associação fóruns do campo lacaniano
stylus revista de psicanálise
IStylus I Rio de Janeiro I n° 171
p.1-1561 novembro 20081
© 2008, Associação Fóruns do campo Lacaniano (AFCL) Todos os direitos reservados, nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito. Stylus Revista de Psicanálise é uma pubLcação semestral da AssociAÇÃO FóRUNS DO CAMPO LACANIANO Rua Goethe, 66 · 2° Andar· Botafogo- CEP 22281-020 ·Rio deJaneiro/RJ ·Brasil fclrj@fcclrio.org.br
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STYLUS : revista de psicanálise, n. 17, novembro de 2008 Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano. 17 x24 em. Resumos em português e em inglês em todos os artigos. Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X 1. Psicanálise. 2. Psicanalistas - Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana.PsicanáLse e arte. PsicanáLse e literarura. Psicanálise e poÜtica. CDD: 50.195
,
.
sumario Editorial: Andréa Brunetto
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ensa1os 11 23 37 45
Carlos Guevara: A psicanálise, o sintoma, a época Leonardo S. Rodriguez: O ser-para-o-sexo Maria Angélia Teixeira: Modulação pulsional do tempo André M. Teixeira: Toxicomania e a hora da verdade
trabalho crítico com os conceitos 57 65 75
Marc Strauss: O tempo do desejo, os tempos da interpretação, o tempo do ato Luis lzcovich: A pressa e a saída Raul Albino Pacheco Filho: A posição do sujeito no laço totalitário do capitalismo contemporâneo.
direção do tratamento 87 95 111
Elisabeth Rocha Miranda: O Tempo na histeria e o fora do tempo do não-todo. Mikel Plazaola: Um caso clínico: a questão da psicossomática Martine Menes: Tu/ er la mort
entrevista 121
Andréa Brunetto entrevista Sonia Alberti: A psicanálise e o Campo Lacaniano no Brasil hoje
resenhas 133 137 141
Alba Abreu Lima: A parte obscura de nós mesmos: umc:~ história dos perversos, de Elizabeth Roudinesco Leandro Alves Rodrigues dos Santos: A bc:~tedom de Lc:~can : lembranças de umc:~ estenotipistc:~ irritc:~da, de Maria Pierrakos Lia Silveira: Psicanálise e educação: sobre Hejesto, Édipo e outros desc:~mpc:~rados dos dic:~s de hoje, de Andréa Brunetto.
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contents 7
Editorial: Andréa Brunetto
essays 11 23 37 45
Carlos Guevara: lhe psychoanalysis, the symptom, the epoch Leonardo S. Rodriguez: lhe being-for-sex Maria Angélia Teixeira: Time pulsional modulation André M. Teixeira: Toxicomany and the rime of truth
criticai paper with the concepts 57 65 75
Marc Strauss: Desire Time, lnterpretarion Times, Acring Time Luis lzcovich: Hurry and exit Raul Albino Pacheco Filho:lhe position of the subject in the totalitarian bond of the contemporary capitalism.
the direction d the treatment 87 95 111
Elisabeth Rocha Miranda: lhe time in hysteria and the out-of-time of the "not-all" Mikel Plazaola: A clinic case: the psychosomatic issue Martine Menes: Kill the death
interview 121
Andréa Brunetto interviews Sonia Alberti: lhe psychoanalysis and the Lacanian Field in Brasil
133 137
Alba Abreu Lima: Our dark side: A history ofperversion, by Eli:z;abeth Roudinesco Leandro Alves Rodrigues dos Santos: Transcribing Lacan's Seminars: Memoirs of a Disgruntled Keybasher Turned Psychoanalyst, by Maria Pierrakos Lia Silveira: Psychoanalysis and education: on Hephaestus, Oedipus and other current deserted people, by Andréa Brunetto
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Editorial Com Stylus 17, esta Comissão Editorial- Alba, Andréa Hortélio, Daniela, Maria Helena, Vera e eu - encerra a organi, zação dos últimos quatro números desta revista e agradece a res, ponsabilidade e o voto de confiança nela investidos. Em julho deste ano, realizou,se em São Paulo o V En, contro Internacional do Campo Lacaniano, tendo por tema "Os tempos do sujeito do inconsciente: a psicanálise no seu tempo e o tempo da psicanálisé: Daí a justificativa da temática desse núme, ro da revista. Vários dos seus artigos foram apresentados no en, contro, enviados para Stylus e selecionados para esta publicação. Qual o lugar para a psicanálise nos dias de hoje? Ou colo, cando a questão de outra forma: em tempos do capitalismo vo, raz, pode o sujeito subsistir? Essa pergunta perpassa a maioria dos trabalhos. Carlos Guevara apresenta,nos um panorama do efeito da DSM,IV na clínica, dos tratamentos rápidos e seus "es, tudos" que confirmam bons resultados, mostrando,nos: o efeito seria o sujeito reduzido ao seu único bem de mercado, seu corpo. E questiona o lugar da psicanálise diante disso tudo. A mesma pergunta norteia o trabalho de Leonardo S. Rodriguez, que nos conta de sua preocupação com o excesso de medicação antipsicótica dada às crianças na Austrália. O que não difere do que enfrentamos no Brasil, e talvez em toda parte: cada vez mais diag, nósticos de TDAH e medicalização da infância. Continuando: Rodriguez apresenta em seu artigo "O ser,para-o,sexo'; o caso clínico de uma criança que, em seu cerne, assemelha,se muito ao Caso Hans de Freud. Com isso ele responde: o sujeito do dese, jo permanece. É o viés tomado também pelo trabalho de Raul Pacheco Filho: Com uma leitura de Lacan e de Kojeve, lembra que o desejo por um objeto só é 'humano' se for mediatizado pelo desejo de um outro ser humano pelo mesmo objeto. O trabalho de André Magalhães Teixeira versa sobre o toxicômano, sobre sua posição de excluir,se das formações do inconsciente pela via tóxica. Talvez esse trabalho evidencie mais claramente o que ocorre com o apagamento do sujeito desejante: coloca,se como resto a consumir. Desta vez, a entrevista é com Sonia Alberti. Ela fala de seu
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1 Barros, Manoel. RetrQto do •rtist• qu•ndo coisa. RJISP: Record, 1998.
2 Barros, Manoel. Gramática expositiv• do chão. R]: Civilização Brasileira, 2'. ed., 1992.
trabalho no Colégio de Representantes da Internacional dos Fó~ runs, cargo que ocupou por dois anos, do qual está saindo, e faz um balanço do trabalho. Apresenta~nos sua impressão sobre o Campo Lacaniano no Brasil, bem como sobre a inserção da psi~ canálise na universidade. Acreditamos haver uma riqueza nessa compilação de arti~ gos, pois vão respondendo às questões sobre o sujeito e o lugar da psicanálise no mundo de hoje. E a resposta se dá pela clínica. A clínica é mostrada por Martine Menes, Elizabeth Rocha Miran~ da, Mikel Plazaola, Carlos Guevara e Leonardo S. Rodriguez. O homem inventou o tempo, tal como a linguagem, sus~ tenta Maria Angélia Teixeira. E a estratégia para lidar com o tem~ po e com o desejo, expresso na linguagem, define as estruturas clínicas. Ficando na neurose, os casos clínicos mostram~nos a histérica à espera de um homem de exceção - dou este exemplo, pois dois trabalhos o teorizam - e o obsessivo na "lutá' com a morte, aliás, o medo da morte que a criança~ filósofa atendida por Martine Menes decifra. Relendo o caso lembrei~me de Manoel de Barros, poeta das despalavras, do qual tenho a audácia de di~ zer 'sou conterrâneá: "morrer é uma coisa indestrutível"1 Luis Izcovich, falando do tempo no percurso de uma aná~ lise, parte de um momento de deciframento do sintoma para a pressa do momento de concluir, que está além da queda do SsS: permite o luto do objeto e faz ato. E, assim como o tempo define as estruturas clínicas, define os tempos do tratamento. É sobre isso que versa o trabalho de Marc Strauss. Ele distingue o tempo do desejo, da interpretação e do ato. No tempo do ato, o sujeito faz um corte, usa a linguagem de outra maneira que não de sem~ blantes. E termina seu texto relacionando o ato com o escrito. Ele permanece, ainda que poubellication, como portador da singulari~ dade de quem o cometeu. E falando em poubellication, cito novamente Manoel de Barros: "esse vício de amar as coisas jogadas fora - eis a minha competênciá'2 Andréa Brunetto
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O tempo na psicanálise
• ensaios
A psicanálise, o sintoma, a época1 CARLOS GuEVARA
Nossa intervenção desta noite situa~se no plano das noites preparatórias do encontro internacional de nossa escola, intitu~ lada: "Os tempos do sujeito do inconsciente': e interessa~se, de maneira particular, pelo eixo de trabalho sobre "A psicanálise no seu tempó: sem se esquecer do segundo eixo, o do "tempo na psi~ canálisé: visto que pretendemos conduzir uma reflexão a partir da experiência clínica. Empreitada nada fácil e bastante arriscada, pois tenta di~ zer alguma coisa sobre uma época que ultrapasse a simples de~ núncia das derivações. Porém é trabalho necessário e ressalta, a meu ver, um "não há escolhá: dado o atual estado das coisas. Daí a injunção de Lacan em seu escrito "Função e campo da fala e da linguagem": "Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. Pois, como po~ deria fazer de seu ser o eixo de tantas vidas quem nada soubesse da dialética que o com~ promete com essas vidas num movimento simbólico. Que ele conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das linguas':2 Portanto, avançaremos com algumas contestações. Primeira: o aparecimento, há algumas décadas, das novas entidades clínicas caracterizadas pelo agrupamento dos sintomas sob a denominação de "síndromé: ou que têm como suficiente a presença de um ou vários dos sintomas para definir um diagnós~ rico e que geralmente descrevem um comportamento que surge como anormal ou como uma disfunção. O campo dessas problemáticas é muito vasto e abrange entidades diversas, como a depressão, os distúrbios alimentares, a hiperatividade infantil, os TOCs e mesmo a proliferação de
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1 Intervenção feita na Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-França, nas noites preparatórias para o tema do Encontro Internacional: ·as tempos do sujeito do inconsciente. A psicanálise no seu tempo e o tempo na psicanálise: Paris, 26 de maio de 2008.
2 LACAN, Jacques. Fonction et champ de la parole et du langage
((1999, p. 319).
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doenças neurodegenerativas, tais como o mal de Alzheimer. Segunda: o encobrimento, ou ainda pior, a tentativa de apagamento da tradição clínica: da psicanálise e da psiquiatria clássica. A extinção da noção de histeria no catálogo de referência do mundo medicinal ("Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais - Dignostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM), atesta esse fato. Não somente a histeria encontra-se na berlinda; em geral, as neuroses cobertas pelos rótulos toes, depressão e outros e, mesmo as psicoses, no caso de pacientes de idade avançada, desaparecem em favor de diagnósticos do tipo neurológico, com a preeminência do popular mal de Alzheimer, diagnosticado para pessoas com mais de sessenta anos, e a depressão para outras faixas etárias. A terceira constatação surge a partir da segunda: trata-se da tendência de generalizar um rótulo preeminente em função das faixas etárias, seguindo uma certa concepção de desenvolvimento. + Durante a infância: a hiperatividade; • Na adolescência: os distúrbios alimentares e outras toxico mamas; • Na fase adulta: a depressão; • Para os idosos: "o Alzheimer': Nota-se que se começou a ultrapassar os limites de tal maneira que se ouve falar de crianças depressivas ou de Alzheimer precoce. Ademais, anunciam-nos a chegada, em breve, de um teste para estabelecer precocemente o mal d'Alzheimer ou identificar as pessoas com risco de desenvolvê-lo. Anúncio preocupante se considerarmos que o diagnóstico para as pessoas já doentes é sempre aproximativo. Portanto, aparecem entidades clínicas que têm efeitos epidêmicos. A quarta constatação é a formação de grupos ao redor desses rótulos. Os serviços públicos sociais e de saúde mental, as associações de assistência mútua e as ONGs com vocação terapêutica agrupam indivíduos segundo a etiqueta patológica que lhes é colada. Com DSM-IV apresentando o catálogo, passa-se, assim, dos grupos de alcoólicos anônimos a toda espécie de grupos que, anônimos ou não, adotam como critério de adesão a referência patológica. Com o aparecimento da Internet em particular, essas formações de grupos são propostas pelos mesmos sujeitos, que
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O tempo na psicanálise
identificados pelo rótulo, formam uma comunidade. Eu voltarei aqui com uma referência clínica. Quinta constatação: o discurso científico propõe para curar esses sintomas produtos químicos, farmacêuticos, técnicas ou te~ rapias que visam à correção de um comportamento ou à adapta~ ção. Ou seja, a combinação de três abordagens. As Terapias Cog~ nitivo~Comportamentais (TCC's), por exemplo, se apresentam como uma técnica de reabilitação dos comportamentos ajustados a um meio sociotécnico. A Associação Francesa de Terapia Comportamental e Cognitiva (AFTCC) apresenta as terapias comportamentais e cognitivas como "um novo aprendizadó' que virá retificar um comportamento patológico. Citação: "( ... )elas têm em comum um suporte teórico: o procedimento científico experimental e as teorias de aprendizado. Em situação clínica, um comportamentalista considera que um comportamento inadaptado (por exemplo, uma fobia) foi aprendido em certas situações, e depois mantido pelas contingências do am~ biente. A terapia procurará então, por uma nova aprendizagem, substituir o comporta~ mento inadaptado por aquele que o paciente deseja. O terapeuta define com o paciente os objetivos a atingir, e assim favorece essa nova aprendizagem construindo uma estratégia adaptadá'3. As TCC fundam sua autoridade sobre uma avaliação que lhes permita demonstrar uma eficácia superior a todo outro tra~ tamento químico, psicoterapêutico ou psicanalítico. Esse resul~ tado seria verificado por estudos "controlados" que confirmariam esse sucesso, em particular nas fobias, transtornos de ansiedade, compulsivos e sexuais, sem esquecer "a reabilitação" dos pacientes psicóticos crônicos. A esse propósito, Carmen Gallano, em seu trabalho: "A to~ mada do corpo no mal~estar contemporâneo'; nos diz: "lá onde estoura o sujeito, dividido pelo gozo que afeta o indivíduo e o corpo, a tecnologia científica cauteriza, sutura a divisão. Seja com seus equivalentes de TOC, de se deleitar ao máximo, ou com os
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Cf. o endereço de imernet da AFTCC: http:/ /www.aftcc.org/ therapie.html
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4 Gallano, Carmen. La prise du corps dans le malaise conremporain, (2005, p.22).
5 LACAN,Jacques. Coletiva de imprensa no Centro Culrural Francês, em 29 de ou rubro de
1974.
'Ibid., p. 50.
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psicofármacos produzidos pelos laboratórios, seja então o curto~ circuito, com os cortes e a costura de uma cirurgia:'4 Na América Latina, por exemplo, pode~se observar a procura maciça pela ci~ rurgia estética por adolescentes e mulheres adultas que tentam sanar sua dor de viver. Em·~ Terceirá' de 1974, Lacan, que se inquietava com os efeitos do discurso científico, anunciava~nos as futuras mudanças e o retorno em força da religião: ·~ ciência vai introduzir tais convulsões que será preciso que, a todas essas convulsões, elas dêem um sentido. E, no que diz a respei~ to ao sentido, elas sabem o que fazem. Elas são capazes de dar um sentido, pode~se di~ zer, realmente a qualquer coisa, um sentido à vida humana, por exemplo. São formadas para isso. Desde o começo, tudo o que é reli~ gião consiste em dar um sentido às coisas que eram outrora as coisas naturais:15 Somos forçados a constatar a existência disso, de que ofe~ rendas religiosas se multiplicam, mesmo vestidas como terapias de bem estar, em paralelo com todas as técnicas e dispositivos produzidos pela tecnologia e distribuídos pelo mercado. Isso pode nos dar uma idéia de por que, ainda na mesma coletiva, so~ bre a questão do sintoma social, Lacan dissera: "Há apenas um sintoma social: cada indivíduo é realmente um proletário, isto é, não tem nenhum discurso com que fazer laço social, em outras palavras, semblante. Foi ao que Marx remediou de uma maneira incrível':6 O sujeito é reduzido ao seu puro valor de mercado, mas o livre mercado dos corpos e dos objetos não poupa os sujeitos da agonia. A agonia, diz Lacan, adverte o proletariado a que ele está reduzido: seu único capital é seu corpo, mas é um capital que ele, dificilmente, acredita ter. Seu corpo é um "capital escravó: toma~ do pela máquina da produção, ele é despojado. Seu corpo deve ser produtivo, rentável, ele deve gastá~lo até perder o seu proveito, assim, perdendo de uma só vez sua identidade. Lacan nos recorda: o sintoma mostra o que não está indo bem, aquilo que não funciona, isto é, o real que escapa a toda tentativa de apreensão. Permitam~nos evocar, de passagem, que
O tempo na psicanálise
na "Terceirá; Lacan anuncia a chegada de formas maciças e radi~ cais de segregação. É preciso dizer, a atual utilização de etiquetas patológicas presta~se a isso e, por outro lado, a rejeição do que é estranho está cada vez mais evidente e, modulada somente pelo critério de mercado, ou seja, útil como proletário ou mão~de~ obra, critério prevalente de assimilação. Então, qual é o lugar da psicanálise em tudo isso? Qual é a sua função? Eis a questão central proferida por Lacan na "Ter~ ceirá: E para responder, eu gostaria de citá~lo ainda na mesma conferência: "O sentido do sintoma depende do futuro do real, portanto, como eu disse à imprensa, do êxito da psicanálise. O que se pede a ela, é nos libertar e assim nos libertar do real e do sinto~ ma também. Se ela suceder, terá sucesso neste pedido, pode~se esperar tudo, quem sabe, um retomo da verdadeira religião, por exemplo, que como vocês sabem não parece estar definhan~ do. A verdadeira religião não é louca, todas as esperanças lhe servem, se assim posso dizer; ela as santifica...... Mas se a psicanálise tiver êxito, ela se apagará por não ser senão um sintoma esquecido. Ela não deve se espantar com isso, é o destino da verdade tal qual ela mesma o co~ loca no princípio. A verdade é esquecida. Logo, tudo depende de que o real insista. Para isso, é preciso que a psicanálise fracasse. É preciso re~ conhecer que ela toma caminho e que tem ain~ da boas chances de permanecer um sintoma, de crescer e de se multiplicar. Psicanalista não mortos, carta segue! Mas de qualquer forma, desconfiem. Isso talvez seja minha mensagem sob uma forma invertidá? A resposta da psicanálise face ao pedido de erradicar o sin~ toma consiste em falhar, ou seja, tem de fazer valer a parte irredu~ tível do sintoma, a sua dimensão real. Com Freud e Lacan, a psicanálise funda sua experiência a partir de uma concepção do sintoma que está no extremo opos~ to da lógica do discurso científico atual e do pedido do discurso
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' Ibid., p.56.
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8 LACAN,Jaques. L< Seminair< 5 : lts formations dt l'inconscient, (1998. p. 320).
'lbid. p. 326.
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lbid. p. 324.
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capitalista. Gostaríamos de situar rapidamente alguns momentos da elaboração dessa noção, ilustrados pelos ditos de uma paciente em momentos diferentes de seu tratamento: Em O seminário, livro 5: as formações do inconsciente, Lacan, retomando Freud, precisa a sua dimensão metafórica e sua arti~ culação sobre o desejo: "Em que foi que a descoberta freudiana depositou a ênfase em seu início2 No desejo. O que Freud des~ cobriu essencialmente, o que ele apreendeu nos sintomas, fossem estes quais fossem, quer se tratasse de sintomas patológicos, quer se tratasse do que ele interpretou no que até então se apresentava como mais ou menos redutível a vida normal, como o sonho, por exemplo, foi sempre um desejo''S. Isso nos faz observar que, para Freud, é a dimensão da satisfação do desejo que é central e que no sintoma é problemática, visto que aí aparece como uma satisfação ao inverso. Desse ponto de vista, o desejo aparece ligado a alguma coisa que é a sua aparência e a sua máscara: "Digamos que o sujeito se interessa, que está implicado na situação de desejo, e é essencial~ mente isso que é representado por um sinto~ ma, o que traz, aqui, a idéia de máscara. A idéia de máscara significa que o desejo se apresenta sob uma forma ambígua, que jus~ tamente não nos permite orientar o sujeito em relação a esse ou aquele objeto da situa~ ção. Há um interesse do sujeito na situação como tal, isto é, na relação desejante. É pre~ cisamente isso que é exprimido pelo sintoma que aparece, e é isso que chamo de elemento de máscara do sintoma. É a propósito disso que Freud pode nos dizer que o sintoma fala na sessão:' 9 A partir dessas considerações, aparece uma concepção do sintoma como algo que, de um lado, representa um desejo ocul~ to; de outro, segundamente fala, isto é, traz alguma coisa a ser decifrada; em seguida, mascara o desejo. Aliás, Lacan apresen~ ta no mesmo seminário uma fórmula geral do sintoma: "Chamo aqui sintoma em seu sentido mais geral, tanto o sintoma mórbido quanto o sonho, ou qualquer coisa analisável. O que chamo de sintoma é o que é analisável:'10
O tempo na psicanálise
A paciente é uma jovem professora de 25 anos. No começo ela disse-nos ter vindo se consultar porque era "depressivá: Observa-se que existe diferença entre se dizer depressivo e estar passando por um momento difícil, ou um momento de depressão, ou uma fase depressiva. Ao interrogá-la sobre o que ela queria dizer com isso, descreve-me uma série de sintomas ou de dificuldades que se podem achar associadas à dita depressão no DSM: insônia, falta de apetite, incapacidade de trabalhar, idéias suicidas, etc. Ademais, ela está sob tratamento à base de antidepressivos e licenciada por doença crônica há um ano. Havia passado pelo seu médico generalista que lhe prescrevera tratamento; em seguida, passou pelo consultório da psiquiatra pública encarregada de validar a necessidade de uma licença por doença crônica. Esta médica lhe havia indicado uma psicoterapia comportamental, que acabou dando em nada. O primeiro tempo das entrevistas lhe permite falar, se autorizar a falar de tudo o que lhe havia acontecido, do que ela fazia ou não fazia mais, dos seus momentos de crise de bulirnia alternados por censura e privações alimentares, do corpo não amado por ela e de todo o escondido que produzia vergonha. Num segundo tempo, ela situa os momentos de articulação de sua depressão. Ela começa a restituir a história de seu sofrimento, conta sobre uma primeira situação traumática: em classe, seus alunos não a obedecem, fazem muita bagunça, zombam dela. Por conta disso, desenvolve uma grande crise que a impossibilita de retomar o trabalho. Em seguida, fala de sua vida sentimental e sexual, das dificuldades que tem com seu parceiro com quem mora junto. Não se passa muita coisa entre eles, a simples evocação da sexualidade é muito difícil para ela e, ainda mais difícil, são suas já conhecidas dificuldades para aceitar relações, pela impossibilidade de sentir prazer etc. Ela revela a rede significante que lhe permite percorrer a história de seu sofrimento e também de suas escolhas e motivações: ela fala da escolha de sua profissão, uma maneira de agradar a seu pai, e se lembra de uma frase recorrente dele e detestada por ela, usada, ao mesmo tempo, para lhe significar seu amor: "você está gorda, minha filha': Enfim, ela revela o que se nomeia com Freud de novela familiar e identifica as coordenadas do seu
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''La Troisibne. Op. Cit p. 61.
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desejo. Não vamos evocar aqui todos os elementos de sua histó~ ria, pois nosso interesse reside em mostrar que a dimensão deci~ frável do sintoma permite colocar em evidência a estrutura neu~ rótica posicionada atrás da identificação da etiqueta "depressão': A esse respeito é muito interessante dizer que, ao final de um certo tempo e de certos progressos importantes, pois um bom número de sintomas haviam cedido, ela contou que desde algum tempo havia criado e moderado um fórum na internet para depressivos, e depois havia feito o mesmo com outros parti~ cipantes, só que aí esse fórum tornou~se muito obscuro, sombrio. Decidiram então criar um novo fórum, direcionado mais para depressivos lights. Essa é uma maneira de situar um momento de progresso em seu tratamento, redução do sintoma, redução do gozo, efeito sobre a identificação ao significante "depressivó: Gostaríamos de sublinhar que a questão dela"ser depressiva" aca~ bou dando lugar a uma interrogação sobre o ser mulher. Nesse sentido, os medicamentos não estão mais na ordem do dia e ela passa de um pedido terapêutico a um trabalho sobre o seu desejo e seu ser. A esse respeito, recordamos uma observação de Colette Soler, no seminário Escola, quando ela disse que a psicanálise não pode prometer a um sujeito a felicidade, mas pode lhe permitir fazer~se um ser. O fato de o sintoma advir do real, tal como Lacan disse em "Real, Simbólico, Imaginário" (RSI), não está de modo algum em contradição com a dimensão simbólica, com a mensagem ou com o fato de se saber decifrar o sintoma, operação necessária para ocorrer uma redução, posto que o sintoma é o efeito do simbólico sobre o real. Assim Lacan diz em a Terceira: "O sujeito supos~ to saber que é o analista na transferência não é por nada que é suposto se ele sabe em que consiste o inconsciente, em ser um saber que se articula d'alíngua, o corpo que aí fala só estando nela enodado pelo real do que ele se goza:' 11 ~ Experiência de decifrar, de redução do gozo, experiência de dizer que pode permitir a um sujeito fazer~se um ser. Embora o real provenha de um impossível a dizer ~ mas também de um impossível calar~se, suturar, encher ~ as técnicas e dispositivos sempre acharão seu ponto de limite. Seria necessário, em contrapartida, poder continuar a escutá~lo e lhe preservar o lugar, seu justo valor, se é que podemos usar essa expressão.
O tempo na psicanálise
Em relação à nossa época, é importante continuar a fazer valer a dimensão subjetiva, que está por trás dos novos sintomas, mas consideramos não ser suficiente apenas denunciar essas de~ rivações, convém ainda nos interessarmos pelos modos de deleite ou gozo dos quais os sujeito de nossa época dão prova. Tradução: Bruno R. Tasso Revisão: Alba Abreu Lima
referências bibliográficas GALLANO, Carmen.« La prise du corps dans le malaise contemporain ». Document n" 6. Diagonales de l'option épistémique. EPFCL. 2005. LACAN, Jacques. « Fonction et champ de la parole et du langage: In Ecrits. Paris: Editions Seuil. 1999. LACAN, Jacques. Coletiva de imprensa no Centro Cultural Francês, em 29 de outubro de 1974. In «La troisieme». Documento de trabalho organizado por VALAS, Patrick. LACAN,Jaques. Le Seminaire 5: les Jormations de l'inconscient. Paris: Editions du Seuil. 1998.
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resumo O presente trabalho procura estabelecer, minimamente, os contornos do lugar da psicanálise na época atual. Para tanto, é preciso identificar desde já os traços do que faz "nossa épocá' e, em seguida, o argumento sobre o qual a psicanálise articula sua prática, sempre levando em conta as mudanças sociais, culturais, etc. Em Fonction et champ, Lacan nos falava da palavra e da linguagem: "Que antes renuncie a isso quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época': Portanto, é importante situar a concepção que se faz do Sintoma, interna e externamente, no interior da psicanálise e no discurso corrente, no discurso científico. A esse respeito, o trabalho apresenta algumas constatações sobre a maneira como são criadas e utilizadas as novas entidades clínicas e as formas de identificação que são produzidas para os sujeitos e no vínculo social; em seguida, a exploração que é feita dessas etiquetas pelo discurso capitalista. Essa refelexão nos permite, então, estabelecer uma concepção do sintoma psicanálitico que não corresponde àquela do discurso científico e que não busca os mesmos objetivos. Lá onde a procura é aquela de apagar o sintoma, a resposta da psicanálise será conceder a ele seu lugar cerro, o lugar do real que conhecemos como irredutível e que constitui o coração do sintoma. Diante dos imperativos do mercado, a resposta ética da psicanálise. Com a ajuda de um caso clínico, apresenta-se uma tentativa de elaboração do lugar a ser guardado para o psicanalista ao enfrentar o sujeito que dirige sua pergunta a partir dos ditos "novos sintomas':
palavras-chave Sintoma, novos sintomas, depressão, psicanálise em seu tempo, real
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O tempo na psicanálise
a6stract This work looks forward establishing. at least, the oucline of the present time psychoanalysis. In order to accomplish this, it is necessary to identify, since the beggining. the aspects of"our age" and, after that, the purpose over which the psychoanalysis articulare its practice, always taking into consideration the social and cultural changes. In Fonction et champ, Lacan would talk about the word and the language: "The one who refuses it, then, is the one who does manage to unite the subjectivity of his time to his horizorĂ: Therefore, it is important to place the conception of Symptom, internally and externally; inside the psychoanalysis and the rurrent speech, the scienti1ic speech. In relation to this, the work presents some verifications about how the new entities are created and used; and the types of identi1ication produced to the subjects and in the sociallink; afterwards, the exploitation of these labels by the capitalist speech. This reflection allows the establishment of a psychoanalytic symptom conception that does not correspond to that of the scientific speech and does not search for the same objectives. In this place where the search is for effacing the symptom, the psychoanalysis answer will be to confer him his right place, the place of the real that we know as irreducible and that constitutes the heart of the symptom. To meet the market imperatives, the psychoanalysis ethical response. Supported by a clinic case, this work presents an attempt to elaborare the place for the psychoanalyst when he faces the subject who adresses his question from the called "new symptoms':
key words Symptom, new Symptoms, depression, psychoanalysis in its time, real
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recebido 04/07/2008
aprovado 08/08/2008
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O tempo na psicanรกlise
O ser. .para . . o . .sexo 1 LEONARDO
S. RoDRIGUEZ
dé~icits da atenção 1
O discurso psicanalítico, quanto ao vínculo social, tem uma dimensão política (algo que Jacques Lacan enfatizou), e às vezes nos conduz para fora de nossos consultórios. Recentemente, um colega e eu, representando o "Centro Australiano de Psicanálise'; comparecemos a uma comissão parlamentar de pesquisa sobre a prescrição de drogas psicotrópicas e estimulantes à população infantil, cuja magnitude tem alcançado proporções alarmantes na Austrália e em outros países. Em muitos de nós, que trabalhamos com crianças e adolescentes, existe uma intensa preocupação acerca do uso cada vez maior de medicamentos chamados "antipsicóticos'; no caso de crianças muito pequenas, e, em particular, acerca dos psicoestimulantes, receitados para o tratamento da hiperatividade e de transtornos de atenção. Falamos com os parlamentares acerca dos testemunhos que recebemos, no discurso psicanalítico, da parte de crianças presumivelmente afetadas por tais desordens e de seus pais. Os parlamentares mostraram sinais de inquietação quando nos referimos à conexão, verificável e presente em muitos casos, entre sinais e sintomas apresentados pelas crianças e os conflitos de ordem sexual entre os pais e entre os pais e as crianças. Porém, apesar da inquietação inicial e como os parlamentares australianos ainda são sensíveis à questão sexual, conseguimos ter uma conversa agradável. Pelo que sei até agora, e no melhor acervo das investigações parlamentares, a prescrição de estimulantes, não tem produzido nenhum resultado. Os médicos seguem prescrevendo agentes psicofarmacológicos em quantidades cada vez maiores. Isto é meramente anedótico, mas se o menciono é porque, no curso da conversação com os membros do parlamento, um momento significativo de minha formação como psicanalista retornou a minha memória. Contei a vocês a história dos parlamentares como uma ilustração da idéia de que os sintomas nos
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Conferência proferida no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 2007 por ocasião das VIII Jornadas inriruladas "O serpara-o-sexo': Havia preparado esta apresentação em inglês e a havia inrirulado &ing-unto-sex. Em inglês, o ·ser-para-a-morte · heideggeriano traduziu-se para &ing-unto-death. Unto é uma palavra arcaica, contração de até e para, que aind.a se usa em ocasiões especiais para significar ·para· e outras relações possíveis.
