (campo do sentido), assim o “real é” (Ibid. p. 117). Esse real não se liga a nada, “(...) é sem Lei” (Ibid. p. 133) ou seja, ele é aquilo que “(...) parasita o gozo” (Ibid. p. 71) e apresenta-se sob forma de afetos enigmáticos.6 O Real fora do sentido, como sinaliza Badiou (2010), distingue-se do não sentido. Pressupor um não sentido implica colocar ainda em cena um sentido, enquanto o fora do sentido implica a inexistência de sentido que toca a inexistência da relação sexual, quer seja, o fora do sentido, ab-sens, traduzido por Lacan como ab-sexe. Lembramos que depois de 1973 o sentido é abordado por ele como um nó que inclui o sentido, o não-sentido e o efeito de sentido. Há um saber como efeito de
5 Esse conceito tem diversas leituras ao longo do seminário O sinthoma (1975-1976), mas em termos gerais ele implica o quarto nó que enoda R.S.I., possibilitando que eles fiquem juntos, enodados. Ele se define, sobretudo, por seu caráter de singularidade e foi isso que interessou a Lacan a escrita singular de Joyce. 6 A propósito, remetemos o leitor a Lacan. O seminário. Livro 20. Mais ainda (op. cit., p.188-197).
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sentido e permite ser decifrado. O não-sentido é o que permite o equívoco e não apenas o que se contrapõe ao sentido, mas isso se difere ainda do fora do sentido. Tudo isto toca o espaço da interpretação. Nessa lógica do sentido e do fora do sentido Lacan distingue diversas modalidades de interpretação: pontuação, semidizer, enigma, corte, apofântica dentre outras. Todas elas tocam, de alguma forma, o espaço da interpretação, mesmo que não exatamente o Real fora de sentido. A propósito, ao discutir a questão de como seria uma sessão ajustada ao inconsciente real, Soler (2009) nos traz algumas reflexões a uma prática que pretenda ser sem (barvadage) verborreia; para além do blá-blá-blá. Ela acentua que a questão não é em si a durabilidade da sessão analítica ou mesmo se ela é curta ou variável, mas o seu fim. Com efeito, há interpretações conclusivas sinalizando um ponto de amarração da sessão bem como aquelas que questionam relançando o sentido, mas há também fins suspensivos que não concluem e nem questionam, mas cortam a cadeia associativa (SOLER, 2009, p.87-88). Enquanto as duas primeiras fazem parte da historicidade necessária de uma análise, somente as duas últimas tocam o Real e podem ser pensadas com Lacan como apofânticas no sentido do oráculo: “(...) não revela nem esconde, mas faz signo” (Ibid. p. 88). Se o analista trabalha na tentativa de atingir o dizer, ou seja, isto que surge por detrás do dito ou da cadeia significante para chegar ao inconsciente real, isto implica a passagem pelo sentido e a historicidade, mas nessa passagem há irrupções do real fora do sentido e que pode levar, inclusive, o analisante a saídas da análise por tudo que isso monopoliza de horror ao saber ou horror ao que Freud nomeou como resistência terapêutica negativa. Para finalizar e tendo em mira a questão de como trabalhar com o inconsciente real ou com afetos enigmáticos, arredios à interpretação, com uma prática que pressupõe também o sentido e a interpretação, nos valemos de uma indicação de Lacan ao distinguir orientação e sentido. O sentido inclui um real que copula com o simbólico e o imaginário, mas a orientação é outra coisa, ela é da ordem do real fora do sentido. Todavia, se a orientação de uma análise é o fora do sentido, ela não se processa sem o sentido, mas este é furado pelo real. Nesse mesmo seminário, O sinthoma, a psicanálise é definida como “(...) um curto-circuito passando pelo sentido” (op. cit., p. 118), curto-circuito que passa, pois, pela linguagem. É interessante esse termo, pois o curto-circuito implica a passagem de corrente elétrica acima do normal e que, geralmente, causa alguns danos nos elementos envolvidos. O curto-circuito não deixa o sistema impune, e isto tange de perto o que sinalizamos sobre o espaço da interpretação ao cingir sentidos e consistências, ele abre também inúmeras dissonâncias que permitem à análise chegar a pedaços do Real.
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Lacan acentua que os joycianos se ocupam dos enigmas, tentando decifrá-los. Sabemos que a obra de Joyce colocou enigmas, porque foi escrita como alíngua. Mas os analistas, diferentemente dos joycianos, não podem se ater à decifração dos enigmas, o que levaria a análises infinitas ou ao espaço infinito do lapso. Com efeito, “Encontrar um sentido implica saber qual é o nó, e emendá-lo bem graças a um artifício” (Ibid. p. 71). O que supõe saber suportar o real fora do sentido. Contudo, Lacan nos alerta que “(...) corremos o risco de tartamudear, se não soubermos onde a corda termina, ou seja, no nó da não-relação sexual” (Ibid., p. 70), ou seja, no real fora do sentido. A análise tem de suportar o espaço dos lapsos onde a historicização abre alguns sentidos para levar o sujeito aos efeitos da alíngua, ao real fora do sentido, promovendo, como proferiu Lacan em 1977, um “saber e fazer” algo com o real que parasita o gozo, com efeitos sobre a satisfação. Ou, de outra maneira, trata-se de ajudar o ser falante a se desembaraçar no mundo que “não é definitivamente um mundo de representação, mas um mundo de escroqueria” (LACAN, 26/02/1977).
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resumo
Foi a insistência do Real incrustado no sintoma que ofereceu a Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. É pela existência do Real fora do sentido que Lacan forjou a tese do inconsciente Real, abrindo novas maneiras de se pensar o campo da interpretação. Nessa direção, a partir da referência de Lacan sobre o “espaço do lapso”, o artigo discute a hipótese de um espaço da interpretação como forma de contextualizar o estatuto da interpretação e o inconsciente real, tendo como suporte a questão: como operar com a interpretação com um Real fora do sentido?
palavras-chave
Real, inconsciente real, espaço, lapso, interpretação.
abstract
It was the insistence of the Real embedded in symptom that offered Freud the coordinates to the invention of the analytical device. It is through the existence of the Real outside the sense of what Lacan coined the theory of the unconscious Real, creating new forms of thinking about the field of interpretation. In this direction, departing from Lacan’s reference to «the space of the lapse», the article discusses the hypothesis of a space of interpretation as a way to contextualize the statute of the interpretation and the unconscious real, founded on the question – how to deal with the interpretation with a Real out of the sense?
keywords
Real, real unconscious, space, lapse, interpretation.
recebido 16/02/2012
aprovado 27/03/2012
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entrevista
Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco por Silvana Pessoa A Equipe de Publicação da Stylus (EPS 2011-12), sob minha coordenação, decidiu concluir sua gestão entrevistando a atual diretora da EPFCL – Brasil por considerar um momento oportuno de transmissão de uma experiência, haja vista que em breve haverá uma nova permuta da Comissão de Gestão de nossa comunidade de Fóruns. Não só por isso, mas também para homenagear a recém-criada Rede de Psicanálise & Criança e, last but not least, para acolher e divulgar o recém-lançado livro de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do tratamento na análise com crianças. A ela, e a todos os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos a confiança e apoio na realização de nosso trabalho. Silvana Pessoa: Prezada Ana Laura, sabemos que você já esteve numa comissão de gestão como Secretária no início da nossa Associação em 2002, e, agora, mais uma vez, está na Comissão de Gestão (CG), desta vez como diretora da EPFCL –Brasil. Poderia nos falar dos principais avanços e impasses da nossa instituição desde então? Ana Laura Prates Pacheco: Sim, eu fui Secretária da Comissão de Gestão da AFCL (EPFCL-Brasil) com Ângela Mucida (FCL-BH) como Diretora, e Eliane Schermann (FCL-RJ), como Tesoureira. São dois momentos bem distintos, tanto no nível pessoal, quanto no da nossa associação. De fato, naquela época vivíamos um tempo de construção de uma nova associação nacional no Brasil. Era ainda um momento bastante reativo às dificuldades institucionais enfrentadas no Campo Freudiano, com o qual havíamos rompido para criar o Campo Lacaniano. Não havia consenso, muito menos unanimidade a respeito da necessidade de nos associarmos em nível nacional. Muitos preferiam priorizar o funcionamento dos Fóruns em suas cidades e estados, como resposta a uma experiência institucional anterior bastante centralizadora. A criação da AFCL como associação de membros e não de fóruns, dessa forma, foi uma solução de compromisso, que preservava a autonomia dos fóruns locais. Isso possibilitou sua existência, por um lado, mas por outro nos trouxe várias questões com as quais estamos nos havendo até hoje, embora nos últimos anos tenhamos avançado muito. O fato é que naquela época, no início dos anos 2000, a confiança entre os membros da AFCL ainda estava em processo de construção, uma construção que só um tempo de traba-
