Stylus 19

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I S S N 1676 -157 X

associação fóruns do campo lacaniano

stylus

revista de psicanálise no 19 outubro de 2009

Alíngua e o inconsciente real



associação fóruns do campo lacaniano

Stylus revista de psicanálise

Stylus

Rio de Janeiro

nº19

p.1-176

outubro 2009


© 2009, Associação Fóruns do Campo Lacaniano (AFCL/EPFCL-Brasil) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito.

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FICHA CATALOGRÁFICA

STYLUS: revista de psicanálise, n. 19, outubro 2009

Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil - 17x24 cm Resumos em português e em inglês em todos os artigos. Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X 1. Psicanálise. 2. Psicanalistas – Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana. Psicanálise e arte. Psicanálise e literatura. Psicanálise e política. CDD: 50.195

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sumário 7 editorial: Ana Laura Prates Pacheco

conferência

Collete Soler: De que modo o real comanda a verdade

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ensaios 29 47 55

Maria Luisa de la Oliva de Castro: A escrita e/ou a vida Mikel Plazaola e Juan Del Pozo: O trabalho em instituições públicas, suplência do não-todo do analista? Qual a transmissão quando não se está em “analista”? Marcella Marjory Massolini Laureano e Daniela Scheinkman Chatelard: Sobre o sujeito não-UM: a heterogeneidade discursiva e a presença da lalíngua

trabalho crítico com os conceitos 69 79

Antonio Quinet: Com lalíngua no corpo Conrado Ramos: O périplo do sintoma no continente do nó borromeu

direção do tratamento 93 107 115

Silvia Fontes Franco: Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber Carmen Gallano: Não sem passar pelo real Ângela Diniz: O dispositivo do passe: uma surpresa Pontuações

Thesaurus: lalíngua 123

Dominique Fingermann e Conrado Ramos (Orgs.): Lalíngua nos seminários, conferências e escritos de Jacques Lacan

resenhas 161

Rita Bícego Vogelaar: A Estranheza da Psicanálise - A Escola de Lacan e seus analistas Resenha do livro A estranheza da psicanálise - A Escola de Lacan e seus analistas, Antonio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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Alíngua e o inconsciente real


contents 7 editorial: Ana Laura Prates Pacheco

conference

Colette Soler: How the Real commands the truth.

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essays 29 47 55

Maria Luisa de la Oliva de Castro: Writing and/or life Mikel Plazaola e Juan Del Pozo: Work in public institutions: suppletion of the non-all of the analyst? Which transmission when one is not in “analyst”? Marcella Marjory Massolini Laureano e Daniela Scheinkman Chatelard: About the subject non-ONE: the discursive heterogeneity and the presence of lalangue

critical paper with the concepts 69 79

Antonio Quinet: With lalangue in the body Conrado Ramos: The symptom’s periplus in the Borromean ring continent

the direction of the treatment 93 107 115

Silvia Fontes Franco: From the analytical consequences of the pass: the inessential of the Subject Supposed to Know Carmen Gallano: Not without passing through the real Ângela Diniz: The device of the Pass: Surprise – punctuation

thesaurus: lalangue 123

Dominique Fingermann e Conrado Ramos (Orgs.): Lalangue in Jacques Lacan’s seminars, conferences and writings

reviews 161

Rita Bícego Vogelaar: The Strangeness in Psychoanalysis The School of Lacan and his analysts Review of the book A estranheza da psicanálise - A Escola de Lacan e seus analistas, Antonio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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Editorial “- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram, eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instintivamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem um maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho da autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossuras, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda parte (...)”. (João Guimarães Rosa. “Grande sertão: veredas”) Assim começa, na fala de Riobaldo, a incrível aventura com que João Guimarães Rosa nos brinda em sua obra prima d’ alíngua portuguesa “Grande sertão: veredas”. Nonada. Segundo Luiz Ruffato: O primeiro registro da expressão “nonada”, segundo o Dicionário Houaiss, ocorreu entre 1562 e 1575 na obra Sermões, de Diogo de Paiva Andrade, significando “ninharia” – mesma acepção encontrada no Dicionário Aurélio, que acrescenta a informação de que se trata da junção da forma arcaica de ‘não’ + nada. O Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno, também anota a formação da palavra como “non+nada”, e amplia seu significado para “bagatela, coisa de nenhum valor, insignificância”. Laudelino Freire curiosamente (com certeza por conta de um cochilo Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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1 Análise de “Grande sertão: veredas” feita por Juiz Ruffa-

da revisão) consigna-a como substantivo masculino e dá como sua origem o castelhano nonada, “insignificância, bagatela, ninharia; cousa de pouca monta e valia”, mais ou menos o que registra o Caldas Aulete. Finalmente, o Diccionario de la lengua española, da Real Academia Española, inscreve-a como formada por “no y nada”, “cosa de insignificante valor”. 1

to para o 7º. Salão do livro “Encontro de literatura”, Belo Horizonte, 2006.

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No final do livro, após escrever, sem caneta, sua história, Riobaldo diz: Amável senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia. O que é o homem humano? Nonada, insignificância, ninharia, perto dos “gerais sem tamanho”, já que “o sertão está em toda parte”. Nonada, dupla negação, é “não nada”. O que não é também, evidentemente, tudo. O que é “não nada” é “não tudo”. “Não-todo”. Assim como o gozo de alingua. Alíngua e o inconsciente real é o tema da Revista Stylus número 19, que traz uma mostra bastante significativa do que nossa comunidade de trabalho nacional e internacional tem produzido a respeito do último ensino de Jacques Lacan. Nesse número, teremos o privilégio de ler a conferência de Colette Soler “De que modo o real comanda a verdade”, proferida na X Jornada das Formações Clínicas do Rio de Janeiro em 2008 – cuja autorização para publicação agradecemos publicamente a autora. Poderemos acompanhar Soler em sua trilha pelas pegadas deixadas por Lacan, ao longo de seu ensino, rumo à elaboração dos conceitos de inconsciente real e alíngua, que exigirão uma revisão do modo como abordávamos até então as relações entre significante e gozo, e saber e verdade. Na seção “Trabalho crítico com os conceitos”, publicamos os vigorosos e igualmente rigorosos textos de Antonio Quinet “Com lalíngua no corpo” e Conrado Ramos “O périplo do sintoma no continente do nó borromeu”. O primeiro articula com recortes clínicos precisos, a articulação entre corpo e alingua no último ensino de Lacan e o sinthoma como letra. O segundo formaliza, através da topologia, o conceito de sinthoma como separador dos modos de gozo no final de uma análise. Na seção “Direção do tratamento”, contamos com textos que abordam o âmago da experiência analítica e suas conseqüências para o falaser, através do que pode ser recolhido pela transmissão no dispositivo do passe. Os textos de Angela Diniz Costa, Carmen Galano e Silvia Franco formalizam essa experiência a partir de posições distintas: a do secretariado do passe – que tem a função de dobradiça, na entrada do dispositivo –, a de um membro do cartel Alíngua e o inconsciente real


do passe e a da própria passante, que aqui dá o testemunho de sua passagem: Travessia. Na seção “Ensaios”, trazemos o belíssimo texto de nossa colega espanhola Maria Luisa de la Oliva de Castro “A escrita e/ou a vida” que trabalha a questão da escrita através do livro de Jorge Seprum “A escrita ou a vida” e da obra de A. Nothomb. Também da Espanha, Mikel Plazaola e Juan Del Pozo articulam em seu texto as fronteiras do trabalho do psicanalista em instituição, no texto “O trabalho em instituições públicas, suplência do não-todo do analista? Qual a transmissão quando não se está em ‘analista’?” No texto “Sobre o sujeito não-UM: a heterogeneidade discursiva e a presença da lalíngua”, Marcella Marjory Massolini Laureano e Daniela Scheinkman Chatelard partem de um diálogo entre análise de discurso e psicanálise para mostrar a heterogeneidade do sujeito nessa última, através da presença da alíngua. E Rita Bícego Vogelaar resenha o mais recente livro de Antonio Quinet “A Estranheza da Psicanálise - A Escola de Lacan e seus analistas”. Last but not least, Stylus 19 traz um Thesaurus – organizado por Dominique Fingermann em francês e tornado bilíngue por Conrado Ramos –, trabalho de valor inestimável, contendo todas as citações sobre alíngua nos Seminários e nos textos escritos de Lacan, o que facilitará sobremaneira nossas pesquisas sobre esse conceito daqui em diante. Mas, como sabemos, desde Russel, que “o catálogo de todos os catálogos” nos leva a um paradoxo lógico, podemos concluir, igualmente, que não podemos fazer o conjunto de “toda alíngua” sobre alíngua. Assim, me corrijo: nosso Thesaurus sobre alíngua é não-todo. Nonada. E, ainda assim, é muito. Desejo a todos boa leitura!