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Referência ao seminário de Lacan" Les non-dupes-errenc'; Os não-rolos-erram, que lãz homofonia com Les non-dupêre, os nomes-do-pai.
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seres humanos, de qualquer idade, surgem em razão dos dramas em que estão imersos. O episódio em questão concerne um sintoma que genuinamente pode identificar-se como hiperatividade - ou hipercinesia, como se chamava até então. Trabalhava no departamento de psiquiatria da criança e adolescência de um hospital geral, e atendi pela primeira vez um menino de três anos de idade e a seus país. O menino entrou em meu consultório como um "tornado" e saltou sobre minha escrivaninha; dali voltou a saltar e caiu sobre um armário de documentos, e no curso dos próximos segundos, enquanto eu tentava me repor do impacto que o pequeno furacão humano havia provocado, ele desapareceu. Desapareceu e só reapareceu meia hora depois, em meio a uma sala de operações no outro extremo do hospital. Sem dúvida, isso era hiperatividade. Apresentei então o caso na reunião de discussão de casos clínicos que conduzia nosso supervisor, o Professor Mauricio Knobel, clínico experiente e astuto, psiquiatra de crianças e psicanalista de orientação neokleiniana, como muitos de sua geração em Buenos Aires. O professor escutou atentamente e depois me perguntou: "Bem, agora me diga: quem dorme com quem nessa famíliat Isso eu não tinha averiguado, como talvez não tenha averiguado umas tantas outras coisas: demasiado jovem e naif sem remédio, não tinha ideia do que não sabia. Era um dupe.l "Olhe'; disse o professor, "isso é a primeira coisa que você deve averiguar em um caso de hipercinesia - em verdade, também em todos os outros casos': Levei em consideração a recomendação do professor; continuo levando, quarenta anos depois, e nunca me falhou. Sei que agora existem casos de hiperatividade e de transtornos de atenção em que uma etiologia orgânica é provável; mas, ainda nesses casos, os sintomas adquirem um valor decisivo para o sujeito em função de sua captura pela sexualidade inconsciente. Em dezenas de crianças tratadas por mim, e em mais crianças cujo tratamento supervisionei, sempre tem existido uma relação positiva entre o corpo hiperativo, superexcitado da criança e o encontro sexual insatisfatório, hipoativo dos corpos dos pais. Estes não encontram outra solução para a falta de satisfação sexual, falta de amor mútuo e a renúncia neurótica de seu desejo senão (literalmente) trazer a criança a sua cama, a fim de compensar a falta de
O tempo na psicanálise
aparelhamento sexual e realizar fantasmaticamente a impossibili~ dade da (co )relação sexual. Os pais realizam essa impossibilidade através de ações que têm efeitos traumatizantes reais, em canso~ nâncía com o que Lacan descreve em sua "Nota sobre a criançá': a realização do fantasma da mãe através do corpo real da criança3• Os pais tentam concretizar a harmonia das duas metades com~ plementares da esfera erótica mítica mediante a introdução de um terceiro, a criança, de cal maneira que "combinam" um com o outro, evitando ao mesmo tempo o contato direto entre seus pró~ prios corpos. O problema para a criança (e também para os pais, ainda que com um impacto diferente) é que ela vive em um corpo, o seu, e esse corpo está feito de uma substância excitável, o gozo, ao qual Lacan chama substância gozante Uouissant); substância, portanto, que se transforma em hiperestimulada, superestimula~ da pelos corpos insatisfeitos, infelizes, dos pais. Tipicamente os pais negam serem eles a trazer a criança para sua cama; afirmam, pelo contrário, que têm feito todo o possível para ela dormir em sua cama, mas ela se queixa de que não pode dormir só, tem so~ nhos ruins ou, enquanto permanece acordada, medos terríveis, e quer desesperadamente a companhia de seus pais, "ainda que só por um instantinho': Naturalmente, existem variações dessa cena, mas a cons~ relação familiar continua sendo a mesma: a criança empresta seu próprio corpo para funcionar como substituto (ineficaz, sem possibilidade de êxito) do que não tem remédio ~ ou parece não possuí~ lo, posto que a situação pode mudar ~ na vida (ou mortd) sexual do casal. O corpo real da criança é ativado por um gozo desprovido de guia, cuja única orientação é a cena descrita, que deixa todos seus atores irritados e mal dormidos. A hiperativi~ dade não é outra coisa, senão uma manifestação de angústia, um estado invasor de angústia sem resolução. O déficit da atenção, habitualmente acompanhante desta superexcitação e hiperatividade angustiosa da criança, é conco~ mirante. Na nosologia psiquiátrica corrente, a do DSM~ IV, se distinguem duas síndromes: ADH, 'Attention Deficit Disorder'; ou "Transtorno devido a um déficit da atenção'; e o ADHD, 'Ar~ tention Deficit Hiperactivity Disorder'; ou "Transtorno de défi~ cit da atenção, com hiperacividade':4 A tentativa de reduzir tais "transtornos" a desequilíbrios bioquímicas resulta na foraclusão
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Lacan. Nota sobre a criança
(2003, p.369).
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DSM-IV-TR.Manual
Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (2003, p.ll4).
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da dimensão subjetiva, que sempre esteve presente na função hu~ mana da atenção. A experiência analítica verifica que a chamada desordem (disorder) da atenção representa uma ordem subja~ cente, se bem patológica: trata~se, não de um déficit, mas de um deslocamento da atenção. Ao invés de se concentrar na lição da professora (tal como o querem seus pais, a professora e a estrutu~ ra educativa inteira), a criança se concentra no drama trágico que transcorre em sua casa, preocupada com a infelicidade dos pais que lhe parecem completamente incompetentes, e mais infantis que as próprias crianças, em sua maneira de enfrentar a desgraça. Não quero postular uma constelação etiológica universal para a hiperatividade e os transtornos de atenção nas crianças. Estou simplesmente descrevendo uma constelação familiar típi~ ca e a sintomatologia correlativa, em muitos casos que passaram pelo discurso analítico. Mas devemos levar em conta que o dis~ curso analítico é o único discurso em que certas realidades huma~ nas podem chegar a ser bem conhecidas. A constituição de sin~ tomas é função, por um lado, dos efeitos contingentes e erráticos dos significantes que ocuparam posições cruciais na história do sujeito. Os sintomas, por outro lado - "a vida sexual do neuró~ tico'; como dizia Freud ~ são o produto do caráter indomável do gozo real. É possível encontrar séries etiológicas diferentes das descritas por mim para o que são quadros clínicos típicos; e é possível também que sintomas diferentes apareçam em relação à mesma constelação etiológica. Por exemplo, em minha experiên~ cia, os transtornos da atenção e as dificuldades de concentração no trabalho escolar são considerados muitos mais significativos e patológicos por pais que têm expectativas muito altas acerca do progresso escolar de suas crianças, e essa atitude tem efeitos sobre os próprios sintomas. Tais pais tendem a ser menos tolerantes que outros acerca dos efeitos sintomáticos de seus próprios impasses e infelicidade sexual em seu filhos.
um menino de seis anos com insônia Há não muito tempo, recebi uma mãe jovem, angustiada, muito preocupada com seu filho de seis anos, inundada por um sentimento de culpa. Chorou quase todo o tempo da primeira entrevista. Disse sentir~se responsável por ter arruinado a vida
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do filho, o mais velho de dois; tem outro filho, de doze meses de idade. Contou~me que dedicou demasiado tempo e esforços a sua profissão ~ é uma cientista e trabalha em pesquisa. Até recente~ mente, costumava deixar seu filho aos cuidados de seus próprios pais, e depois, quando regressava à casa, sentia~se muito cansada, precisamente no momento em que deveria estar disponível para o menino. E agora o menino é triste, nervoso, se aborrece facilmen~ te, nada parece atraí~lo, queixa~se e chora constantemente. Não era assim antes do nascimento de seu irmão: era feliz até então. E o pior, não dorme nada bem, padece de insônia: fica acordado até muito tarde, e depois vai para a cama dos pais, apesar de sua oposição verbal. Dorme com eles, a seus pés. Às vezes, quando dorme, o pai o coloca em seu próprio quarto e na sua cama. O pai, engenheiro, trabalha no turno da tarde e noite, e regressa para casa à meia~noite. A essa hora, o menino costuma estar na cama com sua mãe; se está em sua própria cama, acorda quando o pai chega e se muda para a cama parental. A mãe me disse que é muito bom com seu irmãozinho me~ nor, cuida dele. Depois, contou~me muitas outras coisas de sua his~ tória, e enfatizou que a relação com seu marido era muito boa. Em seguida, entrevistei a criança, um menino muito agra~ dável e inteligente. Disse que veio me ver porque não podia dor~ mir. Talvez fosse por sonhos ruins, ou por medos: não tinha cer~ reza. Depois, desenhou um retrato de sua família. No centro do papel, ocupando a maior parte do espaço, pôs seu irmão bebê. Num canto, de menor tamanho, desenhou a si mesmo. Ainda em menor tamanho, desenhou sua mãe. E, finalmente, seu pai: o menor de todos. "Quem é o chefe da família~·: lhe perguntei. Respondeu: "Ele': assinalando o irmão, que no papel desta~ cava~se perfeito e completamente satisfeito. E, depois, assinalan~ do a mãe: "Ela também é chefe, um pouquinho': "E seu pai:' Ele não é chefe:"' "Meu papai é o chefe (boss) do cachorro. E eu, eu sou o chefe dos peixes': Este é um retrato de uma família australiana contemporâ~ nea. Mas não me atreveria a extrair nenhuma conclusão socioló~ gica do caso. O menino me contou, destarte, a arrumação feita em casa
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na hora de dormir; e acrescentou que, na realidade, dormia com seus pais é que "isso era lindo" ("it was nicé'). Contou-me como fazia para se arrumar na cama, e que preferia deitar-se do lado de sua mãe, porque ela é mais baixa, e também é mais quentinha
("she is warmer"). Disse-lhe que pensava que seu problema era ter as idéias ao contrário: ele havia me dito que não podia dormir porque sentia medo. Eu pensava, no entanto, que ele tinha medo porque dormia com seus pais e, na sua idade, ele já devia saber que havia algo estranho nisso. As crianças como ele, disse-lhe, sabem que seu lugar é em sua própria cama, e que seus pais têm de se ocupar da sua (mind their own business ). Se seus pais o queriam na cama com eles, esse era um problema deles: por que teria de ser seu problema:' O menino sorriu largamente, e me disse que dormir com os pais era "muito mais divertido': Perguntei-lhe se seu irmãozinho dormia com os pais, e disse-me que isso não interessava a seu irmãozinho e que era feliz dormindo em sua própria cama. "Isso é Junny" (equívoco: estranho/ divertido), disse-lhe. Na segunda entrevista o bom humor do menino havia desaparecido. Estava irritado. "É meu irmão. É a peste. Meu pai me disse que eu devo cuidar dele, mas minha mãe disse que não era minha responsabilidade." (Ajeitou-se para pronunciar corretamente a palavra 'responsibility', que não é comum em uma criança de sua idade). E depois disse: " Meu irmãozinho é mau. Eu o odeio. Odeio todos os bebes. Depois, disse-me que tinha que corrigir o que havia me dito na primeira sessão, e que, na verdade, o chefe da família era sua mãe. Tivemos, depois, três semanas sem sessões, em razão das férias escolares. A mãe voltou para me dizer que eles (os pais) tinham descoberto algo durante as férias: que o menino tinha muito ciúme de seu irmão mais novo. Nunca haviam imaginado; o menino os enganou e o manteve como um segredo. Eu disse que não é coisa fácil manter essa classe de segredos, e que algo devia ter impedido que ela percebesse isso antes. A
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A senhora, então, revelou outros segredos que concerniam às relações com seu filho e com seu marido. Essas relações não eram tão boas como as havia apresentado inicialmente. Seu filho, meu paciente, recorda-lhe muito seu irmão mais novo. Este irmão seu também padece de falta de entusiasmo, e perdeu muitas oportunidades favoráveis na vida. Apesar de possuir diversos talentos, não pode encontrar seu caminho, e sofre do que Ernest Jones chamou de afânise: parecer ter perdido todo desejo. Ela, que é alguns anos mais velha, havia cuidado dele quando eram crianças: havia sido sua mãe postiça. Em muitos casos, observei esta constelação avuncular (de avunculus, 'tio'; em particular, o tio materno, que em alguns sistemas de parentesco matrilineares é o pai legal. A constelação facilita (não necessariamente determina) que a mãe transfira sua relação problemática com o objeto fálico de sua infância - ' sua' criança (encarnada por um irmão mais novo), que ocupou o lugar de filho edípico fantasmático, filho fantasmático de seu pai, e que fora objeto de várias formas de gozo real - para a sua relação com seu filho real, quem, portanto, coincidentemente começa a exibir para a mãe traços similares aos de seu irmão. As semelhanças que nos interessam são as que representam os investimentos incestuosos reprimidos da futura mãe, quando ela se converte em mãe real. Embora em nossas sociedades ocidentais não existam os sistemas de parentesco matrilineares, podemos verificar certa tendência matrilinear (se me permite a expressão, observe-se bem que ' matrilinear ' não quer dizer ' matriarcal ') nas famílias de nossos pacientes, tendência matrilinear derivada de que quando crianças, em geral, estamos muito mais expostos à subjetividade da mãe que à de qualquer outro. Em "Nota sobre a criança" que já mencionei, Lacan se refere a esta posição 'privilegiada' que a criança ocupa no fantasma da mãe.5 Esta é a segunda lição que aprendi como aprendiz da psicanálise com crianças (a primeira foi a de averiguar acerca dos ajustes que faz a família na hora de dormir): averiguar acerca da história da mãe enquanto tal - ou como a menina chegou a ser mulher e mãe, e o que representam para ela: a criança, enquanto outro, e o Outro, objeto significante e partenaire de uma relação libidinal mais ou menos intensa, mas nunca ' neutra'. Observese que não falei que a criança é um sintoma da mãe. Tal posição (a
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Lacan. Nora sobre a criança
(2003, p.369).
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Ibid, p.370.
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Ibid, p.369.
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Rodriguez. Psychoanalysis with Children: history, theory and practiu, 1999.
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criança como sintoma da mãe) não deve se excluir; mas a siruação mais corrente é a da definição de Lacan.6 (na mesma"Nota sobre a criançá'): "Na concepção que Jacques Lacan desenvolveu, o sintoma da criança encontra-se em posição de responder ao que há de sintomático na estrurura da família. O sintoma, que é o feito fundamental da experiência analítica, define-se neste contexto como o representante da verdade. O sintoma pode representar a verdade do casal familiar. Este é o caso mais complexo, mas também o mais aberto a nossas intervenções'? Devemos distinguir o sintoma da criança da siruação em que a criança opera como sintoma da mãe. Na medida em que o sintoma é algo real, o sintoma da criança, isto é, o acontecimento de ter a criança produzido um sintoma, implica que a subjetividade da criança foi preservada - e, neste sentido, o sintoma opera como garantia da dignidade do sujeito. Na psicanálise, a criança é um sujeito: estritamente falando, trabalhamos com sujeitos, seres-falantes (parlêtres), não com adultos ou com crianças. Isto que digo pode parecer repetitivo e até trivial, mas creio que aquele que trabalha com crianças e adultos deve recordar permanentemente esta premissa que é fundamentalmente ética, dado que não é sempre fácil defender a subjetividade da criança em todos os casos, e também deve escutar, e receber os pedidos dos pais, mestres, pediatras e outros sujeitos-que-supostamente-sabem-oque-é-bom para a criança. Por isso, intirulei meu pequeno livro Psychoanalysis with Children 8 , o with (com) para sublinhar que a psicanálise é a mesma - isto é, seus princípios éticos, científicos e clínicos são os mesmos - qualquer que seja a idade e a condição social do paciente e possível analisante. Voltando ao caso que venho discutindo: a mãe de meu paciente me falou então das dificuldades com seu marido. Em contraste com a maneira que tinha falado da relação com seu filho - suas palavras transmitiam dor e ressentimento, mas eram fluídas - quando falou de seu marido e dos problemas entre eles, tornou-se difícil para ela encontrar palavras. Tinham se 'distanciado ', disse-me, depois que ela perdeu uma gravidez, quando meu paciente tinha dois anos e meio. Ela não podia entender o que tinha ocorrido, sabia apenas que por um período prolongado não eram felizes juntos e, embora vivendo na mesma casa, tinham
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se afastado completamente um do outro. Depois voltou a engra, vidar, e o novo bebê teve um efeito messiânico para ela: o bebê era brilhante, extraordinariamente inteligente e avançado para sua idade (12 meses); sabe o que quer, nunca se queixa de nada, é feliz , totalmente oposto a seu irmão, que encarna o fracasso neurótico. Entre os seres-para,o,sexo que somos, a castração que nos governa aparece onde não esperamos, mas sempre precisamente ali, onde possa arruinar nosso gozo. Entrevistei depois o pai do menino, um homem jovem e agradável, em que pese ser um tanto rígido em suas expressões. Transrnitiu,me uma percepção um tanto diferente de seus filhos. De meu paciente me disse que era um menino inteligente, contou,me que com a idade de 18 meses martelou um prego em um pedaço de madeira perfeitamente bem, sem titubear e sem golpear dedo algum. Este pai percebia que as preocupações do menino envolviam a sexualidade. Disse-me que depois de uma das sessões comigo, o menino havia lhe perguntado por que é que não tinha uma fechadura com chave no quarto dos pais uma apelação não demasiada sutil ao Nome do Pai de parte da criança, que o pai pôde registrar. O pai falou com pais de outras crianças da mesma escola de seu filho, e estes lhe contaram quão interessados estavam seus filho em questões sexuais (estas são crianças do primeiro ano da escola primária). Outras crianças disseram a seus pais que meu paciente lhes contou histórias de que fez sexo (como se diz em inglês: to have sex) com uma menina de sua classe, e com essa expressão, aparentemente, ele quis dizer que a beijou; e que também viu seus pais fazendo sexo (having sex) , o que o pai pensou não ser possível. O pai de meu paciente manifestou otimismo e me disse que com um pouco de disciplina e boa vontade o menino ia se curar. Não pensava que houvesse nenhum problema sério na relação com sua mulher, e culpou o trabalho por seus episódios ocasionais de mal humor e por seu cansaço habitual. Sua atitude é típica de muitos pais na parte do mundo em que vivo: negação de qualquer conflito e intervenção como pai real como último recurso, habitualmente quando já é tarde. No caso que apresentei, não é tarde, e embora seja um caso em andamento (work in progress), acredito que podemos avançar.
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histeria de angústia
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Freud. 'i\nálise de uma fobia
em um menino de ánco anos"
(1909/1976).
10 Lacan."A instância da letta no inconsciente ou • razão desde Freud" (1957/1998, p.523).
11 Lacan. 'i\Jocuçáo sobre as psicoses da criança" (2003, p. 362).
12 Lacan. Televisâo (1973/1993, p.56).
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Vocês já devem ter percebido a identidade estrutural de meu paciente atual com o caso inaugural da história da psicanálise com crianças: o pequenos Hans.9 Tal como no caso do pequeno Hans, meu paciente exibe os sinais de uma ineficácia relativa (não absoluta) do Nome do Pai enquanto função. Como Lacan disse em relação a Hans, também a meu paciente os pais o deixaram "desamparado e sem recursos'; ao falar em prover-lhe o meio ambiente simbólico necessário para enfrentar o "enigma atualizado de seu sexo e de sua existênciá'10 • O que está em jogo é o passo crucial que o sujeito deve dar para assumir de forma positiva sua posição sexuada, isto é, para assumir sua posição enquanto varão e filho - quer dizer, enquanto pertencendo à geração seguinte à de seus pais e que não se confunde com ela, como as regras de parentesco estipulam. Em outras palavras, deve assumir a função da castração como universal, e reconhecer-se como pertencente ao universo dos castrados, "no bom sentido da palavra'; por assim dizer; universo marcado por uma lei (a própria castração) mais fundamental que a morte (como Freud já antecipou) para a constituição do sujeito como ser. O ser-para-o-sexo, determinado pela castração, deve distinguir-se do sexo-para-ser pré-freudiano (já que antes de Freud, muitos se deram conta da importância da sexualidade para a constituição do sujeito humano, mas ninguém revelou o vínculo estrutural entre o ser, o sexo, a castração e o saber inconsciente, já que a castração concerne não somente ao gozo a que se deve renunciar, mas também ao saber de que não se dispõe). A subversão freudiana, como chama Lacanu, consiste precisamente em ter proposto que realmente importa para o ser humano é a castração, mais que a morte, dado que a castração é o caminho pelo qual a morte, condição último do desejo, entra na existência do sujeito e a secciona (sexo' deriva de sectus, 'secção', 'divisão'). O 'ser-para-o-sexo' designa a devoção do sujeito ao sexo até quando vem ao mundo, devoção que pode serlhe recompensada com pequenos e até grandes prazeres, mas que expõe o sujeito - e desde sua infância, cada vez que ao sujeito lhe falham suas coordenadas de orientação e perde seu rumo - ao que Lacan chamou a ' maldição ' do sexo. 12 Como maldição, o gozo
O tempo na psicanálise
sexual condena o sujeito a um estado permanente de equilíbrio instável que facilmente se torna desequilíbrio, dado que a renúncia necessária ao gozo está sempre em conflito com o mandado implacável a gozar. Freud considerou o caso do pequeno Hans paradigmático porque exibe muito bem o drama constitutivo da criança no momento de padecer os efeitos subjetivos do que Lacan chamou metáfora paterna: o abandono da posição de ser o falo da mãe, correlativa ao dar-se conta da sujeição do desejo do Outro à lei. É uma tarefa formidável que sacode as bases do sujeito e o expõe à patogênese. A forma mais precoce de organização neurótica, a histeria de angústia, com sua fase típica de fobia, é o preço que comumente pagam todos aqueles que hão de permanecer fora da psicose. O tratamento de Hans teve lugar há cem anos. Mudaram as coisas fundamentalmente desde então? No curso de um século, mudou de maneira significativa a sexualidade, nossa concepção de infância, neurose, o inconsciente, a psicanálise:' Dado que todos estes termos envolvem uma dimensão histórica, devemos pensar a priori que devem ter mudado. Mas, como psicanalistas, e sobre a base de nossa experiência e não de mera especulação, deveríamos ser mais específicos quanto ao que consideramos como mudanças importantes em nosso ser-para-o-sexo. Ocupar-me-ei de um ou dois aspectos desta questão em minha exposição de domingo. A posição da castração como condição fundamental de humanização não mudou. Que o ser do sexo, o ser do sujeito humano enquanto sexuado (seccionado, dividido), seja uma condição permanente, é o juízo subversivo de Freud que pior se tolera, o qual ganhou a reputação de ser 'pessimista'. O que mudou em relação à castração são as formas que os sujeitos humanos inventaram de obscurecê-la, desfigurá-la, dissimulá-la e degradá-la, nestes tempos de promoção massiva de um gozo supostamente ilimitado. Em sua função primordial, subversiva, a psicanálise não mudou, se deixamos de lado os desvios que dizem respeito à experiência freudiana de parte de certas instituições psicanalíticas e indivíduos. A psicanálise é, como Lacan disse em Televisão, um dos poucos discursos de que ainda dispomos. Mantenhamo-lo
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bem e são, pois sabemos que, ao contrário do que dizem alguns críticos imprudentes, Freud continua estando em nossa vanguarda e na de nossos tempos. Tradução: Luciana Vasconcelos Abreu Lima Revisão: Andréa Brunetto
rderências bibliográficas DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4a. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. FREUD, Sigmund. (1909). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: lmago Editora, 1976. Vol. X. LACAN, Jacques. (1957). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. LACAN,Jacques. (1967). Alocução sobre as psicoses da criança.ln: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. LACAN, Jacques. (1973). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1993. LACAN, Jacques. Nota sobre a criança. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. RODRIGUEZ, Leonardo S. Psychoanalysis with Children: history. theory and practice. London: Free Association Books, 1999.
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O tempo na psicanálise
resumo A partir da preocupação com o exagero no uso de medicamentos antipsicóticos, receitados para o tratamento de hiperatividade e delicies de atenção nas crianças, esse artigo discute os sintomas da criança como apontando uma verdade do casal parenta!. E, a partir de um caso clínico, faz um paralelo com o Caso Hans, de Freud.
palavras-chave fobia, hiperatividade, deficits de atenção, castração
abstract Based on concems about the antipsychotics medicines over-use prescribed for hyperactivity and attention deficit in children, this article brings the discussion about the children's symptoms as indicating a parenta! couple truth. And, based on a clinic case, it draws a parallel with Freud's Hans Case.
key words phobia, hyperacrivicy, attention deficit, castration
recebido 08/07/ 2008
aprovado 09/08/2008
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Modulação pulsional do tempo MARIA ANGÉLIA TEIXEIRA
Lembra-te que o tempo é um jogador que ganha todos os lances sem roubar.
C. Baudelaire
O tempo é condição necessária para falar de subjetividade. Regularmente, evocamos a dimensão topográfica do aparelho psíquico na obra de Freud. Entretanto não foi por ele ignorada a dimensão temporal da subjetividade e suas incidências clínicas. Desde cedo, Freud apresentou suas hipóteses psicanalíticas sobre o tempo, retomadas posteriormente por Lacan. Podemos, resumidamente, citar cinco referências importantes em sua obra: o inconsciente não conhece o tempo, é atemporal, intemporal, como está posto na 'Interpretação dos Sonhos; entre outros textos; a concepção de indestrutibilidade do desejo, extensivo aos processos inconscientes, os quais não estão submetidos aos desígnios do tempo; o tempo da subjetividade, que só pode ser recuperado a posteriori, só depois - nachtriiglich, significante utilizado por Freud, apres-coup foi a tradução adotada por Lacan; a importância da experiência sexual infantil ou da neurose infantil para a constituição da neurose. A quinta referência é a relação do tempo com a fantasia. Esta merece destaque. Freud situa a fantasia flutuando entre três tempos: o trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, no presente, capaz de despertar um dos principais desejos do sujeito; dali retrocede à lembrança de um acontecimento pretérito que pode criar uma situação referida ao futuro, por representar a realização, a satisfação do desejo, a partir das marcas da lembrança. No texto "Escritores criativos e devaneios" conclui "que o pretérito, o presente e o futuro aparecem entrelaçados pelo fio do desejo, que os une."1 Freud concebeu o registro do tempo presente como uma operação fundamental da consciência, esta definida como um estado mental operando numa determinada temporalidade. Assim, circunscreveu a subjetividade nas três dimensões temporais conhecidas.
Stylus Rio de Janeiro n° 17 p. 37-44 novembro 2008
1 Freud."Escritores criativos e devaneios'; (1908(1907]/1987, p.153).
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2 Lacan:' O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada';
(1945/1998).
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De forma única e exaustiva, Lacan exaltou a importância das dimensões temporais da subjetividade, formulando teorias de máximo valor, que imprimiram grandes modificações clínicas: o tempo da sessão é lógico, e não cronológico; defende a análise finita, formulando algumas concepções do seu final; a transferên~ cia, ou seja, a suposição e dessuposição de saber ao analista é o tempo da análise; cria uma nova divisão subjetiva para o tempo, entre outras proposições. Constrói, enfim, uma máquina do tem~ po, utilizando alguns recursos próprios da sua época. Lacan escreve, em 1945, o texto "O tempo lógico e a asser~ ção da certeza antecipada: um novo sofismá'2, dividindo o tempo em dois: lógico, e cronológico. Modula o tempo lógico em três escansões: a primeira é o instante de ver, ou de olhar; a segunda, o tempo para compreender; a terceira, o momento de concluir. Partimos desta breve indicação de Lacan que parece mere~ cer atenção. Modular o primeiro momento do tempo como um instante de ver, como sendo o olhar, ganha importância porque remere o tempo diretamente ao campo da pulsão, reconhecendo a existência de uma pulsação temporal. Também leva a crer que há uma tensão temporal, própria a cada um dos três momentos, ou ao menos na primeira tensão ~ o instante de ver ~ tal qual a tensão temporal atribuída ao momento de concluir. O inconsciente não conhece o tempo. Já que as dimensões do tempo podem ser tantas, de qual delas falava Freudi' Do tem~ po cronológico, teoriza Lacan. E a pulsão, em qual das dimensões do tempo poderia se inscrever? De acordo com as proposições acima apresentas, entre modulações e escansões, poderíamos co~ locar o problema de outro modo e, inversamente, perguntar se há uma dimensão pulsional do tempo. Neste precioso estudo psicanalítico sobre o tempo, que vi~ mos empreendendo há dois anos, a relação pulsão/tempo ou o gozo do tempo foi crescendo como uma importante questão, que identificamos presente na clínica de várias maneiras. As considerações teóricas sobre o tempo apresentadas por Freud e Lacan são fundamentais para esclarecer alguns aspec~ tos relativos aos analisandos, especialmente e sintomaticamente, embaraçados com o tempo. As proposições favorecem a leitura clínica que reconhece haver dimensões de satisfação inerentes ao tempo, ou seja, reconhecem o gozo do tempo, que passo a adotar
O tempo na psicanálise
em lugar de pulsão. Essa formulação que estamos tentando valorizar e de~ senvolver aparece no avesso do que usualmente se faz. Tende~se inadvertidamente a limitar a questão, por exemplo, isolando~se o tempo necessário para que a pulsão faça seu circuito. Ao con~ erário, tentamos identificar as modalidades de gozo do tempo e suas escansões, para reconhecer que o tempo não está a serviço da subjetividade, pois o tempo é subjetividade, o tempo produz gozo enquanto atributo da subjetividade. Antes de tudo, ele é um significante. "A paixão do signifi~ cante manifestando~se como paixão do cempo:'3 Prescinde da oh~ jetividade do espaço e, em lugar de ser tomado como um elemento da natureza, deve ser tomado como um significante fundamen~ tal da estrutura de linguagem, o qual requer vários tratamentos e pode ser identificado em várias dimensões da constituição da subjetividade e, essencialmente, é temporal. Mais precisamente, o ordenamento da cadeia significante é temporal, e o sujeito pontu~ ale evanescente, aí produzido, pode ser aproximado da tempora~ lidade do instante de ver. Em seu texto "Posição do inconsciente': sobre essa condi~ ção temporal do sujeito, Lacan disse:"[ ... ] o sujeito traduz uma sincronia significante em uma primordial pulsação temporal:'4 Ele é, afinal, o que a cadeia significante veicula. Podemos, assim, dizer que, se o homem inventou o tempo, o tempo inventa o homem, tal qual a linguagem, vejamos: apres~ sados, atrasados, fleumáticos, serenos, agitados, impacientes, en~ tediados. Sabemos o peso que os significantes eterno, infinito, imortal, ressurreição, renascimento, anacrônico, velhice, atraso, hora, minuto e prazo têm nas nossas vidas. Por tudo aqui reu~ nido, não seria o tempo uma das modalidades do grande Outro? Não por acaso o poeta canta: 'o acaso vai me proteger: .. O tempo traz complexidade de roda ordem, aparecendo nos caprichos mais marcantes dos Deuses das mitologias, das lendas, das religiões, e é tema de estudo e pesquisa em vários campos do conhecimento. Na filosofia, na literatura, em o 'O re~ trato de Dorian Gray: especialmente na poesia, (o poeta Vinicius vaticina "que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure'; o amor..., evidentemente), na música, na matemática e na física, com suas sucessivas teorias. Newton deu
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3
Soler."O tempo que falta';
(2008, p.J29).