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lho comum possibilita. Nossa candidatura representava um grupo maior, com colegas de vários fóruns, que vinha debatendo a importância de não recairmos em erros passados, e não repetirmos a primazia de um discurso único em nossa associação. Havia, eu diria, uma espécie de fobia do Um, tendendo, às vezes, a certa paranoia: víamos o Um em todos os lugares (risos). Mas, ao mesmo tempo, estávamos legitimamente preocupados em garantir a democracia e a expressão de múltiplos estilos e sotaques. Fizemos uma chapa composta por membros de três fóruns distintos, um arranjo muito difícil em termos administrativos, mas que na ocasião tinha um intuito de pontuar essa pluralidade. Para mim, foi uma experiência importante, um aprendizado institucional. Trabalhamos muito, como todos os colegas que já passaram por essas funções. Atualmente, penso que há vários avanços notáveis em nossa associação, fruto justamente desse trabalho comum, principalmente em relação à articulação entre os fóruns locais e o nacional, de modo que a EPFCL – Brasil represente hoje o conjunto dos fóruns no Brasil, ou seja, configure-se como um fórum nacional. Como eu disse no relatório que apresentei no primeiro ano da minha gestão atual como Diretora: “A comunidade brasileira da EPFCL – Brasil é ampla, heterogênea e complexa. É composta de colegas oriundos de diversas filiações transferenciais e experiências formativas incomensuráveis, que geram uma dificuldade crônica de reconhecimento mútuo (quando não uma desconfiança recíproca e paralisante). Uma associação nacional precisa tentar conseguir – sem a pretensão benthaniana ingênua de uma lógica distributiva sem restos – contemplar essas diversas representações locais, suportando essa diversidade (que é ao mesmo tempo nosso maior problema e nossa virtude mais frutífera). Não precisamos de panópticos ou regras estanques, burocráticas e engessadas, que proclamem a inútil tentativa de administrar o real, mas de princípios coerentes com nossa orientação pelo real, que não exclua, entretanto, a decisão e o ato diante de cada situação que se apresenta”. Essa foi a nossa tentativa com a atual Comissão de Gestão. Silvana Pessoa: Tenho escutado de forma recorrente, durante os nossos encontros institucionais, comentários elogiosos a essa gestão formada por você, Sandra Berta e Beatriz Oliveira, e, por vezes, interrogam-nos se vocês não pensam em continuar. Sabemos que a reeleição estatutariamente não é possível. Todavia, que legado você, como diretora, gostaria de passar para os demais que a sucederão? De outra maneira, quais foram as importantes decisões que precisam ser passadas adiante? Ana Laura Prates Pacheco: Gostaria de aproveitar essa oportunidade oferecida pela revista Stylus para agradecer os elogios e incentivos que temos recebido durante a nossa gestão. Para mim, está muito claro que só pudemos fazer esse trabalho porque temos – Sandra, Beatriz e eu – uma afinidade pessoal, política e
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institucional muito grande; além da incrível disposição ao trabalho de minhas colegas de gestão. Foi uma conjuntura muito favorável, as três estarem disponíveis naquele momento para montar uma chapa. Nem sempre isso é possível, depende de muitas variáveis. É evidente que não podemos fazer disso um universal, muito menos uma regra, mas de fato, a partir dessa experiência, considero desejável, e talvez até recomendável que as comissões de gestão possam trabalhar assim. A gestão de uma associação como a nossa é algo muito complexo, que exige muito trabalho, dedicação e esforço. Não somos administradores, nem contadores, nem políticos. Somos psicanalistas. Isso nos traz inúmeras dificuldades, e está longe de ser um problema apenas brasileiro. Vimos recentemente na última Assembleia da IF, no Rio de Janeiro, as dificuldades para encontrarmos uma organização internacional. Além disso, a responsabilidade é enorme, pois temos que lidar com a questão do gerenciamento financeiro, jurídico etc. Mas as maiores dificuldades estão em outro lugar, estão exatamente no tratamento da diversidade e dos inúmeros impasses que surgem daí, o que é mais do que natural e não deve de modo algum ser eliminado. Os impasses são intrínsecos ao laço social e espera-se que os psicanalistas possam lidar com isso de um modo que não leve ao pior. Bem, no nosso caso, optamos por oferecer um tratamento formal. Não podemos nos esquecer de que somos um país que viveu muitos anos sob uma ditadura militar e que ainda sofremos as consequências disso no plano da sociedade civil. Há uma tendência crônica de gerir a coisa pública (república) como se fosse algo privado, particular, e sem querer passamos a achar isso natural. Essa confusão entre o público e o privado, que nem sempre é mal intencionada, cria um estilo que ora tende ao antigo coronelismo, ora ao individualismo. Ora, as associações psicanalíticas não estão imunes a isso, e Lacan chama a atenção para o risco de o psicanalista “autoritualizar-se” – que é diferente do autorizar-se. Então o tratamento formal foi o modo que encontramos para lidar com esses impasses. Veja: não se trata de burocracia, até porque nossos Princípios Diretivos e nossos Estatutos são muito enxutos. Eles nos fornecem princípios e diretrizes que nos orientam, mas o tempo todo foi preciso interpretá-los para aplicá-los ao dia a dia institucional. Quanto à reeleição: até pela minha história e trajetória pessoal, sou uma defensora intransigente da democracia e da pluralidade. Sabemos que a democracia por si mesma não garante a psicanálise, longe disso. Mas por outro lado, sem ela, não vamos muito longe. Embora, seria ainda preciso nos perguntar de qual democracia estaríamos falando. É toda uma discussão política muito complexa, que talvez em algum momento precisássemos abrir. Nesse caso específico, não sou favorável à reeleição. Pode ser que algum dia eu mude de ideia quanto a isso, a depender dos rumos que a situação da psicanálise irá tomar no Brasil e na EPFCL. De qualquer forma, acho que a permutação é um dos princípios mais importantes da Escola
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de Lacan. E nossa associação não deixa de ser o suporte da Escola. Além disso, apostar mais no funcionamento do que nas pessoas, é outro legado que Lacan nos deixou, e é preciso levar isso a sério. Por isso fizemos questão de deixar princípios, de formalizar os trabalhos que fomos construindo com a comunidade, pensando sempre nas funções e não nas pessoas que as ocupam, e isso em vários âmbitos: na Comissão de Acolhimento e Intercâmbio, na Equipe de Publicação e Divulgação, no Conselho Fiscal, na Revista Stylus, na relação com os Fóruns, e assim por diante. Espero, sinceramente, que as próximas gestões possam dar continuidade a esse trabalho. Silvana Pessoa: Conhecendo de perto seu trabalho, constatamos que é uma trabalhadora decidida da causa analítica. Sabemos que, além da implantação da Rede Clínica do Fórum São Paulo, você participou ativamente da implantação da Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância neste Fórum. Também temos conhecimento de iniciativas tão importantes quanto essa em outros Fóruns, como a Rede de Psicanálise com crianças no Rio de Janeiro e a Rede Pião, em Salvador. Qual a importância da criação da Rede Nacional de Psicanálise e Criança? Ana Laura Prates Pacheco: A implantação da Rede Clínica do Fórum São Paulo foi fruto do esforço de muitos colegas, principalmente aqueles envolvidos nas coordenações das redes de pesquisa, que já existiam há muitos anos. Minha contribuição foi a de ajudar a coordenar esse trabalho e colocar a Rede em funcionamento. Hoje, estamos colhendo frutos muito interessantes e importantes em relação à construção do caso clínico, e espero que em algum momento isso possa ser publicado. Quanto à Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância, foi uma iniciativa que tomei logo no início da criação do Fórum São Paulo. No início, contei com a ajuda de Ana Cláudia Fossen, e quando ela foi para a Espanha, convidei Beatriz Oliveira, que coordena a Rede comigo até hoje. Esse trabalho já havia se iniciado antes, ainda no Campo Freudiano. Em São Paulo, especificamente, destaco, sobretudo, a iniciativa de Helena Bicalho. Nós demos continuidade a essa trilha que já estava aberta. O mesmo ocorreu em outros Fóruns do Brasil, como você mencionou, na Rede de Psicanálise com Crianças do Rio de Janeiro – onde há inclusive a revista Marraio – e na Rede Pião em Salvador. Nessas cidades, Maria Anita Carneiro Ribeiro e Sonia Magalhães, assim como outros colegas, também já desenvolviam um trabalho no Campo Freudiano. Em outras cidades, mesmo sem a criação de uma rede de pesquisa específica, há vários colegas trabalhando com a questão. Daí a importância da criação da Rede Brasil de Psicanálise & Criança da EPFCL – Brasil. No fundo, trata-se de algo bastante paradoxal. Há algo de sintomático no fato de termos que criar uma rede com a finalidade de debatermos as questões relativas à Psicanálise com crianças. Aliás, essa é a razão pela qual optamos por denominá-la “Rede de Psicanálise & Criança”. Trata-se de um conectivo
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
lógico que aponta a um só tempo para uma conjunção e uma disjunção, já que criança não é um conceito psicanalítico e não existe uma especificidade chamada “Psicanálise de crianças”. Assim, não deixa de ser irônico que ainda seja necessário criar uma rede própria para sustentar a unidade da clínica, como diziam Rosine e Robert Lefort. É o mesmo paradoxo da inclusão, que é tão atual: se falamos em inclusão, é porque há exclusão, trata-se de pares ordenados. Da mesma forma, só podemos falar em criança, se consideramos a oposição criança-adulto, o que não faz sentido para a psicanálise, já que desde Freud o desejo é sexual e infantil e, desde Lacan “não existe gente grande”. Constatamos, portanto, que a novidade da psicanálise ainda não foi suficientemente assimilada pela cultura, e mesmo pela comunidade analítica. Penso que a resistência à sexualidade infantil é a resistência à própria Psicanálise. Silvana Pessoa: Certamente a sua vasta experiência na pesquisa e na clínica com crianças foi determinante para a escrita do seu recém-lançado livro na Argentina pela Letra Viva: De la fantasía de infancia a lo infantil de la fantasía: la dirección de la cura en el psicoanálisis con niños. Podemos ter esperança de vê-lo lançado aqui também no Brasil? Ana Laura Prates Pacheco: Sua pergunta aponta para algo bastante delicado, que diz respeito ao mercado editorial brasileiro, especialmente no campo das Humanidades e, mais especificamente, no campo da Psicanálise. Essa questão é tão complexa, que excederia muito os limites dessa entrevista. Apenas comento que não deixa de ser irônico que trabalhos de psicanalistas brasileiros estejam sendo publicados primeiro no exterior. Meu livro não é o único caso. Por outro lado, há um movimento novo, de interesse internacional pela produção feita no Brasil, escrita em português, que infelizmente não é uma língua muito conhecida, nem sequer por nossos irmãos latino-americanos. Acho que isso se deve não apenas ao inegável avanço da Psicanálise no Brasil nas últimas décadas, mas também ao lugar que o Brasil passou a ocupar no cenário político internacional de dez anos para cá. Por esse ângulo, vejo como uma coisa muito positiva o lançamento desse livro, e não só no plano pessoal. Mas é claro que para mim, especialmente, está sendo um momento muito gratificante, um reconhecimento inestimável de meu trabalho. E sou muito grata aos colegas da FARP que me convidaram em 2007, num momento muito especial da minha vida e da minha formação analítica, para apresentar meu trabalho lá: o amigo Gabriel Lombardi, Cristina Toro e Silvia Migdalek. Foi a partir dessas apresentações que Pablo Peusner, a quem sou extremamente grata, começou a se empenhar para que meu livro fosse publicado pela Letra Viva. E agora, cinco anos depois, voltarei a Buenos Aires para lançar o livro na FARP, desta vez a convite do novo amigo Marcelo Mazzuca. Estou muito feliz! Quanto ao lançamento no Brasil, está previsto para novembro de 2012, pela