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conferência

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De que modo o real comanda a verdade1 Colette Soler

Parte 1 Hoje eu gostaria de continuar a trabalhar o tema do inconsciente real, do qual eu comecei a falar em São Paulo e sobre o que me questiono já há três anos, a partir de um seminário de Escola que fizemos em Paris com meus colegas, que se apoiava no texto de 1976: Prefácio à edição inglesa do Seminário 11.2 Evidentemente que quando se ouve “inconsciente real”, a primeira questão, depois do trabalho de definição, é sobre seu uso analítico: quais são as consequências, ao nível da interpretação, do manejo do tratamento e do final de análise? Continuo então com o princípio de leitura que adotei e que consiste em tentar encontrar o motivo dos diversos remanejamentos que Lacan introduz, porque não podemos nos contentar com a cronologia. A expressão “o inconsciente real” aparece como expressão no seminário Mais ainda3 e no texto que eu evocava há pouco – Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. Essa expressão é solidária à ênfase que Lacan dá à alíngua e é correlativa, em terceiro lugar, da desvalorização da verdade. Então me perguntei por qual itinerário Lacan chegou a ela e estou tentando reconstruir seu trajeto. Durante anos, como sabemos, Lacan se ocupou das estruturas de linguagem, da sua lógica, de sua topologia, e ele passa então à atualização dos efeitos de alíngua, o que implica uma afirmação incrível de sua parte, que diz que tudo aquilo que se decifra em uma análise é somente uma elucubração de saber. Elucubração é um termo pejorativo que coloca um ponto de interrogação sobre a decifração analítica e sobre o inconsciente estruturado como uma linguagem. O que o leva a isso? Acho que não podemos nos contentar com uma tese mais ou menos em voga e que diz que nos últimos 10, 15 anos, Lacan se ocupou de arranjar e rearranjar as relações entre o significante e o gozo. Não é que seja falso, é verdade. Mas a questão que se coloca, me parece, é a seguinte: por que ele não se limitou à sua primeira construção realmente consistente, que dizia respeito a essa relação com o gozo? A primeira construção consistente, a meu ver, que ele fez sobre este ponto, foi a construção do “objeto a” que já permitia repensar a experiência em termos de economia de gozo, pois, para dizer de Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Conferência pronunciada no Rio de Janeiro, na X Jornadas de Formações Clínicas do Campo Lacaniano, em 2008.

2 Lacan, Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 (1976/2003).

3 Lacan, O Seminário, livro 20: Mais ainda (197273/1985).

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4 Lacan, Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967/2003).

5 Lacan, Radiofonia (1970/2003).

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forma condensada, o objeto a é o primeiro efeito do significante sobre o gozo, efeito ao mesmo tempo de negativização do gozo e de resto de gozo. E é com essa construção que Lacan construiu a sua Proposição de 674 sobre o passe, voltado para o fim da análise, e com isso ele definiu a destituição do sujeito. Eu noto, creio poder notar, que tudo o que nós dizemos em nosso Campo Lacaniano, tudo o que dizemos sobre a análise e sobre o seu passe final é formulado nestes termos, passe ao objeto destituinte. Não utilizamos absolutamente até aqui a noção de inconsciente real para situar o fim da análise, e me pergunto se isso é possível e até onde isso muda. Então nós nos contentamos com as elaborações de 67, e o que me espanta é que Lacan não se contenta com isso, e se contenta tão pouco, que vai procurar outra coisa. No entanto, era uma construção bem coerente. Vou me deter nela um instante. Em Radiofonia5 Lacan diz que a verdade se situa por supor o que faz função de real no saber, o saber que nela se acrescenta ao real. Vocês veem que nesta frase há um desdobramento da noção de real: um real fora do saber é aquele que Lacan vai escrever no nó borromeano, mais tarde, e depois algo que faz função de real, não completamente o real, mas isso faz função de real no saber. O que me espanta, e talvez devesse espantar vocês também, é que ele nem sonha em dizer que este saber é real, uma vez que ele procura o que faz função de real no saber. Ele não situa aí o inconsciente real. O saber de que ele está falando aí é evidentemente o saber do inconsciente que, longe de ser real é, antes de tudo, suposto. Talvez todos conheçam a escrita da fórmula da transferência, não? Então, escrevam mentalmente comigo. Escrevam um S maiúsculo, que Lacan nomeia o significante da transferência, ou seja, aquilo que o sujeito apresenta ao analista; em seguida tracem uma barra sob o significante S, e embaixo da barra, portanto no lugar do significado, vocês escrevem um s minúsculo, que se lerá sujeito, em seguida vocês abrem um parêntese onde vão escrever S1, S2, ... Sn. Sob a barra, portanto, está o sujeito suposto ao que está entre o parêntese, ou seja, os significantes supostos, eles também supostos, presentes no inconsciente. A transferência supõe que há significantes inconscientes, escritos sob a barra, que podem se tornar significantes do sujeito por decifração e, então, dar sentido ao que o sujeito apresentava como o enigma de seus sofrimentos. Lacan, portanto, escreve a transferência com o esquema linguístico significante-significado, embaixo, sujeito suposto saber. Evidentemente, temos tendência a pensar que a decifração permite confirmar aquilo que estava apenas suposto no início. E podemos nos perguntar então por que Lacan não diz que esse saber é real, já que ele é verificado na análise? Não, de todo modo, ele não o situa como real e procura o que vale como real nesse saber. A Alíngua e o inconsciente real


primeira resposta que ele constrói, a de 1967, é dizer que o que faz função de real no saber é a fantasia com o seu objeto, que dá seu objeto latente – eu vou escrever: _____S_____ s (S1, S2,... Sn)

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Na parte superior, o sujeito e em seguida, na parte inferior, nos parênteses, os significantes que supomos presentes no inconsciente. Simples suposição! Então, o que faz função do real nesse saber, segundo Lacan? No primeiro tempo é a fantasia e o objeto o qual Lacan diz que era latente no saber; este objeto dá sentido a todos os dizeres, a todos os atos do sujeito. Esse objeto responde, ao mesmo tempo, a questão do desejo: Che vuoi?, e à questão da identidade: o que eu sou? Então, evidentemente, pode-se dizer que o objeto é a chave real nessa época. Em todo caso, Lacan tenta estabelecer isso, esse objeto sobre o qual deve-se precisar que Lacan o define fundamentalmente como o objeto que falta, ele volta a dizer em 1976, o objeto que não se tem mais, ele diria alhures. Em outros termos, o objeto que foi extraído, recortado do vivente pela linguagem; e com ele estamos então no nível do gozo, o gozo ferido, mas ao mesmo tempo é esse objeto que falta que permite engendrar os mais-gozar. No seminário O avesso da psicanálise Lacan6 emprega este termo “engendrar”; quer dizer, que é um objeto que permite articular a falta do desejo com o gozo. E Lacan tenta estabelecer que a relação fantasmática com esse objeto tem uma função de real no saber. E ele recorre, para isso, à lógica, na lógica da fantasia, em que ele faz da fantasia o equivalente a um axioma em lógica, considerando que a constância, o caráter implícito, indedutível, faz da fantasia o núcleo real que tem função de real no saber, daí a ideia de que uma análise permite perceber o axioma num relâmpago, dizia ele. Por que não se satisfazer com essa construção que tem uma pertinência clínica? Existem várias razões, uma delas é que apesar dessa enorme e belíssima construção sobre a fantasia-axioma é, mesmo assim, impossível separar a fantasia do imaginário, quer seja tomada como uma frase, ou como um script (roteiro), a fantasia adere ao imaginário. E como vocês sabem, Lacan terminará constatando formalmente quando diz em Mais ainda7 que o objeto ‘a’ é imaginário, um semblante de preferência. Eu comecei a pensar que o veredicto da insuficiência deste esquema já está na Proposição de 67. Porque ali há uma frase que indica como esse esquema fracassa em relação ao Real. A frase é: o fim da análise, “saber vão de um ser que se furta”8 ou dito de outra Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

6 Lacan, O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-70/1992).

7 O Seminário, livro 20, op. cit.

8 Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola, op. cit., p. 260.