4
La=."Posição do inconscienté;
(1960/1998, p. 853)
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ao tempo toda autonomia, emancipando-o do espaço; Einstein questionou o caráter absoluto do tempo newtoniana, criando a noção de relatividade. A psicanálise, particularmente em Freud e Lacan, também fez largo uso do tempo para entender a constituição da subjetividade, seu pathos e seu manejo clínico, dando suas contribuições teóricas esclarecedoras. Se a topologia é a ciência que se ocupa do espaço, talvez, a psicanálise esteja contribuindo com um futuro campo que venha, pontualmente, se ocupar do tempo. Nada mais real e demasiadamente humano que a angústia em sua relação com o tempo, esse tempo que tem afinidades com o objeto a. Desta perspectiva podemos dizer que o tempo não apenas faz sintoma, mas ele é sintoma. Trazemos pequenas observações clínicas sobre os que padecem do tempo para mostrar que ele é subjetividade e gozo. Vimos conferindo certas curiosas repetições relativas ao tempo apresentadas por alguns analisandos. Deteremo-nos especialmente em um caso, o de um homem extremamente disciplinado, organizado, metódico, obediente à sua rígida rotina. Tudo parecia estar sob controle, afora sua imensa angústia. Fala do sofrimento experimentado frente ao temor de ver falhar o seu controle milimetricamente construído e preservado. À primeira vista, ou fenomenicamente, tudo poderia simplesmente parecer um ritual obsessivo. Contudo, associativamente, aparece na análise o significante acaso, passando o paciente a falar exasperado do horror ao imprevisto. Aparelhava-se ele com todos os métodos seguros para se prevenir do acaso e do imprevisto. Metonimicamente, entra em jogo no trabalho analítico o horror ao futuro, o temor de não poder garantir o futuro e, finalmente, de não ter como se proteger da morte. Conjeturamos: um homem que tem horror ao acaso, que tem horror à contingência e ao futuro. Estavam em jogo as incidências do real, manifestando o impossível a dizer sobre o tempo e sobre a morte. Dessa perspectiva, podemos dizer que o tempo em si não apenas traz, inevitavelmente, a própria questão da morte, mas é, ao mesmo tempo, o elemento que nos permite certa aproximação da morte, pois, como o sol, não se pode encará-la de frente. Um homem se aflige demasiadamente com o futuro porque não pode ter certeza do que lhe acontecerá; vive o presente
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O tempo na psicanálise
imerso na angústia, por não poder garantir tudo que conquistou e mantém sob controle. O tempo futuro o ameaça. Sofre pelo que poderá perder. Particular gozo da dúvida conjugada no futuro. Particular gozo da antecipação de uma possível ruína. Possível dívida futura. Alguns sofrem de reminiscências: conjugam o gozo no tempo passado, lembrando nostalgicamente ou conjurando o passado, no qual estão fixados, cal qual os melancólicos. Outros gozam com o futuro, na esperança de resolver os seus impasses, exultam com o futuro que nunca chega, sempre adiado. Aqui se encontra o maior exemplo do jogo com o tempo, a procrastinação. Temos bons exemplos entre os obsessivos. Os maníacos gozam do presente, sofregamente consumindo tudo hoje. O presente é também a medida de segurança dos fóbicos. Quando o homem cogita, quando sincomaciza, quando age, seja em que esfera for, goza do tempo. Enquanto o sujeito se apresenta como um gozo pontual e evanescente, o gozo do objeto a exige outras escansões. E entre o sujeito e o objeto a se encontram as modalidades de gozo do tempo em sua dimensão real. Entre temer o futuro e nele depositar as esperanças, vacilase, báscula do ser falante. É de grande valor o gozo produzido pela expectativa do futuro: o que serei~ O gozo de conjeturar a morre como tempo final. O gozo da espera e do porvir. Os que sofrem do tempo, de atrasar ou de antecipar. O gozo da morre, enfim. Curiosamente, entre o passado e o futuro, o presente não joga o peso maior na existência do indivíduo. Ele acaba limitando-se a essa contagem de tempo, que não se sustenta senão do futuro anterior, do que tivera sido, conjugando passado e futuro. Vivemos entre o passado e o futuro, o presente é, sobrerndo, o instante do ato em que aparece o sujeito dividido. Esse é um dos grandes desafios da análise: fazer uma nova equação temporal, presentificando em ato a experiência do inconsciente. Em "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano'; ao construir o grafo do desejo, Lacan volta a destacar a questão do futuro anterior para os franceses ou o futuro composto do modo indicativo na gramática brasileira ao se referir ao "efeito de retroversão pelo qual o sujeito, em cada etapa, se transforma naquilo que era, como antes, e só se anuncia "ele
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5 Lacan."Subversão do
sujeito e dialéric.a do desejo~ (1960/ 1998, p.823).
terá sido'; no futuro anterior" 5 • A formulação do tempo lógico proposto por Lacan é uma formulação das modalidades subjetivas do tempo, ou seja, modalidades de gozo do tempo, que vem esclarecer a função do tempo na clínica, a função da pressa: la hâte, do verbo hâter, que diz respeito a precipitar o momento de concluir seja da sessão, seja da análise. Partindo de tal dimensão subjetiva do tempo, explica-se a função da pressa - la hâte - no ato analítico. Isto é, Lacan propõe recorrer aos recursos do tempo nas formas da pressão/pressa/ precipitação, para dar atualidade ao gozo. Requer pressa, como condição para produzir efeitos analíticos sobre as escansões do gozo. Sabe que tempo é subjetividade e gozo.
referências 6ibliográ~icas FREUD, Sigmund. "Escritores criativos e devaneios:' In: Edição Standard brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987, Volume IX. LACAN,Jacques."O tempo lógico e a asserção da ceneza antecipadá: In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. LACAN, Jacques. "Posição do inconsciente': In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1998 LACAN,Jacques."Subversão do sujeito e dialética do desejo': In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.1998. SOLER, C. "O tempo que falta': In: Os tempos do sujeito do inconsciente. Salvador: EPFCL-Brasil,2008.
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O tempo na psicanálise
resumo Neste trabalho tenta-se identificar as modalidades de gozo do tempo e suas escansões, para reconhecer que o tempo não está a serviço da subjetividade, posto que o tempo é subjetividade, o tempo produz gozo enquanto atributo da subjetividade. Antes de rudo, o tempo é um significante e dessa condição temporal do sujeito se traduz uma sincronia significante em uma pulsação temporal primordial. Estas formulações teóricas têm a finalidade de esclarecer a função do tempo na clínica psicanalítica.
palavras-chave tempo lógico e cronológico, gozo, subjetividade e acaso.
abstract This essay is intended to identify the types of enjoyment of time and its scope of modulations in order to recognize that time is not at one ' s subjectivity service, once time itselfis subjectivity. As an atrribute of subjectivity, time produces jouissance. Before anything else, time is a signifier and, from this subject' s temporal condition, a signifier synchrony is translated into a primary temporal instinct (drive) . These theoretical elaborations aim to clarify the function of time in the Psychoanalysis clinic.
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key words chronological and logical time length, jouissance, subjectivity and chance
recebido 09/08/2008
aprovado 22/10/2008
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O tempo na psicanรกlise
Toxicomania e a hora da verdade 1 ANDRÉ
M. TEIXEIRA
Os serviços de atenção destinados aos usuários de álcool e outras drogas recebem diariamente pessoas que, apesar dos seve, ros e evidentes efeitos deletérios, recorrem monótona e insisten, temente ao uso abusivo de substâncias, sem dele conseguirem se desvencilhar. As ciências farmacológicas, médicas e psicológicas ofere, cem avanços bastante consideráveis sobre as substâncias into, xicantes e suas interações com o usuário. Vejamos, então, uma parcela da contribuição que nos pode oferecer a psicanálise: como os efeitos de um produto da ciência, e aqui colocaremos as ditas drogas, afetam o discurso do sujeito. Para iniciarmos nosso diálogo, pedimos licença para uma longa mas necessária curva aos termos da constituição subjetiva, para podermos colocar nossa questão. No animal há uma imagem da espécie, um padrão esta, belecido de repertório respondente à gestalt de sua espécie, pa, drão inato que confere o estatuto de instinto às respostas dessa natureza. É válido o argumento de que a imagem influencia o comportamento do animal, mutando,o, marurando,o ou mesmo obrigando,o à posição respondente. É assim para o pombo, para o gafanhoto e para uma infinidade de espécies, cujo repertório está capturado pela imagem do outro, sem interferência de uma linguagem. Temos um padrão da raça, um instinto 2• No humano, por sua vez, o processo de formação do eu decorre da alienação na própria imagem, para integrar mínima, mente o corpo despedaçado pelo auto,erotismo. Falamos de pul, são, não de instinto. Lembremos, com Freud, que o eu é formado pela diferenciação dos estímulos endógenos e exógenos, através da constituição dos trilhamentos facilitados, para ordenar o caos da indiferenciação originária3• Esse despedaçamento é vivido de modo intenso, deman, dando a um outro uma ação específica4, a qual não vem só, traz no ato do outro o acesso ao Outro, introdução derradeira do ter, nário simbólico 5• Perde,se aí um objeto jamais recuperado 6 •
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1
O presente texto é fruto da
continuação da pesquisa iniciada na Dissertação de Mesrrado em Psicologia Cünio. do
Dep:uumento de Psicologia da Universidade de Brasília, orientada peh. Prf. Ora. Daniela Scheinkman Chatelard, • Teixeira, A. Um ensaio Psicanalítico sobre a Toxicomania c sua r<lação com o Sujeito do Inconsciente ·, defendida em junho de2006.
' Lacan. "O estádio do espelho como lônnador da função do eu'; (1949/1998). 1 Freud. Projeto para uma psicologia cientijica - (1950 (1895)/1980).
• Ibid, p. 349.
5 Lacan. O Stminário- Livro 5: as jorma{Ó<S do inconsci<ntt, (1957• 58/1999,p.199).
6
Lao.n. O Stminário- Livro 7: a itica do psicanálise, (195960/1988, p.141).
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7
Lacan. O Seminário - Livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, (1954-55/1985, p 17).
' Ibid, p. 54. 9
Freud.'i\lém do principio do
prazer'; (1920/1980).
10 Lacan. O Seminário -Livro 1, os escritos técnicos de Freud, (195354/ 1986, p. 165).
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A imagem virtual é a base da primeira identificação, pos~ sibilidade de um eu advir. Identificada à imagem, a criança su~ pera a inapetência motora, ordenando e integrando os diversos estímulos que a acometem. O júbilo da imagem está justamente na constituição alienante do Um, pois na tentativa de capturá~la, é~se capturado pela imagem. Essa é a matriz simbólica do eu que possibilitará toda a subjetividade. O eu é formado por identifica~ ção, cuja base é antecipada por sua imagem completa. A superação do despedaçamento do corpo, da fragmen~ ração das pulsões, não seria possível sem o narcisismo. A pos~ sibilidade de a libido investir em objetos e de tomar o próprio eu como objeto propicia a acomodação da imagem. É necessário identificar~se a um outro para através dele alienar~se no Outro. Nesses termos, temos a operação de dois registros, o imaginário e o simbólico, contornando o despedaçamento do ser vivo. É em função desse despedaçamento que o aparelho psíquico desenvol~ ve~se como resposta. O eu comporta diversas funções e, em seu seio, já estão cravadas as marcas do mal~estar. Por mais que um eu se oriente por uma espécie de hedonismo 7, há o que Lacan qualificou como "perturbação profunda da ordem vital''8, fissura pela qual Freud introduziu a noção de pulsão de morte 9, e Lacan, o registro do real. É a desordem viva da pulsão de morte como originária. Ao ser humano não resta outra possibilidade de superar a fragmentação do eu a não ser pela superação na miragem. A ima~ gem realiza~se fora dele, sendo~lhe próprio o investimento libidi~ nal. Lacan chega mesmo a chamar de investimento libidinal aquilo através do qual um objeto se torna desejáveF 0, introduzindo a fun~ ção vital do desejo, que assume posição correlata à falta, alienando~ se no campo do Outro. Nesses termos, que o sujeito, ao superar sua divisão, não sabe mais do seu desejo. Isso é uma com/ fusão. O desejo é reconhecido pela ação mediadora da imagem própria e do corpo do outro. Nesse desen~ volvimento, o desejo do sujeito funda~se no campo do Outro, so~ bre as bases do corpo do outro. O desamparo original possibilita ao desejo se alojar no outro, detentor de objetos que podem ser investidos de forma fálica. Então temos, onde isso (S) estava, eu, sujeito do incons~ ciente ($),devo advir. Faz~se incidir, a barra sobre o (S), das Es,
O tempo na psicanálise
tornando~o sujeito do inconsciente($),
das Ich. É fundamental a
incidência do corte, instrumentalizado pela ação do Outro, para no lugar do sujeito pulsional (S), acéfalo, advir o sujeito do in~ consciente($), causado por sua falta e marcado por seu desejo. Lacan sustenta que quando surge o símbolo, parte essen~ cial da experiência humana, há a ocorrência do sujeito enquanto sujeito da fala, do inconsciente 11 • Essa barra, dada pela experi~ ência psicanalítica, revela uma profunda divisão do eu, sede do desconhecimento e da descontinuidade inerente ao eu. Não há equivalência possível entre os fatores da divisão e, não havendo equivalência nos termos da divisão, o quociente nunca pode ser iguala Um. A barra grafada na divisão é a do recalque, da castração, da impossibilidade de o significante representar plenamente o significado, posto que o referente é abandonado para tornar a significação possível. É a mesma marca que confere ao sujeito a impossibilidade de representar~se plenamente pelo significante sem o efeito de afânise12• Desse modo, o desejo deve passar pela via do significante para encontrar o Outro. Um Outro desencarnado, pois, no desvio de direção, quan~ do se muda de meio, o desejo adquire um significado distinto do original. Isso não é sem conseqüência, pois toda satisfação pos~ sível do desejo encontra um ponto tangente em (A), infligindo uma perda quando da articulação da fala com o sistema signifi~ cante assentado no Outro. O desejo fica condenado a um para~além da linguagem, realizando~se no tropeço, no ato falho, nos sintomas e em outros lugares não sabidos. A insistência do significante denota o fato de o desejo, em razão mesmo do significante, não poder ser signifi~ cado. O Outro é, assim, mais do que o depositário fiel de todos os significantes possíveis, mais do que rodos, menos Um. O Outro intervém no sujeito ao ratificar sua mensagem, invertendo~a. Há aqui a sobreposição de duas faltas. Uma decorre da própria estrutura do sujeito, uma vez que ele depende do signi~ ficante e deste estar a princípio no campo do Outro. Por esse ca~ minho retoma~se a falta primitiva, falta real cuja parcela é devida à sexualidade. Ela é o que o vivo perde de sua parte de vivo por reproduzir~se pela via sexuada. A sexualidade instaura~se no cam~ podo sujeito pela mesma via da falta 13 •
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11 Lacan. O Stmiruírio - Livro 2: o ru na traria <Ú Frrud r 114 ticnica da psicaruífur, (1954-55/1985, p
275).
12 Lacan. O Stmiruírio - Livro 11. os quatro conceitos fimdamrntais da psicanálise, (1964/1985, p. 207).
n
IbiJ. p. 194
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14 Freud."Os instintos e suas vicissitudes'; (1915/ 1980).
11 Lacan. O Seminário - Livro 11. os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, (1964/1985, p.175).
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O sofrimento do ser é devido ao fato de haver um corte, uma inscrição irreversível da sexualidade sobre a natureza. O ser sexuado é uma exigência da linguagem, situando~se para além do corpo, do organismo vivo, por não haver relação de complemen~ raridade entre o sujeito e o objeto. Assim, não há no mundo na~ rural objeto capaz de satisfazer plenamente o desejo sexual. Isso confere ao desejo, desde Freud, um caráter indestrutíveL O embaraço no campo do amor, do sexo e da satisfação não é obra da má fortuna do ser falante. É mais; é um traço estru~ rural por haver na pulsão uma impossibilidade de satisfação ple~ na, embora haja descarga de qualquer modo. A pulsão não tem objeto e sempre se satisfaz14 • O desejo não se prende ao objeto, contorna~o de modo mais ou menos eficaz. A falha no circuito pulsional é fechada pelo suporte da fantasia 15, que emoldura o objeto, por vezes até escon~ dendo a verdade do interdito simbólico, tornando~o algo perdido e algo inalcançável. Retomemos finalmente nosso ponto: toxicomania e sua relação com o sujeito do inconsciente. Se a pulsão sexual provoca transtornos por não se prestar a unir homem e mulher plenamen~ te, o casamento com as drogas não se relaciona aos problemas do sexo. O casamento com uma substância torna possível, para o su~ jeito, desvalorizar as conseqüências impostas pelo trauma sexual. A interdição no objeto de amor, lei simbólica, coloca o objeto incestuoso fora de alcance. Repercute de modo direto no amante, pois este passa a ser obrigado a oferecer algo que não tem. A saber: o falo. Eis aí o dom simbólico (<I>). Isso não é sem conseqüências, pois fazer~se de exceção é, então, sair da ordem fálica. A orientação não é mais ordenada pelo Outro. Os signi~ ficantes não situam mais um sujeito, posto que não estão mais em relação. A exceção se dá, inclusive, com relação à linguagem, colocando a toxicomania, em sentido estrito, fora das formações do inconsciente. É o retorno brutal, sobre o corpo, do desarranjo primitivo, cuja desordem e fragmentação fazem~se sentir na apre~ sentação de resto, de morto-vivo, do corpo do toxicômano. Essa justa coincidência unifica o ser do toxicômano numa forma de gozo, incidente no corpo, acusatória da falha do significante. Pois, se representar é mediar, "passar-se por" opera uma
O tempo na psicanálise
perda de gozo. Na toxicomania, opera um gozo a-mais. Nessa relação, o traço vindo do campo do Outro não representa o sujeito, ao contrário, o apaga. Garantindo, mesmo que perenemente, o alívio da divisão. Esse significante suporta identificações, encerrando a questão do ser: "Eu sou toxicômano! Eis meu corpo como prova disso:' Assim, a fenomenologia desses tipos clínicos traz, não por acaso, as marcas do excesso, no qual o toxicômano tira o gozo amais, um ganho em seu ser, pois o efeito não é o de representação (des-ser), mas de ser (Um)nificação. O efeito da divisão é o próprio sujeito, cuja dependência não é outra senão a do significante. Na impossibilidade de representar-se, não resta outro recurso senão o endereçamento a outro significante ( sl- $ - s2 ). o resto que sobra da equação, entre um significante e outro, na tentativa de representar o sujeito, sem apreendê-lo, é o objeto a. Essa sobra perseguirá o sujeito em toda sua existência, e mesmo ex-sistente à cadeia significante está presente na fantasia ($O a). Assim, o consistente não é o Outro, cuja falta exerce efeito de trauma e, sim, o gozo. Este não é oriundo do Outro, embora tenha lá uma inscrição, é antes de tudo uma resposta do real 16• Afastar-se do efeito de sujeito com o recurso à substância é situar-se fora do Outro, pois o que falta deixa de ser um significante no campo do Outro, passando a ser um resto a consumir. Temos então a insistência do retorno, não de um significante faltante, mas do mesmo ato: excluir-se das formações do inconsciente pela via tóxica. O discurso da ciência indica a saturação do sentido, explicando, depurando e extirpando do seu seio o equívoco. Este saber tendente ao Um redimensiona discursivamente a divisão do sujeito. Um elimina a divisão e obtura o saber, dimensão simbólica, contido no sintoma. Não há mais um sujeito do inconsciente. O significante pleno da ciência oferece acesso ao real por introduzir objetos lá onde não estavam, objetos para o consumo 17• Em tal operação, o consumidor não mais é dono de um objeto, usa-o para reduzir os efeitos da divisão ao mínimo. Mínimo de uma circunstância em que o consumo apresenta-se prontamente competente para identificar sujeito e objeto. A satisfação é massificada, livre dos erros e equívocos. O sujeito do inconsciente, dentro
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16 Soler. Variávtis do fim da análist, (1995, p.191).
17 Santiago. A droga do toxicômano - uma parceria cínica na tra da ciência, (2001, p.149).
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18
Lacan, J. Tekvisão, Jorge Zahar Ediror, Rio de Janeiro,
(1974/1993, p. 71). 19 Soler. Variáveis do fim da análise, (1995, p.184).
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dessa lógica discursiva, parece,nos escamoteado e suplantado, numa perda radical do valor da palavra como operador de perda, de,gozo. Assim, temos a toxicomania como um não,discurso, no qual sujeito e Outro não se enlaçam, mas fundem,se, perdendo justamente nisso a diferenciação. Se o significante provoca efeitos em oposição e, no hiato, apresenta,se um sujeito como o signi, ficante que falta no campo do Outro, temos no fenômeno ora estudado um "estilo de ser" no qual não há sujeito. Resta, então, um esvaziamento radical do desejo, princi, palmente no tocante ao saber inconsciente, decorrente do movi, mento de ruptura com o Outro. Parece ser repudiada ferozmente pelo toxicômano a percepção de que o lugar vazio, deixado pelo objeto faltante, não pode ser plenamente restituído, permane, cendo, justamente, em sua incompletude, a causa do sujeito do inconsciente. Na saída pela via da intoxicação sistemática, parece estar em jogo uma resposta que um sujeito dá na sua "hora da verdade"18, quando o fantasma encontra o objeto que o satisfaz19•
O tempo na psicanálise
rderências bibliográficas FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica - (1950 [1895]); in.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud; Editora lmago, Rio de Janeiro, 1980. FREUD, S. Os instintos e suas vicissitudes (1915); in.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud; Editora lmago, Rio de Janeiro, 1980. FREUD, S. Além do princípio do prazer (1920); in.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud; Editora Imago, Rio de Janeiro, 1980. FREUD, S. A divisão do eu nos processos de defesa (1940 [1938]); in.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud; Editora Imago, Rio de Janeiro, 1980. LACAN, J. O Seminário - Livro l, os escritos técnicos de Freud, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1986. LACAN, J. O Seminário - Livro 2. o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985. LACAN, J. O Seminário - Livro 5, as formações do inconsciente, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1999. LACAN, J. O Seminário - Livro 7, a ética da psicanálise, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1988. LACAN,J. O Seminário- Livro 11, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985. LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu - Comunicação feita ao XVI Congresso Internacional de Psicanálise, Zurique, 17 de julho de 1949; in.: Escritos, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,1998. LACAN,J. Televisão,Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1993. SANTIAGO, J. A droga do toxicômano - uma parceria cínica na era da ciência, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2001. SOLER, C. Variáveis do fim da análise; Editora Papirus, Campinas, SP, 1995. TEIXEIRA, A. Um ensaio Psicanalítico sobre a Toxicomania e sua relação com o Sujeito do Inconsciente, Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília, orientação Prf. Ora. Daniela Scheinkman Chatelard, Brasília, 2006.
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resumo Este trabalho dedica-se ao estudo psicanalítico
das toxicomanias. Toma como base as elaborações de Freud e de Lacan sobre o sujeito do inconsciente e suas interações com as substâncias intoxicantes. Parte da constituição do sujeito, de sua divisão, para indicar o que estaria envolvido na relação do toxicômano com sua droga: uma recusa radical do falo, da castração e das formações do inconsciente.
palavras-chave Toxicomania, sujeito, divisão, falo.
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O tempo na psicanálise
abstract This essay is dedicated to a psychoanalysis srudy of drug addictions. lt takes as base the elaborations of Freud and Lacan on the subject of unconscious and the interactions with substances intoxicants. Starts &om the constirution of the subject and its division. Then, the focus is aimed at what is evolved in the relation of the addicted and his drug: an radical refusal of the speech, castration and the formations of the unconscious.
key words Drug Addiction, subject, division, phallus.
recebido 10/08/2008
aprovado 22/10/2008
Stylus Rio de Janeiro n° 17 p.45-53 novembro 2008
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trabalho crĂtico com os conceitos
O tempo do desejo, os tempos da interpretação, o tempo do ato MARC STRAUSS
Interessa~se
aqui distinguir três tempos, acessoriamente multiplicando o segundo. E demonstrar que eles pertencem a di~ ferentes modos de existência e correspondem a três tempos no tratamento. I~ Assim, o primeiro, o tempo do desejo, é o da fala inocen~ te, a que se diz e não se sabe o que se está a dizer. Ela transcorre na chamada vida corriqueira, em que a ignorância é coberta pela máscara do eu. Ela também se profere no divã, é a fala analisante, da associação livre, aquela que, de pacto, está colocada sob a chan~ cela do saber esperando seu complemento interpretativo. A esse tempo do desejo e da fala correspondem tempos gramaticais. Uns tempos e não, os tempos; portanto não são todos, pois a esses tempos falta aquele sobre o qual direcionarei minha per~ gunta: Onde está o presente? Com a aplicação concreta, clínica, tentarei responder a essa questão que se enuncia em: Quando eu posso dizer que estou presente? E o que quer dizer também: Quando eu posso me sentir no presente? Por que a esses tempos da fala inocente faltaria o presente? Pois, é que o desejo não está no presente. Na verdade, é ele o inocente; precisamente, é o que o causa, e ele está muito ocu~ pado em seguir seu objeto. Um objeto que ele não quer acreditar que seja aquilo que lhe falta. E ele não pode aceitar não tê~ lo cap~ turado. Se o fizer, será obrigado a mudar, a colocar outro objeto no lugar do objeto esperado. Outro objeto, mas o mesmo lugar. Assim, o sujeito do desejo vive no futuro. Ele se projeta no momento no qual ele estará na presença do objeto, reunido a ele. Projeta~se mesmo em um futuro em que poderá se ver como se estivesse no presente. Lacan desenvolveu essa dimensão do futu~ ro anterior do desejo. O sujeito projeta esse encontro futuro porque lhe faltou o encontro passado. Um primeiro engano deixou seu rastro, sua
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1 Lacan.
"O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada;
(1945/1998).
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cicatriz de insatisfação que ele quer apagar. Quer repetir da melhor maneira, sem erros, o que lhe faltou numa primeira vez. Esta reminiscência do traço projeta-o num fUturo esperado da apreensão do objeto primordialmente perdido. De um passado para um fUturo, o presente sendo a transição evanescente entre os dois Existem nesses tempos emoções que também estão vinculadas: esperança e medo. E uma animação particular do corpo: a pressa. Pois no tempo do desejo, eu não tenho tempo a perder. O objeto está lá, mais ou menos ao alcance do olhar, da voz, da mão, ele me espera. E eu sei que a cada instante corro o risco de ser ultrapassado pela morte, de ter interrompida minha corrida. E seria uma pena, todos esses esforços por nada ... Mas no momento de apreensão do objeto, um receio aparece. Isso é o certo? É preciso estar seguro, não ser tolo por uma precipitação causada por uma ilusão. E por isso, suspende o movimento, afim de que ele possa ser retomado com conhecimento de causa. Como a segunda vez poderia ser com conhecimento de causa? Em todo caso, suspender seu movimento é também o que fazem os outros, os outros prisioneiros do tempo lógico 1• Portanto, como eles estão parados também, eu poderei retomar minha caminhada. Mas eles irão realmente? Verifiquemos ainda se eles estão seguros de sua decisão, pois sua partida precedente era bem voluntária. Paremos mais uma vez e vejamos se eles vão partir. Sim, partir duas vezes é o bastante para dar prova que a primeira suspensão não era fato do acaso. Portanto, não é o movimento do sujeito que lhe dá a certeza, mas sim, a suspensão desse movimento. A segunda suspensão dá à primeira o verdadeiro sentido de suspensão. Eis aqui o objeto que se oferece a mim. A porta vai se abrir e eu vou enfim passar o limiar. Logo me verei livre! Mas livre do quê? O que se passa pela porta aberta não é o espaço infinito dos possíveis. Existe aí um objeto se oferecendo, mas, ao mesmo tempo, como decepção e alívio. Este objeto obtido não é o esperado. Decepção, pois me resta a liberdade de consumir eventualmente esse objeto-recompensa, até que o efeito de satisfação em si passe e me faça partir novamente em busca do verdadeiro objeto. Alívio, pois se ele fosse o certo, teria cosido minha busca, e o desejo que
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me representa se extinguiria ao mesmo tempo em que ela. Con~ seqüentemente, eu posso hesitar de me satisfazer com o objeto que se apresenta; hesitações que correspondem aos tipos clínicos de neuroses: quando muito ameaçadora, é necessário ao fóbico evitá~la e, quando muito decepcionante, é necessário recusá~la; o histérico precisa se subtrair a isso, portanto, anorexia do seu con~ sumo; e o obsessivo tornando~o inadequado e conseqüentemente impossibilitado. Eu posso também estar cansado da corrida por um tempo, o tempo de se recuperar, de descansar. Aliás, com a pilotagem automática do aparelho psíquico, posso descansar e continuar minha corrida. Mesmo que durma e sonhe, ou esteja acordado, continuo com a mesma corrida. Mas seja qual for minha energia de desejar, o sentido do desejo será a fuga do presente, no sentido da evasão. Se o sentido foge, no sentido do toneF, o sentido do desejo é a fuga, no sentido do recolhimento; desejo como defesa, diz Lacan. Acrescentamos: como defesa contra o presente.