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coleção Ato analítico, da Editora Annablume. Silvana Pessoa: No quinto capítulo do seu livro você trata do título escolhido, ou seja, da direção do tratamento psicanalítico de forma vetorial: “da fantasia de infância ao infantil da fantasia”. O que poderia nos dizer neste momento sobre a “fantasia de infância”? Ana Laura Prates Pacheco: Essa é uma questão muito interessante, que me mobiliza bastante. Por um lado, temos o ideal moderno, que Lacan chama no Seminário 7 de “ideal da não dependência”. Trata-se da ideia de progresso, de desenvolvimento, tributária da Modernidade e do advento do Discurso Universitário. É o ideal do adulto pronto, acabado, maduro, desenvolvido. Ou, em vocabulário psicanalítico: o sujeito neurótico bem constituído. Lacan adverte os psicanalistas que atendem crianças a respeito dos riscos desse ideal. A esse ideal corresponde, por outro lado, a fantasia da infância como adulto inacabado. Como eu disse antes, o par ordenado criança/adulto. Silvana Pessoa: E sobre o “infantil da fantasia”? Ana Laura Prates Pacheco: O problema é que sabemos que o neurótico é justamente aquele que, em sua fantasia fundamental inconsciente, se coloca como objeto diante do Outro: infans, aquele que não fala. Então, acreditar na infância como uma fase da vida em que se era inocente, e sustentar essa tese no laço social, é um recurso que o neurótico usa para não ter que entrar em contato com sua responsabilidade em seu gozo e em sua fantasia. Se o par ordenado adulto/criança é criação do Discurso Universitário e não do Discurso Analítico, o conceito de infantil é freudiano, e Lacan não o rejeita. O infantil é estrutural no ser falante. Ele reaparece na fantasia pela via da versão imaginária do trauma que cada um constrói. Assim, na fantasia, o trauma é o infantil. Mas, uma vez atravessada essa fantasia, o infantil pode ser somente a “ascensão ao feto dos nomes”, como diz nosso poeta Manoel de Barros, ou como diria Lacan, se deixar afetar por lalíngua. Silvana Pessoa: O tema do próximo encontro internacional, que acontecerá em Paris, será sobre o desejo. Em um dos seus capítulos você fala da infância e do despertar do desejo. O que poderia nos dizer disso? Ana Laura Prates Pacheco: Esse foi outro ponto muito interessante que encontrei em minha pesquisa: a antinomia entre Rousseau e Freud em relação ao tema do desejo, embora partam de premissas bastante próximas. Rousseau considera haver uma desproporção radical entre nossos desejos e nossas faculdades, pois há uma inadequação do desejo em relação ao objeto, o qual é fruto de nossa imaginação e não da necessidade. É uma afirmação surpreendente e perturbadora, pois parece antecipar Freud. Mas Rousseau crê na educação como algo que faria uma suplência bem-sucedida a essa desproporção. Sabemos que para Freud isso não acontece de modo algum. Não há esperanças de que a educação promova o final
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
feliz. Eis, aliás, o engodo do Discurso Universitário – escrita lacaniana para o “educar”, um dos impossíveis freudianos. Voltamos à antinomia entre o Discurso Universitário e o Discurso Analítico. Para a Psicanálise, a infância não é o sono da razão, mas o despertar do desejo. Com todos os seus paradoxos, para usar o termo escolhido para o tema do VIII Encontro: “Os paradoxos do desejo”. Silvana Pessoa: Dentre muitas outras coisas, na clínica com crianças, muitos têm dificuldade de lidar com diversas demandas dos pais das crianças, que nunca vêm sozinhas. Parodiando o artigo de Freud, Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, de 1912, você poderia dar alguma recomendação àqueles que exercem a psicanálise com crianças? Ana Laura Prates Pacheco: Esse é mais um aspecto muito importante, e agradeço a pergunta, pois é uma oportunidade de esclarecer algumas confusões. Em primeiro lugar, acho que esse mantra que costumamos repetir: “a criança nunca vem sozinha” contém certo preconceito de classe. Sim, é verdade que raramente ela vem sozinha em nossos consultórios. Mas, isso já não é verdade para quem trabalha em instituições. Há sim, uma condição legal da criança no mundo contemporâneo, que é a condição de ser tutelada. Assim, se não é a família, é o Estado seu responsável legal. Mas em termos da análise propriamente dita, eu diria que a presença dos pais na realidade é mais conjuntural do que estrutural. Aliás, o movimento lacaniano teve uma importância muito grande na explicitação dessa diferença, e isso se deve em grande medida aos atendimentos realizados em instituições e abrigos de crianças, onde os pais não estavam presentes. A experiência da Rede Clínica do FCL – SP, nesse ponto, tem sido um grande aprendizado, pois tenho supervisionado muitos casos de crianças de abrigo. Há um caso, inclusive já publicado em Marraio. Isso posto, é claro que podemos debater o manejo dos pais quando recebemos crianças em nossos consultórios. Costumo dizer que se trata de um debate tático. É preciso manejar as demandas dos pais, o que se torna bem mais difícil se o analista se identifica com o lugar da criança, ou sobrepõe o ambiente familiar à estrutura. Escutamos os pais, basicamente, para que nos deixem trabalhar. Quanto à recomendação, acho que há uma, bem simples, que é na verdade uma recomendação claríssima de Lacan, no Seminário 8. Ele diz mais ou menos assim: à pergunta “que sou eu?”, jamais responda: uma criança! Essa é a pior resposta que, aliás, já estaria dada a priori. É comum os supervisionandos dizerem: “Mas eu não entendo o que ela (a criança) está fazendo, só fica brincando, jogando, não consigo entender”. Talvez seja preciso perguntar se está entendendo o que os analisantes adultos estão dizendo. Se a resposta for sim, é bom começar a se preocupar. A clínica com criança não nos deixa esquecer que escutamos as formações do inconsciente, tendo em vista a construção da fantasia e seu atravessamento. Então, suspenda tudo o que sabe a priori sobre crianças,
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Pessoa, Silvana
dispa-se de suas fantasias de infância e das supostas especificidades da infância. Deixe-se surpreender, escute, simplesmente, o que aquele sujeito tem a dizer sobre seu sofrimento. Silvana Pessoa: Uma das epígrafes utilizadas no seu livro é a de Hermann Hesse, que diz: “O homem não é de modo algum, um produto firme e duradouro, é mais um ensaio e uma transição...”. Entendo que queira destacar que a transformação está para todos e que a criança não é uma “meia-dose” do homem – ela é uma “dose inteira”, nada firme ou duradoura como qualquer um de nós. Entretanto, o que esperar do tratamento psicanalítico com criança que ainda passa por grandes transformações corporais e por vezes ainda está às voltas com a aquisição da linguagem e da escrita? Nesses casos, podemos falar em final de análise com crianças no estrito senso? De outro modo, podemos falar em travessia da fantasia e identificação ao sintoma? Ana Laura Prates Pacheco: Lembro-me de uma canção de Caetano Veloso que começava com a frase: “Meia lua inteira”. É isso, somos sempre ensaio e transição, independentemente da idade. Freud dizia que o que enlaçava o passado, o presente e o futuro era o fio do desejo. Lacan, na mesma direção, elenca os momentos nos quais as questões narcísicas e sexuais do sujeito se atualizam: desmame, Édipo, puberdade, maternidade e, inclusive, o declínio, ou seja, o envelhecimento. Então vemos que não é só a criança que passa por grandes transformações corporais, e basta começarmos a envelhecer para constatarmos esse fato. Quanto à aquisição da linguagem, penso que a partir de Lacan, sabemos que se trata de um tudo ou nada de traço. Não tomamos a linguagem como instrumento de comunicação, o que faz toda a diferença. A escrita é um ponto que mereceria todo um desenvolvimento que não poderei fazer aqui. Estou pesquisando essa questão da letra e da escrita em meu pós-doutorado na UERJ, com a supervisão da nossa colega Sonia Alberti, e espero que seja o tema do meu próximo livro. No Seminário 12, Lacan tece algumas considerações sobre a alfabetização, lembrando que a escrita é uma hiperestrutura. Ali, ele lembra que uma proporção muito grande da humanidade é, ainda hoje, ágrafa ou analfabeta. Há autores, como Postman, que consideram, inclusive, que a popularização da grafia e da escrita na Europa ajudou a criar a noção moderna de infância tendo como parâmetro exatamente a alfabetização. A Psicanálise, entretanto, não pode se aliar aos que infantilizam o analfabeto. Então, é preciso redobrar o rigor quando estamos falando de letramento a partir da Psicanálise. Eu lanço a questão: por que um analfabeto não poderia terminar uma análise? Talvez aprender a ler poderia ser um efeito, talvez não. São questões que a experiência clínica nos ajude a responder. E há, finalmente, a questão do encontro sexual com o que alguns colegas chamam de real do sexo e do gozo. Aqui, multiplicam-se os preconceitos, e penso que eis um aspecto que os psicanalistas