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9 Lacan, A ciência e a verdade (1966/1998).

10 Lacan, O Seminário, livro 22: RSI (1974-75).

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forma: “não há saber do objeto a”, o que já dissera em A ciência e verdade.9 Imagina-se o objeto a corporalmente, a partir dos significantes da pulsão, mas isso não faz dele um real. O que ele tem de mais real, Lacan tenta situar mais uma vez a partir da lógica. No seminário R.S.I. ele diz: “constatamos o desejo, isso é um fenômeno, como se constata na clínica e induzimos o objeto, que não aparece em lugar nenhum, exceto como a falta do desejo, ou como esses pequenos ‘mais’ atrás dos quais se corre”.10 Conclusão: portanto, a fantasia e o objeto, qualquer que seja o papel que têm, não fazem função de Real. Então, como passo seguinte, segunda elaboração de Lacan para encontrar o que faz função de real no saber, ele recorre ainda à Lógica – ele levou anos prospectando a lógica –, isso o levou a concluir, vocês sabem, que o que faz função de real no saber é o impossível, ou seja, que a partir do modelo dos impasses da formalização, ele transpõe isso na análise, buscando o real do lado do que seria o impossível. Aí ele não recorre mais à indução a partir do desejo, ele procura outra coisa, outra referência lógica. O problema é: como, numa prática de falas, encontrar algo do impossível? É então que Lacan recorre ao escrito: faz função de real, em nossa prática de decifração, o que não pode se escrever – vocês conhecem a fórmula. Mas, como se escreve numa análise? Sem caneta. Há páginas e páginas de seminários nas quais Lacan está tentando se virar com essa questão. E no fundo, qual é seu postulado, pois há uma juntura da fala com o real, não somente com a verdade. A juntura da fala com a verdade é bem conhecida, mas há uma juntura que passa pelo escrito, e o que ele afirma é que na fala sob transferência, o dizer tem efeitos de escritos. O escrito não sendo o significante – ele insiste muito nisso – é relativo ao discurso, aqui o da análise. Vocês vão encontrar esta frase em algum lugar: pela tagarelice alguma coisa de real se atinge. Dito de outra forma, eu ontem falei da corrida em busca da verdade, da corrida que nunca chega ao seu fim. Mas a ideia é que a corrida na direção da miragem inacessível da verdade deixa vestígios de escrito da impotência da verdade. E, portanto, Lacan tenta captar o que se escreve pela impotência da verdade. Ele então o reformula com os termos da lógica modal, com os quatro termos: o necessário, o impossível, o possível e o contingente. Evidentemente ele os distorce em relação à lógica modal clássica. Ele formula duas modalidades do que “não cessa”: o necessário, que não cessa de se escrever e o impossível, que não cessa de não se escrever; e em seguida há as duas categorias do que “cessa”: o contingente, que cessa de não se escrever – portanto, que se escreve – e o possível, o que cessa de se escrever. Vejam que a sua tradução Alíngua e o inconsciente real


inclui o tempo nas modalidades, não falamos disso em São Paulo, mas teria sido possível. A que isso corresponde se fizermos uma correspondência dessas modalidades: o necessário que não cessa de se escrever, o sintoma; o possível, que cessa de se escrever, os efeitos terapêuticos. Os dois que nos interessam aqui realmente são o impossível e o contingente. Antes, eu gostaria de evocar um debate histórico que está por trás dos textos de Lacan. No que concerne às modalidades em lógica, desde a Antiguidade se questionou muito para saber se isso se aplicava aos enunciados ou aos referentes do enunciado. Na Idade Média, esse debate com São Tomás de Aquino e Abelardo levou a distinguir o que eles chamavam as modalidades de re, das coisas, e as modalidades de dicto, dos ditos, e se vê imediatamente como a psicanálise não entra nessa dicotomia. Poder-se-ia dizer – uma vez que se trata do que se escreve a partir do dizer – que são modalidades de dicto. Só que na psicanálise, o de dicto é operatório, podendo-se dizer que a psicanálise eleva as modalidades de dicto à modalidade de re. A tese de Lacan é que o impossível, que faz função de real no saber, se prova na psicanálise pela contingência, isso quer dizer que o que se escreve pelo viés da fala sob transferência demonstra indiretamente o que não se escreve. E o que se escreve é unicamente o que diz respeito ao Um fálico, o Um dizer que fala sozinho. E Lacan pode afirmar: “o dizer da análise coloca em seu lugar a função proposicional”, e a função proposicional é φ (x) no texto ou, se preferirem, a função de Φ (x). Então, o que se escreve: contingência, o que cessa de não se escrever: o Um do gozo, o Um do gozo a começar pelos uns do trauma, o um do objeto e o Um da solidão. Clinicamente, isso é muito sensível na análise. E durante todo um ano Lacan dirá: “há Um”, há Um e nada mais, ele acrescentará mais tarde: dito de outra forma, o Um que insiste em se escrever pela fala, demonstra, diz Lacan, a impossibilidade de escrever o dois, o dois do sexo. Eis o que Lacan chama o real próprio à decifração do inconsciente. É a foraclusão da relação sexual que faz função de real no saber que cifra o gozo. Não mais que função de real, não se está sempre no inconsciente real. Chego lá. Marco essas etapas para lhes mostrar a diferença do que vem depois. Evidentemente, com este impossível da relação, compreende-se que a função da fantasia seja pensada de uma outra forma. A fantasia, com seu objeto, tem o papel de uma suplência imaginária a esse real do impossível. Como fazer com o tempo que eu tenho? Eu tenho mais cinco minutos, alguns minutos... Creio que Lacan vai introduzir, depois de todas essas tentativas, o termo o inconsciente real. De onde ele o tira? Creio que se Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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pode remontar a algumas fórmulas anteriores que podem nos parecer como precursoras no só depois. Em 1969, na resenha sobre o ato, ele diz: o inconsciente, saber sem sujeito. Isso quer dizer que está construído em oposição à fórmula do sujeito suposto ao saber. Saber sem sujeito não diz de um saber real, mas muda o lugar do sujeito. O sujeito representado, como sabemos, por um significante S1 junto a outros, S2, que fazem cadeia com o S1, pelo menos se espera que ele faça cadeia com o S1. Lacan pensou inicialmente que eles faziam cadeia com S1, e era uma ideia que estava em acordo com o que se passa na associação livre, uma vez que os significantes decifrados remanejam o discurso do sujeito e modificam, às vezes, seu sintoma. Efeito terapêutico. Então, “saber sem sujeito” inscreve um impossível. Temos o outro sujeito representado por um S1 junto ao saber que deciframos, mas não há relação de um ao outro. E quando Lacan escreve o discurso do amo, escreve na primeira linha um impossível, e isso quer dizer, a despeito de Freud, que lá onde estava o saber inconsciente, eu não poderia advir, eu não advenho. E de uma só vez, a estrutura de representação do S1, junto ao saber, é uma estrutura recorrente, sequencial: quando eu decifro, faço passar um significante do lado do S2 em direção ao S1, Lacan o observara em um de seus seminários, mas a estrutura de impossível se transfere dos novos S1 ao S2 sem sujeito. Infinitude da representação do sujeito junto ao saber: é a lei da associação livre. Estou usando infinitude para evocar a da análise, evidentemente. Entretanto, esse saber disjunto, esse saber não-sujeito, precisamos nos questionar sobre qual estatuto ele tem. De onde ele vem? E creio que foi a partir desse saber sem sujeito que Lacan chegou a dizer “saber real”, inconsciente real. Ainda um ponto: um saber sem sujeito, como posso dizer, é o meu inconsciente? Posso dizer que é o meu inconsciente no instante mesmo em que não sou sujeito desse inconsciente, porque esse saber está alojado em outro lugar. Ele está alojado na substância gozante do meu corpo. Essa é a tese de Lacan. Os significantes do saber inconsciente que extraímos do sintoma não têm uma morada só na linguagem, mas também no que Lacan chama substância gozante. Ele já dizia isso antes do seminário Mais ainda, no começo do seminário O avesso da psicanálise, particularmente. A tese existe de fato há muito tempo. Quando fala do saber “aparelho do gozo”, explicita: ele tem seu ponto de inserção no vivente – diz uma das primeiras aulas do seminário O avesso da psicanálise. Vê-se aí a conexão com o objeto, o objeto que era situado como um efeito de linguagem. O saber sem sujeito é causal, como causação direta sobre o vivente. Daí a pergunta: de onde vêm esses significantes que não pertencem à linguagem do sujeito? Creio que é o que se justifica, o que exige 20

Alíngua e o inconsciente real


mesmo no ensino de Lacan a referência a alíngua. Um significante que não está em minha linguagem, pode, mesmo assim, estar em alíngua... Continuo amanhã.