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Lacan. « Introdução à edição alemã de um primeiro volume
dos Escritos», (1975/2003, p.550).
li - os tempos da interpretação O segundo tempo é o da interpretação. Nós havíamos dito os tempos da interpretação, não pelo fato de serem gramatical~ mente variados, mas porque se repetem através de formas dife~ rentes. É o tempo do traumatismo. Um tempo não dito, não é um tempo gramatical, não acede à existência da linguagem, ao contrário, é o tempo do mal~entendido, dos lapsos, dos equívo~ cos. Ele corta o fluxo da linguagem, interrompe a doce sonolência da pilotagem automática. Ele surpreende, suspende os semblan~ tes. E assim, repete da mesma maneira o primeiro trauma, o da falta do objeto. Com ele, temos que despertar, existe urgência. É preciso apagar o incêndio provocado pela queda da vela, pois em vez de queimar certinho em seu lugar, inflama o corpo inteiro. Tornar impossível a queda da vela é a intenção do neuróti~ co. Ele tem fixações pelas quais ele a estiva, mesmo se por isso se fixar um pouco demais, até tornar~se servo da vela e lhe supor um querer: ser a vela e, assim, adorá~la para se assegurar de que ela se mantém benévola, isto é, imóvel. Acreditar saber como ter a vela sob controle é tranqüilizador. Mas o desmentir da realidade não
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tarda. O acidente, sob todas suas formas, mostra que não é isso! Ainda existe outra coisa, mas para conhecê~ la, isto é, administrá~ la, ele precisaria preparar~se de outra maneira! Pela repetição de cortes interpretativos, revelam~se ao su~ jeito suas manobras para ter, de acordo com o seu desejo, uma vela dotada de um poder que o proteja do incêndio, assegure os semblantes que dão ao objeto do seu desejo uma imagem. Assim, progressivamente, a vela aparece em sua tolice de vela, Sl. Com efeito, ele não quer mais a vela senão como diretor de prisão, e por aí, de liberdade, de evasão possível. Não tem diretor para decidir inscrever sobre o corpo de cada prisioneiro a sua cor específica; o que nós escrevemos S(iA.). Nenhum dos prisioneiros pode deduzir a cor dos outros em relação a sua, isto é, a verda~ deira natureza de seu sexo, que acaba sendo sua significação para além de sua anatomia. O tempo S(iA.), tempo da interpretação, não pode se quantificar, classificar~se. Ele se experimenta em sua (ex)istência. 111 -
o ato
O terceiro tempo é o do ato. Um tempo distinto daquele do desejo, com a sua fuga, como também do da interpretação, que é suspensão, um corte do tempo no qual o sujeito só aprende com o seu desaparecimento fora da cadeia das suas representações, na angústia. Da mesma forma, o tempo do trauma é sem seqüência, sem seqüência nova. Depois de sua suspensão, aquilo é retomado como antes, repetição vã, diz Lacan. Em contrapartida, no ato o sujeito o repete também, mas é outra coisa. A partir da constatação de uma repetição vá, ele pode correr o risco absoluto de optar sem garantia. Desde então, não pode sustentar as conseqüências da sua afirmação na respos~ ta que os outros querem emitir para lhe dar o seu sentido. Ele se baseia no outro por duas coisas: autenticar o que diz e, sobretudo, autenticar que ele fala e que foi escutado como quem fala. Mas o que o sujeito quer dizer falando? Ele quer certamen~ te que o outro confirme que ele disse exatamente o que pensava ter dito, o que gostaria de dizer; pode ser, por exemplo, que era homem ou que era mulher, ou que estava morto ou vivo. Portan~ to, que o outro lhe assegure seus semblantes. Mas o sujeito sabe
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muito bem: as repostas que ele recebe dos seus parceiros o decepcionam. O outro não sabe mais do que ele, ele faz a mesma coisa, pede o que lhe falta enquanto o sujeito quer ser amado por outra coisa, não por um semblante e sim por algo que o faça sentir-se único. A palavra nessa situação é sem esperança, como se devesse proceder apenas como semblante. Resta-lhe falar, para se reconhecer como quem fala além dos semblantes, para se reconhecer como parlêtre. E o ato é uma maneira de se usar a linguagem diferente do semblante; não é tampouco um corte traumático, pois é da ordem da escrita. Gostaria de propor hoje a idéia, que nossa experiência nos revela, de que não estamos no tempo presente se não estivermos no tempo do ato, e que esse tempo do ato é um tempo de escrita. O que me obriga a precisar quando o dizer torna-se escrita, pois não há ato sem dizer. É mais simples dizermos que o dizer são os ditos, esses que fluem e que fogem, pois o dito deixa traço. E o traço constitui o sujeito; ou, o que dá no mesmo, o substitui. Um traço que quer ser escrito não pode ser o fato de um acidente. É um traço destinado a dar sentido para outro, para seu leitor, que pode ser o autor à ocasião. Escrever não é a atitude do animal que deixa seus rastros sem pensar, como se fosse um acidente da natureza, mas é a marca da vontade de um sujeito. Logo, não é somente o sinal de um desejo, mas o fato de um sujeito ter aceitado se colocar na situação sem uma possível retomada, sem um possível esquecimento. Isso distingue bem a escrita da fala, que pode turbilhonar em todos os sentidos ou se anular, salvo, é claro, a palavra de quem analisa, em que o dito está dito. Nisso ela se iguala à escrita, indelével, sem deixar traço residual3• Então, o presente do ato é o dizer que se escreve, que não cessa de se escrever. Primeiro, inconscientemente, na palavra de desejo e no sintoma que a acompanha e a completa. Metodicamente em seguida, no decorrer de uma análise, em que o analista é o arquivista de direito da rede associativa e quem a pontua e ordena por meio dos seus cortes interpretativos. E, finalmente, na parte final de uma análise, quando além da imaginação e da encenação, se isolam pedaços da língua que, fazendo coincidir
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Lacan. O Seminário, livro 20: mais, ainda, (1993, p.40).
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' Nota do tradutor : o autor utiliza o neologismo criado por Lacan, feito da junção da palavra "publicação'; mas ao mesmo tempo associando o termo "poubdle'; que traduzindo para o português significa "cesto de lixo': Daí:
''poubellicntio" ·: Em português, a tradução utilizada por alguns, inclusive na tradução dos Outro' E5crito5 é publixação, feito da junção das palavras publicatio", publicação e poubelle, lixo.
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significantes e o gozo provado do corpo, formam a única certeza do sujeito. Enfim, talvez esse dizer que se escreve no presente esteja também na transmissão de experiência da análise, por conseguin ~ te, nos dispositivos que se propõem a nós com essa finalidade: passe, supervisão e, por fim, a elaboração analítica. Assim, o tempo do ato realizaria o presente, momento sem promessa, sempre já passado, como aquele do desejo; momento sem suspense, momento de ausência do sujeito como nos outros tempos da interpretação, mas tempo de presença ao contrário, tempo de encarnação do verbo, conseqüentemente de realização do sujeito. Seria a hora de distinguir a História e a obra~de~arte do escrito, tal como dizemos com Lacan. Com efeito, a História, as~ sim como a obra~de~arte, estão fixadas com alfinetes para Lacan, não com os do ato, mas com os da prestidigitação do passe. Por quêr Elas não são pensáveis sem o ato que as constituiu, mas tan~ to uma como a outra não podem transmitir nada desse aro, elas podem apenas registrar sua ocorrência. O historiador poderá apenas supor~lhe um sentido, sem acesso possível ao real sujeito da história, a sua dimensão criadora. A obra~de~arre, em contra~ partida, deixa marca de que alguma coisa realmente se passou, assim como disse Claude Lévi~Strauss. Mas somente traço, pois o sujeito em sua obra não está mais ali, ele seria apenas o dejeto do seu ato. Isso deveria nos levar a distinguir a obra~de~arte do escrito, que não pode jamais se reduzir a dejeto, mesmo se lhe é necessário passar pela poubellicatioé Ele permanece sempre como portador da singularidade da voz daquele que o cometeu e, contrariamente da obra~de~arre, suas interpretações, suas leituras, por mais abertas que possam ser, não podem ser abertas a rodos os sentidos. Desse ponto de vista, escrever e ler se juntam num presente que pode sempre se repetir, uma repetição que se caracteriza como aquela do saber, sempre primeira, isto é, sem perda. Resra~nos desejar que rodos sejam bons leitores. Tradução: Bruno R. Tasso Revisão: Andréa Brunetto
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rderências bibliográ~icas LACAN. Jacques. O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. LACAN.Jacques. (1975) «Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos ». In: Outros Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. LACAN. Jacques. ( 1945) "O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada': In: Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
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resumo Nesse artigo estabelece-se três tempos para o tratamento: os tempos do desejo, da interpretação e do ato. E o tempo do ato é tratado como a encarnação do verbo, conseqüentemente realização do sujeito.
palavras-chave Desejo, trauma, interpretação, escrita
abstract In this article three times for treatment are established: the desire, the interpretation and the acting times. And the acting rime is faced as the incamation of the verb, consequently, the individual's accomplishment.
key words Desire Time, lnterpretation Times, Acting Time
recebido 10/08/2008
aprovado 04/09/2008
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O tempo na psicanálise
A pressa e a saída Lms lzcovicH
Se o inconsciente não conhece o tempo, pode,se deduzir que a orientação de uma análise não pode se limitar ao incons, ciente. Lacan formula isso explicitamente em 1972, no texto em que resume seu seminário: ·:.. ou pior': No mencionado texto, de, pois de evocar a descoberta do inconsciente por Freud, da qual Lacan retoma a essência, ser estruturado como uma linguagem, ele indica um patamar superior, outra zona, pois a ênfase não é colocada na descoberta, senão no que Lacan chama a criação do dispositivo analítico, e continua: "onde o real toca no real''l. Acres, centa ser isto o que ele articula como discurso analítico. Portanto, a perspectiva da análise não está dada somen, te em como o simbólico permite cernir o real próprio ao sujei, to, mas em considerar na prática analítica o modo em que o par analisante,analista está tomado pelo real. Que "o real toque no real" indica a possibilidade de um efeito analítico não se limitar à revelação do significante reprimido, mas que o real do analisante seja suscetível de modificação, sem passar pelo simbólico. Essa proposição de Lacan põe em evidencia que, para ele, a terapia analítica está ligada ao inconsciente; essencialmente, ao real do sintoma, determinante para o uso do tempo na terapia. Poder,se,ia, com efeito, aplicar, em relação ao tempo, o tri, pé, lançado por Lacan em "A direção do tratamento" 2; trata,se de uma questão de tática, de estratégia e de política. Tomemos como exemplo o debate sobre a duração da sessão, já que me parece in, dispensável situá,lo em função dessas coordenadas. Há um nível puramente tático, no qual o analista é livre e, como no caso de toda intervenção, o analista é também livre para eleger o momen, to do fim da sessão. Tal posição constitui uma objeção que faz da sessão de duração variável ou das sessões curtas uma regra técni, ca, já que, na tática, o analista é o único amo a bordo. Se o analista é menos livre quanto à estratégia do tempo na terapia, é porque o tempo na análise é relativo à lógica que impõe a estrutura clínica, variável caso a caso, mas com pontos cons, tantes, segundo as estruturas. Pois bem, venhamos ao que Lacan
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1 Lacan. Le sémin~ire, livre 19: ...ou pire (1971-12), inédito.
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Lacan. "A direção do tratamento e os prinápios de seu poder" (1958/1998, p. 596).
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chamou a política da psicanálise, em que o analista é menos livre, por sua política estar ligada à sua falta~a~ser 3 • Poder~se~ia homo~ lagar essa falta~a~ser à falta de inscrição do tempo no inconscien~ te. A ausência de ambos, e, contudo, em posição de existir (existir por fora), situa~os no lugar de um real que guia a experiência. O tempo, como a falta~a~ser do analista, condiciona a política da terapia. E poder~se~ia postular a sessão curta desde a perspectiva política como a que corresponde à orientação do real do sintoma, e o tempo da terapia, o que corresponde ao fazer~se o sinthoma. Repito para acabar com mal~entendidos. Não se trata de situar uma preeminência da sessão curta na técnica analítica. Qualquer postulado técnico, em relação ao tempo, implica numa prescrição e o transforma em padrão. Assim, pode haver um pa~ drão da sessão curta e também um padrão da duração variável. T rata~se de considerar que, logicamente, a finalidade da sessão curta corresponde à formulação de Lacan da criação de um dis~ positivo, em que "o real toque no real': Esta perspectiva é relativi~ zada quando se concebe a sessão analítica como uma seqüência unitária, pontuada pela emergência do inconsciente e com o ob~ jetivo de fazer emergir o sentido ou a palavra plena. Na realidade, além de o que diz o inconsciente, aponta~se ao dizer do inconsciente, ao indizível que, contudo, determina o conjunto das associações. Não corresponde a uma técnica ativa, nem a uma sacralização da escuta. Parece~me que a idéia de um analista sobre o tempo da sessão corresponde à idéia que faz do inconsciente. E independentemente de seu uso, a sessão de dura~ ção breve é solidária da opção lacaniana quanto ao inconsciente como real e aponta ao uso das elucubrações que provém do in~ consciente. Isso se traduz em um efeito analítico maior: o analista será mais suscetível de ser o tempo, de encarná~ lo para cada ana~ lisante, ao invés de pensá~lo. Tomemos a questão da perspectiva da transferência. No decorrer da análise, ela não está limirada ao tempo do encontro com o analista, e o inconsciente, trabalhador infatigável, não se li~ mita a trabalhar na sessão. Ao contrário, o inconsciente, trabalha~ dor ideal, não descansa nunca e manifesta~se quando menos se espera. Por isso, é necessário um tempo para se implantar a lógica simbólica, que corresponde aos diferentes mitos escandidos pelo
Ibid, p. 596.
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inconsciente e que têm conduzido ao impasse sexual do sujeito. Mas por que supor, então, que a sessão deve ser ritmada pela emergência do inconsciente:' Ao contrário, pode~ se conside~ rar a sessão como o momento no qual o analisante conclui uma seqüência de elaboração. Cada sessão, mais que um impulso à associação, poder~se~ia considerar como uma preparação ao en~ contra com o real do fim da análise. Ora, por que Lacan, quando se refere ao "real que toca o real" refere~se ao discurso analítico:' Pode~se perceber que o dis~ curso analítico tem uma estrutura semelhante à da angústia. É suficiente referir~se à linha superior de dito discurso, que vai de (a) a$, que indica que o analista está no lugar da causa do desejo para o sujeito, que é igualmente lugar da angústia. E é esta perspectiva que Lacan privilegia em relação ao tempo, já em O seminário, livro 10: A angústia, quando se põe em evidencia a função da angústia em introduzir o sujeito na dimen~ são do tempo. Lacan evoca uma relação temporal de antecedência em relação ao desejo e considera a dimensão temporal da angús~ tia como a dimensão temporal da análise. Com efeito, a angústia prepara o encontro com o desejo. E não é surpreendente Lacan haver utilizado a mesma fórmula, "uso da angústiá; "como uso do tempo': Um é solidário ao outro 4• Situar o tempo da análise na angústia é uma perspectiva que Freud havia assinalado, fazendo da angústia um ponto nodal na representação do tempo. A angústia, cuja omissão é central na constituição do trauma, constitui uma mediação frente à urgên~ cia pulsional ou frente ao desejo do Outro. Nesse sentido, frente à abstração do tempo da consciência, Freud privilegia o tempo da angústia, que se opõe ao tempo do sintoma. A angústia introduz uma descontinuidade onde o sintoma assegura uma permanên~ cia. O sintoma freia o tempo, já que sua temporalidade está deter~ minada por sua constituição, que é a de um tempo que parou. Isso a clínica analítica põe em evidencia. À falta de certeza do inconsciente, o sujeito supre com o fantasma e é, em sua vaci~ lação, que emerge outra temporalidade propiciada pela angústia. Na verdade, em todo sujeito, à entrada da análise ~ e indepen~ dentemente da estrutura clínica ~ põe~se de manifesto, de uma maneira ou de outra, a idéia de um atraso, próprio do sintoma, e a transição para a outra temporalidade dada pela angústia.
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Lacan. O Seminário, livro 10: A
angústia (1%3/2005).
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Essa temporalídade inclui o tempo marcado pelas pulsa~ ções do inconsciente, ou seja, suas formações e a repetição, permi~ te situar além: é o que Lacan articulou com a função da pressa. A pressa não é nem a rapidez resolutiva, nem a urgência, nem a precipitação. Comecemos com a rapidez resolutiva. Desde Freud, existe a idéia de que um tempo é necessário, a fim de evi~ tar a satisfação imediata e seus riscos, os quais estão vinculados ao escamoteamento da pergunta: quem se satisfazr Por isso se preconizou não tomar grandes decisões antes do fim da análise, porque a satisfação do supereu, do eu, ou do inconsciente, não são equivalentes para a psicanálise. Ora, quem se atreveria, hoje, a sugerir a um analisante que se abstenha de tomar decisões antes do final da terapiar A duração da análise, em nossa atualidade, faz objeção a esse princípio de abstinência. Por outro lado, Freud advertiu dos riscos da solução terapêutica que intervém demasia~ damente rápido. A questão é: não se pode comprimir o tempo para compreender. Os efeitos terapêuticos intervindo prematuramente po~ dem ser um obstáculo ao prosseguimento da análise e a uma re~ solução mais consciente. A antecipação resolutiva do sintoma não implica o con~ sentimento à satisfação. Daí Lacan evocar, em relação à psicose, o termo 'solução prematura, que se pode generalizar. A solução prematura é aquela na qual o sintoma, embora reduzido, não lo~ gra elevar~se à categoria de nome do gozo do sujeito.Tomemos a questão da urgência. Lacan se refere a ela freqüentemente, em relação à entrada em análise. Existe, com efeito, uma urgência em procurar o partenaire que responda ao sintoma do sujeito. E isto se confirma no momento da demanda analítica. Pode ser um sintoma de muito tempo atrás. É necessário converter~se em um sinal para o sujeito, para ele solicitar uma ajuda imediatamente. Quanto à precipitação, trata~ se de uma aceleração do tem~ po que descuida das coordenadas simbólicas e, por isso, sua me~ lhor ilustração é a transição para o ato. O sujeito conclui saltando o tempo para compreender. E Lacan faz da transição ao ato me~ lancólico o paradigma dessa equivalência, na qual o sujeito se faz objeto. Daí a necessidade de introduzir um semblante de tempo, quando isso é possível para a psicose. E se a solução espontânea de Schreber se revela eficaz, é na medida em que se resolve um
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O tempo na psicanálise
impasse subjetivo, ligado a uma solução prematura. Em tal caso, não se trata de fazer amadurecer um fantasma, mas de introduzir uma solução assintótica, outra opção do sujeito em relação ao tempo, que o extrai da precipitação, pois implica o encontro num futuro indefinido, que não deve se tornar realidade. Assinala-se aqui outra forma de pular o tempo para compreender: quando se colapsa o instante de ver e o momento de concluir. Trata-se do caso da experiência traumática que não se cristaliza em sintoma analítico. O Homem dos lobos 5 exemplifica o que Lacan chamou de anulação do tempo para compreender. O resultado é constatável: toda uma vida dedicada a um eterno começar, para explicar à comunidade analítica o incurável na terapia. O sujeito está fixado em um gozo traumático, que exclui a inclusão do tempo e o conduz, dessa forma, a um duelo impossível. Se o uso do tempo na clínica da psicose implica um saber com o semblante do tempo, a resposta analítica difere quanto ao uso do tempo no caso da neurose. O tempo que passa, digamos espontaneamente, não favorece nada, e, frente à divisão subjetiva, a resposta analítica difere da resposta psicoterapêutica."Dê-se um tempo de reflexão" é o modo de dar um tempo na psicoterapia. E a fórmula corrente "o tempo cura todas as feridas" convém a muitas circunstâncias da vida, salvo à neurose. E, só hoje, aparece como anacrônica a fórmula de Freud, que uma mulher depois dos 30 anos é inanalisável, o vigente é que a neurose, sem análise, agrava-se com o tempo. A análise introduz o tempo de outro modo que o de darse o tempo de refletir. Isso justifica a referência à pressa, que tem uma especificidade em sua conexão com o simbólico, ao qual, contudo, transcende, ou seja, se o simbólico é condição da pressa, não é o que a causa. A causa da pressa é a, o qual nos remete, num momento, à angústia e ao discurso analítico. E se eu utilizo a distinção entre pressa e urgência, faço-o para indicar que o que possibilita a lógica da pressa é que o analista possa dar o tempo que faz falta. Pois há um tempo necessário na terapia, o qual está indicado, desde Freud, no texto sobre "A questão da análise leiga' e a formidável definição ali lançada da análise como "magia lentá'6. A magia, por definição, serve-se do semblante da surpresa, e a temporalidade é a do instante. Por isso o público pede que lhe
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Freud."Hisrória de uma neurose
infantil'; (1918[1914]/1976).
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Freud. "A questão da análise (1926/1976, p. 214).
leiga~
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repitam o número, mas, dessa vez, mais lentamente, para poder compreender o ponto de ruptura na ilusão. E notem bem: Lacan refere~se a essa oposição, quando evoca a distinção entre os semblantes da magia e os semblantes do discurso analítico. A análise exige tempo para compreender a cena que escapou, à qual o inconsciente respondeu produzindo uma confusão. Um tempo é necessário à implantação da cadeia inconsciente, mas fundamentalmente o tempo que faz falta é aquele que introduz o sujeito na função da pressa própria, à cau~ sa de seu desejo. Isso justifica falarmos da análise como uma pressa lenta, em que o analisante se faz a seu ser, não é somente se habituar a ser o que é, mas sim produzir uma mudança no ser. Pois o real que incide no real do sujeito (retomo aqui a fórmula "o real toca no real") tem como pretensão introduzir um novo real. O inconsciente não é somente uma operação de revelação do que já está, de trazer à luz os enigmas ocultos dos sujeitos. Além de decifrar o que o inconsciente ci&ou, a operação analítica trata de escrever o que não cessa de não se escrever. Logicamente, a questão do tempo na direção da terapia se articula com o objeto a, causa de desejo e de angústia que ambi~ ciona o encontro com um novo real. Tomemos a perspectiva do desejo. Em sua essência é metonímico, metonímia da falta~a~ser. Assinale~se que Lacan distingue o desejo inconsciente de um de~ seja centrado no narcisismo, que pode ser o efeito de uma análise, como resposta ao efêmero da vida. Nesse sentido, há um tempo necessário na análise para produzir um desejo, efeito de uma enunciação singular, e deve se distinguir de um desejo fundado no narcisismo. A temporalidade do apres~coup é essencial, já que, como efeito da elaboração, une a experiência passada e a conecta à experiência que está por vir. O desejo forja um vetor de direção ali onde o sem sentido reduz o sujeito a ser um perdido no tempo. Quanto mais o sujeito tem acesso a uma posição desejante, mais se distancia de um relação ao tempo concebido como a soma de instantes. E como o incons~ ciente é evasivo, trata~se de captar a metonímia do desejo. Cernir o desejo é captá~lo à letra. Por meio do desejo, o sujeito entra no tempo e concomitan~ temente deixa de pensar. É o que se traduz na fórmula corrente,
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O tempo na psicanálise
quando um sujeito está num modo sintonizado com seu desejo, "não vejo passar o tempo': Estar no tempo e pensar o tempo se opõem como ser e pensar. Pois bem, cabe perguntar qual é a interpretação analítica que propicia esse movimento. Na progressão do ensino de Lacan, percebe-se o esmiuçamento da interpretação e a produção do ato é apontada como horizonte. A questão que se depreende não é unicamente a de como assinalar o grau máximo de simbolização, mas, sim, a hiância entre o simbólico e o real. Então se deduz que, se a última perspectiva de Lacan é definir o inconsciente como um modo de gozar do sintoma, a operação analítica não tem por finalidade última interpretar o reprimido, mas sim modificar o programa de gozo do sujeito. Isso impõe uma revisão do tempo na análise. É certo uma análise durar o tempo que é necessário a um sujeito para se apropriar do objeto a, que previamente havia colocado do lado do analista, e este o encarna para o sujeito. E interpretar o reprimido é já introduzir o sujeito na atualidade do tempo, já que o reprimido e seu caráter inalterável, ao longo do tempo e nas contingências que o acompanham, submerge no sujeito num tempo sempre passado. Poder despojar a vivacidade atual da representação é, para Freud, um objetivo terapêutico central. Se o neurótico está fora de tempo, é porque está regulado pelo tempo do fantasma, cujo axioma resiste à usura e coloca o sujeito na hora do Outro, com o efeito de uma estereotipia atemporal. Já Freud indica com precisão que as representações reprimidas se comportam, depois de décadas, com a vivacidade do início. Não há melhor ilustração que a da reminiscência histérica: os anos têm passado, os encantos se desvanecem, mas ela segue sonhando com o príncipe azul, como quando era menina. Nesse sentido, a orientação do real e o desejo do analista, que é de despertar, introduzem uma mudança na relação com o tempo. Todavia, a análise não se limita ao tempo da produção de um desejo, mas implica integrar o tempo do circuito pulsional e a modificação do gozo inconsciente. A efetuação do circuito pulsional até sua última volta exige tempo. É o tempo não somente do percurso da pulsão entre sujeito e seu objeto sexual, mas um tempo para ser consumido. É um termo de Lacan para o analista. Esta dimensão do analista, como objeto presente a ser consumido, durante toda a terapia,
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adquire um valor específico, depois da queda do sujeito suposto saber. É o tempo de um luto dentro da análise. Esclareço que esse tempo de luto, interno à análise, é fundamental quanto à experi~ ência que um analisante pode fazer do que advém ao analista no final, e ao qual Lacan deu o nome de"desser': Nessa zona se conju~ ga a verdadeira saída da análise lacaniana e, como toda elaboração de um luto, pode se traduzir à ocasião numa impossibilidade de concluir. Essa zona que se abre na análise, depois da queda do sujei~ to suposto saber, condiciona o desejo do analista. Já que não é o mesmo o "desser" do analista, como efeito da queda da suposição de saber, e como efeito da elaboração de um luto. Ora, existem saídas da análise fulgurantes, mas não é a fulgurância que nos indica a precisão da saída. A zona final da análise corresponde à lógica que preside ao conjunto: magia lenta e instantaneidade do ato, que correspondem a uma pressa na saída, como efeito da elaboração do luto, sem o qual a saída pode confundir~se com o ilusionismo da magia. Dito de outro modo, exponho um benefício epistêmico na duração dessa zona final, que oponho à saída fulgurante pelo en~ contro com a inconsciência do Outro. Retomo a questão da pressa, presente em cada sessão e que, todavia, não pode dissociar~se da temporalidade lenta, exigi~ da pela análise. A pressa é um estímulo que nunca se pôde dizer, até encontrar o limite do dizível, parede atrás da qual se aloja o dizer próprio do sujeito, sua singularidade íntima, o suporte do conjunto dos ditos. A pressa está articulada ao ato do analista, mas em conexão com o ato do sujeito, já que existe uma pressa conectada à ilusão da qual, como disse Lacan, a pressa pode ser cúmplice. O risco é confundir a pressa inerente ao ato com a pressa em sua versão imaginária. Esta última é a pressa dissociada do ato. E Lacan de~ limita a função exata da pressa: produzir o momento de concluir. Lacan nos adverte do uso imaginário, fazendo referência a uma pressa que se conclui em saída arbitrária, dando lugar, neste caso, a uma pressa cujo resultado é a errância. O exemplo maior é a revolução. Impõe~se, portanto, distinguir diferentes formas de pressa e, destarte, é legítimo afirmar que existem variedades da pressa na saída da análise. Obviamente, deixo de fora tudo o que
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implicam as soluções prematuras ou as saídas que dependem de uma precipitação. Das saídas pela pressa, cabe distinguir aquela na qual o su~ jeito se apóia na dedução do inconsciente. É a saída pelo saber de um deciframento. Por outro lado, e bem diferente, é a saída que depende da relação do sujeito com um diz;er singular. Finalmente, sustento que o fulgurante na saída não é a queda do SsS ~ isso não é equivalente à saída - e sim o término do luto do objeto. E isso pode ser uma saída fulgurante, ou não. A pressa não imagi~ nária, na saída, depende da eferuação desta volta a mais de uma análise e que não se faz; sem tempo. Tradução: Luciana Vasconcelos Abreu Lima Revisão: Andréa Brunetto
referências bibliográficas FREUD, Sigmund. (1926) "A questão da análise leigá: In.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976. Vol XX. FRE UD, Sigmund. ( 1918 [1914J)"História de uma neurose infantil': In.: Edi-
ção Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Editora !mago, 1976, Vol XVII. LACAN, Jacques. (1963-64) O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. LACAN.Jacques. (1971-12) Le séminaire, livre 19: ... ou pire. Inédito. LACAN.Jacques. (1958)"A direção do tratamento e os princípios de seu poder': In: Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
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resumo A partir da afirmação de Lacan que o dispositivo analítico articula «onde o real toca o real», este artigo relaciona o manejo do tempo da sessão e o final do tratamento à idéia que o analista faz do inconsciente.
palavras-chave real, sessões curtas, angústia, desejo
abstract Based on Lacan's asserrion that the analyrical mechanism articulares "where real touches the real'; this artide establishes relations between the session time management/the end of the treatment and the idea that the psychoanalyst has about the unconscious.
key words real, short sessions, anguish, desire.
recebido 28/07/2008
aprovado 02/09/2008
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O tempo na psicanálise
A posição do sujeito no laço totalitário do capitalismo contemporâneo 1 RAUL ALBINO PACHECO FILHO
A constituição do sujeito e seu ingresso no simbólico, na linguagem e na cultura, 'cobram o preço' da cisão/ alienação origi~ nárias, que se redobram a cada vez que ele fala. A entrada do su~ jeito em todo e qualquer laço social implica sempre essa alienação originária e constitutiva, que é da ordem da estrutura e não da contingência: poderíamos dizê~la 'trans~histórica'. Na esperança de assim estarem servindo a uma instância absoluta e sem falhas, potente a ponto de lhes assegurar escapar aos sofrimentos ardi~ nários da vida humana, os sujeitos inventam um Outro/Pai Ab~ soluto que lhes permita sustentar o ideal impossível de um gozo absoluto e ilimitado; mas que, ao mesmo tempo, os proteja contra essa mesma possibilidade de gozo. Iludidos de que estão juntos na mesma fantasia, e de que se remetem a um único e mesmo Outro absoluto e sem falhas, os sujeitos com estrutura neurótica entregam~se como instrumentos desse saber. E isto está na ori~ gem de inúmeras tragédias sociais: os totalitarismos de direita ou esquerda, os fundamentalismos religiosos, os genocídios e massa~ cres racistas ou xenófobos e assim por diante. Disparado o processo, ele prossegue na direção de uma alienação total do sujeito, em um movimento de progressiva redução da participação de sua singularidade, nas ações em so~ ciedade. Aqui vou me referir a isto como a 'inércia totalitária' do laço social. O Outro não existe, mas, mesmo assim, o sujeito deve sustentar sua pseudo~ existência: mesmo que seja às custas da sua insatisfação ou impotência. O objetivo deste trabalho é ressaltar a existência de um adi~ cional de alienação específico ao laço social implicado pelo capita~ lismo, que está para além da alienação estrutural anteriormente mencionada; e que responde por uma aceleração exponencial da referida 'inércia totalitária', nessa forma histórica de sociedade. Consiste, portanto, em uma tentativa de contribuir para a crítica do capitalismo, a partir da consideração da questão do sujeito.
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1 Este artigo foi elaborado a partir da apresenra5áo de mesmo nome, feira no V Enconcro
Internacional da IF-EPFCL "Os
Tempos do Suj<ito do Inconsci<nte · A Psica,Qlise no seu Tcmpo e o Tcmpo na PsicaiUÍ[is(, São Paulo, julho de 2008.
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2
LaCIII,Jacques (1950/1998) Introdurão teórica às funrões da Psicanálise em criminologia.
l
Ibid., p.146.
• Kojeve, Alexandre (1939/2002) À guisa de inrrodução.ln: Kojeve, Alexandre. Introdurão à leitura de Hegel, p.13.
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Marx, Karl (1867/1984) Das Kapital, cap.l.
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Refiro# me, obviameme, à ronnula da metáfora paterna
apresentada por LaCIII: --
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-
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Veja-se laCIII, Jacques (1957 · 1958/1998).De uma questão preliminar a todo tratamento possivel da psicose, p. 563.