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
brasileiros podem colaborar muito para avançar. Quando estive em Belém, após minha conferência sobre “O que pode o dispositivo analítico frente ao dispositivo de infantilidade”, duas psicólogas que atendem as meninas ribeirinhas vieram falar comigo. Elas me contaram das meninas a partir de sete, oito anos, que são prostituídas pelas próprias mães, as quais as oferecem aos barqueiros da região. E do quanto é difícil abordar a questão a partir de nossa “moral civilizada” para usar ironicamente o termo de Freud, já que esse “comércio”, digamos assim, é fator importante na economia doméstica dessas famílias. É apenas um exemplo, que mostra a complexidade da questão. Espero que daqui a alguns anos essas colegas possam nos trazer suas conclusões, para que possamos avançar. Quanto ao final da análise, penso que precisamos definir o que estamos chamando de “estrito senso”. Sabemos que não há a última palavra, mas há balizas: travessia da fantasia, identificação ao sintoma etc. A questão é que sabemos que é preciso tempo. Nossas análises são longas, até porque há muito estrago para se arranjar. Normalmente, quando começamos uma análise, já deu tempo de nos complicarmos bastante na vida. Sujeitos mais novos, em geral, conseguem se rearranjar mais rapidamente e frequentemente decidem que têm mais o que fazer. É muito comum retornarem depois; tenho vários casos em minha clínica. Mas há exceções, e penso que não cabe a nós decidirmos a priori até onde vai uma análise. O desejo do analista é de conduzi-la até o impasse e, de preferência, ao passe. Resta ainda a questão do ato, e de sua relação com a lei, lembrando, como dissemos anteriormente, que a criança, em nossa sociedade, é tutelada. Deixo isso apenas indicado. Mas gosto de lembrar, como nos ensina Ariès, que na Idade Média, algumas Cruzadas foram lideradas por pessoas de apenas doze anos. Haja identificação! Silvana Pessoa: Finalizando esta entrevista, gostaria de agradecer, em nome da Equipe de Publicação da Stylus (EPS/2011-2012), sua disponibilidade, o cuidadoso tratamento dado às essas questões, além de recomendar fortemente a leitura do seu livro para aqueles que desejam saber mais da formação do [eu], da constituição do sujeito, da extração do objeto, do diagnóstico estrutural e de tantas outras questões dessa tão instigante clínica com crianças. Ana Laura Prates Pacheco: Gostaria de agradecer imensamente aos colegas da revista Stylus, especialmente a Silvana Pessoa o trabalho excelente na condução editorial da revista. Agradeço também a oportunidade de falar sobre temas que me são tão caros, aproveitando para me despedir da função de Diretora da EPFCL – Brasil. Obrigada a todos!
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resenhas
Resenha do livro Os outros em Lacan Andréa Rodrigues Os outros em Lacan, de Antonio Quinet, faz parte da coleção PASSO-A-PASSO da Editora Zahar com direção de Marco Antonio Coutinho Jorge, cujo objetivo é fazer o leitor conhecer, de “maneira gradual e interdisciplinar os mais importantes pensadores, ideias e obras”. Escritos por especialistas e em linguagem acessível a todos, esses pequenos volumes oferecem uma visão atualizada e abrangente dos temas. E esse “pequeno volume” de Quinet cumpre perfeitamente seu papel, pois o autor consegue apresentar, da forma clara e rigorosa já conhecida por todos nós e que lhe é peculiar, as modalidades do outro em Lacan. Ele realiza com maestria o desafio de falar introdutoriamente de um tema tão fundamental na teoria lacaniana, e o faz atravessando o conjunto da sua obra, desde Os complexos familiares na formação do indivíduo até os últimos seminários. Essa travessia se faz necessária pois, como ele nos esclarece, a própria questão da alteridade percorre toda a obra citada. Em seguida ele nos adverte que, pelo fato de ser um trabalho introdutório, vai nos apresentar essas modalidades de forma incompleta e condensada. Quinet, no entanto, não refaz um percurso linear e cronológico, mas nem por isso as modalidades do outro que isolou – e que são cinco – são mostradas de maneira menos encadeada. As modalidades são: 1. O outro, meu semelhante; 2. O Outro, a alteridade do inconsciente; 3. O objeto a, causa do desejo; 4. O outro dos discursos, do laço social; 5. E Heteros, o Outro gozo. Esse percurso é feito a partir do ponto de vista ético de que não há sujeito sem outro. O outro, meu semelhante, é apresentado através do estádio do espelho e do complexo de intrusão, passando ainda pelo mito de Narciso. “Quem é você que está diante de mim”, ele pergunta, “feito à minha imagem e semelhança, feito de uma corporalidade que me faz crer até que somos irmãos?” Isto é, a meu ver, uma fina ironia, pois o argumento que se inicia com a pergunta conclui-se ao dizer que o eu e o outro se confundem, sim, mas “esse próximo que se assemelha a mim e
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Rodrigues, Andréa
a quem me ensinaram dever amar é, antes, um intruso”. Quinet explica de forma compreensível ao leitor como a instância do eu é fundamentalmente paranoica, pois está sempre acompanhada do outro, seu ideal – que é ao mesmo tempo aquele que a qualquer momento pode tomar meu lugar. Depois de afirmar que a bipolaridade – termo tão em voga nos nossos dias – é a do eu, dividido entre eu e outro (a-a’) e que é a repercussão da polaridade pulsional no imaginário, ele encerra essa parte sobre o pequeno outro discorrendo sobre o que chamou de Paixão da mirada, quando nos apresenta o olhar como objeto a. O olhar em cena no estádio do espelho é o olhar daquele que vem a ocupar o lugar do Outro, que é ao mesmo tempo o espelho no qual a criança se vê e se admira, e lugar do Ideal do eu. A experiência da alteridade se desdobra, então, no outro do espelho – registro do imaginário – e Outro simbólico. Assim ele nos introduz ao grande Outro, grafado com maiúscula, pois o outro é sustentado por uma relação distinta, a do sujeito com a alteridade do inconsciente. O Outro do discurso inconsciente nunca está ausente na relação do sujeito com o outro, o pequeno, chamado próximo, demonstrando mais uma vez aquilo que afirmei acima ser o fio ético condutor que percorre o livro: não há sujeito sem outro. O Outro, também escrito A, é uma heteronomia radical, que se presentifica nas formações do inconsciente. Isso, porém, não desresponsabiliza o sujeito, pois se é nesse retorno do recalcado onde ele apreende essa alteridade, é, ao mesmo tempo, nele que se apossa dos seus desejos mais escondidos. Quinet desenvolve sua argumentação de tal maneira, que nos faz perceber que o Outro, sendo ao mesmo tempo o Outro da linguagem e aquele que possibilita o pacto da fala, e sendo presença de mediação em relação ao desdobramento do eu consigo mesmo, é também o Outro do amor, aquele a quem dirijo minha demanda (uma vez que toda demanda, como dizia Lacan, é de amor). O Outro, no entanto, é barrado, e se existe uma falta inscrita no Outro simbólico, do amor, é possível a emergência do desejo. O outro, com minúscula, que ocupa o lugar do Outro do amor, ao se tornar o objeto sexual, é reduzido ao objeto a. E assim somos introduzidos ao que já nos habituamos a definir como a contribuição de Lacan à psicanálise: o objeto a, causa de desejo, que se aloja no Outro do amor. Quinet discorre sobre o assunto de forma a apontar os pontos principais sobre o tema: o lugar do objeto na fantasia, no nó borromeano e na topologia; como causa de desejo; a relação com a Coisa, das Ding; o objeto agalmático; a relação com Eros e Tânatos. Conclui esse item discorrendo sobre o supereu, quando então chega a algumas das formas com as quais a “civilização atual se apropria da estrutura desse outro pulsional que é o objeto a”. Dessa maneira, chegamos ao outro do laço social, mais uma vez demonstran-
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Resenha do livro Os outros em Lacan
do – insisto – que não há sujeito sem outro: “... o homem é um ser social que não prescinde do outro e cria regras e condutas de convivência com finalidades específicas”. Encontramos aqui, de forma clara, a exposição dos chamados discursos como laços sociais, com a descrição dos seus lugares e elementos. Não falta um espaço sobre o discurso do capitalismo e uma crítica à civilização atual. Ele nos ensina como, para Lacan, trata-se de um enquadramento do gozo e de um esquadrinhamento do campo do gozo pelos laços sociais que o compõem. Finalmente, temos a quinta modalidade do outro, que é o Outro gozo referido por Lacan ao gozo que se encontra do lado feminino da partilha dos sexos, e que foi qualificado como Heteros. Quinet faz parecer simples as complicadas fórmulas da sexuação e sua lógica do não-todo, contrária à lógica aristotélica. Demonstra a complexidade da sexualidade humana e afirma que “é o Heteros que suporta o sexo, seja ele como for. Para haver sexo é necessária a diferença do outro – não se faz sexo com o mesmo”. Sem cair no “politicamente correto”, ele nos dá uma lição, a partir de Lacan, sobre como o psicanalista deve evitar cair na segregação e deve estar aberto à diferença mais radical, sem impor ao Outro seu modo de gozo. Concluindo meu comentário, gostaria apenas de acrescentar que Os outros em Lacan evidencia também a maturidade de Antonio Quinet como escritor, pois ele alia a objetividade requerida por esse tipo de obra a uma linguagem, às vezes, coloquial (como ao explicar das Ding: “Aquela pessoa é uma Coooooisa! Ela é uma Coooooisa de louco!”), e muitas vezes poética (como “Esse Ding! que soa quando passa uma garota de Ipanema a caminho do mar (...) é o que proporciona a ‘coisicidade’ desejosa ao outro como corpo e que serve ao sujeito de guia no caminho do mar do desejo.” Ou quando transcreve um trecho da sua peça X, Y e S. Por essas e por outras é que considero a leitura desse pequeno volume imprescindível para todos os que desejem se iniciar na teoria lacaniana – mas não só.