Parte 2 De onde vêm os significantes do inconsciente sem sujeito? Eles não podem vir da linguagem mesma, e creio que isso levou Lacan a formular que eles estão em alíngua que não é linguagem. Portanto, o inconsciente real são significantes vindos de alíngua, que estão no real no duplo sentido do termo: eles estão fora da cadeia e estão no campo do gozo real. Eles podem ser localizados no nó borromeano na intersecção do Simbólico e do Real do nó colocado no plano. A partir daí, o inconsciente, que chamamos saber, se divide. Há a parte decifrada, que é uma parte sempre limitada, que Lacan qualifica de elucubração para dizer que aquilo que se decifra é sempre hipotético, levando Lacan a dizer: “A linguagem, isso não existe”. Em compensação, alíngua existe. Ela é, no fundo, o lugar de um saber que ultrapassa o sujeito. Lacan diz: “alíngua articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante sustenta como saber enunciado”. Existem, portanto, dois saberes: o saber decifrado, que pode se constituir como linguagem; e o saber falado de alíngua, que não é linguagem. Na análise, decifram-se significantes do material analisante, significantes sem que ele os saiba, que não o representam, mas que regulam seu gozo no sintoma. Esse significante vindo do S2, que podemos chamar de signo ou letra, tanto faz, é um significante que é causa e também objeto de gozo. Lacan o escreve S1, é um significante mestre do gozo do lado do saber inconsciente. Constata-se aí uma mudança do uso do termo significante-mestre. O que Lacan chama o “Um encarnado” se distingue dos S1 – traços unários tomados de empréstimo ao Outro, que vão desde ideais do Outro até o semblante fálico. Mas esse S1 encarnado se distingue também dos outros significantes de alíngua. No esquema que Lacan escreveu em Mais ainda11 é preciso conceber que o S2 de alíngua é ele próprio composto de S1 e que a questão é a questão do Um encarnado.

11 O Seminário, livro 20, op. cit., p. 196, aula de 26 de junho de 1973.

S1(S1(S1(S1→//S2))) Acrescentei duas barras verticais para marcar o impossível de que falei ontem. O sujeito não virá ali onde está o S2. Lá onde está o S2, o sujeito não advém. Mas, no nível deste S2, instaura-se uma Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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outra divisão com esse resto sempre de não-decifrado, que é o que eu estou chamando de a própria divisão do inconsciente mesmo. S1(S1(S1(S1→// S2))) O saber: (S1,S1,S1) ICS decifrado // S2 alíngua Mas não percamos de vista que o primeiro é decifrado, é colocado em linguagem, enquanto que o segundo é falado. Um saber falado, aí está uma novidade que a ciência que só conhece o saber escrito, ignora. A partir desse momento alíngua surge como a grande reserva de onde a decifração extrai fiapos, fragmentos, tiquinhos, mas o inconsciente alíngua continua real, permanece inapreensível. Hoje, em relação a esse ponto, não vou mais longe. Lacan diz que escreve alíngua numa só palavra para evocar a lalação. Ele diz: Isso se canta lá lá lá, a respeito de Joyce. A lalação é a da criancinha, sua garrulice. A lalação é o som, sons ouvidos, Uns sonoros disjuntos do sentido, mas como sabemos, não disjuntos do estado de contentamento da criancinha, porque ela só balbucia quando está contente, satisfeita, o que indica a junção direta e original dos Uns ouvidos com o gozo. E, no fundo, na alíngua não há sentido. Alíngua só dá a cifra do sentido, composta que é de Uns diferenciados? Ela não é, como diz Lacan, a integral dos equívocos. Diferentemente do Simbólico, alíngua não é um corpo, é uma multiplicidade que não tomou corpo. Não existe menos-um da língua que faça dela um conjunto. Dito de outra forma, alíngua não é uma estrutura, nem estrutura de linguagem, nem estrutura de discurso e não há ordem em alíngua. Na linguagem a estrutura mínima se escreve com par ordenado. No discurso, a ordem depende do termo escrito no alto à esquerda. Mas, alíngua é de nível a-estrutural do aparelho verbal. Bem, deixo de lado as considerações sobre a diferença entre a alíngua e as línguas. Acentuo o fato de Lacan sublinhar que o Um encarnado de alíngua – isto é, Uns que tocam o gozo –, permanecem indecisos entre fonemas, nomes, frases, todo o discurso. Que sejam indecisos quer dizer que não podemos identificar esses Uns com exatidão. Alíngua tem, pois, efeitos, mas os Uns que os comandam permanecem em grande parte insabidos, hipotéticos. Conclusão: alíngua é um princípio de incerteza. De onde vem a alíngua de cada sujeito? Ela é recebida a partir do falar dos primeiros outros, da mãe, mas atenção, não se trata de uma aprendizagem. Lacan usa o termo “impregnado”, a criança é impregnada, recebe uma marca. São termos que excluem o domínio e a apropriação ativa e, portanto, a identificação. Isso é tão verdadeiro, que Lacan fala da “água da linguagem”, a água da língua materna para conotar a fluidez, o contínuo sonoro, a cantiga do lá lá lá. 22

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Como se constitui a alíngua da criança a partir daí, a partir do Outro? Ela não recebe primariamente seu discurso, nem mesmo a alíngua da mãe. Do que é ouvido, sons fora de sentido, detritos se depositam, ou seja, elementos dispersos, digamos os primeiros Uns reais fora de sentido, sob a forma de Uns sonoros. É só num segundo tempo, segundo Lacan, que estes Uns se conectarão ao problema de seu gozo, especialmente de seu gozo fálico. O que Lacan está tentando pontuar, e que eu chamaria a coalescência entre o momento de impregnação e de recolhimento desse detrito, é o momento do encontro com o sexual. É, aliás, assim que podemos explicar que toquemos no sintoma tocando nas palavras. E lembremo-nos desta frase: porque alíngua foi falada e também ouvida por este ou por aquele na sua particularidade, algo se destaca em seguida em todos os tipos de tropeços, no lapso, notadamente. Aqui não se está lidando com a combinatória de significantes, mas com Uns erráticos, desemparelhados, que precedem as frases e que se conectam diretamente com o gozo corporal. Dito de outra forma, o inconsciente real, o inconsciente de alíngua é anterior à linguagem. Lacan insistiu muito em dizer “não existe pré-verbal”. É verdade, mas existe uma pré-linguagem. A melodia dos pais, se posso dizer assim, não é a mensagem do Outro. Ela precede a mensagem, como o inconsciente-alíngua precede o inconsciente-linguagem. À maneira de falar, Lacan vai acrescentar a maneira de ouvir. Isto é capital, quando se pergunta o que se transmite de pais para filhos. Há uma contingência do que é ouvido, que deveria limitar bastante a responsabilidade dos pais. Vê-se que há com o inconsciente real um deslocamento da incidência do Outro, o que Lacan chamava o Outro. Isso não elimina a incidência do Outro sob a forma dos pais, mas Lacan faz passar o peso do discurso do Outro, do discurso organizado em linguagem, do lado do que vem antes da linguagem, alíngua do Outro, e vemos aí uma passagem do simbólico ao real. Alíngua não é do simbólico, é do real. Do real, porque Uns fora da cadeia e fora do sentido não são do simbólico. Ao trauma sexual de Freud, que ele não recusa, Lacan acrescenta o trauma de alíngua real. Questionamos o laço da pré-linguagem, não pré-verbal, mas pré-linguagem da criança. Não é uma ligação de intersubjetividade. É um laço que Lacan, no fundo, qualificou como um banho de obscenidade, na medida em que alíngua carrega os traços do gozo do Outro, que a criança capta. Obscenidade que não tinha ficado muito evidente antes de Lacan dizer. E teria sido por isso, talvez, que ele tenha dito que não há relação sexual a não ser entre as gerações? Afirmação surpreendente se nos referimos à linguagem, mas, não tanto, se nos referimos ao banho linguístico-gozístico. Pode-se dizer que afinal os sintomas em suas formas específicas Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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12 O Seminário, livro 20, op. cit., p. 159, aula de 8 de maio de 1973. Na versão em português: “O truque analítico não será matemático”.