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Ou seja, oferecer uma contribuição da Psicanálise para a interlo~ cução com o pensamento e as teorias sobre a sociedade. Em um de seus textos 2 , Lacan diz que a "integração verti~ cal extremamente complexa e elevada da colaboração social" exigida pelo sistema de produção capitalista conduz a um "plano de assimilação cada vez mais horizontal" dos ideais individuais dos sujei~ tos, que pode ser sucintamente expresso pela seguinte fórmula: (... ) numa civilização em que o ideal indivi~ dualista foi alçado a um grau de afirmação até então desconhecido, os indivíduos des~ cobrem~se tendendo para um estado em que pensam, sentem, fazem e amam exatamente as mesmas coisas nas mesmas horas, em por~ ções do espaço estritamente equivalentes.3 Meu propósito é explorar este aspecto do laço social capitalista, esmiuçando as bases sobre as quais ele se assenta. Entendo que uma crítica do capitalismo, que não se preten~ da fundamentada em um ponto de vista meramente 'moral; não pode alegar uma pretensa 'desumanização' do sujeito pelo atrela~ mento do seu desejo à posse de mercadorias. Kojeve nos lembra que o desejo propriamente humano, 'antropogênico; não busca um objeto real 'positivo; mas sim o desejo de um outro ser hu~ mano. O desejo por um objeto só é 'humano; se for mediatizado pelo desejo de um outro ser humano pelo mesmo objeto4 • E, no que diz respeito a isto, ninguém poderia acusar o capitalismo de aesumanizar' o sujeito. A criação da forma-valor', analisada por Marx em "O Capital"\ possibilita a padronização e universaliza~ ção dos procedimentos de medida do valor das mercadorias, por meio do 'valor-de-troca'. E isto viabiliza uma ampliação inusitada da referida mediação, pela articulação do desejo dos distintos su~ jeitos aos objetos-mercadorias. Aqui é possível estabelecer a seguinte articulação relevante (poder~se-ia dizer homologia?) entre Junção paterna' e o processo de instituição social do 'valor-de-troca': + Ainda que o significado do Desejo da Mãe seja um enigma para o sujeito, o Nome-do- Pai permite 'significantizá-lo; criando a significação fálica e possibilitando a circulação do falo 6; + Ainda que o significado último do valor do objeto seja um enigma para o sujeito, o 'equivalente-geral' (e sua forma mais
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bem acabada, o dinheiro) permite 'significantizá~lo, criando o valor~de~troca e possibilitando a circulação de mercadorias 7• Isto não significa que apenas desejos (por objetos) media~ tizados pelo 'valor~de~troca' sejam humanos. Os desejos por obje~ tos em culturas não capitalistas também são mediatizados pelos desejos de outrem. Isso vale, por exemplo, para o desejo por um bom arco, entre os índios de uma tribo; ou para o desejo por uma boa espada ou armadura, entre cavaleiros da época medieval. Até mesmo o que relaciona os seres humanos ao seu alimento é dese~ jo humano, na medida em que, já se disse, comemos signos. Lévi~ Strauss não mostrou algo desta ordem, em "O cru e o cozído"8? Porém, por meio do valor~de~troca, a cultura capitalista criou um poderoso e inédito instrumento de articulação, fixação e padronização da 'desejabilidade' pelos objetos do mundo: talvez pudéssemos nos referir a isto como a fixaçãolpadronizaçãolho~ mogeneização do 'valor-desejo' de um objeto, para todos os mem~ bras do corpo social. Este me parece um ponto fundamental para se analisar as conseqüências de uma cultura - a cultura capitalista, que conse~ guiu um modo de fixar I estabilizar I ancorar um mesmo 'quantum' de 'valor~desejo' de todos os membros de um corpo social para cada um dos objetos do mundo. A análise marxiana aborda as~ pectos importantes a respeito do processo de instituição social do valor~de~troca: os aspectos econômicos e políticos, que di~ zem respeito às relações de produção, valor~trabalho, mais~valia, meios de produção, produtividade, trabalho necessário, trabalho excedente, contradições e conflitos de classe, capital e assim por diante. Mas eu acredito que ainda existe algo importante por analisar, em um âmbito em que a Psicanálise pode e deve tra~ zer suas contribuições: exatamente no que se relaciona com esse 'valor~desejo' pelos objetos, que o capitalismo conseguiu adminis~ trar. Parece~me fora de dúvida que Lacan apontou na direção da relevância desse tema, por exemplo, ao subsumir a mais~valia ao
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8
Lévi-Strauss, Claude (1991 [1964]) O Cru e o Cozido. São
Paulo, Brasiliense.
mais~de~gozar:
(... ) se não houvesse fundado o capitalismo, Marx teria se dado conta de que a mais~valia é o mais~de~gozar. Tudo isto não impede, é claro, que por ele o capitalismo tenha sido fundado e que a função da mais~valia seja
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Lacan,Jacques, (19691970/1992) O seminário, Livro 17: O avesso da Psicanálise, p.l00-101.
muito pertinentemente designada em suas conseqüências devastadoras.9 O mesmo parece ser indicado quando ele aponta que o ca~ pitalismo talvez tenha produzido um ponto crítico de ruptura, ao articular o sujeito ao 'objeto causa do desejo: Também isto, me parece, tem a ver com o mencionado efeito produzido pela articu~ lação de um objeto ao equivalente~geral: o efeito de socialização do 'valor~desejo' por esse objeto, por meio do equivalente~geral. Aliás, Marx propôs que a passagem à forma~valor-geral consti~ tuiu um salto qualitativo, pois se dissolveu na totalidade social a antiga relação em que o valor-de-uso ainda predominava sobre o valor-de~troca.
Proponho que a saída de um mundo de valores~de~uso, para um mundo de valores~de~troca, apresenta uma homologia com o processo de compartilhamento significante, que é possibi~ litado pela instituição de uma língua. Uma língua cria as 'amarra~ ções de significações operadas pelos signos, viabilizando a comu~ nicação e a cultura humana (respeitada, é óbvio, a prevalência do significante, no que diz respeito à emergência do sujeito do in~ consciente). E algo como um 'valor-desejo' pelos objetos pode ser significantizado pelo equivalente~geral, em processo que guarda relação de homologia com aquele pelo qual o 'Desejo da Mãe' pode ser significantizado pelo 'Nome~do~Pai: Portanto, não me parece absurdo chamar a atenção para uma conexão entre: • A função do Nome~do~Pai, que, ao ser incluída no lugar do Outro, funciona como ponto~de~basta e possibilita que o su~ jeito confira significação aos seus significantes; • E o que seria uma Junção equivalente-geral', que, ao ser esta~ belecida no seio da sociedade, introduz algum tipo de homogeneiza~ ção/ padronização da relação dos sujeitos com os objetos do mundo, por meio da criação de algo da natureza de um 'valor~desejO: A linguagem possibilita um certo compartilhamento par~ cial dos objetos do mundo e uma certa unificação das ações a eles dirigidas, mas com uma 'perda' - registrada pela extração do 'ob~ jeto á, em função daquilo a que o simbólico não pode dar conta-, produzida pela equivocidade significante. Equivocidade signifi~ cante que, de algum modo, responde pela singularidade na relação desejante do sujeito com o mundo. Proponho a seguinte questão: não seria, aJunção equivalente-geral, responsável pela produção de
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uma limitação sem precedentes na margem de singularidade da relação do sujeito com o mundo? Limitação produzida pelo fato dela capturar algo da ordem de um 'valor~desejó pelos objetos, em suas malhas? Não foi isso, aliás, que possibilitou o desenvol~ vimento de tecnologias sociais de administração do desejo, como é o caso da publicidade e do marketing? Cito Lacan: Aqui, na encruzilhada, enunciamos que o que a psicanálise nos permite conceber nada mais é do que isto, que está na via aberta pelo mar~ xismo - a saber, que o discurso está ligado aos interesses do sujeito. É o que na ocasião Marx chamou de economia, porque esses interesses são, na sociedade capitalista, inteiramente mercantis. Só que, sendo a mercadoria ligada ao significante~mestre, nada adianta denun~ ciá~lo assim. 10 Unidos pelo compartilhamento do ideal de consumo, não me parece que os sujeitos do capitalismo estejam imersos em um narcisismo metapsicológico 'stricto sensu', como certas análises pa~ recem pretender. Neles, o que mais me assusta é a disposição para se entregarem à 'inércia totalitária' do 'discurso do capitalistá. Se existe possibilidade de se produzir abalos na ilusão dos sujeitos, de que estão juntos na mesma fantasia e se remetem a um único e mesmo Outro, isso depende de que percebam as contradições en~ tre as diferentes formas de relação com o mundo, que decorrem das distintas concepções que eles (os diferentes sujeitos) têm a respeito do mundo. Porém, como é possível questionar~se a con~ vicção de que todos compartilhamos a única e mesma 'realidade: se, como mencionado anteriormente, Lacan nos lembra que esta~ mos na sociedade em que todos "pensam, sentem, fazem e amam exatamente as mesmas coisas", nas mesmas horas e lugares:' Disparada por uma padronização sem precedentes his~ tóricos dos 'valores~desejo' pelos objetos do mundo, lança~se às alturas a disponibilidade para entrega à alienação produzida pela fantasia coletiva de referência a um único e mesmo Outro Absoluto. É este, assim o entendo, o perigo maior desta forma de estruturação da sociedade: a 'inércia totalitária' do laço social capitalista. Perigo tão maior quanto mais o próprio sujeito deixe de representar também um 'enigmá, para tornar~se, igualmente,
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Ibid.. p.86.
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Marx, Karl (1894/19461947) E/ capital. v.III, cap. U, p.1015-1017. Tradução encontrada em lanni, Octavio (1992) Introdução. In: lanni, Octavio (org.). MarxSociologia, p.S-9.
12 Zizek, Slavoj (1989/1996) Como Marx invencou o sintoma! In: Ziuk, Slavoj (org.) Um mapa da ideologia, p.327.
13 Kojeve, Alexandre (1939/2002) À guisa de introdução. In: Kojeve,Aiexandre. Tntroduçíw ~ leitura de Hegd, p.l2.
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apenas um objeto com 'valor~desejo' quantificado e padronizado: uma mercadoria (seu trabalho), com valor socialmente definido pela medida do equivalente~geral. Cito Marx: (No modo capitalista de produçãoJ o próprio operário somente aparece como vendedor de mercadorias (... ) Os principais agentes deste modo de produção, o capitalista e o operário assalariado, não são, como tais, senão encarnações do capital e do trabalho assalariado, determinadas características sociais que o processo social de produção imprime nas pessoas, produtos destas relações determina~ das de produção.U O sujeito do capitalismo ensaiou seus primeiros passos, na História, substituindo a obediência ao Pai da Igreja Católica pela obediência ao Pai da Reforma Protestante. Prosseguiu, en~ saiando uma tentativa de libertação da alienação e submissão a qualquer Pai Absoluto, tentando posicionar-se como criador do seu próprio mundo, responsável pela sua Ciência e autor de sua própria história. Mas o fetichismo da mercadoria amarrou~o em suas malhas e desviou~o do percurso buscado, de responsabilida~ de pelo seu próprio destino. Fetichismo, este, operando nos dois sentidos, marxiano e freudiano, conforme a distinção proposta por Zizek: "(... ) no marxismo, o fetiche oculta a rede positiva de
relações sociais, ao passo que, em Freud, o fetiche oculta a falta (castração') em torno da qual se articula a rede simbólica"12• Esquivar-se de se submeter a qualquer totalização positiva, sustentando o próprio desejo como norte, e assumindo as contradições e conflitos inerentes ao laço social, talvez seja este o único modo pelo qual o ser humano possa retomar o progresso na His~ tória, na condição que é própria do seu 'ser': (... ) o próprio Ser desse Eu será devir, e a forma universal desse Ser não será espaço, mas tempo. Manter-se na existência significará, pois, para esse Eu: "não ser o que ele é (Ser estático e dado, Ser natural, caráter inato) e ser (isto é, devir) o que ele não é:' Esse Eu será assim sua própria obra: ele será (no futuro) o que ele se tornou pela negação (no presente) do que ele foi (no passado), sendo essa negação efetuada em vista do que ele se ror~ nará. 13
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re~erências bibliográ~icas KOJÍNE, Alexandre (1939) À guisa de introdução. In: Kojeve, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro, Contraponto/EDUERJ, 2002, p.ll-31. LACAN,Jacques (1969-1970) O seminário, Livro 17: O avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992, p.l00-10 1. LACAN,Jacques (1950) Introdução teórica às fUnções da Psicanálise em criminologia. In: Lacan, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p.127-151. LACAN,Jacques (1957-1958). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Lacan, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p. 537-590. LÉVI-STRAUSS, Claude (1964) O Cru e o Cozido. São Paulo, Brasiliense, 1991. MARX, Karl (1894) El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 19461947, v.III, cap.LI, p.l015-1017. Tradução encontrada em lanni, Octavio (1992) Introdução. In: lanni, Octavio (org.). Marx- Sociologia. 7.ed. São Paulo, Ática. p.5-42. MARX, Karl (1867) Das Kapital. Berlim, Dietz Verlag, 1984, cap.1 (Marx Engels Werke (MEW]. vol.23). ZIZEK, Slavoj (1989) Como Marx inventou o sintoma~ In: Zizek, Slavoj (org.) Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996, p.297331.
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resumo A alienação originária e constitutiva do sujeito leva-o a oferecer-se como instrumento de um Outro (um Pai Onipotente), na esperança de escapar aos sofrimentos ordinários da vida humana. Isto constitui a disposição estrutural e 'trans-históricá do laço social, presente em qualquer sociedade humana. O objetivo deste trabalho é ressaltar a existência de um adicional de alienação do laço social implicado pelo capitalismo, que responde por uma ampliação crescente e por um acréscimo progressivo da alienação do sujeito, nessa forma histórica especifica de sociedade. Propõe-se uma articulação entre a 'metáfora paterna' formulada por Lacan e a instituição social do 'equivalente-geral; formulada por Marx, que permite estabelecer 'valores-de-troca' das mercadorias. Argumenta-se que isto possibilitou a fixação e padronização do que aqui se denominou'valores-desejos' pelos objetos, tornando possível um ponto crítico nas transformações históricas, ao se articular o sujeito ao 'objeto causa do desejo' e se produzir um fortalecimento extraordinário do laço social capitalista (o 'discurso do capitalista') e de sua inércia totalitária.
palavras-chave capitalismo, alienação, laço social, totalitarismo, mercadoria.
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O tempo na psicanálise
abstract lhe original and consrirurive alienarion of the subject leads him to offer himself as an instrument of an Other (an Omnipotent Father), in hope of escaping from the ordinary sufferings of the human life. lhis consrirutes the strucrural and'trans-historical' disposirion of the social bond, present in any human society. lhe aim of this work is to point out the existence of an addirional of alienarion in the social bond implied by capitalism, which answers for a growing enlargement and a progressive increase of the subject alienarion, in this specific historical way of society. lt proposes an arricularion between the 'paternal metaphor' formulated by Lacan and the social instirurion of the 'generalequivalent, formulated by Marx, which permits to establish 'exchange-value' of goods. lt argues that it allowed the fixarion and standardizarion of what was designed here by 'desire-value' by objects, making possible a criticai point in the historical transformations, when it arriculates the subject to the object cause of the desire' and produce an extraordinary strengthening of the capitalisric social bond (the 'capitalist discourse') and its totalitarian inertia.
key words capitalism, alienation, social bond, totalitarianism, goods.
recebido 20/08/2008
aprovado 25/10/2008
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direção do tratamento
O tempo na histeria e o fora do tempo do não~todo EusABETH DA RocHA MIRANDA
O inconsciente freudiano é atemporaF· mas a vida é marca~ da por uma temporalidade debitária do encontro traumático. Na linha da vida, o sujeito aparece como evanescente na efemeridade de um tempo presente, aparece nas entrelinhas do dito. Existe, então, um inconsciente que está aí, alheio ao tempo, mas também suscetível de presentificar~se por meio das ações que determinam no sujeito. Mas, para esse processo ocorrer, torna~se necessária a função da metáfora paterna, barrando o deslizamento infinito da ação, situando o sujeito em um discurso. Lacan diz "Não há rea~ lidade pré~discursiva, cada realidade se funda e se define por um discurso''2, dando ao sujeito uma posição sexuada. Por excelência, a função do discurso é dar ao sujeito acesso a uma parte do gozo perdido como ilimitado ao qual ele renun~ ciou para tornar~se humano. Para se exercer sexualmente em uma posição, o sujeito precisa ocupar um lugar que lhe é dado pela fan~ tasia, forma como cada um recupera seu gozo e sustenta seu dese~ jo, o qual fixa o tempo como sendo sempre o mesmo, atualizado na viagem da vida. Assim, "presente, passado e futuro são como as contas de um colar unidas pelo fio do desejo''3. A fantasia rege as relações do sujeito com o tempo, implicando uma acentuação do Jading subjetivo: sempre muito tarde ou muito cedo para o encon~ tro com o objeto. O inconsciente não conhece o tempo, mas a li~ bido o conhece; existe uma temporalidade de Eros tanto no amor quanto no desejo e no gozo. Por isso dizemos que o sujeito entra no tempo, pois, a partir de sua castração, faz escolhas, e mais es~ pecificamente, a escolha na partilha dos sexos. Entre o nascimento e a morte, o tempo é contado e marcado pela posição sexuada, regida pelo desejo e pelo gozo. A escolha exige um ato de assunção subjetiva do sexo, tarefa que faz o neurótico vacilar e especialmen~ te o histérico que se caracteriza justamente por estar sempre um pouco indeciso, mantendo a questão clássica: sou homem ou sou mulher? Essa vacilação torna a histeria exemplar na demonstração
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1 FREUD. "Lo inconciente; Las propriedades partirulares del sistema inconsciente (1915/2000, p.184).
2 LACAN. O Seminário, livro 20: Mois Aind.. (1972-73/1983, p.45).
3
FREUD. "El creador literário
y el fanraseo'' (1907-08/2000, p.130).
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'FREUD,"Aigunas consecuencias psíqui= de la diferencia anatómica entre los sexos'; (1925/2000, p. 271-272).
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de que a fantasia inconsciente, determinante da realidade psíqui~ ca, é infantil e sempre atualizada. Freud pensa, inicialmente, que o desmentido da falta no corpo da mulher seria indício de uma psicose feminina4 para, logo em seguida, descartar essa hipótese. No entanto, o conceito de desmentido da falta é a raiz da loucura feminina. Temos aí a possibilidade de um sujeito, na posição femi~ nina, situar~se na falta do Outro, no lugar de S (~),e cair no fora do simbólico, do discurso, do sexo, do tempo, lugar em que Lacan situa o que na mulher fica fora do fálico, o não-toda Jálica. A histérica banca o homem na tentativa de se colocar toda na norma fálica, como evitação da experiência do não-todo fálico, lugar de objeto, de puro real. Quando a fantasia histérica vacila, e o sujeito é chamado a comparecer com a castração, ele se experi~ menta como objeto e pode, desse lugar, experimentar~se fora do tempo. Vemos isso na vinheta que passo a comentar. Maria, empresária bem sucedida, tem 35 anos e um filho de 10, fruto de seu casamento. Filha única, sua infância é marca~ da pelo convívio com uma mãe psicótica, cujo delírio consistia em que as duas deveriam ir para Saturno, planeta onde eram espe~ radas como rainhas e, para tal, deveriam morrer. Aos cinco anos, evitou uma primeira tentativa de suicídio da mãe que a incluía, a cena repetiu~se por mais três vezes até que, aos dez anos de Ma~ ria, a mãe volta para a cidade natal e a família consegue interná~ la. No hospício, a mãe, "sozinha, sem a filhá' consegue efetivar o suicídio. Essas cenas deixam forte impressão e trazem uma marca temporal. O tempo de vida para Maria sustenta~se pelo lugar que ela ocupa no desejo do Outro, lugar regido pela posição fantas~ mática de ser a sentinela da vida, de cuidar do outro. Desse lugar, Maria se impõe um destino, repetindo sua história no presente e projetando seu passado no futuro. Maria passa a viver com a avó paterna, criatura extrema~ mente religiosa que, em suas orações, pede ao "pai nosso que es~ tais no céu" para perdoar a mãe de Maria, "essa alma em sofri~ mento que arde no infernó: O pai abandona a casa quando Maria tem três anos e morre assassinado em uma briga, "por causa de mulher'; quando ela tinha quatro anos. A única ligação de Maria com o pai é a avó religiosa e que foi agressivamente contestada por sua mãe, para quem "a religião era a expressão máxima da ignorância;' com o que Maria concorda com exaltada veemência.
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Com o marido, vive uma relação praticamente sem sexo, pois ela "não acha muita graça nestas coisas'; além do mais ele é bruto, gritalhão e só fala de si. Não trabalha, passa os dias estudando, contesta a priori toda e qualquer opinião vinda de Maria. Identifica no marido muitos traços da própria mãe, "ele é assim como ela: intempestivo, imprevisível, inadequado socialmente, briga com todo mundo, é um homem fora de propósito, alguém que não pode ficar sozinho porque faz bobagens, precisa ser cuidado': Diante dele, Maria coloca-se no mesmo lugar que ocupava junto à mãe, "ela precisa salvá-lo'; não pode abandoná-lo, ele não tem vida própria e pode morrer, assim como sua mãe que, "sozinha, sem a filha, se mata:' A relação se mantém ancorada na infância feliz do filho e, também, no saber desse homem que, no dizer de Maria, é tudo isso, mas "não me deixa no ar, sempre sabe o que fazer, entende de todos os assuntos, é louco, mas muito inteligente. Eu não tenho paciência para pessoas limitadas, minha mãe era brilhante:' Em sua vida, ela permanece fixada no espaço e no tempo, no lugar que encontrou junto à mãe. Maria viaja a trabalho e conhece um homem por quem se encanta de forma desmedida. Em suas palavras, "experimenta com ele uma sensação de intimidade e de estranheza concomitantes, que a impedem de se afastar e ao mesmo tempo lhe causam medo, é a paixão ou o perder-se nele:' O homem é pobre como sua família e Maria resolve dar-lhe uma chance na vida, oferecendo-lhe a representação de sua empresa na cidade dele. A oferta recusada causa-lhe irritação, mas 'ela sente-se abraçada por aquele homem forre que a escuta e lhe diz palavras de amor': Do sexo, o melhor são os abraços, mas é estranho, "pensei que queria alguém para cuidar de mim, mas me senti insegura com isso:' É para evitar deparar-se com o real da castração, marcado pela privação no corpo, que a histérica eterniza o desejo como insatisfeito. Sua prática consiste essencialmente na dissociação entre desejo e gozo, fazendo com que sua essência temporal seja obter a eternização do desejo pela suspensão do gozo. Tanto com o marido, quanto com o namorado, observa-se a estratégia histérica para lidar com o tempo. Duas possíveis conseqüências disso são: o fenômeno da frigidez, no sentido da recusa radical ao gozo sexual e a exacerbação do amor eternizado como insatisfeito. Maria, ao retornar à casa, mantém com o namorado uma
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Santo Agostinho. Co~fissóes.
(1973, p.244).
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correspondência por email durante um mês e meio, até lhe co~ municar que decidiu ir vê~ lo. A passagem já estava comprada. É então surpreendida com a reação do namorado: "ela não deve ir, ele não estará na cidade:' Desde então, ele se esquiva dos encon~ tros e não responde mais aos emails de Maria. Tenta falar com ele pelo telefone, ele atende, mas ela não ouve sua voz, ele per~ manece mudo e desliga. O silêncio dele é encarnado por Maria que emudece e, muda, faz de seu corpo ~ assim como a mulher de Mausolo que bebe as cinzas do marido, para tomar seu lugar ~ o mausoléu de um grande amor. O sintoma conversivo leva~a à análise após quatro meses de mutismo e uma vasta peregrinação pelos consultórios dos otorrinos. Com seu sintoma, ela mantém a adoração ao homem, a exacerbação do amor eternizado como insatisfeito, não realizado e, por isso, perfeito. Enciumado, o marido ~ com quem ela se furta ao gozo, mas que a mantém em sua posição fantasmática ~ sai de casa. Maria se vê só. Já não há com quem ocupar o lugar de "salvar o outro'; diz que não entende bem como as coisas mudaram tanto e tão brus~ camente. Sente~se perdida, como pode o marido nem telefonar:' Talvez tenha se metido em confusão, mas, e se ele estiver bem:' O namorado evaporou do nada. "O futuro é a espera, o passado a lembrança, mas ambos são vividos no presente sempre instantâ~ neo'"'. Maria não consegue se situar no instante presente em que o futuro esperado some e o passado já não lhe dá garantias. "Durante a semana sou empresária e mãe, no fim de sema~ na, sem filho e marido para cuidar, não sou nada, caio no vazio, me sinto desmanchando, sem fio terra, no espaço. Não consigo tirar a camisola, nem comer nem me mexer, passo todo o fim de semana na cama, com um vazio aterrorizante. É horrível sentir que você toda é um grande e assustador buraco:' Maria é pura angústia, estado que aponta para ela o aniquilamento, o desman~ char~se no lugar em que as palavras e os pensamentos lhe faltam. Mas ainda assim, as representações que ela pode fazer dessa an~ gústia, mantém~na no registro do sentido. "Será que vou ficar louca como minha mãe:' Nada tem sen~ rido, e quando amanhece na segunda~feira preciso recuperar o corpo, começar a vesti~lo e a compô~lo, preciso vestir com pala~ vras até as coisas, saio falando em voz alta o que estou fazendo': Explica esse "vestir as coisas" dizendo que as nomeia à medida
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que vai agindo. "Eu sou Maria, vou me levantar, calçar os chinelos etc. Quando me recupero, paro de falar sem perceber:· Maria ten~ ta se apoderar do tempo presente, tenta fazê~lo parar para que ela se situe nomeando seus atos e objetos com voz cada vez mais alta, mas ainda assim as coisas lhe escapam, porque "o presente - ou aquilo que era o presente~já é passado''6 e o passado para Maria, as lembranças e representações com as quais ela construiu sua fan~ tasia foram abaladas pelo encontro com o real do sexo que a fez experimentar~se como objeto despido. Nua de significantes, nos momentos de maior angústia, nos quais tem medo de se desinte~ grar, ela começa a repetir automaticamente, "pai nosso que estais no céu, pai nosso que estais no céu'; e só assim "volta à vida, ao tempo dos outros': Essas palavras, pelas quais é tomada, são para ela enigmáticas: "como posso eu rezar? Eu não tenho religião, não vivo de crendices e elas me irritam, eu sei que não estou rezando:· Repetindo o significante da avó paterna, Maria volta ao registro do fálico. Ela se vê como objeto, e o objeto desregula o desenrolar uniforme do tempo. Ela sai do tempo à medida em que sua posi~ ção fantasmática revelada através dos significantes ~"sentinela da vidá; "guardiã do outro'; "salvar a vida do outro" ~ vacila no encon~ tro com um homem, no qual ela se vê como objeto caído e deje~ tado do Outro simbólico, lugar em que Maria coloca o amante, lugar de endeusamentos próprios à exacerbação do amor. Suas graves crises de angústia, como ela as chama, já não acontecem com tanta freqüência, mas ela conclui pertencer a um grupo de mulheres que amam demais, por isso pensou em in~ gressar na MAD (associação das mulheres que amam demais), mas descobriu que a condução dos encontros nesta associação é a mesma dos AA (Alcoólicos Anônimos) e ela não está aí para "lavagem cerebral': Identificada com a falta tomada como objeto, Maria perde~ se na falta do Outro, tornando~se pura ausência, um ser para a eternidade, para o fora do tempo, de onde só retoma com o apelo ao significante vindo da família paterna. Maria continua na viagem da vida, habitando tanto o lado fálico ~ como empresária e mãe ~ quanto o fora do tempo do lado não-toda fálica, posição à qual é compelida pela presença do ho~ mem esperado, sempre inadequado, nunca alcançado, fora do tempo.
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'BORGES."Le Temps", (1978, p.203).