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Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação. Andréa Hortélio Fernandes A Lógica da Interpretação, tema escolhido pelo Campo Psicanalítico de Salvador e de Ilhéus e Itabuna para seus estudos e pesquisas durante o ano de 2011, foi também o tema do XII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL – Brasil) e da XI Jornada do Campo Psicanalítico – Fórum Salvador realizadas em Salvador, de 4 a 6 de novembro de 2011. A presente coletânea traz, também, os trabalhos apresentados por membros e convidados do Campo Psicanalítico durante o Seminário do Campo Psicanalítico, que ocorreu durante os dois semestres de 2011. E, ainda, alguns trabalhos apresentados na Jornada de Cartéis pelos membros do Campo Psicanalítico Salvador, Ilhéus e Itabuna e de convidados durante o evento nacional sediado pelo Campo Psicanalítico/ Fórum Salvador. O tema A Lógica da Interpretação despertou a discussão e o interesse de muitos, sendo que o XII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL – Brasil)/XI Jornada do Campo Psicanalítico – Fórum Salvador teve a exposição de 87 trabalhos. A Jornada de Cartéis fez-se também presente no Encontro Nacional com 19 trabalhos apresentados. Em uma articulação com esta publicação, serão lançados, por meio digital, os anais, com todos os trabalhos apresentados no Encontro Nacional. Optamos por fazer a abertura da apresentação desta coletânea referenciando a imagem da capa, intitulada Homenagem à cultura popular, tela gentilmente cedida pelo artista plástico baiano Leonel Mattos. A tela traz em si o equívoco tomado como princípio lógico da interpretação na psicanálise que, ao visar o objeto causa de desejo, pode atingir o real próprio à sonoridade da alíngua falada em análise e que se faz presente, também, em alguns poemas. Assim, o poema Ode Marítima de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, foi escolhido na tentativa de enodar a sereia da imagem da tela (imaginário), com o dispositivo da interpretação na análise, evocada no poema pelo silêncio, pela “sereia chorando, chamando”, com o que continua, em outra estrofe, “meu passado ressurge como se esse grito marítimo, fosse um aroma, uma voz, o eco duma canção”, que podem servir para ilustrar o tratamento do real pelo
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Fernandes, Andréa Hortélio
simbólico (real/simbólico). Lacan, no Seminário R.S.I., nos diz que seria essencial que a análise levasse o analisando a atar-se de outra forma. Para tanto, a interpretação, cuja estrutura é o saber no lugar da verdade, poderia vir a tratar do que resta de real no sintoma que traz o sujeito para análise Um recorte do poema Ode Marítima nos mostra uma forma poética de enlaçar o real, o simbólico e o imaginário. Álvaro de Campos nos transmite algo nessa direção nas cinco últimas linhas do poema. Deixamos a cada leitor a tarefa de fazer a leitura do dito poema conforme a interpretação que lhe for passível, já que a interpretação é sempre singular. Ode Marítima1 Fazei de mim qualquer coisa como se eu fosse Arrastado – ó prazer, ó beijada dor! Arrastado à cauda de cavalos chicoteados por vós... Mas isto no mar, isto no ma-a-a-ar isto no MA-A-A-AR! Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH-! No MA-A-AR! Tudo canta a gritar! [...] Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu. Senti demais para poder continuar a sentir. Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim. Decresce sensivelmente a velocidade do volante. Tiraram-me aos poucos as mãos dos olhos os meus sonhos. Dentro de mim a um só vácuo, um deserto, um mar noturno. E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim, Sobe dos longes dele, nasce do seu silêncio, Outra vez, outra vez o vasto grito antiqüíssimo. De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho, mas ternura, Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo Úmido e sombrio marulho humano noturno, Voz de sereia longínqua chorando, chamando. Vem do fundo do Longe, do fundo Mar, da alma dos Abismos E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy... Schonner Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy... Ah, o orvalho sobre minha excitação! Oh frescor noturno no meu oceano interior! 1
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PESSOA, Fernando. Obra Poética em um volume. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.328-329.
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Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
Eis tudo em mim de repente ante uma noite no mar Cheia de enorme mistério humaníssimo das ondas noturnas. A lua sobe no horizonte E a minha infância feliz acorda, como uma lágrima, em mim. O meu passado ressurge, como se esse grito marítimo Fosse um aroma, uma voz, o eco duma canção Que fosse chamar o meu passado Por aquela felicidade que nunca mais tornarei a ter. Desse poema, gostaríamos de dizer que, tal qual o canto das sereias, a interpretação na psicanálise aponta para o equívoco próprio ao dizer vão, dire vain, em francês, da análise, ou seja, a associação livre. Tal qual o ato analítico, a interpretação não é programável; trata-se, aí, de um savoir-y-être sustentado por savoir-y-faire. Analista e analisando são, portanto, convocados a saber fazer com alíngua onde começa tudo que diz respeito ao falasser, ou ao ser falante. A conferência O Unívoco da Interpretação do psicanalista francês Marc Strauss abre esta coletânea. Trata-se da versão resumida das conferências proferidas por ele durante o Encontro Nacional. A começar pelo título, que é feito para provocar equívoco, o texto trata, de fato, do equívoco próprio da interpretação dita dos psicanalistas lacanianos. Marc Strauss desenvolve, ao longo do artigo, que a interpretação é certamente equívoca no nível das significações, mas seu sentido é unívoco e busca examinar se este sentido mudou no ensino de Lacan. A primeira seção de artigos traz três textos dedicados ao tema A interpretação na psicanálise: precisão de conceitos. Sonia Magalhães, com o texto Psicanálise e Interpretação, retoma Freud, desde o momento em que este supunha ser a psicanálise uma arte de interpretação e avança com Lacan no que a interpretação interroga a relação do homem, do falasser, com a linguagem. Então, recorre a Júlia Kristeva e a Michel Foucault para precisar a atualidade do que fora dito sobre a interpretação por Freud e Lacan. Em A Interpretação: além do conceito psicanalítico, Carlos Pinto argumenta que o conceito de interpretação mostra que, debaixo de uma aparente universalização, existem lacunas e armadilhas que merecem revisão do conceito de interpretação na psicanálise. Com o texto intitulado Psicanálise: Interpretação?, Andréa H. Fernandes indaga-se sobre a máxima comumente proposta pelo senso comum de que Freud explica e atrela isso à tentativa de se transmitir a psicanálise, passando um tom tranquilizador do inconsciente, contrário aos fundamentos do inconsciente propostos por Freud desde “A Interpretação dos Sonhos”. Do livro dos sonhos, a autora extrai os indícios de que a interpretação do analista na psicanálise deve ser apofântica, como propôs Lacan, pois na linguagem, tomada como condição do inconsciente, existe alguma coisa
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Fernandes, Andréa Hortélio
que não se esgota ao admitirmos que uma proposição seja verdadeira ou falsa. A segunda seção A Interpretação em Freud traz três trabalhos. Em A arte interpretativa na psicanálise, Juliana Cunha retoma “A interpretação dos Sonhos” de Freud e declara que a questão da interpretação em psicanálise reabre todo o campo sobre o funcionamento do inconsciente, tendo a pulsão de morte um papel fundamental nisso, e também revela como o psicanalista pode operar numa psicanálise. Já Cristiane Oliveira, em Inscrição, Memória e Interpretação: a escrita psíquica em Freud, por meio do negativo da proposição de uma aporia entre inscrição-memória-interpretação, que seria apagamento-esquecimento-silêncio, problematiza em torno da ideia de uma escrita psíquica em Freud e seus desdobramentos na experiência psicanalítica, apontando para uma precariedade do simbólico na solução dos impasses subjetivos. Para Elaine Starosta Foguel, no artigo O sonho da interpretação: Ausflösung/Lösung, a interpretação não hermenêutica da psicanálise, desde 1900, se funda a partir do desenho do primeiro aparelho psíquico no Capítulo VII de “A Interpretação dos Sonhos” e ressalta que uma esfera importante da tradição científica é mantida por Freud, podendo ser descrita pelo par quase homofônico Auflösung/Lösung, no qual a decomposição seria a solução. A seção seguinte – O dizer e a Interpretação – traz outros cinco textos. No primeiro deles, Desconstruções em psicanálise – Lógica e Topologia da Interpretação, Helson Ramos propõe que a tarefa do analista é mais de desconstrução do já construído que de produzir construções ou reconstruções, porque esta última é tarefa do analisando. E afirma que a lógica da interpretação é sua topologia tomada como uma lógica de lugares onde há uma forma lógica da prática do dizer. Angélia Teixeira, com o texto O dizer da interpretação, retoma a interpretação em Freud, que parecia ter um lugar secundário em relação à transferência, e mostra que os avanços na teoria de Freud e Lacan revelaram a importância deste conceito, uma vez que o dizer da interpretação presentifica o desejo do analista, pois o desejo do analista é sua interpretação. Para a autora, o desejo do analista é a fronteira que une e separa transferência e interpretação. Com No impossível de dizer, Jairo Gerbase, partindo de Lacan, que teria situado a sua prática no impossível de dizer, propõe que o analisando fala e o analista diz, onde dizer é corte. Jairo declara que o analisando, ao falar em análise, diz mais do que quer dizer, e o analista, ao ler esse mais, corta, e isso pode levar a uma nova forma de se atar nos nós borromeanos. José Antônio Pereira da Silva, com o texto Interpretação, Pontuação e Citação, faz um recorte do conceito de interpretação em Freud a partir do seu texto “Construções em Análise” (1937) e em Lacan no Seminário o Avesso da Psicanálise (1969/1970). Na visão de José Antônio, tendo Lacan situado a interpretação “entre enigma e citação”, e também como pontuação, pretende esclarecer o