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próprias a cada um são herdeiros do banho de obscenidade, que há algo aí que foi transmitido e, no entanto, neste nível, acho que posso dizer sem erro que o sintoma não tem genealogia. É apenas a herança de um discurso que constitui genealogia. Ter captado alguns fiapos da língua materna, ser marcado por ela em seu gozo, isso não constitui uma genealogia. Pode-se, então, reexaminar o que dizemos frequentemente sobre a transmissão dos sintomas através das gerações, para apagar o que se disse com fundamento, mas para acrescentar um elemento: não se faz genealogia, mas se evidencia que o falasser é um produto do inconsciente real como o saber falado de alíngua. Vocês sabem que Lacan disse “esse termo falasser se substituirá ao inconsciente”. Falasser é uma palavra que não conota a realidade física, mas antes a realidade substancial. Então, isso quer dizer que há o inconsciente freudiano e em seguida o inconsciente lacaniano? Poderíamos dizer diferentes coisas sobre esse ponto, mas, em todo caso, lembro como Lacan o comenta. Ele não conclui absolutamente que há dois inconscientes, e o diz de uma forma muito bonita. Ele diz: “o inconsciente foi Freud que inventou, e isso se inventou de um só golpe”. Mas, depois da invenção, ele diz que a invenção pode tornar-se o inventário. O inventário que ele se atribui quer dizer que talvez haja partes que não tinham aparecido. Não seria excessivo dizer que o nó borromeano apresenta o enodamento da invenção freudiana completada pelo inventário lacaniano. O inconsciente real, saber falado, muda evidentemente o status da fala. Lacan fez um percurso que vai da fala plena, ao saber falado, constituinte do falasser. Creio que a diferença aparece logo, quando Lacan diz: “falo com meu corpo”, é isso a fala que está em jogo no “mistério do corpo falante”, que será o tema do nosso próximo encontro internacional de 2010, em Roma. Falo com meu corpo quer dizer muitas coisas, entre outras, que os gozos do corpo falam, mas também que as falas do palavreado são gozosas e, com isso se poderia falar da “gozologia” de Lacan. Quando ele introduziu o campo lacaniano, colocou a questão de uma energética do gozo. E concluiu rápido: não há energética possível. É preciso acrescentar a esse nível do inconsciente real, que tampouco há lógica, pois não há estrutura e, como ele disse, em Mais ainda12 esse “o negócio psicanalítico não será matemático”. Vocês estão se dando conta de quem está falando isso? Avaliem que foi esse homem que passou mais de dez anos recorrendo à lógica e à matemática quem disse isso! Lacan sabe que com o inconsciente real ele produz uma maciça objeção ao que ele tentou construir. Além disso, a fala encarnada de gozo não é uma fala de troca. Tudo o que ele construiu, até mesmo uma estrutura de fala endereçada ao Outro, se encontra em questão. A partir do momento em Alíngua e o inconsciente real


que eu falo com meu corpo, não me dirigindo a ninguém, não é uma fala de troca, é uma fala autista. Como tocar então neste saber gozar que se basta a si mesmo, que não pede nada a ninguém? Lacan deu algumas indicações. Ele diz, por exemplo, que tudo isso quer dizer que essas palavras não têm o mesmo peso para os sujeitos. Lacan já tinha formulado há muito tempo o “não há diálogo”, e não há diálogo por quê? Porque havia a fantasia que faz com que as palavras não tenham o mesmo sentido para todo mundo, e Lacan zomba do bom senso, o sentido construído pelo discurso para encarar justamente a singularidade. Dizer que as palavras não têm o mesmo peso não é apenas dizer que não têm o mesmo sentido, mas que não têm o mesmo alcance de gozo... A partir de então, numa análise procura-se fazer uma ideia do peso das palavras do sujeito e para o sujeito. É por isso que ele invoca uma interpretação poética, para tocar, fazer ressoarem, ecoarem as palavras que contam. Então, o status do sintoma também vai mudar. O sintoma é a maior manifestação do inconsciente real, porque as outras formações do inconsciente não têm a mesma importância para o sujeito. Lacan formulou da seguinte maneira essa mudança de status: depois de ter dito que a verdade é causa do sintoma, ele reformula que o sintoma vem do real e, mais precisamente, que o sintoma é um “acontecimento de corpo”, que corresponde ao saber falado, ao saber falado fixado precocemente. Esse termo acontecimento tem todo seu peso, o acontecimento é o contrário do programa, é algo de incalculável e de contingente. Além do mais, o Um que constitui o sintoma, o Um de alíngua é incerto, o que faz do sintoma não uma formação de linguagem, mas uma fixão incalculável, não dedutível e difícil de identificar em sua letra. Acrescento que um sintoma desse tipo não faz laço social. Para que haja laço social, é preciso que o sintoma real, autista, entre simbólico e real, esteja enodado ao nó do simbólico com o imaginário. É por isso que, ao falar dos analistas que supostamente se aproximaram do que há de mais real, Lacan diz que eles eram “esparsos disparatados”. Vou passar agora a considerações sobre a análise. Por que Lacan, a partir do inconsciente real e, explicitamente, em oposição a toda perspectiva estrutural, acabou concluindo que o signo do fim se situava no nível da satisfação, isto é, de um afeto? Isso não foi absolutamente uma fantasia que dele se teria apoderado, mas inteiramente deduzido do inconsciente real. Evidentemente, o fim por satisfação, para todos aqueles que leram Freud, faz pensar no fim pela interminável insatisfação. Qual é o decurso da análise relativamente ao inconsciente real e ao inconsciente verdade? Quando Lacan13 diz, em 1976, que é quando o lapso não tem mais valor de sentido, que se está no domínio do inconsciente real, que se passa ao Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