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referências bibliográficas BORGES, Jorge Luis. (1978) "Le Temps" Em: Conférences. Paris: Gallimard Folio, 1985. FREVO, S. -(1915) "Lo inconsciente; Las propriedades particulares del sistema Inconsciente. Em Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu editores, vol.14, parte V, 2000. FREUD, S. (1907 -1908) "El creador literário y el fantaseo" Em: Obras Completas, Buenos Aires: Amorrortu editores, vol.9, 2000. FREUD, S. (1925) ':Algunas consecuencias psíquicas de la diferencia anatõmica entre los sexos': Em: Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu editores vol.XIX 2000 LACAN J. - (1964) Do Trieb de Freud Em: Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar editor 1998 p.867 LACAN J. (1972-1973) O Seminário, livro 20: Mais Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983. SANTO AGOSTINHO. Confissões. Livro XI: O homem e o tempo. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
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resumo A partir do fragmento de um caso clínico, a autora discute a questão do tempo e sua relação com a posição que um sujeito pode adotar nas fórmulas da sexuação. Tratando-se de um sujeito histérico, o que se evidencia é a vacilação entre o fálico e o não-todo fálico, entre a estratégia histérica para lidar com o tempo em sua vida erótica e o fora do tempo da não-toda fálica.
palavras-chave tempo- sexuação -fálico- não-todo fálicohisteria
abstract From the fragment of a clinicai case the author discusses the issue of time and its relationship with the sexed position an individual can assume in the formulas of sexuation. Whereas he is a hysterical individual, what is highlighted is the hesitation between the phallic and the not-all phallic, between the hysterical strategy for dealing with time in his erotic life and the out-of-time of the not-all phallic.
key words time - sexuation - phallic - not-all phallic hysteria
recebido 10/09/2008
aprovado 08/11/2008
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Um caso clínico: a questão da psicossomática MrKEL PLAZAOLA
introdução Como ocorreu no V Encontro Internacional dos Fóruns, em São Paulo, é comum, na literatura psicanalítica lacaniana, os significantes sintoma, gozo e amor conduzirem, de modo mais ou menos direto, a um dos conhecidos e fecundos axiomas de Lacan: "Não há relação sexual:' Se este axioma é difícil de ser absorvido por analisantes e analistas, o é, ainda mais, para os cidadãos comuns nos tempos atuais, e poucos são os que sabem disso. Pode ser esse o pretexto que o caso ora apresentado pro, põe,nos como ponto de partida. Trata,se de um homem que, por azar da vida, tempos atrás, teve uma separação conflituosa. Sur, ge uma mulher cujos atributos o homem apaixonado pode ver e com a qual se estabelece uma relação muito especial. Uma comu, nicação total e plena, em que, quase sem palavras, ambos sabem do outro, na mais alta cumplicidade e compenetração possível: isto é, a relação sexual existe. Mas os golpes que a vida prepara a todo ser humano, deixam pegada? Ferida? Rastro? Eis um fe, nômeno clínico muito particular e complicado de entender, ao menos para nós.
o caso Trata,se de um afável individuo de quarenta anos, que so, fre em razão de o seguro não lhe custear as astronômicas cifras que um famoso hospital privado lhe exige por um tratamento psicológico, que lhe garanta a solução de seu sintoma. Recorreu a esse centro hospitalar através de seu seguro, pela gravidade que começava a adquirir um problema surgido há um ano: uma síncope. O fenômeno provocava perda de conheci, mento repentina e brusca, com duração média de 10 a 20 minutos
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e freqüência quase diária. Desse'Clesmaio'; acordava mais ou me~ nos atordoado, e, se a queda não provocasse maiores transtornos, podia seguir sua atividade anterior normalmente . O significado do termo Síncope nos textos de medicina é: "Perda súbita do conhecimento, devida a uma isquemia cerebral generalizadá' atribuída a distintas causas, recebendo o adjetivo correspondente (cardíaca, convulsiva, de deglutição, digital, de estiramento laríngeo etc) Quanto à isquemia: insuficiência da irrigação de uma zona, devida a uma constrição funcional ou uma obstrução real de um vaso sanguíneo. Modalidades: assintomática (Isquemia cardial, sem dor nem outros sintomas), raquicefálica (Artritis de Takasyasu, cerebral, o infarto), hipóxica... com ou sem sintomas premonitórios. 1 Dado o impacto do fenômeno, J.A.leva um pequeno car~ taz para tranqüilizar quem o vê desabar repentinamente, no qual explica tratar~se de desmaios de origem psicológica. No texto informa, ainda, que não é necessário chamar a urgência, porque não ocasiona feridas ou lesões. E pede desculpas pelos incômo~ dos que possa ocasionar. Os exaustivos e complexos exames dão como resultado "síncope de origem psíquica sem causa orgânicá: E se o meneio~ nado centro lhe atribui etiologia psicógena, podemos estar segu~ ro de que não há causa orgânica. Numa ocasião, e em conseqüência de uma queda, bateu fortemente a cabeça, causando~lhe um hematoma subdural, o que o faz decidir aceitar oferta de internação no centro para ser submetido a um tratamento psicológico. Mais adiante, retifica tal versão, recordando que a batida e, consequentemente, o hemato~ ma, aconteceram enquanto estava em tratamento. Ele previa que a pesquisa iria revelar~lhe que as síncopes se repetem em razão do falecimento de sua segunda parceira. Por trás de um encontro casual, inicia~ se a relação de J. A com essa mulher. Tem dificuldade em encontrar os qualificativos adequados para definda, mas diz: uma comunicação perfeita. "Por exemplo, se ela estava com uns amigos, e eu chegava um pouco mais tarde, bastava um olhar para saber se, na realida~ de, queria que a tirasse dali porque estava entediadá: E continua: "Era uma mulher fora de série, inteligente,
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carinhosa ... completávamo~nos de um modo especial... ríamos muito, divertíamo~nos e bastavam poucas palavras para saber como estava o outro': Enfim, uma relação que colocaria em desconfiança o axio~ ma assinalado, pois a partir dela se poderia afirmar que a relação sexual existe. No ano em que iniciou a relação com a mulher, a quem cha~ maremos M., ela começou a queixar~se de moléstias na pélvis, às quais não foi dada a devida atenção pelos médicos. Entretanto, depois de seis meses, já num exame mais exaustivo, evidenciou~se um câncer já com metástase, que a levou à morte em três meses. Em seu relato, J.A. não manifesta aborrecimento ou quei~ xa, pelo que poderia ser negligência médica, apresenta apenas um gesto de contrariedade com a boca. Ele recorda todo o último mês de vida de M., a agonia, sua deterioração, sua dor e seu sentimento dificilmente suportável de, apesar de todos seus cuidados (a acompanhou e cuidou todos os dias e horas nas últimas semanas), não pôde fazer nada mais que ser testemunha de seu sofrimento e definhamento. Aquele corpo enfermo e em deterioração tem uma certa ressonância na atual situação de J.A., que padece de males múl~ tiplos: sopro no coração, freqüentes e terríveis enxaquecas, sus~ peita de cálculos renais em exames que podem explicar o fato de urinar sangue, insônia, dores no quadril por desgaste... hérnia de disco no pescoço como efeito da queda brusca da cabeça nas sín~ capes, e, o que mais chama a atenção, não há queixa ou angústia, não parece haver afeto neste estado físico. A informação desses males aparece descontínua e dispersa em seu relato. E se unifica e adquire certo peso, quando uma amiga lhe chama a atenção para a freqüência e quantia de seus males, e o relato (não de queixa) que deles faz, quando tem de explicar que não pode passear muito tempo por causa das dores no quadril, ou que lhe dói urinar, ou que não pode sair de casa por causa da enxaqueca, ou que não pode fazer esporte por causa da taquicardia. Seu relato nas entrevistas tem sido marcado pelo estigma do tratamento psicológico recebido e pelas síncopes e complica~ ções geradas. Para ele, ao menos quanto aos efeitos, esse tratamento
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consistiu numa técnica de recordação e tomada de consciência dos momentos de deterioração de M. Ele sabe que isso é prévio e desencadeante da síncope. Alega que, uma vez localizada a lem~ brança, trata~se de fazer um "stop~showing": uma interrupção do pensamento ou lembrança patógena e substituí~los por uma lembrança positiva com M. Mediante tal técnica e, estando internado, conseguiu con~ trolar as síncopes. Primeiro, localizando~as e prevenindo a que~ da; posteriormente, evitando a síncope. No entanto, em virtude do efeito, segundo os médicos, a alta foi prematura e, aos poucos, voltaram as síncopes com mais intensidade e freqüência. No hospital, a psiquiatra e a psicóloga que lhe haviam prescrito o tratamento, propõem reiniciá~lo de forma ambulatorial. Mas o seguro não arca com o tratamento, por ter acabado sua cota, e ele não pode custeá~ lo. J.A. sabe com clareza, por vê~ lo evidenciado no tratamen~ to, que suas síncopes são causadas pelas lembranças da morte de M. Entretanto não se encaixa o fato de que, se ao princípio pas~ sou muito mal, com o passar dos meses superou a perda. Tem relação muito boa com o filho de M., e com ele pode falar dela, re~ cordar experiências e histórias, inclusive recordar os últimos dias, já com certa calma. Mas as síncopes põem em evidência que, pelo jeito, não aceita sua morte. Um dos poucos sonhos de que se recorda, senão o único, é com M., e nele ela lhe diz que já descansa, está em paz e o acon~ selha a refazer sua vida, que siga vivendo. Ele tem tentado refazer sua vida. Tem uma boa amiga com a qual conta muito para passear, fazer planos etc. Um pouco as~ som brado, J.A. diz que, apesar de tudo, é como se não pudesse fazê~ lo, como se algo o impedisse. Está de licença do trabalho há um ano. Vive numa resi~ dência alugada, porque o divórcio da primeira mulher o deixou em uma situação econômica precária, tendo que abandonar o apartamento da família. Tem dois filhos já independentes com os quais se dá muito bem e que, embora no divórcio tenham ficado com a mãe, esta, ao constituir uma nova relação, desligou~se deles, fazendo com que cada um fosse embora com suas respectivas parceiras. Algo que impressiona no relato de J.A. é a temporalidade.
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Parece estar falando de história mais ou menos antiga, mas ao pedir~lhe mais concretude, damo~nos conta do pouco tempo transcorrido: M. morreu há quase um ano, o tratamento com in~ ternamento foi há sete meses, está há seis anos divorciado, viveu três anos sozinho e em situação um tanto precária, faz três anos que conheceu M., faz dois que conviveu com ela. O mesmo ocorre com o tratamento: tal alta por ter logra~ do o 'controlé' de suas síncopes, ocorreu apenas há cinco meses, e tal controle se refere a duas ou três ocasiões em que, estando internado, conseguiu neutralizar a síncope, ou seja: deu~se conta de que ia ter que substituir o pensamento doloroso por outro positivo e não perder o conhecimento. Transmite~nos a idéia de um homem bastante sugestioná~ vel pelas ciências médica e psicológica, alguém fixado aos signifi~ cantes das mesmas.
a orientação e as questões Este caso tem sido marcado pela exaustividade das provas médicas realizadas e, conseqüentemente, hipóteses de interna~ ção, mas também pela suspeita de psicose de outro profissional que o atende nesses serviços. No meio, situa~se nossa hipótese: resposta psicossomáti~ ca. Hipótese que vamos tratar de argumentar por meio de um percurso do caso, à luz de distintos enfoques. O diagnóstico, a compreensão e localização dentro da clínica dos fenômenos psicossomáticos têm sido (e são) difíceis e problemáticos. Em relação à psicanálise, como assinala Roudi~ nesco, se a psicose foi o caminho de entrada da psicanálise na psiquiatria, o que fez entrar a psicanálise na medicina foi a psicossomática2• Desde os precursores da psicossomática, como Grodeck, Alexander, Síflleos, até a Escola de Psicossomática Francesa de Marty, Kreiler e outros, tratou-se de articular a relação entre o anímico e o corporal. Entendendo por anímico, sobretudo, os afetos, as emoções e a consciência deles. Isto, em muitos casos, tem situado a psicossomática entre o pólo dos transtornos mentais e o dos orgânicos, com maior ou menor influência do pólo complementar de cada caso: alexitimia, depressão branca, emoções reprimidas etc.
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Roudinesco. Diccionario de psicoanálisis, 1998
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Eidelsztein. Las estructuras clínicas a partir de Lacan, 2001.
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São conceitos aos quais a clínica trata de recorrer na hora de discri, minar campos clínicos fenomenicamente próximos, mas diferen, tes, como: a hipocondria, a somatização e a conversão. Em desenvolvimento posterior, o acento recai em funções mentais que organizam ou articulam os afetos e emoções. A explicação de Lacan é coincidente com a medicina psi, cossomática em quatro elementos , na hora de pensar um deter, minado fenômeno, em termos de resposta psicossomática3• • Lesão, corte ou descontinuidade real em um órgão ou conjunto de órgãos; • Falta de etiologia médica evidenciada pelas pesquisas médicas; +Biografia + Falta de composição dialética do fenômeno. No que se refere ao caso, e atendendo a esses critérios, podemos situá,lo dentro da clínica psicossomática. Se, por um lado, não se evidencia lesão (salvo nas con, seqüências: hematoma subdural, hérnia cervical etc), há uma descontinuidade no funcionamento vígil da consciência do indi, víduo: a desconexão total de seu refletir mental no momento da síncope, assim como estes tem suposto em sua vida dos últimos tempos. Por outro lado, estão os problemas orgânicos e mais ou menos próximos à clínica psicossomática, que indicam um corpo afetado e um modo particular de viver o mesmo. As pesquisas médicas evidenciam a falta de etiologia mé, dica na síncope. A síncope atual se desencadeia a partir do acontecimento vital essencial: a agonia e morte da parceira. Em seu relato, o sujeito não fa::z: associaçãoes em relação ao fenômeno da síncope, se não o que a ciência médica recomenda. Esta é aceita, mas apesar das contradições na explicação médica, o sujeito não pode articulá-la com elaboração alguma, limitando, se a assinalar o contra,senso. A partir daqui, recorremos, num primeiro passo, à Escola de Psicossomática de Marcy. A grandes traços, essa escola centra-se no funcionamento do pré,consciente, "ponto central da economia psicossomáticá' que cumpre uma função de reservatório de representações de experiências percebidas e vividas em distintos momentos evolutivos
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da vida. Sua função é ligar percepções e representações, em particular representações de coisa e de palavra4• A partir desse ponto de vista, a resposta psicossomática em um indivíduo viria determinada pela falta de mentalização. A mentalização produz-se a partir do modo como o préconsciente efetua suas ligações de representações. Nesse sentido, a capacidade e a riqueza da simbolização seriam o êxito do préconsciente, porque uma articulação progride desde as representações de coisa até às de palavra e à articulação entre elas. O processo de somatização se situa num eixo entre dois pólos. Por um lado, o extremo da desorganização psicossomática, seqüelas de desorganizações mentais, que dão lugar, finalmente, a enfermidades evolutivas. No outro pólo, estariam as regressões somáticas (semelhantes às mentais), que dão lugar a enfermidades reversíveis. Em termos gerais, um desencadeamento psicossomático origina-se dentro de um período de latência mais ou menos prolongado, posteriormente a uma desorganização mais ou menos profunda do funcionamento mental, sempre acompanhado de uma depressão pouco notada5• Desse ponto de vista, a somatização é entendida como uma forma de barreira à organização mental, na qual o problema psicossomático faria a função de estabilização da desorganização. A "gestão" do trauma não se realiza por via de mentalização com suas representações, fantasmatizações, palavras etc. Estas são demasiado pobres para tramitar os gozos em jogo. Assim, neste paciente, pode-se pensar que a síncope evitaria uma desorganização mental previsível pelos efeitos de um luto impossível. Nas palavras do próprio sujeito, o que é evidenciado também pelo tratamento psicológico no hospital, ele sabe que a síncope tem relação com a impossibilidade de aceitar a ausência de sua parceira. Ao evocar lembranças e imagens da agonia dela, ocorre a síncope, mas saber não evita que elas se repitam. Utilizando uma metáfora da qual ele mesmo se serve, antes da representação insuportável desorganizar a mente deste indivíduo, ele desconecta a consciência. Em suas palavras: "Pelo jeito, ao recordá-la em sua agonia, dá-me a síncope e não me inteiro de nada': Afortunadamente, o sujeito não cai na ingenuidade do
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Marty. Los movímiencos individuales de vida y muerte,
(1992 p.50).
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Ibid., p.66.
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tratamento proposto pelo hospital, porque se surpreende pelo contra~senso de poder aceitar a m~rte de sua amada, falar dela com amigos comuns, e, não obstante, fazer síncopes vinculadas às recordações dolorosas dela; ou, por outro lado, que as sin~ capes aconteçam mesmo não pensando nela, lógica que poderia se esperar de uma explicação mecanicista, como o proposto no tratamento. Após sua recuperação espetacular, que surpreendeu a mé~ dicas e terapeutas, dando~o por curado, as síncopes ressurgiram com maior intensidade, e agora, diariamente. Em contraste com a opinião dos terapeutas do hospital, não é nas representações conscientes ou do eu que se explica a desorganização psicossomática. Como assinala Marty, quando as representações da palavra perdem seu componente afetivo e simbólico e conservam somente o seu valor de representação de coisa, remetem a um discurso organizado segundo a realidade pouco dialetizável das coisas. Isso está mais de acordo com o dis~ curso deste indivíduo. Tratemos de avançar na problemática da psicossomática e do caso concreto de J.A. Para a escola de Marry, o conceito de mentalização é um divisor de águas entre a psicose e a desorganização psicossomática: o que diferencia a psicose (e a neurose) é, sobretudo, uma estruturação psíquica que se evidencia na mentalização; a desorganização psicossomática, pelo contrário, é efeito de um déficit de mentalização. Lacan, por sua vez, afasta-se desse ponto de vista e volta a relacionar e, em certa medida, a aproximar ambos os campos clínicos. Não tratamos o fenômeno psicossomático de maneira exaustiva e direta: há nove referências em seus seminários e es~ critos, algumas delas colaterais. Seguindo seu estilo, requer fazer uma abstração de outros progressos para descobrir sua contri~ buição. Lacan se distancia da medicina psicossomática, sobretudo a partir de O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Em primeiro lugar, não fala de sintoma, mas de processo, reação, ou fenômeno psicossomático, ou seja, não é um sintoma no sentido analítico. Situá-lo como fenômeno ou 102
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reação permite à corrente psicossomática diferenciar o fenômeno da estrutura. Isto é, embora não seja um sintoma analítico, é um fenômeno que se pode produzir em diversas estrururas clínicas, o qual traz como conseqüência a necessidade de entender o diag~ nóstico com maior precisão. Desse modo, para Lacan, o fenômeno psicossomático se sirua fora do campo da neurose. Expressa~o, taxativamente, na oitava aula de O Seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise: em toda relação narcisista o eu é o outro e o outro é o eu. Bate pé firme na necessidade de entender os fenômenos psicossomáticos do ponto de vista do narcisismo: o importante é que alguns órgãos estão envolvidos na relação nar~ cisista, estrurura que constirui a relação do eu com o outro e com o mundo dos objetos. Por trás do narcisismo, você tem o autoe~ rotismo 6• E no mesmo texto, pondo em relação os fenômenos psicos~ somáticos e a neurose, indica que esta "está sempre enquadrada pela estrutura narcísica. Mas como tal, ela está além, num outro plano (... ) Se algo é sugerido pelas reações psicossomáticas como tais, é justamente por estarem fora do âmbito das construções neuróticas. Não se trata de uma relação ao objeto. Trata~se de uma relação a algo que está sempre no limite de nossas elabora~ ções conceiruais (... ) estou~lhes falando do simbólico, do imagi~ nário, mas há também o real. As reações psicossomáticas estão no nível do real''7. Assim mesmo, assinala mais adiante "Freud converge com a filosofia da ciência, que não temos nenhum outro meio de apre~ ender o real ~ em todos planos, e não somente no do conhecimen~ to ~ se não é por intermédio do simbólico': O que aponta para dificuldade inerente ao fenômeno psicossomático: a abordagem do real pelo simbólico em um sujeito que "produz" um fenômeno psicossomático por sua impossibilidade ou dificuldade de sim~ bolizar algo do real. Tal consideração nos traz alguma luz, o que ao próprio J.A. surpreende, apesar da aparente resolução do luto, inclusive, ape~ sar do sonho referido a M., algo o desconectado mundo em suas síncopes. E apesar dos efeitos do tratamento anterior, da palavra, da vontade, da rememoração, essa reação continua se repetindo. Podemos pensar que J.A. somente pode distinguir o fenômeno
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Lacan. O Seminário, ~vro 2: o eu na teoria de Frrud <na técnica da psicanálise (1983 p.l48). 6
7
Ibid, p. 150.
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de que padece, mas toda dialetização simbólica proposta até o presente resulta de efeitos efêmeros ou diretamente inutilizáveis. Para J.A., as explicações e auto~sugestões no plano do conheci~ mento não são suficientes para apreender o real em jogo na sín~ cope. Isso, entre outras coisas, explicaria o fracasso da sugestão do tratamento no hospital. Portanto, poder~se~ia objetar a hipótese da síncope em termos de desvanecimento. Uma síncope que se produz com fre~ qüência na solidão e, em sua casa, por exemplo, não parece algo a ser mostrado ao olhar do outro; com lesões pela queda, às vezes graves, e que põem em risco a integridade desse homem, levando~ o a tomar medidas mais ou menos incômodas para evitá~ las. Por outro lado, não se pode inferir de seu discurso um conflito ine~ rente ao fenômeno, como costuma ser próprio em um sintoma histérico. Ademais, não há queixa, protesto ou exigência, nem ma~ nifestação de angústia. Há um simples pesar, que costuma ma~ nifestar com o encolhimento dos ombros, pelos riscos, pela falta de liberdade provocada e pelas dores no pescoço, quando cair a cabeça bruscamente, no momento da síncope, as quais começam a produzir problemas consideráveis nos discos invertebrados do pescoço. A falta de afeto no discurso é generalizada, não há cansaço, não há queixa, não há emoção evidente, em alguns momentos, manifesta apenas um pesar, pela prolongada falta de resultados ou, inclusive, indica ter se sentido muito mal com um gesto de cabeça. Nada mais. Por outro lado, se não está situado na relação com o objeto, a não ser mais além, isso permite se afastar de uma relação causa~ efeito: perda~síncope, mas exige ao menos maior elucidação do significado narcisista da relação deste homem com sua amada e, por conseguinte, da significação que tal perda pode supor no que "não cessa de se inscrever': Pode~se assim entender a perda como desencadeante de um fenômeno que transcende o luto. O que apontaria para um diagnóstico estrutural de melancolia. O luto impossível conduzi~ ria a uma identificação com o objeto, e a síncope estaria conectada à pulsão de morte, sendo sua manifestação, de momento, não le~ tal. Em termos freudianos, poder~se~ia entender como a sombra
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do objeto que cai sobre o eu; e o eu é maltratado pelo ódio que não pode se dirigir ao objeto, precisamente por ser faltante 8• Não obstante, e ainda que não seja determinante em um diagnóstico diferencial, o sujeito é capaz de estabelecer relações afetivas e de reconstruir seu mundo de relações, de atividades e de certo prazer pela vida, mas as síncopes fazem o papel de pa~ rênteses em seu percurso. Por outro lado, houve uma separação anterior, causa de muito mal~estar, mas que não provocou rea~ ções similares. Com o tempo, vai "dando a entender" o mal~estar que aquele matrimônio e a separação lhe causaram, sobretudo na comparação com a relação com M. Desse relacionamento ficou, como única manifestação clínica dos anos de solidão, em razão da separação, uma crise de angústia, somente uma e breve. Por isso, mais uma vez nos parece acertado o termo fenô~ meno psicossomático. Estaria em conformidade ao que assina La~ can mais adiante, quando situa os fenômenos psicossomáticos próximos, mas distintos, da psicose: haveria uma inscrição direta no corpo, sem dialetização, como ocorreria se se tratasse de um sintoma. Não há articulação significante e as inscrições no corpo que começam a aparecer decorrentes da síncope não são somente funcionais. Esta falta de articulação e retorno no real do corpo é o que nos tem levado a O seminário, livro 20: mais, ainda. Ao falar nes~ se seminário de alíngua, entre esta e a linguagem, Lacan o situa em "a linguagem é apenas aquilo que o discurso científico elabora para dar conta do que chamo alíngua (... ) o inconsciente é feito de alíngua (... ) A linguagem é o que se tenta saber concernentemen~ te à função da alíngua9• "O inconsciente é o testemunho de um saber, no que em grande parte ele escapa ao ser fa~ lante. Este ser dá oportunidade de perceber até onde vão os efeitos da alíngua, pelo se~ guinte, que ele apresenta toda a sorte de afe~ tos que restam enigmáticos. Estes afetos são o que resulta da presença de alíngua no que, de saber, ela articula coisas de saber que vão muito mais longe do que aquilo que o ser fa~ lante suporta de saber enunciado. A linguagem, sem dúvida, é feita de alíngua. É
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8
Freud. Duelo y melancolia (1915[1917]1972).
9 Lacan.Aun (1972-73/1981, p.167).
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Ibid, p.l67 versão em espanhol; p. l90 versão brasileira.
10
11 Ibid, p.168 versão em espanhol; p. 190 versão brasileira.
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uma elocubração de saber sobre alíngua. Mas o inconsciente é um saber, um saber~fazer com alíngua"10• Parece que, nesse texto, Lacan situa alíngua como substrato tanto do inconsciente quanto da linguagem, de cujas produções (entendemos lapsos etc... ) surge o saber inconsciente. Assim en~ tendida, alíngua seria um registro prévio à inscrição significante no inconsciente, ou no corpo: algo prévio ao saber do corpo e ao saber significante, mas condição deles. É como se alíngua fosse o efeito de uma primeira inscrição na estrutura psíquica, a partir do que, posteriormente, em razão de outro tipo de articulação, elabora~se um saber não sabido: pela via do significante ou pela via do corpo. "Se se pode dizer que o inconsciente é es~ truturado com uma linguagem, é no que os efeitos da alíngua, que já estão lá como saber, vão bem além de tudo que o ser que fala é sus~ cetível de enunciar. É nisto que o inconscien~ te, no que aqui eu suporto com sua cifragem, só pode estruturar~se como uma linguagem, uma linguagem sempre hipotética com rela~ ção ao que a sustenta, isto é, alíngua"11 • Talvez se possa entender o fenômeno psicossomático como a manifestação de algo registrado em alíngua, como se de uma tendência se tratasse: certas experiências não se articulam ao fantasma e, portanto, diante.da emergência do real, passam ao corpo, alíngua. Sem articulação simbólica, passa~se ao corpo. Eidelsztein assinala que um dos progressos propostos por Lacan se refere à holófrase, como explicação comum à psicose e ao fenômeno psicossomático. As referências de Lacan à holofrase fundamentam sua crítica a Balint na compreensão da transferência e da resistência que este propõe. Em O Seminário. livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan entende a holófrase na acepção da gramática; uma situação tomada em seu conjunto, sem que possa se decompor em seus elementos e que, na etnografia, apa~ rece definida como uma situação entre duas pessoas olhando~se mutuamente, esperando que cada uma ofereça algo que ambas desejam, mas não estão dispostas a fazê~ lo. "Toda holófrase está
O tempo na psicanálise
em relação com situações limites nas quais o sujeito está suspenso em uma relação especular com o outro"12 • . Tal frase, por si mesma, poderia definir a fenomenologia do caso que escrevemos, mas trata-se de desenvolver algo mais que um enunciado. Apoiando-nos em Eidelsztein, podemos extrair uma aplicação clínica do modo pelo qual Lacan entende o significante holó&ase. Para Lacan, a suspensão do sujeito se produz por uma ausência de limite entre significantes, por isso, Sl e S2 não operam como tais, e, assim, perde-se a função de intervalo, ainda que siga fazendo articulação entre os elementos. A holó&ase é a concatenação significante que, por carecer de ponto final, e por n~o se estabilizarem, conseqüentemente, as funções significantes, perde o intervalo como lugar de localização do sujeito do inconsciente e do objeto "a'; como causa do desejo e como vazio que o percurso pulsional13 contorna. A esta falta de intervalo corresponde o retorno no real do fenômeno psicossomático. Não é uma compreensão fácil para a clínica psicanalítica, que se faz no caso a caso. E cremos que a casuística acrescenta mais outra dificuldade. Quando um sujeito apresenta um déficit, em particular através da palavra, certas experiências em sua existência - a historização ou o desprendimento em seu discurso dos significantes - estão sujeitas à mesma dificuldade, com os quais a compreensão da delimitação do significante do sujeito (os S 1) com os do Outro (os S2), ou a vinculação à cadeia dos significantes aparece particularmente empobrecida. Parece que o fenômeno psicossomático encerra e esconde em sua própria estrutura o obstáculo que trata de compreender para ser abordado. Como dizer aquilo que, por estrutura do fenômeno que se produz, não se pode dizer:' Isso é próximo da definição do real. No caso concreto, a análise pode permitir ao sujeito abordar algo que não pára de não se inscrever.
12 Lacan. Los ruatro conceptos fimdamentales de! psicoanálisis, (1964/1981, p. 329).
n
Eidelstein (2001, p. 328).
Tradução: Luciana Vasconcelos Abreu Lima Revisão: Andréa Brunetto
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O tempo na psicanálise
resumo Trata de reflexões em torno de um caso clínico, cuja sintomatologia se entende desde a hipótese da psicossomática. Fundamentando-se no caso, é feito um breve percurso por algumas teorias representativas da psicossomática, até chegar a Lacan. Tenta-se fazer uma articulação da teoria com a clínica, nos pontos de ensino de Lacan e algumas de suas contribuições aos fenômenos psicossomáticos. É aberta uma hipótese sobre a articulação entre a falta de articulação simbólica na psicossomática com a hipótese Lacaninana do inconsciente com
alíngua.
palavras-chave psicanálise, fenômeno psicossomático, articulação simbólica, alíngua, holófrase.
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a6stract This work brings some reflections about a clinic case, in which the symptomatology may be perceived &om the psychosomaric hypothesis. Grounded on the case, a brief study on some psychosomatic representarive theories 1s made, up to Lacan. An attempt to link theory and clinics is made in the points of Lacan's teaching and in some of his contributions to psychosomatic phenomenon. A hypothesis is formulated on the link between the lack of symbolic articulation in psychosomatic with the Lacanian hypothesis of the unconscious and the language.
key words psychoanalysis, psychosomatic phenomenon, symbolic articulation, the language, holophrase
recebido 22/07/2008
aprovado 02/09/2008
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O tempo na psicanรกlise
Tu/ er la mort1
MARTINE MENES
" Si vis viram, para mortem 2»
Contrariamente ao esperado, o tempo não passa sobre o homem; é o homem que passa sob as arcadas do tempo, cami~ nhando conforme a construção do tempo feita por ele, porém ignorando~o soberbamente, até se extenuar, sem nunca o saber. O fim da viagem é a morte, imagem extrema da castração da qual ninguém pode se proteger. A relação com a temporalidade revela a resposta do sujeito ao real, ou seja, para simplificar, o ser vivo, o sexo, a morte. De que maneira ele trata o enodamento entre vida e morte, estado que, de fato, não existe nem mesmo para quem lá chegou, pois o sujeito morto não sabe que está morto, nem para aquele que visa à morte, porque este não pode ser mais do que um espectador3 :' Sem rastros nem palavras cercando a coisa, viver sabendo~ se mor~ tal é uma decisão que supõe um consentimento, que depende da original Bejahung numa escolha forçada, não somente à castração, mas também em relação ao que ela não consegue traduzir. A re~ lação à morte de um, encontra~se, portanto, no mesmo lugar que a falta, no Outro, eco dos limites significantes e imaginários divi~ sares dessa relação entre ser e sentido, e que a fazem para sempre perdedora e solitária. Assim, a primeira acepção da morte se localiza na originá~ ria perda do vivente, ancorada num começo de absoluta satisfação mítica do narcisismo primário, donde o objeto a é o resto, e a pulsão de morte, a memória. O vazio cavado no sujeito é, em um segundo tempo, interpretado pela diferença dos sexos, e tratado pela castração que vai em parte transformar essa perda em ausên~ cia estruturante, origem da qual o sujeito pode (se) contar. Desse modo, a apreensão da morte oscilará entre dois instantes: aquele da perda e aquele da falta. E como Freud ressaltou, a angústia de morte (a qual ele precisa que ela é de fato uma angústia diante da vida) é o análogo da angústia de castração4, e Lacan vai declará~
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1
Nota do rradutor: Deixamos o tírulo do artigo no original, pois nota-se a intenção da autora em"brincar" com o tírulo, pois a barra(/) separando TUER (mat2t, trucidar) faz com que o tírulo possa significar ao mesmo tempo:"= a morte" (em francês: Tuer la mort) e"ru és a morte" (em francês: Tu es la mon). 2
Freud. "Norre attítude devan la
mort~ Freud conclui seu artigo
com esta citação: "Se vod quer suportar a vida, esreja pronto para aceir.ar a morte~
' Idem. Como Epicuro, Freud declara: "É-nos impossível represent2t nossa própria morte e, rodas as vezes que nós a tentamos apercebemo-nos que fizemos isso como espectadores':
' Freud. «lnhibition, syrnptôme, angoisse», (19 /!/1981, p 53 e
p.64).
lll
LacanJ., Le semi na ire livre X. L'angoisse, Paris; Seuil, 2004, p.305: "É wna angústia que
5
vem ao campo onde a morte se entrelaça estreitamente com a vida. O fato da análise a ter localizado nesse ponto da castração, permite perfeitamente compreender que ela seja, de wna maneira equivalente, interpretável..:·
6 Ashasverus, o judeu errante condenado à imortalidade por ter maltratado Cristo no caminho da Gólgota.
7
Woolf, Virginia. Orlando.
8
Fruttero e Lucentini, O amante
sem domiCilio fixo
9 Lacan. O seminário "I:identification'; inédito, lição de 23 de maio de 1962:"Esca vida eterna da qual seria descartada toda promessa de fim é concebível somente como uma fonna de
morrer eternamente':
10
Wüde Oscar, O retrato de
Dorian Gray.