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Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
tipo de enunciado que poderia responder pela estrutura da interpretação, na qual o saber está no lugar da verdade. Em Interpretação e Repetição, Maria de Fátima Alves Pereira propõe que aquilo que se escreve em uma análise é o efeito do dizer da fala e que o efeito terapêutico de uma análise implica remanejar o efeito de sentido, reorganizar-se em função do sentido próprio da insistência da repetição do gozo. A interpretação e a transferência é o título da quarta seção, composta por três trabalhos. Olga Sá intitula seu texto com uma questão – Quem sabe? considerando logo de início que é da escuta do dito do analisando que a presença do psicanalista se impõe no inconsciente. Olga destaca que o inconsciente é estruturado como uma linguagem que não tem função de informação, mas de evocação, pois o que o analista busca na fala do analisando é fazer-se causa do desejo para que o analisando possa, a partir do desejo de saber do seu desejo, deslocar-se de uma posição de gozo para uma posição desejante movida pela transferência. No texto Quando há a interpretação?, Célia Fiamenghi discorre sobre a entrada em análise, a interpretação e o ato analítico. Propõe que a interpretação inclui a transferência e, consequentemente, o ato analítico, que dá partida, em uma análise, ao sujeito do inconsciente. Para tanto, Célia, através de um recorte clínico, mostra ser necessário trabalhar a demanda de análise, pois ela não deve ser aceita de imediato, necessitando ser interrogada, para assim introduzir a dimensão do desejo, da demanda do sujeito, da associação livre e, consequentemente, o surgimento de um sujeito sob o efeito da transferência. Clarice Gatto, no texto Retificação subjetiva, interpretação e transferência, discute o lugar da retificação subjetiva enquanto interpretação na direção do tratamento sob transferência. Ela examina esse aspecto no caso Dora e no Homem dos Ratos de Freud e questiona-se acerca das transmutações que as palavras do analista podem sofrer na operação analítica, que revelam o seu efeito de interpretação, e se elas podem mostrar que a primeira localização da posição do sujeito em relação ao real, na análise, seja in initio efeito de uma interpretação. A sexta seção da coletânea é intitulada Interpretação e Discurso e contempla dois textos. Soraya Carvalho, em A interpretação no discurso melancólico, questiona de que lugar deve operar o analista na melancolia diante de um discurso destinado a mascarar a falta que não se abre ao equívoco do sentido e onde a enunciação se esgota no enunciado. Através de um recorte clínico, Soraya aponta para a distinção entre a clínica com melancólicos e com neuróticos. Em A interpretação nos discursos: efeitos em uma instituição de tratamento para o uso de drogas, Cynara Teixeira Ribeiro e Andréa Hortélio Fernandes apresentam, em coautoria, um texto no qual discutem as modalidades de laço social que circulam em uma instituição que oferece tratamento para usuários de drogas e o os efeitos
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Fernandes, Andréa Hortélio
subjetivos suscitados nos sujeitos que nesta são atendidos. A seção A interpretação e o irredutível é composta por três textos. Marcus do Rio Teixeira, em Do significante irredutível, examina a mudança no conceito de interpretação no ensino de Freud e Lacan que, de início, incidiria sobre o sentido, para uma forma de intervenção que privilegia o significante e o non-sens. Já no texto O interpretável do sintoma, Madaleine Reis discute o que interpretar, uma vez que o sintoma mantém um sentido no real, que é o sentido sexual do sintoma, que faz limite à interpretação, apesar de o sintoma ter também uma dimensão de sentido. Em Percurso do concerto ao desconserto: um trabalho de interpretação, Ana Aparecida Martinelli Braga busca articular o conceito de interpretação na sua relação com o equívoco, que promove efeitos para o sujeito. Toma como premissa que a interpretação, na psicanálise, busca trabalhar o discurso do sujeito, apontando para o que nele há de indizível e, assim, produzir efeitos de des-razão no sujeito, desconsertando-o num percurso que vai do concerto, como arranjo, ao desconcerto, na medida em que o sintoma é o que há de mais singular em cada sujeito e com o que o sujeito, na análise, é convidado a lidar. Na seção intitulada Interpretação, significante e poesia, três trabalhos enlaçam a interpretação na psicanálise ao trabalho da criação artística e da escrita poética. Raquel Prudente da Silva, no texto A psicanálise e a voz de Valdelice Pinheiro, toma o livro Expressão Poética de Valdelice Pinheiro2 para mostrar que a psicanálise, assim como a poesia, faz uso das figuras de linguagem: metáfora e metonímia. Já Ida Freitas, no texto Po(a)tar, toma Freud, Lacan e alguns poetas para mostrar algumas aproximações e distinções entre psicanálise e poesia, para daí examinar o que a psicanálise pode extrair desse cruzamento. Já Thaine Mendes Araújo Albuquerque, no texto Onde vivem os monstros, faz um comentário do filme com o mesmo título de Maurice Sendak, como forma de aproximar a psicanálise e a criação artística no que diz respeito a alguns pontos difíceis de serem transpostos em palavras, dada a fixação de gozo própria ao sujeito. Ela propõe que o personagem principal Marx tem um encontro traumático com um significante “monstro” vindo do Outro, no caso sua mãe. Este dizer vindo do Outro afetou de alguma forma Max, promovendo um efeito de interpretação, que fez com que ele recorresse à fantasia, levando o seu inconsciente a trabalhar, produzir significantes em torno do ponto do impossível de dizer marcado pelo encontro com o real. A última seção da coletânea é intitulada Interpretação e o trabalho de cartel, e dois artigos dela fazem parte: Simey Soeiro, em O mais-um no cartel, discorre sobre o Mais-Um, interrogando, em paralelo, o que faz com que trabalhar em cartel gere tanta resistência. Para tanto, vai tratar da lógica dos discursos na psi2
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SIMÕES, Maria de Lourdes Netto. Expressão Poética de Valdelice Pinheiro. Ilhéus: Editus, 2002.
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Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
canálise. Maria da Conceição Vita, no texto O amor que salva é o amor que não salva, apresenta uma produção de um cartel na qual ela discute a possibilidade da existência do amor fora do discurso da histérica e do discurso capitalista, para daí vislumbrar o amor como ponto de encontro que introduz a dimensão da verdade e não do engano. Verdade que revela que o desejo de um não é igual ao desejo do Outro, pois o amor em causa reintroduz a falta, a descontinuidade, e não a complementaridade, a salvação. Os leitores desta coletânea poderão encontrar, aqui, uma série de textos sobre a lógica da interpretação na psicanálise desde Freud e com Lacan. Mesmo se tratando de um agrupamento de textos, é perceptível a singularidade da escrita de cada autor e da contribuição de cada um no que diz respeito ao tema em comum. Desejamos aos leitores que encontrem prazer e alento na leitura desta coletânea; que ela represente um livro a ser recomendado aos amigos e colegas que se interessam pela psicanálise e, em especial, pela lógica da interpretação na psicanálise.
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Orientações Editoriais Stylus é um periódico semestral da ESCOLA DE PSICANÁLISE DOS FÓRUNS DO CAMPO LACANIANO - BRASIL e se propõe a publicar artigos inéditos das comunidades brasileiras e internacional do Campo Lacaniano, e os artigos de outros colegas que orientam sua leitura da psicanálise principalmente pelos textos de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Revista que aceita artigos provenientes de outros campos de saber (a arte, a ciência, a matemática, a filosofia, a topologia, a lingüística, a música, a literatura, etc.) que tomam a psicanálise como eixo de suas conexões reflexivas. Aos manuscritos encaminhados para publicação, recomendam-se as seguintes Orientações Editoriais. Serão aceitos trabalhos em inglês, francês e/ou espanhol. Se aceitos, serão traduzidos para o português. Todos os trabalhos enviados para publicação serão submetidos a apreciação de, no mínimo, dois pareceristas, membros do Conselho Editorial de Stylus (CES). A Equipe de Publicação de Stylus (EPS) poderá fazer uso de consultores ad hoc, a seu critério e do CES, omitida a identidade dos autores. Os autores serão notificados da aceitação ou não dos artigos. Os originais não serão devolvidos. O texto considerado aceito será publicado na íntegra. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. A EPS avaliará a pertinência da quantidade de textos que irão compor cada número de Stylus, de modo a zelar pelo propósito dessa revista: promover o debate a respeito da psicanálise e suas conexões com os outros discursos.