13 Prefácio à edição inglesa do Seminário 11, op. cit., p. 567.

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inconsciente real, pode-se dizer a mesma coisa do sintoma. Na análise por decifração e interpretação, silenciosa ou não, há produção de sentido, de verdade às vezes surpreendente. E em seguida, experimenta-se também o sem sentido das manifestações do ICRS de lapso a sintoma. Com o tempo, com o uso, diz Lacan, para além da elaboração de sentido, percebe-se que se é paciente, não do analista, mas do inconsciente real. Paciente no sentido forte, isto é, que se sofre, que suporta esses fenômenos, entre o verbo e o gozo, cujo comando nos escapa. Então, como terminar, uma vez que o ICSR não termina com a produção de sentido? Experimenta-se por repetição a oscilação entre sentido e emergência de real. Como deter essa oscilação, essa báscula entre verdade e real? Não será pelo saber, não se pode fazê-lo porque o mecanismo do saber falado é incerto. Não existe princípio de parada, nem do lado verdade – atrás da qual se pode correr sempre – nem do lado do inconsciente alíngua, mesmo quando o sintoma fica reduzido ao que ele tem de mais real. Creio que se tem aí o que fundamenta Lacan a, doravante, situar o fim não pelo inconsciente, nem pelo inconsciente real, nem pelo inconsciente verdade – sempre em alternância –, mas do lado do sujeito e da sua satisfação ou não satisfação. A satisfação não é o gozo. A satisfação é o que ocorre do lado do sujeito, em resposta ao que ocorre do lado do gozo. Lacan introduz essa ideia no seminário Mais ainda, quando fala de uma outra satisfação, satisfação que depende da fala e que responde ao gozo fálico, ou seja, que conforme alguma coisa seja dita ou não, há efeitos de afetos. Haveria um vasto capítulo a ser desenvolvido aqui, que poderia se intitular: “A prova do inconsciente real pelo afeto”. Satisfação e insatisfação, o que chamei variável não epistêmica, é o afeto produzido sobre o sujeito pelos avatares da verdade e do real em uma análise. Essa valorização bastante nova – ainda que tenha precursores nos anos anteriores – da resposta de satisfação ou de insatisfação, é exigida, penso, pelo princípio da incerteza introduzido pela linguagem. Isso poderia nos levar a completar esse famoso horror de saber que é o horror da castração pelo horror da castração de saber. Começa-se a saber para não conseguilo, diz ele. Lacan fez esta adição da satisfação de fim de análise, e vai ser necessário desenvolver o que é a satisfação, possivelmente. Ela desloca a ideia de que a análise termina por uma conclusão, no sentido unicamente da conclusão epistêmica. Aonde chegamos pela leitura dos textos de Lacan e pelo discurso que neles se apoia? Esperar que o sujeito diga seu desejo de analista, ou o objeto que ele é, ou a letra de seu sintoma, isso variou no decorrer do tempo. Constatam-se efeitos de angústia, um efeito positivo e um efeito negativo. Um efeito positivo, nesse sentido em que isso tende a orientar as análi26

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ses, e o efeito negativo desse discurso de sugestão é que isso não leva em conta o real que não pode ser sabido. E não é o caso somente entre nós, ouço ecos disso. Não deploremos a falta de demanda de passe ou de nomeações, procuremos o que em nosso discurso não se ajustou corretamente. Tradução: Silmia Sobreira e Silvana Pessoa Revisão: Ana Laura Prates Pacheco

Referências bibliográficas FREUD, S. (1950[1895]). Projeto para uma psicologia científica. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. I). LACAN, J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. LACAN, J. (1966). A ciência e a verdade. In: Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, pp.869-892. LACAN, J. (1967). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp.248-264. LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (19691970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992. LACAN, J. (1970). Radiofonia. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp.400-447. LACAN, J. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-73). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. LACAN, J. O Seminário, livro 22: RSI (1974-75). Inédito. LACAN, J. (1976). Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp.567-569.

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Resumo A conferência trata do conceito de inconsciente real, seu uso analítico e consequências para a interpretação, o manejo do tratamento e o final de análise. A autora tenta, na sua exposição, reconstruir o trajeto de Lacan na construção deste sintagma e encontrar o motivo dos diversos remanejamentos que ele introduz no conceito. Ela afirma que esta é uma expressão solidária à ênfase que Lacan dá a alíngua e que é correlativa da desvalorização da verdade. Argumenta e conclui que tudo o que ele construiu até o momento, até mesmo uma estrutura de fala endereçada ao Outro, se encontra em questão e que isso muda evidentemente o status da fala e do sintoma, o que justifica a importância da publicação desta conferência para a nossa comunidade analítica.

Palavras-Chave Inconsciente real, verdade, fim de análise.

Abstract This conference is about the concept of the real unconscious, its analytical use and its consequences regarding the interpretation, the management of the treatment and the conclusion of the analysis. The author tries, in her exposition, reconstruct Lacan’s trajectory in the construction of this syntagma and to find the reason for the various rearrangements that he introduces in this concept. She affirms that this is an expression solidary to the emphasis that Lacan gives to language and that it is correlative to the devaluation of the truth. The author argues and concludes that everything he constructed so far, even a structure of the speech addressed to the Other, is questioned and that, evidently, it changes the status of speech and the symptom, which justifies the importance of publishing this conference for our analytical community.

Keywords Real unconscious, truth, analysis conclusion.

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A escrita e/ou a vida Maria Luisa de La Oliva de Castro Tomo emprestado do esplêndido livro de Jorge Semprún A Escrita ou a Vida1, o título de minha conferência, com o acréscimo do “e” para distinguir as duas formas que na lógica podem assumir a disjunção: excludente ou não excludente. A primeira implica uma escolha na qual se exclui uma das partes da asserção: ou a escrita ou a vida, mas não ambas de uma única vez, enquanto a segunda implica que na escolha pode-se optar tanto por uma das partes quanto por ambas ao mesmo tempo, ou seja, inclui também uma conjunção: a escrita e a vida. Estas modalidades lógicas correspondem a duas maneiras diferentes de entrelaçar a escrita com a vida, a de Jorge Semprún e a de Amélie Nothomb, objeto de meu trabalho. No caso de Amélie Nothomb trata-se de uma disjunção não excludente, pois ela mesma afirma: “a escrita é literalmente minha vida”. Veremos mais adiante segundo minha hipótese o que se pode pensar dessa afirmação. No caso de Semprún trata-se de uma disjunção excludente que se colocou para ele durante 16 anos de sua vida, desde a liberação do campo de concentração de Buchenwald onde passou 16 meses. Tinha de escolher entre escrever sua experiência no campo, dar testemunho, ou viver, pois para ele ambas as coisas ao mesmo tempo eram impossíveis. Tinha uma necessidade de esquecer o trauma para poder viver. A necessidade de escrever, de muitos sobreviventes dos campos, se baseava no pesadelo comum que, ao sair dali, ninguém iria acreditar naquilo que contavam. Necessidade de escrever, de enodar o simbólico ao real do trauma: escrever sobre o impensável, sobre o que ninguém quer ver. No livro de M. Duras Hiroshima mon amour2, um casal de amantes se encontra em Hiroshima: ela diz que viu tudo ali, enquanto a voz dele nega, tachando as imagens de enganadoras e repetindo que ela não havia visto nada em Hiroshima. Então a mulher diz que a única coisa que se pode fazer é falar da impossibilidade de falar de Hiroshima. “Nada” é como nomeia o amante a impossibilidade de ver o real. Os companheiros de lager de Semprún se perguntavam como contar a experiência para que fossem compreendidos. Estariam dispostos a escutar suas histórias por melhor que fossem contadas? Para Semprún, bem contadas significa que sejam escutadas e, segundo ele, isso só se consegue com algo de “artifício”, “o artifício Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Semprún, La escritura o la vida (1995). Em português: A escrita, ou , A vida (1995).

2 Duras, Hiroshima mon amour (2005).

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3 Lacan, O Seminário, livro 23: O sinthoma (197576/2007).

4 La escritura o la vida, op. cit.

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suficiente para que se torne arte”. Apenas o artifício pode suscitar a imaginação do inimaginável, e colocar em perspectiva a realidade, pois para que esta se torne verdadeira precisa da invenção, um savoir faire. Tal artifício consiste, por exemplo, em passar do registro do horror ao registro da dor, pois o horror repele e a dor emociona, faz abrir os olhos e oferece uma esperança. Assim se explica a beleza do desastre de Dachau nos quadros de Zoran Music. No seminário O Sinthoma, Lacan3 também fala de artifício para referir-se ao que permite que se enodem R, I, S. Encontrar um sentido implica saber qual é o nó de cada um e uni-lo bem, justamente graças a um artifício. Tal enodamento pode permitir uma psicanálise que considere “suturas e conexões”, ainda que existam sujeitos para os quais é a sua escrita, sua arte, o que permitirá esse enodamento. Voltemos ao que eu dizia no início sobre a disjunção, pois é a operação lógica na qual se baseia Lacan quando fala de alienação, sublinhando que nela existe um “ fator letal”, o que quer que se escolha, a escrita ou a vida, sempre haverá uma perda. O dilema dramático para Semprún ao sair do campo era que necessitava fabricar vida com tanta morte e a melhor forma de consegui-lo era a escrita, mas a escrita por sua vez o proibia de viver. Vê-se bem aí o fator letal da escolha. Ele se sentia devedor da vida que lhe insuflaram os poetas: Char, Celan, Vallejo. Graças a eles manteve viva a chama no lager e também serviu-se deles para aliviar a dor de outros companheiros ao recitar-lhes seus poemas, mas em contrapartida tinha que renunciar à escrita. O que lhe gerava culpa era esquecer a morte. Os versos do poema de L. Aragón Chanson pour oublier Dachau, surgiam-lhe frequentemente, evocando esse sentimento de culpa. Durante anos teve pesadelos repetidos nos quais apareciam as palavras “Krematorium ausmachen” (parem os crematórios). Era a frase que diziam os SS, quando no céu viam-se aviões aliados, para ocultar a prova, a evidência do que faziam com os corpos. Significantes com o poder letal de apagar a marca do horror. Essa era a angústia. O que o tranquilizava era continuar dormindo apesar da angústia, pois a volta ao sonho da vida era aterrorizante. Foi em Ascona, em 1945, quando teve que decidir entre a escrita e a vida, escolheu a vida. “Escolhi uma cura de afasia, de amnésia deliberada para sobreviver.”4 O esquecimento era, naquele momento, o preço a pagar pelo desejo de viver. Se optasse pela escrita, o suicídio seria para ele o que marcaria o ponto final ao “ luto inacabado e interminável” da escrita sobre a experiência no campo. Como se fosse o real da morte a única coisa que pudesse escrever silenciosamente o impossível, o buraco impossível de obturar que foi o lager. Alíngua e o inconsciente real