112
las interpretáveis5de maneira equivalente, ela não pode se reduzir inteiramente a isso.
o tempo faz sintoma O paciente que chamarei de Ashasverus 6 caminha sem pa~ rar e "erra sozinho nos imensos desertos da eternidade7" como "al~ guém fantasiado de pessoa8': Ele se entedia por ter de morrer, mas não morre nunca. Nenhuma data. Nenhum encontro, nenhuma lembrança faz para ele ponto de basta. Sem projeto, confundindo memória e futuro, ele não aguarda ou espera nada. "Melhor seria não nascer'; diz ele, tal qual Édipo. Aí está em luto dele mesmo, morto no tempo morto que encerra sua existência. Ao matar o tempo, o sujeito do desejo mata~se também9• Diante desse melancólico, o analista é colocado no lugar de Eco, falando para não ser entendido a não ser por ele mesmo. É~ lhe necessário, portanto, inventar um modo de intervenção di~ ferente, paradoxal, que porte algo do ato, para arrancar o jacente à sua eternidade. Passemos para personagens menos trágicos, que mais ba~ nalmente jogam com o tempo de morrer, limite insuportável co~ locado pela onipotência deles. Um está parado em um passado antecipado perdido para sempre, para ele é doravante muito tar~ de. E a outra espera um futuro anterior infinito, para ela é sempre muito cedo. Ao primeiro chamarei de Henri e, como Fausto, previne qualquer surpresa para ele: infelizmente, as boas. Tudo compre~ paração, precaução, previsão; ele consegue enganar sua pontuali~ dade e acontece de esperar, mais freqüentemente na sua vez. En~ tão a angústia surge diante do vago desejo que poderia encontrar em frente. Sobretudo do fato de o outro não lhe demandar nada! Isso seria desde então demasiadamente arriscado. E risco ele não quer mais; ele já foi posto no mundo sem o seu próprio consenti~ mento, produto de uma cena primitiva sobre a qual ele preferiria nunca pensar, mas de que se recorda às vezes nos meandros de seus sonhos. Cada uma de suas pequenas covardias, nas quais ele peca cedendo em seu desejo, muitas vezes em detrimento de seu parceiro. Inscreve~se não sobre um quadro guardado em um quarto fechado, como para Dorian Gray 10, mas sobre a cera mole
O tempo na psicanálise
de uma culpabilidade sempre fresca, da qual ele não quer nada sa~
ber, mas que torna sua vida insuportável. Ele vegeta no apres~coup de demandas obsoletas, sempre nostálgicas de uma tarde eterna onde ele havia sido a criança mais~que~perfeita11 , preenchendo uma mãe encantada. Assim, prisioneiro de uma fixação que o mantém num esta~ do de letargia, na qual a pulsão de morte fala em silêncio, ele ignora a hora da fatal visitante, cuja simples evocação o mergulha numa inquietante angústia. Está quase morto, mas não sabe disso. À segunda chamarei de Bela. Não vê o tempo passar, às vezes corre atrás dele, mas o mais freqüente é esperar um homem de exceção que lhe corra atrás. Sua vida se assemelha à da heroína condenada desde o seu nascimento ~ por uma fada que não foi convidada para as festividades~ a espetar seu dedo no fuso e cair morta, bem precisamente aos 15 anos 12• E não é nada banal que isso ocorra no "despertar da primaverá'1 3, ou seja, no momento do encontro com a sexualidade efetiva, o segundo tempo do trauma inevitável, o encontro sexual revelador da falta. A sorte será sua~ vizada por uma fada concorrente e a morte transformada em um sono de cem anos. O que Bela ignora é a trapaça em relação ao príncipe en~ cantado. Recordemos brevemente os fatos: o castelo inteiro com todos os seus habitantes se imobiliza no tempo e uma muralha de espinhos o cerca. Os jovens homens atraídos pelo objeto fe~ minino receptado ficam ali enganchados até a morte. Aquele que conseguir atravessar o obstáculo, o fará completamente por aca~ so. Simplesmente o tempo da maldição é terminado. Justamente no bom momento, o do despertar da princesa ao desejo adorme~ cido. Não há mínima proeza nesse encontro, justo uma questão de boa hora14• Bela não quer correr o risco de saber a continuação da his~ tória, coloca~se como eterna ausente para sustentar uma espera sempre insatisfeita. Assassina 15 narcisista do desejo, ela não vê o tempo passar. A hora da morte a deixa indiferente, a duro custo ela a percebe quando alguém próximo recebe a visita funesta.
estar a postos
16
Seria desejável que esses pacientes 17
~
que encarnam
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11
Trata-se ao mesmo tempo
de uma~ signilicando a petfcição e um tempo de conjug3Çáo.
"A Bela adormecida~ primeira versão de Charles Perrault, depois vem a dos irmãos Grimm. 12
13
De F. Wedekind, pref.ociado por Jacques Lacan.
14 Nora do tradutor: a autora, colocando alguns acr6cimos de letras equivoca bon~r. fe~cidade, com bonne heure, boa hora. Outra tradução possívd e mais corriqueira para essa palavra seria: "hora cetti:
11 Obwvação: o feminino de assassino não existe na língua francesa, é utilizado: assa.ssin.
" Nora do tradutor : A autora diz em francês •se rnetlrt à l'~re•. Novamente está jogando com a hora: a tradução ~teral seria 'se colocar à hori 17 Observação: aí existem duas significações: a de ruenres e também a de constantes, perseverantes.
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particularmente o equívoco do significante, e eles são muito pa~ cientes - achassem na análise uma maneira de se ajustar não tan~ to ao inconsciente/ saber que ignora o tempo, mas ao real, isto é, a (hora) da morte. O lado inconsciente, o desenrolar da rede signi~ ficante versus o enunciado, privilegia o modo diacrônico, organi~ zado pelos limites significantes da castração, tudo estando sob o controle de uma representação consciente do tempo, construída e simbolizada. É necessária uma intervenção particular para rom ~ per o fio do autômatom, deixar lugar para tiquê da enunciação e tocar na sincronia intemporal do sintoma. Eis o motivo pelo qual Lacan introduziu na condução do tratamento um ato afetando o tempo concreto: para que o analisado canse do gozo, deixe de lado o fora de tempo do gozo e entre no tempo, contado, contá~ vel, do desejo. Assim, trata~se de visar a um bloqueio da série dos significantes, não em relação à vã repetição, mas em relação a uma construção e a uma travessia da fantasia que quebra sua fixação pulsional e re/ atualiza a relação do sujeito com o impossível.
só a morte é imortal
Cf Hans: 'a presença do tema da mone é estrit2menre correlativa ao tema do nascimenró: Lacan. Le seminaire livre IV. La rdation d'objet (1957 I 1994. p.413). 18
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A psicanálise com crianças é particularmente instrutiva, pois a criança~analisanda banha~se na materialidade do signifi~ cante e fala o real, o que a expressão "palavra de criançá' ilustra. A questão da morte se apresenta para a criança ao mesmo tempo em que a da vida: instante de ver 18• O pequeno sujeito, quando ele se descobre sozinho e limitado, entrando no perío~ do da "neurose infantil"~ tempo para compreender~ explora com suas teorias sexuais infantis todas as hipóteses sobre o não senti~ do da existência. A consciência sobre uma origem se impõe, e ele formulará rapidamente a hipótese de que se há um começo, há também um fim. Atrás de todas as questões sobre o nascimento dos bebês e sobre o enigma da diferença dos sexos, se perfilam, freqüentemente caladas, as questões sobre o devir de cada um. Desse modo, sexo, vida e morte se encontrarão interligados pelo desejo de saber e pelos limites de seus poderes. A criança encon~ tra com horror essa face do real que permanece, em parte, fora do alcance, exceto pela assunção simbólica da castração que poderá metabolizar isso, deixando o essencial a cargo de uma"insondável decisão':
O tempo na psicanálise
só o vivente é mortal Esse menino de oito anos faz escansões em algumas cenas ~ depois de um certo número de encontros sem conseqüências ~ à passagem de uma angústia de castração que se expressará como angústia de morte em relação à possibilidade de castração assu~ mida, vetor de solidão, mas também de desejo. Uma infeliz queda de uma árvore deixa~o com um braço quebrado. A coisa permanece banal até o dia da retirada do gesso. A criança tem medo diante da serra, fica pálida e se desmorona. Desde então ele fica, diz ele, obcecado pela morte, o que significa para ele "não poder ver mais a casa, nem o papai e nem mamãé: Num primeiro sonho, uma imago paterna digna do pai da hor~ da primitiva, aparece como agente de uma modalidade da falta que revela, sobrerudo, a castração do imaginário: "( ... ) o chefe, ele dava medo. Seu nome é Papa~rudo. É um monstro que come rudo e todo mundo': Reconhecemos de passagem a figura do ogro, o comedor de crianças, sendo o primeiro Cronos, que encarna o tempo suspenso. Ele o faz devorando seus descendentes. Nessa família, bem mais modesta do que a do Olimpo, eu me contento em ressaltar o que a criança diz: seu pai fala "entre os dentes': Em um próximo sonho, toda a família se transforma em lobisomem; ele comenta: "Meu pai não era mais meu pai': De~ daração da diferença radical - encontrada pelo menino, de uma maneira particularmente exposta- que existe entre o pai parcei~ roda mãe, com o real sexual trazido por ele, e o pai que o alimen~ ta. Evidentemente é a primeira figura a sustentar as fantasias de retorsão para o pequeno Zeus, protegido pelo amor de sua mãe, mas ele o teme mesmo assim. Esse rapazinho, com aproximadamente 4 anos, veio me falar de seu temor por não ter reconhecido seu pai. Ele havia feito a barba que sempre mantivera, e aparecia como um outro aos olhos de seu filho. Assim, pude formular a hipótese de o corte operado pela gilete ser o segundo tempo do trauma inaugurado pela aparição de um pai que não é mais o mesmo, revelando em sua aparição de homem desconhecido, o seu starus de separador. Comento o sonho assinalando ao menino que, na verdade, a morte é certa, mas que a mordida19 do lobisomem não o matará, mas o fará um lobisomem como seu pai.
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19 Em francês mort jÜre (morte certa) e morjurt (mordida) têm o
mesmo som.
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Como Moncaigne, lembrando que a morte coca somente quem está vivo.
}j]
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No sonho seguinte, os lobos não parecem tão terríveis, são lobinhos que o atacam, mas dessa vez somente para comer seus chinelos, e seu pai pela primeira vez surge como protetor, ele caça os bebês lobos com um martelo. O último sonho dá a chave. O menino chega me decla~ rando: "Eu não tenho mais medo da morte, eu sei o motivo': De~ pois ele conta: "Eu tive um sonho, eu estava numa grande árvore (como aquela de onde ele havia caído), a gente havia feito uma cabaná: E ele continua: "Ficava atrás de um riacho, assim mamãe não poderá passar por lã: Ele me explica então que realmente havia construído uma cabana com seu irmão mais velho e seu pai, em um lugar supostamente pouco acessível para o sexo dito frágil. Dessa maneira, ele opera a separação com sua mãe, dema~ siadamente próxima, arranjando~se do lado masculino e colocan~ do entre ela e ele um obstáculo intransponível. Essa saída bem edipiana, via identificação de gênero, permitirá à criança suportar o impossível:' Ele parece tomar esse caminho quando, brincando distraidamente com alguns personagens na escrivaninha, declara serenamente: "Somente os falsos não morrem': Aí está: a criança tornou~se filósofa20 • Tradução: Bruno R. Tasso Revisão: Daniela Chatelard
O tempo na psicanálise
rebências bibliogrMicas FREUD. Sigmund."Notre attirude devan la mort': In: Essais de psychanalyse. Paris: PUF. 1981. FREUD. Sigmund. <<lnhibition, symptôme, angoisse». In : Essais de psychanalyse. Paris: PUF, 1981. FRUTTERO E LUCENTINI, O amante sem domicílio fixo. São Paulo: Editora Rocco. LACAN,Jacques. Le seminaire livre X, I.Ámgoisse, Paris: Seuil, 2004. LACAN, Jacques. Le seminaire livre IV, La rdation d'objet, Paris: Seuil, 1994. LACAN, Jacques. Le seminaire livre IX "I.:identification'; inédito, lição de 23 de maio de 1962. WILDE OSCAR, O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Abril Culrural, 1975. WOOLF VIRGINIA, Orlando. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 6a. ed., 1978.
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resumo Este artigo trabalha a relação do vivente com a morte, o desejo e o tempo. Mostra o tempo para compreender da neurose no tratamento de um menino de oito anos às voltas com suas teorias edipianas.
palavras-chave Desejo, trauma, sintoma, tempo, morte
abstract This article deals with man's relations with death, desire and time. It shows the time it takes to understand neurosis in an eight-year-old boy treatment, facing his oedipal theories.
key words Desire, trauma, symptom, time, death
recebido 20/07/2008
aprovado 05/09/2008
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O tempo na psicanálise
Entrevista
A psicanálise e o Campo Lacaniano no Brasil hoje ANDRÉA BRuNETTO ENTREVISTA SoNIA ALBERTI
Andréa Brunetto: Em sua avaliação como se deu o V Encontro Internacional da IF~ EPFCL em São Paulo, julho desse ano, tanto do ponto de vista teórico~clínico quanto do institucional:' Sonia Alberti: Foi mesmo um sucesso! E bem maior do que um simples sucesso de público ... ! Com efeito, foi necessário, de úlci~ ma hora, criar um dispositivo para permitir receber mais inseri~ ções do que o grande auditório da UNIP comportava, cal era a insistência dos que ainda quiseram participar do Encontro ..• Poderíamos dividir o Encontro em dois grupos: o científico, sobre o tema "Os tempos do sujeito do inconsciente: a psicanálise no seu tempo e o tempo na psicanálise'; que contou com traba~ lhos de grande qualidade. Graças ainda ao enorme empenho dos colegas do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo e, particu~ larmente, da Presidente do Encontro, Dominique Fingermann, e do organizador Cícero de Oliveira, já estão accessíveis os Anais do V Encontro aos internaucas no site: www.vencontro~ifepfd. com.br. Convido~os a visitar o site e a ler os textos, que trazem inúmeras contribuições sobre o tema do tempo em psicanálise, nem sempre muito explorado. É claro também que, no vivo dos debates, os trabalhos ga~ nharam novo vigor e certamente os autores pudera~ aproveitar para um enriquecimento das contribuições que trouxeram, de forma brilhante! O público presente disso foi testemunha! Mas o Encontro também foi de assembléias da Internado~ 1al dos Fóruns e da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, em nível internacional. Momento emocionante por~ que comemorávamos os dez anos do movimento que instituiu os Fóruns do Campo Lacaniano no mundo, a partir da cisão que ficou conhecida como a Cisão de 1998 1• Além de comemorativo, o momento também foi de reflexão e avaliação do que queremos e conseguimos, o que faltou conseguir e o que nem todos querem,
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Rio de Janeiro
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1 Título de um livro organizado por Maria Anica Carneiro Ribeiro e publicado pela editora Contra Capa, no qual se pode ler os documentos e debates ocorridos em 1998, quando saíamos da Associação Mundial de Psicanálise e criávamos os Fóruns do Campo Lacaniano.
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ou seja, nossas orientações comuns, nossas diferenças e nossos novos desafios como uma comunidade internacional. Os debates e as discussões nas assembléias abordaram inúmeras questões e não posso retomá~las aqui, pois, evidentemente, foram dois dias de trabalho... No entanto, para deixar indicados os tópicos que, pessoalmente, me chamaram a atenção, resumo: 1) um crescimento muito significativo da comunidade nes~ ses primeiros de1; anos. Quando começamos, em 1998, a grande maioria dos participantes era egressa da Associação Mundial de Psicanálise na qual ocorreu a cisão à qual me referi; hoje, de4 anos depois, há muito mais membros na IF~EPFCL que se associa~ ram a partir do trabalho feito por nós, provocando transferências de trabalho em múltiplas latitudes e longitudes, de forma que inúmeros membros da IF~EPFCL têm somente essa referência à Escola de Lacan e, sem dúvida, aumenta ainda mais a responsa~ bilidade que a IF~EPFCL tem no mundo! 2) a necessidade constante, por mim constatada- e alguns outros - é a de que devemos nos manter vigilantes quanto ao novo modelo de Escola que quisemos e no qual insistíamos quan~ to à importância da contribuição da América Latina à psicanálise no mundo, de forma que já não é possível uma organi1:ação em que não haja equivalência de poderes. Tal vigilância é mais neces~ sária por ainda estarmos saindo dos históricos trilhamentos, aliás sobredeterminados, pois facilmente podem promover repetições hoje consideradas nefastas à mudança que quisemos e ao funcio~ namento dessa jovem comunidade. 3) Que há diferenças entre os diferentes Fóruns do Cam~ po Lacaniano no mundo e isso, por um lado, é alvissareiro por testemunhar que não estamos todos sob a égide e o domínio do Um, mas, por outro lado, há necessidade, às ve1;es, de debates porque as decisões que um FCL toma na pólis não podem ser contraditórias às de outro. Tendo isso em vista, votou~se por uma instância auxiliadora ao CRIF (Colegiado de Representantes da Internacional dos Fóruns) - órgão que "representa a unidade do conjunto" (cf. "Carta da IF~EPFCI.:: nosso texto estatutário) -e que possa servir à interlocução. 4) Finalmente, várias propostas foram votadas para a in~ dusão de novos itens nos textos que nos legislam, e que serão votadas por todos os membros da IF, até o final de 2008.
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Nota~se,
portanto, que esse segundo grupo de funções do V Encontro foi de enorme importância para a IF~EPFCL e im~ plicará, inclusive, mudanças estatutárias. Andréa Brunetto: Você foi a representante do Brasil no Colégio de Representantes da IF (CRIF) por dois anos. Poderia falar so~ bre esse trabalho r Sonia Alberti: Pois é, Andréa, um Representante da IF~EPFCL faz tanta coisa que até parece que já se passaram os dois anos de minha gestão. Mas ainda não, sou Representante até o final deste ano, e minha gestão só termina depois de toda essa votação que ainda temos pela frente. Como dito antes, o Colegiado de Representantes da Inter~ nacional dos Fóruns (CRIF) é o órgão que "representa a unidade do conjunto" (cf. "Carta da IF~EPFCt: nosso texto estatutário). Todas as funções na IF~EPFCL estão estabelecidas pela mesma "Carta da IF~EPFCt: que vai sendo modificada quando a ex~ periência o exige - como é o caso deste ano, após a Assembléia de São Paulo. Mas a modificação é sempre feita a partir de uma votação internacional, todos os membros votam e é organizada pelo CRIF também. O CRIF convoca e preside as Assembléias Gerais - preparando sua pauta, às vezes durante meses -, além disso, faz o Catálogo dos membros da IF, publica a revista - hoje eletrônica - chamada Heteridade, articula seu trabalho com o dos Delegados de cada Fórum do Campo Lacaniano (FCL) e cuida das finanças da IF. Como vê, é mesmo bastante coisa! A lista é muito grande, mas em linhas gerais é isso. Andréa Brunetto: Debatemos muito em São Paulo sobre a legali~ zação da Escola, poderia explicar a posição dos brasileiros r Sonia Alberti: Havia uma proposta de instituir a Escola em nível internacional com uma sede em Paris. Na realidade, para o fun~ cionamento da IF~EPFCL no Brasil não temos nenhuma neces~ sidade disso. Daí nosso texto enviado à rede da IF~EPFCL, dias antes do Encontro em São Paulo. Acho que vale a pena lê~lo, ele é bem claro quanto a isso que você está chamando de "posição dos 'brasileiros': "Para o funcionamento da IF~EPFCL no Brasil não temos
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necessidade de legalização e preferimos manter o que já foi vo# tado em nossa constituição: a definição da IF contida em nossa Carta da IF#EPFCL como uma federação sem Presidência nem sede e o princípio V de nossos "Princípios Diretivos para uma Escola orientada pelo ensino de Sigmund Freud e Jacques La# can': que estipula que "A Escola não é uma associação jurídica, seu status legal depende das associações dos Fóruns nas quais está implantadá: "Parece#nos estranho a nossos propósitos iniciais, uma Associação# Escola Internacional com uma sede fixa, sem permu# ração, localizada na França e com Presidente e Tesoureiro fran# ceses, regida pelo direito francês. No Brasil, a AFCL/EPFCL# Brasil, que sustenta os dispositivos de Escola na America Latina, é uma associação brasileira que não poderia ou não desejaria ser legislada pelo direito francês. "Nosso funcionamento até então tem trazido a avanços significativos notáveis ( em comparação a outras Instituições psicanalíticas no Brasil) : horizontalidade do poder, polifonia, respeito à diversidade, representatividade geográfica e política, e uma melhor relação entre os analistas da Europa e os da América Latina (em comparação a experiência internacionais anteriores). Não nos parece que seja uma avanço no funcionamento nem a centralização do poder (por mais simbólico que seja, sabemos de seu efeito no real) nem a centralização das finanças pelo transtor# no que isso provocaria no funcionamento dos disposiitivos locais de Escola, das publicações e outras despesas': Assim, para responder a você, acho que todos os brasilei# ros membros da IF têm claro uma coisa: não queremos uma Es# cola de direito per se, com uma sede da IF#EPFCL na França, com a justificativa de que tal sede simplificaria os trabalhos das instâncias da IF e da Escola. Não julgamos válida tal justificativa, pois, para nós, a IF e a Escola têm, em seu cerne, a diversidade e as diferenças. Tais valores são fundamentais para o nosso traba# lho, qualquer coisa que os ameaçasse seria um "complicador" e, de modo algum, simplificaria nossos trabalhos! Se as múltiplas sedes são necessárias para garantir a diversidade e as diferenças, então isso não se coloca em questão para simplificar nosso traba# lho, já que este depende delas!
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Andréa Brunetto: Seu trabalho pela psicanálise na universidade já é notório, tanto no Brasil como fora. Inclusive, poderia falar um pouco sobre isso. Sonia Alberti: aí você tocou num ponto que mereceria uma entre, vista à parte. Dediquei alguns artigos e capítulos de livro ao tema, mas vamos ver o que consigo lhe responder em poucas palavras. No Brasil, até há pouco, os psicanalistas - é importante pontuar que me refiro somente aos psicanalistas com formação universitá, ria de psicologia e não aos médicos, já que para eles a história é outra - que trabalhavam também na universidade eram alvo de crítica de dois lados: de dentro da universidade, porque muitas ve, :z;es a psicanálise não era bem vinda, sob diversos argumentos, acu, sada, por exemplo, de ser elitista, de não se submeter às regras aca, dêmicas e, articulando,se à Psicologia Clínica, reforçava essa área que sempre teve dificuldade nas faculdades de psicologia frente à psicologia experimental, cognitiva e social; e de dentro da psica, nálise porque muitos psicanalistas identificavam seus colegas que trabalhavam na universidade como sendo, paradoxalmente, menos clínicos e excessivamente submetidos às regras acadêmicas, como se o fato de alguém trabalhar ou não em determinado lugar permi, tisse identificar quem ele é, tipo: 'ruga,me onde trabalhas que direi quem és': No entanto, Lacan já articulava o discurso universitário à burocracia desde O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, de 1969,70. E já em 1956 chegara a identificar instituições psi, canalíticas com o discurso da burocracia! Donde, você pode estar perfeitamente adaptado ao discurso da universidade estando em uma instituição psicanalítica, o que nos leva a supor que também a reáproca pode ser verdadeira: você pode estar mergulhado no discurso do psicanalista estando em uma universidade! Por quer Porque o psicanalista é produto de sua análise, e essa não se fa:z; na universidade, aliás, a formação psicanalítica não se fa:z; na uni, versidade, ela é, no mínimo, êxtima à formação universitária que, no entanto, pode contribuir bastante para a formação de um sujei, to! Não a confundamos com a formação psicanalítica! Continuo sustentando para ela o tripé que Freud instituiu: análise pessoal, supervisão e estudo teórico, clínico. Três textos são fundamentais para o estudo da articulação da psicanálise com a universidade: o texto de Freud, "A análise
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FREUD, S. (1919)"Soll die Psychoanalyse an den Universitiiten gelehrt werdent in Gesammelte Werke. Frankfun a.M., Fischer Taschenbuch, 1999. Nachtragsband. (Tradução do tírulo: A psicanálise deve ser ensinada na universidade/)
leigá' (1926) e a carta de Freud, de 1919, aos estudantes de me~ dicina de Budapeste2, e o texto de Lacan "Função e campo da fala e da linguagem" (1958). Eles atestam o interesse de Freud e de Lacan pelo ensino da psicanálise na universidade. Acho que há muita coisa a fazer nesse campo, assim como em muitos outros campos das conexões da psicanálise. Mas, quando lidamos com outras áreas e outras práticas, é sempre necessário levar em conta as diferenças discursivas, as particularidades e regras. Ao abordar cada um dos campos e práticas a partir da teoria dos discursos, é preciso estar atento também para o fato de que iremos nos de~ parar com tipos de gozo e articulações de poder que precisam ser localizados. Recentemente tive a oportunidade de apresentar um pequeno trabalho sobre isso, cujo texto deve ser publicado em breve com uma colega da Universidade Federal do Pará. Andréa Brunetto: No dia 20 de julho passado, você divulgou na rede da IF e da AFCL a criação de uma rede universitária na área da Psicanálise e da Psicologia Clínica. Poderia explicar sua fim~ ção e objetivos2 Sonia Alberti: Foi bom tocar nisso! Como membro de um Gru~ pode Trabalho da ANPEPP (Associação Nacional de Pesqui~ sa e Pós~Graduação em Psicologia), que aliás coordeno no mo~ mento, integrei no último Simpósio da ANPEPP, em Natal, em maio deste ano, a reunião de todos aqueles que, participando da ANPEPP- e, portanto, universitários- também se dizem psi~ canalistas. Essas reuniões acontecem durante os simpósios da ANPEPP justamente no intuito de nós, psicanalistas, nos for~ talecermos enquanto um subgrupo na comunidade universitária. Mas, diante das dificuldades com que temos de lutar, por exem~ plo, a indicação de coordenadores de área em instituições de fo~ mento, que os cursos de pós~graduação votam, os pesquisadores do CNPq votam, é necessário sempre um consenso para indicar~ mos pessoas que possam continuar abrindo caminho para o cam~ po clínico ter condições de aparecer ao lado do social, do experi~ mental e do cognitivo~comportamental. Por isso foi votado, nessa reunião, criarmos tal rede universitária através da qual possamos debater propostas, responder a pedido de indicação de nomes de representantes etc, a cada vez que isso se faça necessário. Na
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realidade, há vários campos da Psicologia organiz:ados em rede e mesmo em associações universitárias, mas a psicologia clínica e a psicanálise não. Urge faz:ê~lo, e da maneira menos complexa, pois a finalidade é, sobretudo, agilidade e eficácia na luta de poderes a enfrentar, não só para continuarmos, mas também para intensifi~ carmos nossa presença na universidade. Andréa Brunetto: Quais os desafios do Campo Lacaniano no Brasil? Sonia Alberti: Temos muito trabalho pela frente! Muitos jovens se interessam em nossos seminários, jornadas e atividades e isso é bem legal! O sucesso que o V Encontro teve não só em São Paulo, mas no Brasil todo, mostra haver muitos colegas faz:endo suas for~ mações como psicanalistas, e mesmo estudantes que se interessam em começar um aprofundamento na psicanálise. Isso, como dito, aumenta nossa responsabilidade! O desafio hoje é conseguirmos responder a essa demanda! Acho que para isso é preciso juntar forças e apostarmos também nas pessoas que estamos formando, a fim de que também comecem a dar seminários, a assumir car~ gos e se interessem pelo trabalho institucional, para garantir sua transmissão nos próximos anos. Todo esforço que pudermos fa~ zer nesse sentido, nos próximos dez anos da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, será condição sine qua non para garantirmos à Escola seu lugar junto às próximas gerações. Já tive pesadelos de uma psicanálise trancada a sete chaves por séculos, posta a salvo por alguém que, temendo seu desaparecimento dian~ te de ataques de todos os lados - desde aqueles que vêm de áreas frente às quais a psicanálise é indesejada, até ataques de religiosos fanáticos ou religiosos capitalistas, passando por ataques que, às ve~ zes, acontecem vir do interior dela mesma, a partir de um ou outro psicanalista- cuidou para assim guardá~ la. Acho que a psicanálise precisa muito de nosso cuidado, o que, no fundo, não dista do cuidado que temos para garantir às gerações futuras a herança de nosso legado, no caso, independen~ te do que venha a ocorrer. Hoje, ela é um instrumento que os seres falantes têm a seu alcance para lidar com o mal estar na cultura e, mesmo assim, continuar a lutar no mundo para faz:ê~lo responder ao desejo de cada um. Obrigada pela entrevista!
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resumo Esta entrevista foi feita após o V Encontro Internacional da Internacional dos Fóruns e da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, com a psicanalista Sonia Alberti, psicanalista reconhecida pelo seu trabalho no Campo Lacaniano e pela inserção da psicanálise na universidade. Essas são as duas vertentes da entrevista: o trabalho já produzido e a ser feito pelo Campo Lacaniano no Brasil e a pesquisa e a produção psicanalítica nas universidades, no Brasil.
palavras-chave Universidade, discurso, pesquisa, Escola
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abstract This interview was carried out after the Fifth Rendez Vous of the Internacional of Forums School of Psychoanalysis of the Forums of the Lacanian Field, with Sonia Alberti, known for her work at the Lacanian Field in Brasil and for the insertion of psychoanalysis at university. These are the subjects discussed during the interview: the work that has already been carried on and the one to be done by the Lacanian Field in Brazil; and the research and psychoanalytic production at universities in Brazil.
key words University, speech, research, School
recebido 05/10/2008
aprovado 25/10/2008
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Resenhas
A parte obscura de nós mesmos: uma história dos perversos ALBA ABREU LIMA
Resenha do livro A Parte Obscura de Nós Mesmos: Uma História dos Perversos, de Elisabeth Roudinesco. RJ:Jorge Zahar Ed, 2008. "Tudo depende do que cada sujeito faz da perversão que carrega em si: rebelião, superação, sublimação.. :'
A psicanalista e historiadora da psicanálise Elisabeth Rou, dinesco dispensa apresentações em nosso meio, pela obra extensa e esclarecedora, mas principalmente pela admirável biografia de Lacan. Com rara habilidade literária e aguçada percepção dos fa, tos de nossa época, tornou,se referência obrigatória aos que con, jugam o interesse da inserção da psicanálise na sociedade em que vtvemos. Roudinesco aprofi.mda nessa obra as distintas dimensões da perversão - na psicanálise, na literatura, na história e na sacie, dade atual , em um trajeto enxuto, didático, acessível e de grande valor documental. A autora perpassa a história da perversão no Ocidente através de suas grandes figuras emblemáticas: dos san, tos místicos na Idade Média; passando por Barba Azul e Sade, o "Príncipe dos Perversos'; até Auschwitz, para então se debruçar nos pedófilos e terroristas de nosso tempo. Tudo isso para, mais além de nossos julgamentos éticos, provar que a perversão é um espelho da humanidade, exibindo aquilo que não cessa de se dis, simular: a parte obscura de nós mesmos. Considera a perversão uma experiência eminentemente humana e universal, já que todo sujeito carrega uma fantasia per, versa. Porém, em cada época da história, em cada sociedade, ela é tratada de modo particular, dependendo da categoria de bem ou mal. Para a autora, seja de modo pessoal ou coletivo, como no nazismo ou nas ditaduras, a perversão é sempre sinônimo de perversidade: "gozar de fazer o mal': No entanto, ela afirma com Freud, que a perversão pode
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ser sublimada em seu avesso: a arte. Como, por exemplo, no caso do Marquês de Sade, que, se não tivesse sido escritor, seria um cnmmoso. Influenciada por Foucault, autor de "História da Sexua~ lidade': propõe metodologicamente a pergunta: "onde começa a perversão e quem são os perversost A questão se coloca no in~ tuito de desenhar um quadro bastante rigoroso da história das perversões: inicia na época medieval, com Giles de Rais, e a ex~ periência mística e dos flagelantes; perpassa o século XVII, em torno da obra de Sade; a sociedade burguesa do século XIX, que contribuiu para o programa da medicina mental com a invenção de uma sexualidade patológica herdada do Iluminismo; e por fim, o século XX, dos genocidas nazistas, quando se exprimiu de maneira mais terrível o real da pulsão de morte em estado bru~ to. O último capítulo, dedicado à sociedade perversa, aborda a utopia das sociedades democráticas globalizadas, e novamente se pergunta: não haveria risco desse projeto idealizado fazer ressur~ gir novas formas de perversões, novos discursos perversos? A autora discorre sobre sua constatação de que a socieda~ de mercantil tornou~se mais perversa do que os perversos que se pode definir, cuja vontade de gozo é explorada para, em seguida, ser reprimida. Da abordagem globalizada, a autora adverte que, na atuali~ dade, chegamos ao banimento da perversão, verificando que: 1. Houve o desaparecimento da palavra perversão do léxi~ co psiquiátrico, agora triunfando apenas o rastreamento da men~ suração do comportamento; ou seja, destituiu~se o sujeito de suas relações com a linguagem; 2. os critérios comportamentais do DSM abandonaram a subjetividade, e a palavra parafilia agora abrange todas as práticas qualificadas como perversas; 3. as ciências do comportamento, da etologia e da cognição estabeleceram teses insensatas sobre a continuidade entre prima~ tas humanos e não~ humanos, fazendo o macaco alcançar o status de humano, do que resulta, na prática, a difusão de cenas de zoo~ filia na internet como expressão de um sist:ema perverso, coletivo e anônimo; 4; a domesticação das pulsões, apregoada por Freud, foi esquecida para dar lugar à fetichização pornográfica dos corpos,
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ora através do discurso médico puritano que abole a perversão dos manuais, ora como se viu no exemplo recente da Guerra do Iraque, no qual os torturadores foram os primeiros a fotografar, exibir e divulgar seus atos! Em matéria de sexualidade, apenas o discurso jurídico ainda distingue as práticas legais das ilícitas, substituindo a psi~ quiatria para diferenciar os parafílicos, ditos "autorizados': dos parafílicos sociais. Com isso, a pewersão, no privado, é norma~ lizada, ocorrendo uma inversão de valores: como os "desviantes" são aqueles que perturbam a ordem pública, algumas patologias, como o alcoolismo, por exemplo, passam a ser consideradas per~ versas diante da lei. Restam os pedófilos, que aterrorizam a intimidade fami~ liar com assassinatos de alma, e os terroristas, que servem para a projeção de todas as fantasias de genocídio do corpo social, para desafiar cada vez mais contundentemente as formas de sanção da sociedade. Segundo a autora, os perversos desafiam a Lei. E, se a medicina, substituta da Lei, estimula "terapias" - tratamen~ tos comprovadamente ineficazes - provoca o perverso a desafiar cada vez mais a Lei, pois sua força psíquica ultrapassa qualquer medicalização. Conclui com algumas reflexões: • A perversão é, de certo modo, intrínseca à civilização e talvez não possa ou não deva ser banida, mas será que precisa~ mos ficar tão fascinados diante dos horrores que a dita civilização propõe? • A tendência do bio~poder de reduzir a alma ao corpo e tratar os sujeitos como mercadorias, decidiu que a questão do desejo pode ser resolvida através da gestão do corpo - nos casos de mutilação e transformação do corpo - em lugar de interrogar sua dimensão clínica. Por fim, alega que os psicanalistas permaneceram cegos às transformações do olhar que a sociedade dirigia para os perver~ sos, consideraildo~os inaptos à confrontação com o inconsciente. Somente nos últimos tempos, depois que os psicanalistas ho~ mossexuais saíram da clandestinidade e conseguiram impor seus direitos, a abordagem da perversão tem tomado lugar e oferecido recursos psíquicos, uma vez esgotados os recursos da sexologia e da farmacologia.