Fluxo de avaliação dos artigos: 1. Recebimento do texto por e-mail pelos membros da EPS de acordo com a data divulgada na rede-epfclbrasil@yahoogrupos.com.br e na if-epfcl@champlacanien.net 2. Distribuição para parecer. 3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão final. 4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformulação (neste caso, é definido um prazo de vinte dias, findo o qual o artigo é desconsiderado, caso o autor não o reformule apropriadamente). 5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS no prazo de sete dias úteis um e-mail contendo um arquivo de seu texto, definido para impressão. 6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a cessão imediata e sem ônus
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dos direitos autorais de publicação nesta revista, a qual terá exclusividade de publicá-los em primeira mão. O autor continuará a deter os direitos autorais para publicações posteriores. 7. Publicação. Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes. O autor que desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada número de Stylus.
Serão aceitos trabalhos para as seguintes seções: Artigos: análise de um tema proposto, levando ao questionamento e/ou a novas elaborações (aproximadamente 12 laudas ou 25.200 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Ensaios: apresentação e discussão a partir da experiência psicanalítica de problemas cruciais da psicanálise no que estes concernem à transmissão da psicanálise (aproximadamente 15 laudas ou 31.500 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Resenhas: resenha crítica de livros ou teses de mestrado ou doutorado, cujo conteúdo se articule ou seja de interesse da psicanálise (aproximadamente 60 linhas (3.600 caracteres). Entrevistas: entrevista que aborde temas de psicanálise ou afins à psicanálise (aproximadamente 10 laudas ou 21.000 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Stylus possui as seguintes seções: ensaios, trabalho crítico com os conceitos, direção do tratamento, entrevista e resenhas; cabendo a EPS decidir sobre a inserção dos textos selecionados no corpo da revista.
Apresentação dos manuscritos: Formatação: Os artigos devem ser digitados em Word for Windows, versão 6.0 ou superior, com extensão (.doc), em fonte Times New Roman, tamanho 12, em folha de formato A4, com espaçamento 1,5 entre linhas, margens superior, inferior e laterais de 2 cm. Ilustrações: o número de figuras (quadros, gráficos, imagens, esquemas) deverá ser mínimo (máximo de 5 por artigo, salvo exceções, que deverão ser justificadas por escrito pelo autor e avalizadas pela EPS) e devem vir separadamente em arquivo JPEG nomeados Fig. 1, Fig. 2 e indicadas no corpo do texto o local dessas Fig.1, Fig. 2., sucessivamente. As ilustrações devem trazer abaixo um título ou legenda com a indicação da fonte, quando houver.
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Resumo/Abstract: todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deverão conter um resumo na língua vernácula e um abstract em língua inglesa contendo de 100 a 200 palavras. Deverão trazer também um mínimo de três e um máximo de cinco palavras-chaves (português) e key-words (inglês) e a tradução do título do trabalho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chaves e key-words.
Envio dos manuscritos: Ao enviar o artigo para a revista, o autor compromete-se a não o encaminhar para outro(s) veículo(s) de publicação, pelo prazo de seis meses, a contar da data do envio. Preferencialmente, as propostas de publicação devem ser enviadas via Internet, como anexo, para o e-mail revistastylus@yahoo.com . Alternativamente, podem ser enviadas em mídia digital, acompanhadas de três cópias impressas, para o seguinte endereço: Fórum do Campo Lacaniano –São Paulo Revista Stylus: Revista de Psicanálise da Associação de Fóruns do Campo Lacaniano Brasil Rua Lisboa, 1163. CEP 05413-001 – Pinheiros (São Paulo – SP) Os artigos devem conter os seguintes elementos:
Normas para publicação: • Primeira lauda contendo apenas o título do artigo, nome(s) do(s) autor(es), dados do(s) autor(es) [titulação, filiação institucional e referências acadêmicas e profissionais, em 10 linhas, no máximo] e endereço completo (com e-mail). • Demais laudas, numeradas consecutivamente a partir de 1 (um), repetindo o título, sem o(s) nome(s) do(s) autor(es), e contendo o texto da publicação. • No caso de investigações/desenvolvimentos teóricos, relatos de pesquisas, debates e entrevistas, deve ser incluído um resumo de no máximo trezentas palavras, ao final, na mesma língua do trabalho, acompanhado de palavras-chave (no mínimo três e no máximo sete). Após esse resumo, deve-se incluir também uma tradução do mesmo, em inglês (abstract), acompanhada da tradução do título e das palavras-chave. • No caso de entrevista, devem ser incluídos, ao final, os seguintes dados: data da entrevista, nome do entrevistador, nome do entrevistado e dados completos de identificação de ambos (titulação, filiação institucional e referências acadê-
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micas e profissionais). Opcionalmente, podem ser incluídos dados relevantes sobre o contexto em que foi realizada a entrevista. • No caso de resenhas, deve-se incluir, ao final, a referência completa da obra resenhada. As ilustrações devem ter seu lugar indicado no texto e devem ser enviadas também em anexos separados, em formato de arquivo JEPG. Devem ser nomeadas Fig. 1, Fig. 2, sucessivamente, podendo ainda ter um título sugestivo do seu conteúdo.
Sobre citações e referências bibliográficas: Indicamos a NBR 6023 da Associação Brasileira das Normas Técnicas, lançada em 2002, disponível nos seguintes endereços eletrônicos, ambos oriundos do sítio (http://www.ip.usp.br/portal/) da Biblioteca Dante Moreira Leite, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: Citações: (http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/manuais/citacoesabnt.pdf) Referências bibliográficas: (http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/manuais/ normalizacaodereferenciasabnt.pdf)
Citações no texto: 1. As citações diretas (ou textuais) devem reproduzir fielmente as palavras do autor ou o trecho do texto utilizado. Exemplo: Dessa maneira, Quinet (1991, p. 87) adverte que “não há duas pessoas que lidem com o dinheiro da mesma forma.” 2. Já as citações diretas (ou textuais) que excederem três linhas devem vir em parágrafo separado, com recuo de quatro cm da margem esquerda (além do parágrafo de 1,25cm) com letra menor do que a do texto e sem utilização de aspas. Os títulos de textos citados devem vir em itálico (sem aspas), os nomes e sobrenomes em formato normal (Lacan, Freud). Exemplo: Freud (1910, p. 130) em As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica, destaca um aspecto importante: Agora que um considerável número de pessoas está praticando a psicanálise e, reciprocamente, trocando observações, notamos que nenhum psicanalista avança além do quanto permitam seus próprios complexos e resistências internas; e, em conseqüência, requeremos que ele deva iniciar sua atividade por uma auto-análise e levá-la, de modo contínuo, cada vez mais profundamente, enquanto
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esteja realizando suas observações sobre seus pacientes. Qualquer um que falhe em produzir resultados numa auto-análise desse tipo deve desistir, imediatamente, de qualquer idéia de tornar-se capaz de tratar pacientes pela análise. 3. As citações indiretas devem contar as idéias daquele que escreve o texto, mas também devem referendar as ideais originais do autor citado, em letras maiúsculas. Exemplo: Lacan sempre deixou claro sua posição sobre os psicanalistas que se acomodavam frente aos mecanismos institucionais das escolas psicanalíticas daquela época, com suas burocracias e rituais questionáveis (LACAN, 1956). 4. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da seguinte maneira: Kraepelin (1899/1999). 5. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são as seguintes: A) até três autores – o sobrenome de todos os autores é mencionado em todas as citações, por exemplo: (Alberti e Elia, 2000). B) de quatro a seis autores – o sobrenome de todos os autores é citado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, como abaixo (Alberti, et al, 2009, p. 122). C) mais de seis autores – no texto, desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro autor é mencionado, mas nas referências bibliográficas os nomes de todos os autores devem ser relacionados. 6. Quando houver repetição da obra citada na seqüência deve vir indicado Ibid., p. (página citada.). 7. Quando houver citação da obra já citada porém fora da seqüência da nota, deve vir indicado o nome da obra em itálico, op. cit., p. (Kant com Sade, op. cit., p. 781-783). 8. Caso a fonte seja um website ou página eletrônica, deve-se explicitar o endereço eletrônico de acesso, entre parentêses, após a informação, (http://www. campolacanianosp.com.br/).
Notas de rodapé: 1. As notas não bibliográficas, indicações, observações ou aditamentos ao texto feitos pelo autor ou editor, devem ser reduzidas a um mínimo indispensável, ordenadas por algarismos arábicos e organizadas como nota de rodapé, ao final da página em questão.