A outra opção era abandonar o livro em curso como única maneira de dar término ao interminável. Semprún escolheu separar-se radicalmente do objeto livro para poder existir como sujeito. Separação tão radical como a da passagem ao ato suicida. Durante os anos em que esteve sem escrever, fez-se acompanhar da “ lettre sur le pouvoir d’ écrire”, de Claude Edmunde Magny, único laço com essa perda de ser que implicou para ele a renúncia à escrita da qual falarei mais adiante.

A vida É muito interessante o relato que faz em seu livro de como sua relação com diferentes mulheres foi enganchando-o à vida. Assim, por exemplo, logo após os campos serem liberados pelos aliados, Semprún descreve como descobriu seu corpo de novo por meio de uma mulher. Ele pensava que seu corpo havia ficado marcado para sempre pelos suplícios da fome e, no entanto, dançando com Martine em um hotel requisitado pelos americanos, à música do trompete de Louis Armstrong – “On the sunny side of the street” –, experimentou um despertar de seu desejo: o lado ensolarado da rua, da vida. Graças a Laurence conseguiu falar de seu tempo em Buchenwald no verão de seu regresso. Mas o que lhe permitiu manter-se vivo foi o amor de Lorène. Graças a ela voltou à vida, ao esquecimento da escrita e do lager, que para ele eram a mesma coisa. Sua inocência e ignorância o colocavam de novo no caminho da vida, daí que quando ela perguntou sobre uma cicatriz em sua orelha, a porta do esquecimento se fechou, abrindo-se novamente a via da recordação e do horror, pois aquela cicatriz era resultado da queda de um trem em agosto de 1945. Essa queda é nomeada como “ desvanecimento”, suicídio fracassado. Ao ler as passagens de seu livro A escrita ou a vida, nas quais narra este episódio de desvanecimento, é tal a tarefa de elaboração subjetiva, de reconstrução significante, de idas e voltas em uma temporalidade em que se trançam passado, presente e futuro, que se tem a impressão de estar escutando o testemunho de um passante. Esse desvanecimento ocorreu em um trem. Ao recobrar a consciência, a primeira coisa que escutou foi: “está ferido, não se mova”. Afirma que estas palavras lhe devolveram à existência ao saber-se sob o olhar de um outro. Nesse momento começaram a aparecer em sua cabeça significantes em francês e sua imediata tradução em espanhol, causando enorme felicidade, até que de repente lhe ocorreu o significante neve (nieve) em espanhol e não em francês, e a Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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felicidade se transformou em inquietação. Estas palavras “você está ferido” lhe fizeram recobrar brutalmente a memória e adquiriram uma significação diferente. Lembrou-se então da cena do trem que o levou até Buchenwald. Sua freada produziu espanto, mal-estar, e um jovem se dirigiu a ele implorando-lhe que não o deixasse. Ao baixar do trem, já era noite e tudo estava coberto de neve. Ouviram ladrar os cachorros e uivos dos SS. Pode-se pensar esse desvanecimento como resposta ao que já estava encadeado em seu inconsciente em outra cena anterior, representando sua queda como sujeito no lager. Sujeito reduzido ao estatuto de escória. Ferida incurável da qual Semprún fará sua identidade desenraizada como ele gosta de dizer. Memória que se atualiza ao escutar Lorène nomear a palavra ferida.

A volta à escrita Em 1961, escuta o testemunho de um sobrevivente de Mauthausen com o qual não se sentiu identificado, pois lhe parecia um relato confuso, muito prolixo em detalhes, uma mistura de imagens. Um desabafo de fatos e impressões. Depois de uma semana escutando esses testemunhos, tem um sonho no qual novamente lhe aparece a neve sobre um bosque de faias que rodeava o campo de Buchenwald. Havia 15 anos que isso não lhe ocorria em sonhos, pois a última neve havia sido em Ascona, quando renunciou ao projeto de escrever. Acorda desse sonho de maneira abrupta, mas sem angústia. Estava tranquilo, tudo lhe parecia claro a partir desse momento. Sabia que podia escrever o livro que havia abandonado havia 15 anos. Decidiu escrever para si mesmo, em francês, e o fez em poucas semanas. Com a escrita retornou maciçamente sua antiga angústia. Trata-se do livro A Longa Viagem, pelo qual obteve o prêmio Formentor em 1964. No dia da entrega do prêmio, recebeu um exemplar em espanhol com as folhas em branco, já que por motivo de censura não foi possível editá-lo na Espanha, o que teve que ser feito no México, mas não houve tempo para que ficasse pronto para essa data. Páginas em branco que remetem ao significante neve. “A neve apagava meu livro, ao menos em sua versão espanhola.” Desde o primeiro dia de vida recuperada ao ser libertado do lager no qual uma tempestade de neve caiu no dia do desfile, a neve lhe recordaria a presença da morte. Semprún descreve o momento em que recebeu esse exemplar em branco como um instante em que sua vida mudou. Tratava-se de uma impressão física, uma certeza carnal... um ins-

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tante concreto que instaura uma diferença física à flor da pele, uma diferença tênue mas radical entre o antes e o depois, entre o passado e o futuro. Ruptura radical com o passado... No momento em que C. Barral tiver me entregado o exemplar espanhol de A Grande Viagem, no momento em que estiver com o livro na mão, minha vida terá mudado.5