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Enfim, trata~se de uma referência obrigatória aos psicana~ listas que se defrontam não apenas com sintomas que buscam particularizar os sujeitos, mas com o pior do humano, que apa~ rece nos catálogos das perversões da contemporaneidade e vão desde o bodymodification (pessoas que chegam a colocar chifres e amputar as pernas para serem diferentes) às crianças drogadas e obrigadas a matar seus irmãos na África.
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A batedora de Lacan: lembranças de uma estenotipista irritada LEANDRO ALvEs RoDRIGUES Dos SANTos
PIERRAKOS, Maria, Tradução de Fábio e Eva Landa. A batedora de Lacan: lembranças de uma estenotipista irritada. São Paulo: Perspectiva, 2005, 69 p.
Maria Pierrakos, uma estenotipista·irritada, que se auto~ intitula uma "batedora de Lacan'; conheceu Lacan e com ele conviveu durante um bom tempo. Só por esse aspecto, este li~ vro já conteria elementos suficientes para exercer certa atração nos leitores, pois, para além do interesse histórico despertado pela figura de Jacques Lacan, é inegável que portemos uma ponta de curiosidade em relação a um cenário e a um período absolu~ tamente efervescentes, do qual esse psicanalista foi o epicentro, misturando~se tanto o personagem quanto o homem de carne e osso, controverso e polêmico e que, indiscutivelmente, entrou para a História da Psicanálise. Mas quem folheia o livro em busca de saciar essa curiosi~ dade não encontra, de imediato, descrições ou narrativas afinadas com o que supostamente está sendo procurado; ao contrário, salta aos olhos uma dificuldade da autora na carpintaria do texto, pois não se sabe ao certo quando fala do personagem e quando fala do homem, alvo de sua técnica, afinal durante doze anos Pierrakos se ocupou de registrar o que Lacan dizia &ente a uma platéia assim descrita: "O seminário! Atmosfera inúmeras vezes assim descrita: empurra~empurra, rebuliço, fumaça, conversas. Então o Mestre chega, sobe no palco e começa a falar; um silêncio mítico se instala - escuta~se apenas o ruído nervoso das esferográficas e os cliques aflitos dos gravadores: seria possível perder apenas uma única palavra2" (p.20) Com sua vasta experiência nesse ofício peculiar, que guar~ da algumas semelhanças com o ofício do psicanalista, a autora afirma que o estenotipista acaba por captar o que vai além das palavras da pessoa que fala em público, comprovando~o por meio
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dos variados eventos que acompanhou; sempre silenciosa e cum~ pridora do dever. A partir disso, Lacan é, para ela, o retrato mais acabado da impostura, um boçal que não lhe dirigia a palavra. São palavras pesadas, pois acusar alguém de impostura implica sustentar previamente uma argumentação sólida das razões pelas quais se chegou a isso. E disso, fundamentalmente, trata o livro, uma seqüência de argumentos, elucubrações e digressões sobre Lacan; a dita impostura e, principalmente, os efeitos deletérios que disso se desdobram na cena psicanalítica, fazendo surgir, em sua hipótese, o que chama de Homo lacanus, personagem mui~ to próximo de qualquer membro das massas freudianas, citadas no clássico texto sobre grupos, escrito por Freud. Lacan, por sua vez, ocuparia o lugar de líder e, segundo o que Pierrakos insinua, agindo de uma maneira deliberada, gerando com isso seguido~ res influenciados pela teatralidade hipnótica de suas exposições e pela trama complicadamente articulada dos conceitos, presentes nos seus escritos e comunicações. Vale citar: Pierrakos foi uma praticante da estenotipia e, após o contato com Lacan em seus Seminários, tornou~se uma psicanalista, inclusive fundando com alguns colegas o College International de Psychanalyse e, deve-se dizer, de orientação distinta do ensino de Lacan, aspecto que não deixa de chamar a atenção. Mas percebe-se uma tentativa de qualificar o lacaniano, ainda que de maneira velada, como alguém que, "ecolalicamenté: apenas repete o que dizia Lacan, imitando-o numa caricatura empobre~ cida, aspecto que comprometeria, em última instância, o avanço da Psicanálise, pois corre~se o risco de uma formação em série de psicanalistas acríticos e repetidores de um estilo que deveria ser considerado como único e que não deveria ser reproduzido Mesmo com o grau de virulência aumentando a cada pági~ na, é louvável o esforço da autora em valorizar as descobertas de Lacan e sua importância na clínica atual, evidenciando um esfor~ ço para separar as críticas relativamente construtivas ao edifício teórico e as vozes dissonantes de questões conceituais e técnicas do pensamento lacaniano. Porém, independentemente disso, fica no ar uma sensa~ ção de haver uma rusga entre Pierrakos e Lacan, algo como uma conta a ·acertar, pois centra sua hipótese da impostura em uma . diferença entre o que ele era em público e no consultório, afinal
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"( ... )diziam, ele mostrava, em seus contatos diretos com os seus analisandos, um calor e uma afetividade nada em comum com aquilo que ele passava no seminário. Aqueles que estavam em análise com ele ou que, uma vez a análise terminada, continua~ vam a freqüentar o seminário seguindo seu conselho (ou sua in~ junção?), tinham então a impressão de que o rosto oferecido ao público, o rosto cínico e frio, não tinha nada a ver com o que eles I conheciam e essa transferência jamais liquidada mantinha~os ir~ revogavelmente escravos, pois eles acreditavam possuir, cada um para si,Janus inteiro:' (p.37) É razoavelmente óbvio supor uma diferença entre o La~ can falado pelos analisandos e supervisionandos, pois aí se trata da ordem da transferência e da inevitável carga de fantasia que atravessa essa percepção, sendo surpreendente se o personagem descrito efetivamente coincidisse com o Lacan alvo de seus re~ gistros. Além de lembrarmos que o Lacan por ela narrado, e que tanto mexia com ela - seria isso que a irritava? -, também é alvo de uma percepção a ser tomada sob o viés da realidade psíquica, termo freudiano sempre a nos lembrar: as significações são parti~ culares, singulares e únicas. Pierrakos fala de seu Lacan! Que isso ajude cada leitor a pensar seu próprio Lacan.
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Psicanálise e educação: sobre Hefesto, Édipo e outros desamparados dos dias de hoje LIA SILVEIRA
Psicanálise e educação: sobre Hefesto, Édipo e outros desamparados dos dias de hoje de Andréa Brunetto. Campo Grande: Editora da UFMS, 2008.
Em tempos de elogio à perfeição, falar de educação e defi~ ciência, nunca é sem riscos. A busca pelo ideal da beleza e da saú~ de permeia um discurso que insiste em negar tudo que claudica, manca, coxeia. Andrea Brunetto se arrisca e consegue subverter o discurso corrente, ao se apropriar desses temas por uma outra via: aquela que, em vez de negar, aponta para o lugar do desejo, lá onde mancos e coxos somos todos nós. Já na introdução de "Psicanálise e Educação: sobre He~ festo, Édipo e outros desamparados dos dias de hoje'; a autora anuncia essa subversão ao afirmar que o objeto de seu texto não é o deficiente, mas o "desamparo humano, a falta~a~ser que Freud chamou de castração, e como cada sujeito lida com elá:Já de saída percebemos não se tratar de um livro para educadores ou para profissionais que lidam com o diferente, o deficiente. É um livro para quem lida com o sofrimento humano. Mas seu objeto não se apresenta pronto desde o início. An~ tes, vai sendo construído ao longo de sua escrità e, para chegar a falar do que manca, a autora começa pelo ideal. Não o do nos~ so tempo, feito de academias, cirurgias e clínicas de reabilitação. Trata~se de um outro e, embora pareça pautado nos mesmos va~ lores do belo e do saudável, pertence a um registro bem diferente. Trata~se do ideal Grego em suas relações com a segregação e a verdade. Foucault, num volume dedicado à coletânea de suas aulas no College de France, intitulado "A Hermenêutica do sujeito"\ aponta que a ruptura entre as práticas de si, como os gregos as praticavam, e aquelas que se configurarão a partir daquilo que o autor chama de momento cartesiano está exatamente na relação
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I FOUCAULT,M.A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006
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com a verdade. Segundo ele, a epiméleia heautou dos gregos impli~ cava um conjunto de práticas (erótica, dietética, exercícios físicos) que tinham por fim o acesso do sujeito à verdade. Por outro lado, aquele que não tem cuidado consigo mesmo encontra~se no estado de stultitia, termo que poderíamos traduzir por "estupidei: Com ele, os gregos referem~se àquele cuja vontade não é livre, que deixa a vida correr, não dirige sua atenção a uma meta precisa, não pauta suas ações por seu querer. Temos assim que a diferença entre um stultus e um homem livre é marcada exatamente por seu acesso à verdade. Na primeira parte do livro, intitulada "A Segregação, o Ideal Grego e a Verdade" Brunetto vai buscar nos gregos a relação entre ideal, saber e verdade para fazer~nos revirar as concepções contemporâneas de normalização, integração, reabilitação, indusão e outros tantos nomes que tentam afirmar uma suposta igualdade de direitos. Realizando uma travessia com guias como Homero, Aris~ tóteles e Platão, a autora nos mostra quais as vertentes que per~ passam o ideal grego, seu caráter político, a busca pela Aretê, em nome da qual se pode sacrificar até a própria vida. Em nome dessa honra, a eugenia grega decidia sobre o destino das crian~ ças recém-nascidas, não permitindo aos mutilados sobreviverem. Segundo a autora, o destino desses renegados era o Apótetas, um local destinado ao abandono. Brunetto aponta, ainda, como tal ideal vai destoar completamente dos valores sustentados poste~ riormente pela ética cristã, marcados pela humildade, pelo arrependimento e pela culpa. No capítulo 3, o livro começa a tratar do resgate da relação do sujeito com a verdade que marca a ética proposta pela psicaná~ lise. No percurso freudiano, a autora mostra como a concepção de educação vai mudando conforme avança sua teoria sobre a pulsão. Se no início Freud acredita na possibilidade de uma "educação preventiva" pautada no conhecimento psicanalítico, sua obra vai paulatinamente caminhar para o deslocamento do ideal da educação para o campo do impossível, para a concepção de que todo sujeito é claudicante por sua relação com a pulsão de morte. Em Lacan, a autora vai buscar o conceito de "debilidade" para abordar arelação do sujeito com o saber e a verdade. A debilidade não seria uma noção deficitária e sim uma "doença fundamental
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do sujeito na relação com o saber': Dessa forma, as noções de perfeição, equilíbrio e harmonia não seriam compatíveis com o fato de sermos falantes, pois o ho~ mem, para ter acesso à linguagem, paga o preço de sua impossibi~ lidade de rudo dizer. A miragem de complerude só é possível no registro do imaginário no quaL por meio da relação com o outro especular, construímos nossa "imagem ortopédicá: Na segunda parte do livro, intirulada"Destoar de um ideal'; Brunetto retoma "O estádio do espelho como formador da fim~ ção do Eu'; entre outras referências, para abordar como se dá a constiruição do eu nessa dimensão imaginária, decorrente de uma projeção da imagem do corpo. O bebê, num primeiro tempo, ex~ perimenta o despedaçamento e a &agmentação de seu corpo, e vai recorrer a uma imagem no espelho que antecipa uma imagem total. Entretanto, esse que é visto no espelho é tomado como um outro. Estar "acompanhado" deste outro especular faz o sujeito se con&ontar com o medo de ser subjugado e despojado de seu lugar. A autora afirma: "Se a identificação a uma imagem dá um sentido ao sujeito, por outro lado, o aprisiona, e aliena~ o, pois o fixa nesse sentido e impede o desejo inconsciente de advir" (p.48) Mas essa dimensão especular não é suficiente. É preciso que, além de uma montagem imaginária haja também uma ins~ crição simbólica. Brunetto lembra: "para a psicanálise, o corpo se faz pelas palavras, é diferente do corpo para a ciência médica, um equivalente do funcionamento do organismo:' É aí que ele man~ ca, daudica, tropeça na linguagem e na sua impossibilidade de tudo dizer. Se na relação (identificação e rivalidade) com o outro nos debatemos para construir um corpo, nas palavras buscamos dar sentido a ele. Entretanto nem rudo nesse corpo é passível de ser simbolizado, e o corpo enquanto carne, enquanto real, sempre aparece nas frestas, nos buracos, naquilo que falta. Por isso Bru~ netto vai argumentar que, quando o outro é deficiente, obriga~ nos a deparar com aquilo que não queremos ver: "ameaça~nos apontando~nos uma inconsistência e então o vemos como estra~ nho, ele ameaça nosso narcisismo, pois estamos exatamente na posição de iguaL semelhante:' (p.50) Pela sua intimidade com a literarura e com o mito, a autora nos presenteia no livro ao exemplificar essa imperfeição através
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de célebres "desamparados": Hefesto, o ilustre coxo; Édipo, o dos pés inchados; Dorian Gray, escravo de seu pacto com a beleza; Schreber e o rígido ideal de educação de Shcreber-Pai; Kenzaburo Oe e sua escrita singular. Outros, nem tanto célebres (João, Fernando e Paulo) surgem da clínica da autora para pontuar suas elaborações. Entretanto, apesar do reconhecimento desse desamparo e do desfile de sua inscrição em cada um desses personagens, o livro de Andrea Brunetto, segundo suas próprias palavras, não pretende fazer "uma apologia de que os sujeitos devam viver confrontados com a castração e deixar para lá os ideais"(p.95). A saída pelo desejo é a aposta da psicanálise que seu texto presentifica: "cada sujeito, talvez mais ainda o débil, precisa encontrá-la. Parar de pagar os pecados e culpas, sair dos sacriflcios e dadivosidades, e construir um significante novo:'(p.93) A escrita de Andrea, ao misturar arte e dor é, em si mesma, uma mostra da potência dessa construção.
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sobre os autores ALBA ABREU LIMA Psicanalista. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Brasil. Docente e fundadora do Projeto Frediano. Especialista em Psicologia Jurídica, autora de "Psicologia Jurídica: lugar de palavras ausentes': E-mail: albabreulima@hotmail.com ANDRÉA BRUNETTO Psicanalista. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Brasil. Diretora do Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Educação pela UFMS. Autora de "Psicanálise e educação: sobre Hefesto, Édipo e outros desamparados dos dias de hojé: E-mail: brunetto@terra.com.br ANDRÉ MAGALHÃES TEIXEIRA Psicólogo graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais, psicanalista, membro da Álgebra do Campo Lacaniano de Brasília, e mestre em psicologia Clínica pela Universidade de Brasília. E-mail: am.teixeira@yahoo.com.br CARLos ALBERTO GuEVARA Psicanalista. Membro da EPFCL-França. Psicólogo Clínico. DESU e DEA de Psicanálise na Universidade de Paris VIII. Doutorando em Psicopatologia Clínica na Universidade de Poitiers. E-mail: caral40@hotmail.com EusABETH DA RocHA MIRANDA Psicanalista. Analista membro da EPFCL.Mestre em Pesquisa e Clfnica em Psicanálise pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,UERJ. Professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC- Rio. Professora do Curso de Especialização em Psicologia da Universidade Veiga de Almeida. Membro do colegiado de Ensino e Pesquisa de Formações Clínicas do Campo Lacaniano-Rio-Escola de Psicanálise Fóruns do Campo Lacaniano. Membro do conselho Editorial da Revista Marraio CDD 150-195. E-mail: bethrm@uol.com.br
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LEANDRO ALvEs RoDRIGUES Dos SANTOS
Psicanalista. Professor e supervisor universitário no Centro Universitário de Santo André (UNI-A/ Anhanguera). Membro do Fórum do Campo Lacaniano - São Paulo. Mestre e doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo. E-mail: leandro.psi@uol.com.br LEONARDO S. RoDRIGUEZ
AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Austrália. Psicólogo Clínico, Associado e coordenador do Mestrado em Psicanálise na Universiry Victoria. E-mail: leonardosrodriguez@bigpond.com LIA SILVEIRA
Enfermeira. Doutora em Enfermagem, Professora Adjunta da Universidade Estadual do Ceará. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum Fortaleza). Coordenadora local do Seminário de Formação da Escola. E-mail: silveiralia@gmail.com. IzcovicH Psiquiatra. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-França. Professor do Colégio Clínico de Paris. E-mail: alizco@wanadoo.&
Lms
MARC STRAUSS
Psiquiatra. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-França. Professor do Colégio Clínico de Paris. E-mail: strauss@wanadoo.& MARIA ANGÉLIA TEIXEIRA
Psicanalista, Professora adjunta da UFBA-FFCH-Dep. Psicologia. Doutora pela Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, Membro do Campo Psicanalítico-Salvador. E-mail:angelia@campopsicanalitico.com.br MARTINE MENES
Psicanalista, diplomada em Psicologia Clínica, D ESS de Psicopatologia. Professora do Colégio Clínico de Paris. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-França. Presidente da EPFCL-França. E-mail: m.menes@wanadoo.&
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MIKEL PLAZAOLA
Psicanalista. Membro do Fórum Psicanalítico do País Basco. Membro da EPFCL-Espanha-F7. Doutor em Psicologia e professor da Universidad dei País Vasco. E-mail: mplazaola@jet.es RAUL ALBINO PACHECO FILHO
Psicanalista e Psicólogo. Doutor pelo Instituto de Psicologia da USP. Professor Titular da Faculdade de Psicologia da Pontifkia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Coordenador do Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Sociedade do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da mesma Universidade (inscrito no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil- CNPq). E-mail: raulpachecofilho@uol.com.br SoNIA ALBERTI
AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisadora do CNPq. Mestre em Filosofia pela PUC-RJ, Doutora pela Universidade de Paris X. Autora de "Esse sujeito adolescenté' (Relume Dumará,l995),"Crepúsculo da alma" (Contracapa, 2003),"Psicanálise e Saúde Mental" (org./ Cia de Freud, 2006). E-mail: alberti@fcclrio.org.br
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orientações editoriais STYLUS é uma revista semestral da AssociAÇÃO FóRUNS DO CAMPO LACANIANO e se propõe a publicar os artigos inéditos das comunidades brasileira e internacional do CAMPO LACANIANO, e os artigos de outros colegas que orientam sua leitura da psicanálise principalmente pelos textos dfl Sigmund Freud e Jacques Lacan. Serão aceitos artigos provenientes de outros campos de saber (a arte, a ciência, a matemática, a filosofia, a topologia, a lingüística, a música, a literatura, etc.) que tomam a psicanálise como eixo de suas conexões reflexivas. Aos manuscrito~ encaminhados para publicação, recomendam~se as seguintes Orientações Editoriais. Serão aceitos trabalhos em inglês, &ancês e/ ou espanhol. Se aceitos serão traduzidos para o português. Todos os trabalhos en~ viados para publicação serão submetidos a no mínimo dois pa~ receristas, membros do CoNSELHO EDITORIAL DE STnus (CES). A EQUIPE DE PuBLICAÇÃO DE STYLUS (EPS) poderá fazer uso de consultores "ad hoc'; a seu critério e do CES, omitida a identida~ de dos autores. Os autores serão notificados da aceitação ou não dos artigos. Os originais não serão devolvidos. O texto aceito para publicação o será na íntegra. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. A EPS avaliará a pertinência da quantidade de textos que irão compor cada número de STnus, de modo a zelar pelo pro~ pósito dessa revista : promover o debate a respeito da psicanálise e suas conexões com os outros discursos. O fluxo de avaliação dos artigos será o seguinte: 1. Recebimento do texto por e~mail pelos membros da EPS de acordo com a data divulgada na "home pagé' da AFCL (http:/ /www. campolacaniano.com.br ::Publicações: Stylus). 2. Distribuição para parecer. 3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão final. 4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformulação (neste caso, é definido um prazo de 20 dias, findo o qual o artigo é desconsiderado, caso o autor não o reformule). 5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS no prazo de sete dias úteis uma cópia de seu texto em disquete e outra em papel. A revista não se responsabiliza pela conversão do arquivo.
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O endereço para o envio do original será fornecido nessa ocasião pela EPS. 6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a ces~ são imediata e sem ônus dos direitos autorais de publicação nesta revista, a qual terá exclusividade de publicá-los em primeira mão. O autor continuará a deter os direitos autorais para publicações posteriores. 7. Publicação. Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes. O autor que desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada número de Srylus. Serão aceitos trabalhos para as seguintes seções: Artigos - análise de um tema proposto, levando ao questio~ namento e/ ou a novas elaborações (aproximadamente 12 laudas ou 25.200 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Ensaios: apresentação e discussão a partir da experiência psicanalítica de problemas cruciais da psicanálise no que estes concer~ nem à transmissão da psicanálise (aproximadamente 15 laudas ou 31.500 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Resenhas: resenha crítica de livros ou teses de mestrado ou douto~ rado, cujo conteúdo se articule ou seja de interesse da psicanálise (aproximadamente 60 linhas (3600 caracteres). Entrevistas: entrevista que aborde temas de psicanálise ou afins à psicanálise (aproximadamente 10 laudas ou 21.000 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Srylus possui as seguintes seções: ensaios, trabalho crítico com os conceitos, direção do tratamento, entrevista e resenhas; cabe a EPS decidir sobre a inserção dos textos selecio~ nados no corpo da revista.
apresentação dos manuscritos FoRMATAÇÃo: os artigos devem ser enviados por e-mail, no mínimo, em arquivo no formato"Word for Windows 6.0/95,98 ou 2000 (doc.)" à EPS conforme indicada na"home page" da AFCL e endereçados à EPS em tamanho A4, letra Times New Roman, cor~ po 12, espaço 1,5, margens 2cm, lauda do texto em torno de 2100 caracteres. A primeira lauda do texto original deve conter apenas o título do trabalho, nome completo do autor (se for único) ou dos autores (no caso de co~autoria), biografia(s) e seu(s) respectivo(s) endereço( s) completo( s). As demais páginas (contendo título e tex~ to) devem ser numeradas, consecutivamente, a partir de 2.
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ILUSTRAÇÕES: o número de figuras (quadros, gráficos, imagens, esquemas) deverá ser mínimo (máximo de 5 por artigo, salvo exceções, que deverão ser justificadas por escrito pelo autor e avalizadas pela EPS) e devem vir em separado em arquivo JPEG nomeados Fig. 1, Fig. 2 e indicadas no corpo do texto o local dessas Fig.l, Fig. 2., sucessivamente. As ilustrações devem trazer abaixo um útulo ou legenda com a indicação da fonte, quando houver. RESUMO I AssTRACT: .todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deverão conter um resumo na língua vemácula e um abstract em língua inglesa contendo de 100 a 200 palavras. Deverão trazer também um mínimo de 3 e um máximo de 5 palavras-chave (português) e key words (inglês) e a tradução do útulo do trabalho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chave e key words. CITAÇÕES NO TEXTO: as citações de outros autores que excederem 4linhas devem vir em parágrafo separado, margem 2cm à esquerda (além do parágrafo de 1,25cm) e 1cm à direita, tamanho e letra igual ao texto. Os títulos de textos citados devem vir em itálico (sem aspas), os nomes e sobrenomes em formato normal (Lacan, Freud ).
citações do texto nas notas 1. As notas não bibliográficas devem ser reduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e arrumadas como nota de pé rodapé ou notas de fim de texto antes das referências bibliográficas (citadas no corpo do texto); 2. As citações de autores devem ser feitas por meio do último sobrenome seguido do ano de publicação do trabalho. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a citação deve ser acrescida da página citada; 3. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da seguinte maneira: Kraepelin (1899/1999); 4. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são as seguintes: A) até três autores - o sobrenome de todos os autores é mencionado em todas as citações, usando e ou&, conforme exemplo (Pollo & Rossi & Martielo, 1997). B) de quatro a seis autores- o sobrenome de todos os autores é citado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do
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primeiro autor é mencionado, como abaixo (Pollo, 1997, p.). C) mais de seis autores- no texto, desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro autor é mencionado, mas nas referências bibliográficas os nomes de todos os autores são relacionados. 5. Quando houver repetição da obra citada na seqüência da nota deve vir indicado Ibid., p. (página citada.) 6. Quando houver citação da obra já citada porém fora da seqüência da nota, deve vir indicado o nome da obra em itálico, op. cit., p. (Fetischismus, op. cit., p.317).
rderências bibliogrMicas Outras informaçóes: consultar a nbr 6023 da ABNT. Os títulos de livros, periódicos, relatórios, teses e trabalhos apresentados em congressos devem ser colocados em itálico. O sobrenome do( s) autor( es) deve vir em caixa alta. 1. Livros, livro de coleção: 1.1. LACAN, Jacques. Autres Ecrits. Paris: Editions Seuil, 2001. 1.2. FREUD, Sigrnund. (1905) Die Traumdeutung. In: Studienausgabe. Frankfurt a. M.: S. Fischer, 1994. Bandii. 1.3. FREUD, Sigrnund. (1905) A interpretação dos sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras completas psicológicas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1994. Vol. II. 1.3. LACAN,Jacques. O seminário -livro 8: A Traniferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1992. 1.4. LACAN, Jacques. O seminário: A Identificação (1961-1962): aula de 21 de março de 1962. Inédito. 1.5. LACAN, Jacques. O seminário: Ato psicanalítico (1967-1968): aula de 27 de março de 1968. (Versão brasileira fora do comércio). 1.6. LACAN, Jacques. Le semmaire: Le sinthome (1975-1976). Paris: Association freudienne internationale, 1997. (Publication hors commerce).
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2. Capítulo de Livro: FoucAULT, Michel. Ou bon usage de la liberté. In: FoucAULT, M. Histoire de la folie à l'âge classique (p.440-482). Paris: Gallimard, 1972. 3. Artigo em periódico científico ou revista: Quinet, Antonio. A histeria e o olhar. Falo. Salvador, n.1, p.29-33, 1987. 4. Obras antigas com reedição em data posterior: Alighieri, Dante. Tutte le opere. Roma: Newton, 1993. (Originalmente publicado em 1321). 5. Teses e dissertações não publicadas: Teixeira, Angélia. A teoria dos quatro discursos: uma elaboração formalizada da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro, 2001, 250( Dissertação. (Mestrado em Teoria Psicanalítica) -Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6. Relatório técnico: Barros de Oliveira, Maria Helena. Política Nacional de Saúde do Trabalhador. (Relatório N°). Rio de Janeiro. CNPq., 1992. 7. Trabalho apresentado em congresso mas não publicado: Pamplona, Graça. Psicanálise: uma profissão? Regulamentável? Questões Lacanianas. Trabalho apresentado no Colóquio Internacional Lacan no Século. 2001 Odisséia Lacaniana, I, 2001, abril; Rio de Janeiro, Brasil. 8. Obra no prelo :No lugar da data deverá constar (No prelo). 9. Autoria institucional : American Psychiatric Association. DSM-111-R, Diagnostic and statistical manual of mental disosrder (3rd edition revised.) Washington, DC: Author, 1998. 10. CO Room- Gatto, Clarice. Perspectiva interdisciplinar e atenção em Saúde Coletiva. Anais do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Salvador: ABRASCO, 2000.CD-ROM. 11. Home page- Gerbase,Jairo. Sintoma e tempo: aula de 14 de maio de 1999. Disponível em: www.campopsicanalitico.com.br. Acesso em: 10 de julho de 2002. 12. Outras dúvidas poderão ser encaminhadas através do e-mail do( a) diretor( a) da AFCL :: afcl@campolacaniano.com.br que se encarregará de transmitir à Equipe de Publicação de Stylus.
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pareceristas do número 16
Ana Laura Prates Pacheco (AFCL) Andréa Fernandes (AFCL/UFBA) Ângela Mucida (AFCL/Newton Paiva) Angélia Teixeira (AFCL/UFBA) Bernard Nominé (EPFCL-França) Clarice Gatto (AFCL/FIOCRUZ) Christian Ingo Dunker (USP) Daniela Scheinkmann-Chatelard (UNB) Edson Saggese (IPUB/UFRJ) Eliane Schermann (EPFCL) Gabriel Lombardi (U. Buenos Aires) Kátia Botelho (AFCL) Marie-Jean Sauret (U. Toulouse le Mirail) Vera Pollo (AFCL/PUC-RJ/UVA-RJ)
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stylus, m. 1. (Em geral) Instrumento formado de haste pontiaguda. 2. (Em especial) Estilo, ponteiro de ferro, de osso ou marfim, com uma extremidade afiada em ponta, que servia para escre~ ver em tabuinhas enceradas, e com a outra extremidade chata, para raspar (apagar) o que se tinha escrito I I stilum vertere in tabulis, Cic., apagar (ser~ vindo~se da parte chata do estilo). 3. Composição escrita, escrito. 4. Manei~ ra de escrever, estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de outros utensílios: a) Sonda usada na agricultura; b) Barra de ferro ou estaca pontiaguda cravada no chão para nela se estetarem os inimigos, quando atacam as linhas contrárias.
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