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Referências Bibliográficas: Os títulos de livros, periódicos, relatórios, teses e trabalhos apresentados em congressos devem ser colocados em itálico. O sobrenome do(s) autor(es) deve vir em caixa alta, seguido do prenome abreviado. 1. Livros, livro de coleção: 1.1 LACAN, J. (1955) A coisa freudiana. In: LACAN, J. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 402-437. 1.2 FREUD, S. (1920). Além do princípio de prazer. Tradução sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 18, p. 17-88). 1.3 LACAN, J. (1960-61) O seminário, livro 8: A transferência. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. 386 p. 1.4 Lacan, J. O seminário: A Identificação (1961-1962): aula de 21 de março de 1962. Inédito. 1.5 Lacan, J. O seminário: Ato psicanalítico (1967-1968): aula de 27 de março de 1968. (Versão brasileira fora do comércio). 1.6. Lacan, J. Le séminaire: Le sinthome (1975-1976). Paris: Association freudienne internationale, 1997. (Publication hors commerce). Obs. O destaque é para o título do livro e não para o título do capítulo. Quando se referencia várias obras do mesmo autor, substitui-se o nome do autor por um traço equivalente a seis espaços. 2. Capítulo de Livro: Foucault, Michel. Du bon usage de la liberté. In: Foucault, M. Histoire de la folie à l’âge classique (p.440-482). Paris: Gallimard, 1972. 3. Artigo em periódico científico ou revista: PACHECO, A.L.P. O livro de cabeceira: da escrita como sintoma ao sintoma como letra. Stylus. Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano, n.23, p. 37-43, 2011 4. Obras antigas com reedição em data posterior: Alighieri, D. Tutte le opere. Roma: Newton, 1993. (Originalmente publicado em 1321). 5. Teses e dissertações: Teixeira, A. A teoria dos quatro discursos: uma elaboração formalizada da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro, 2001. 250 f. Dissertação. (Mestrado em Teoria Psicanalítica) – Instituto de Psicologia. Universida-
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de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. 6. Relatório técnico: Barros de Oliveira, M. H. Política Nacional de Saúde do Trabalhador. (Relatório Nº). Rio de Janeiro. CNPq., 1992. 7. Trabalho apresentado em congresso e publicado em anais: Trabalho apresentado em congresso e publicado em anais: FINGERMANN, D. Os tempos do sujeito do inconsciente. Trabalho apresentado no V Encontro Internacional da IF/EPFCL. Os tempos do sujeito do inconsciente. A psicanálise no seu tempo e o tempo da psicanálise. 2008, julho; São Paulo, Brasil. 8. Obra no prelo: No lugar da data deverá constar (No prelo). 9. Autoria institucional: American Psychiatric Association. DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3rd edition revised.) Washington, DC: Author, 1998. 10. CD ROM – Lacan, J. Le Séminaire de Caracas. X Encuentro Internacional del Campo Freudiano. Barcelona: Edicions Albert Moraleda, 1998. CD-ROM. 11. Home Page: LACAN, J. (1977). L’insu-que-sait de l’une-bévue s’aile à mourre. In: BIBLIOTECA DO CAMPO PSICANALÍTICO. Disponivel em: < www. campopsicanalitico.com.br >. Acesso em: 04 de fev. 2012. 12. Fontes eletrônicas: LERAY, P. (2011). Le reel après la passe. In: Wunsch 10. Disponível em: <http://www.champlacanien.net/public/docu/4/wunsch10. pdf>. Acesso em: 05 de abril de 2012. Outras dúvidas poderão ser sanadas consultando-se a versão original da ABNT 6023, como dito anteriormente, ou eventualmente endereçadas à Equipe de Publicação da Revista Stylus (EPS) para o e-mail revistastylus@yahoo. com.br
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Sobre os autores Ana Laura Prates Pacheco Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica pela USP. Pós-Doutorado em Psicanálise na UERJ. Psicanalista. Membro e atual Diretora da EPFCL – Brasil (2010-2012). Membro do FCL – SP. AME da EPFCL. Coordenadora da Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância. Autora de “Feminilidade e experiência psicanalítica” (2001). Email: analauraprates@terra.com.br
Ana Paula Lacorte Gianesi Psicanalista. Doutora pelo Instituto de Psicologia da USP e Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano/ Fórum São Paulo. Email: anapaulagianesi@yahoo.com.br
Andrea Hortélio Fernandes Psicóloga. Doutora em Psicopatologia e Psicanálise (Paris 7), Professora Adjunta da Graduação e Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade Federal da Bahia. AME da EPFCL - Brasil/ Fórum Salvador. Membro da Associação Científica Campo Psicanalítico em Salvador. E-mail: ahfernandes@terra.com.br
Andréa Rodrigues Psicanalista, Membro da EPFCL-Brasil e Coordenadora do Fórum de Fortaleza. E-mail: andreahr@secrel.com.br
Ângela Mucida Doutora em Psicologia/psicanálise, Mestre em Filosofia. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Professora universitária. Autora dos livros: O sujeito não envelhece- Psicanálise e Velhice e Escrita de uma memória que não se apaga. E-mail: angelamucida@gmail.com
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Antonio Quinet Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VII (Vincennes), Professor do Mestrado de Psicanálise (UVA). AME da Escola de Psicanálise Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum Rio de Janeiro. Dramaturgo e Diretor da Cia. Inconsciente em Cena (RJ). E-mail: quinet@openlink.com.br
Bárbara Maria Brandão Guatimosim Psicanalista, Membro da EPFCL – Brasil. Organizadora do livro “Em torno do cartel” – Edição da AFCL, 2004. Artigos publicados em várias revistas e coletâneas de psicanálise. Mestranda em Estudos literários na linha de pesquisa Literatura e Psicanálise, UFMG / FALE. E-mail: bguatimosim@bol.com.br
Bernard Nominé Psicanalista. Psiquiatra à Pau. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Ensinante no Colégio Clínico de Psicanálise do Sudoeste da França. E-mail: ber.nomine@free.fr
Carlos Eduardo Frazão Meirelles Psicanalista, Membro do Fórum do Campo Lacaniano São Paulo. Psicólogo, com Graduação e Mestrado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E-mail: frazaomeirelles@gmail.com
Luis Izcovich Psicanalista, Psiquiatra em Paris. Doutor em Psicanálise pela Universidade de Paris VIII. A.M.E. da EPFCL. Ensinante no Colégio Clínico de Paris. E-mail: alizco@wanadoo.fr
Luis Guilherme Coelho Mola Psicanalista, doutor em Psicologia pelo IPUSP e pesquisador do Núcleo de Psicanálise e Sociedade da PUC-SP. Membro do Fórum do Campo Lacaniano – São Paulo Email: lgcoelho@uol.com.br
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Maria Claudia Formigoni Psicóloga pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Clínica e Psicanálise e Linguagem pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo HC-FMUSP. Mestranda do Núcleo Psicanálise e Sociedade do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP. E-mail: mclaudiaformigoni@yahoo.com.br
Marcelo Mazzuca Psicanalista. Docente e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires. AE da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Coordenador do Espaço-Escola do Fórum Analítico de Río de la Plata e ensinante no Colégio Clínico de Río de la Plata. Autor dos livros “Uma voz que se faz letra: uma leitura psicanalítica da biografia de Charly García (2009)”, “Ecos do passe” (2011) e “A histérica e seu sintoma” (2012), publicados por Editorial Letra Viva. E-mail: memazzuca@gmail.com
Raul Albino Pacheco Filho Psicólogo com especialização em Psicologia Clínica. Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL - Brasil) e da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum de São Paulo). Professor Titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atuando na graduação e na pós-graduação, onde coordena o Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Sociedade. E-mail: raulpachecofilho@uol.com.br
Roberta Luna da Costa Freire Russo Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil/ Fórum Natal. Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: lunarobe@yahoo.com.br
Rosanne Grippi. Psicóloga. Psicanalista Membro da IF-EPFCL/Fórum Rio de Janeiro. E-mail: rogrippi@yahoo.com.br
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Silvana Pessoa Especialista em Psicologia Clínica. Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Psicanalista. Membro Honorário da Associação Científica Campo Psicanalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil/ Fórum São Paulo. Ensinante em Formações Clínicas do Fórum do Campo Lacaniano – São Paulo. E-mail: silvanapessoa@uol.com.br
Sonia Borges Doutora em Psicologia da Educação PUC/SP. Professora do mestrado “Psicanálise, Saúde e Sociedade” na Universidade Veiga de Almeida. Psicanalista da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano Brasil- Fórum Rio de Janeiro.
Suzana Rosa Ramos Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo com Pós-graduação “lato sensu» nível de especialização em ARH pelo Centro Universitário Sant›Anna. Email: suzanarosaramos@yahoo.com.br
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stylus, m. 1. (Em geral ) Instrumento formado de haste pontiaguda. 2. (Em especial ) Estilo, ponteiro de ferro, de osso ou marfim, com uma extremidade afiada em ponta, que servia para escrever em tabuinhas enceradas, e com a outra extremidade chata, para raspar (apagar) o que se tinha escrito / / stilum vertere in tabulis, Cic., apagar (servindo-se da parte chata do estilo). 3. Composição escrita, escrito. 4. Maneira de escrever, estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de outros utensílios: a) Sonda usada na agricultura; b) Barra de ferro ou estaca pontiaguda cravada no chão para nela se estetarem os inimigos quando atacam as linhas contrárias.
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Pareceristas do número 24 Ana Paula Gianesi (EPFCL - São Paulo) Andréa Franco Milagres (EPFCL- Belo Horizonte) Angela Diniz Costa (EPFCL- Belo Horizonte) Angela Mucida (Newton Paiva / EPFCL- Belo Horizonte) Angélia Teixeira (UFBA / EPFCL – Salvador) Conrado Ramos (PUC-SP/ EPFCL - São Paulo) Gabriel Lombardi (UBA/ EPFCL- Buenos Aires) Graça Pamplona (EPFCL – Petrópolis) Eliane Schermann (UFRJ/ EPFCL-Rio de Janeiro) Kátia Botelho (PUC-MG / EPFCL- Belo Horizonte) Sonia Borges (EPFCL - Rio de Janeiro) Vera Pollo (PUC–RJ / UVA / EPFCL- Rio de Janeiro) Zilda Machado (EPFCL- Belo Horizonte)
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“Lembro-me que é pela lógica que esse discurso toca o real, ao reencontrá-lo como impossível, donde é esse que a eleva a sua potencia extrema: ciência, disse eu, do real.” Jacques Lacan O aturdito (1972) “Esse algo em que o psicanalista, ao interpretar, produz a intrusão do significante, esfalfo-me para que ele não o tome por uma coisa, já que se trata de uma falha, e estrutural.” Jaques Lacan R adiofonia (1970)