5 Ibid.

Várias semanas antes desse acontecimento, em uma reunião do PCE foi expulso do comitê executivo bem como do partido, episódio que, segundo ele, lhe devolveu à vida. Esse momento parece que teve para ele um estatuto de ato como a travessia do Rubicão. Nada voltaria a ser como antes. Além disso, é muito interessante o uso que ele faz do futuro anterior: pois é desde o après-coup da elaboração que fez desses anos que pôde ler o que já estava lá desde antes como ponto de projeção de seu desejo. Fez do francês uma outra língua materna, escolheu outras origens, fez do exílio uma pátria. Como se só concebesse sua escrita desde esse exílio interior, fora de qualquer identificação. Exílio que viria a ser a expressão de seu ser mais íntimo. Assim se pode entender seu sentimento de libertação e renascimento ao ser expulso do PCE, e que semanas depois, ao receber o prêmio e aquele exemplar de seu livro com as folhas em branco, tivesse a certeza de que aquilo mudaria sua vida. No entanto, damos um salto no tempo para seguir Semprún em seu testemunho. Em 11 de abril de 1987, aniversário da liberação de Buchenwald, inicia o livro que depois seria precisamente A escrita ou a vida, mas que inicialmente intitulou A escrita ou a morte. Depois de algumas páginas escritas decide não continuar o relato ao se dar conta de que havia introduzido a primeira pessoa e que isso invadia todo o relato. Nesse mesmo dia em que reapareceu o fantasma dele como um jovem deportado, Primo Levi se suicidou. Suicídio que reabriu algumas perguntas em torno da escrita e/ou a vida. Nesse dia tomou conta dele a ideia de que como Primo Levi era cinco anos mais velho do que ele, lhe restariam apenas mais cinco anos de vida. O título de A escrita ou a morte lhe aparecia como uma espécie de identificação com Levi, pois para este a escrita era o que o mantinha vivo. Semprún era incapaz de terminar esse livro. Em 1992, ou seja, depois de cinco anos, quando se acaba o prazo para viver segundo essa certeza insensata, lhe propõem fazer um programa para a TV sobre Weimar, o que implicava voltar a Buchenwald. Recusou a proposta sem pensar, e nessa mesma noite sonhou de novo com o campo. Uma voz o despertava, estourava em seu sonho, mas não era a voz de sempre, masculina, irritada do Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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“Krematorium auschmachen”. Não era a voz que ele esperava. Essa voz não se fazia ouvir. O que ouviu, entretanto, foi a bela voz de uma mulher, Zarah Leander cantando uma canção de amor. Era a mesma voz que se podia escutar nos alto-falantes do campo nos domingos. Ao despertar afirma que compreendeu a mensagem que mandava a si mesmo e aceitou a proposta. A partir do subterfúgio do programa de TV, Semprún nos diz que se impunha a ordem de concluir o livro tão adiado. Percorreu o campo acompanhado de dois netos, pois pensava que com eles poderia evocar a experiência sem a impressão de fracasso ou indecência. A eles quis passar o testemunho da memória. Para Semprún, o testemunho é inseparável de um valor de transmissão que vai mais além do relato da experiência, com os riscos que este traz em si de cair na obscenidade que ele escutou no relato que lhe fizera em 1961 aquele sobrevivente de Mauthausen. Para ele, o testemunho deve ter valor de ensinamento ou não se constitui como tal. Podemos pensar que houve um esvaziamento de gozo em relação a essa voz que ele esperava escutar e que frequentemente o despertou de seus sonhos. Esvaziamento que permite o aparecimento de outra coisa, um vazio no qual ressoe a voz melodiosa de uma mulher cantando para ele sobre o amor. No primeiro trajeto que fez pelo campo comprovou que, com exceção de algumas construções, tudo havia sido arrasado, ainda que a localização estivesse sinalizada, demarcada, dando lugar a um grande espaço vazio. Foi no meio desse vazio que Semprún pôde escutar o canto de alguns pássaros. A vida havia voltado àquele lugar. Por outro lado, se deu conta de que havia uma parte do chamado campo pequeno que havia desaparecido literalmente, não havia resto algum. Justamente em relação àquela parte aniquilada do campo tinha muitas recordações. Em seu lugar havia um bosque. Semprún soube um tempo depois que sob aquele bosque havia milhares de mortos enterrados, vítimas do estalinismo, e que Buchenwald foi, depois de sua liberação, campo de concentração soviético. Não havia na paisagem marca alguma daquele horror. Nessa mesma noite, sonha de novo com a neve. Desta vez caída sobre sua última visão de Buchenwald, sobre aquele bosque novo. Ao despertar, recordou uma noite na qual um companheiro de campo relatou sua experiência como sobrevivente na enfermaria de Auschwitz, ao término da qual, ao retornar Semprún a seu barracão, percebeu que a tempestade de neve que caía havia cessado e o céu estava resplandecente de estrelas. Apesar do som estridente dos apitos, ao longe, a noite era bonita, calma, serena... Meu coração batia muito forte. Lembrar-me-ei toda

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vida dessa felicidade alucinante, disse para mim mesmo. Dessa beleza noturna. Ergui os olhos. Na crista do Ettersberg, chamas alaranjadas ultrapassavam o alto da chaminé acachapada do crematório.6

6 Ibid.

É, precisamente, com essas palavras que põe ponto final em seu livro A escrita ou a vida. A partir da visita a Buchenwald em 1992, Semprún decidiu terminar de escrever o livro que iniciara em 1987. Haviam passado cinco anos e ele continuava vivo, e ainda continua. Aquela carta que conservou durante anos, a “ lettre sur le pouvoir d’ écrire” dizia que ninguém pode escrever se não está suficientemente desapegado de si mesmo. Recordemos que quando iniciou o livro em 1987, o interrompeu ao perceber que introduzia a primeira pessoa e como isso impregnava todo seu relato. Podemos pensar que aquela visita a Buchenwald, em 1992, lhe permitiu dar uma última volta em sua elaboração subjetiva sobre o trauma do lager e liberar-se suficientemente daquele horror, reconhecer-se como sujeito vivo por meio da vida que representa o canto de um pássaro e aceitar a felicidade que experimentou ao ver a beleza de um céu estrelado naquela noite em Buchenwald. Pode separar-se do dejeto que ele foi para o Outro, de maneira diferente de Primo Levi e outros que continuaram toda sua vida no trabalho de testemunho. Pode descolar-se de sua fantasia. Finalmente caiu a neve em seu sonho, mas sem angústia. Uma neve que vinha cobrir o bosque que se plantou para eliminar, forcluir o horror soviético. Uma neve como manto de esquecimento lógico quando já foram dadas suficientes voltas em torno do trauma. Podemos considerar o significante neve como aquele significante que representa o branco no simbólico como lacuna da recordação. Significante que nomearia o Real como impossível de dizer, como aquilo que está fora de toda simbolização, como o demonstra o último sonho que relata em seu livro: essa neve sobre o campo pequeno. Há um impossível na transmissão, ou também se pode dizer que a transmissão é precisamente a do impossível. Há uma urvendrägt, um inconsciente irredutível.

A escrita e a vida Ao longo de seu ensino, Lacan foi variando a concepção do que é um pai. Até meados dos anos 60, concebia o pai como um significante que metaforiza o desejo da mãe uma vez que este é um X. Pensar a psicose como foraclusão do Nome-do-pai era solidária a essa concepção de pai. Mais tarde Lacan propõe uma nova ideia sobre o pai. Falará então de um pai e da função do pai, na qual o importante é a versão Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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7 Lacan, O Seminário, livro 22: RSI (1974-75, aula de 21 de janeiro de 1975).

8 Soler, El padre sintoma (2001).

9 O Seminário, livro 23: O sinthoma, op.cit.

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do seu desejo. Podemos ler isso claramente na aula do dia 21 de janeiro de 1975 no seminário RSI: “Um pai tem direito ao respeito e ao amor se estes estão père-versement orientados, ou seja, que faz de uma mulher o objeto ‘a’ que causa seu desejo, que a faça sua para fazerlhe filhos e que a estes lhes brinde com um cuidado paterno.” 7 Père-version é um jogo de palavras entre versão do pai e a versão perversa de seu desejo. Esta versão do pai será a única garantia possível de sua função de pai, e que Lacan denomina função de sintoma. A partir de então, o importante em um pai não são seus méritos, qualidades ou atributos diversos, pois não é com eles que sustentará a função paterna, uma vez que o importante se encontra no nível do par sexual, na forma pela qual ele enquanto homem tenha sabido confrontar-se com a castração, com o impossível da relação sexual e também com a alteridade feminina. Esta versão do pai, este sintoma do pai tem uma função de nó, de laço entre os sexos e entre as gerações. Colette Soler8 o chama de “pai solução” na medida em que dá um modelo de solução sintomática para a questão da castração. Não se trata então da versão imaginária de um pai castrador, nem tampouco de um pai significante, veículo da lei. É a época em que Lacan concebe a estrutura psíquica como um nó borromeano dos registros R.S.I. A característica desse nó é que se cortarmos um dos elos que o compõem o nó se desfaz. Pois bem, a versão do pai também pode ser chamada de Édipo, seria o que como um quarto nó, permite que os três registros se mantenham unidos. Mas Lacan nos diz que existem outros artifícios que podem vir a cumprir essa função de nó na estrutura que não são necessariamente um pai. Ou seja, que um sujeito pode ter um sintoma diferente do sintoma pai, e que faça função de sutura diante de um pai faltante ou carente, e que por meio dele possa nomear-se como sujeito. Isto se pode conseguir, por exemplo, com o savoir faire da arte ou da escrita. O exemplo que dá Lacan9 é o de Joyce. Joyce não desencadeou sua psicose graças à função de nó de sua escrita, com a qual construiu um EGO muito particular com o qual pôde nomear-se no mundo e suprir a função carente de seu pai. Há algo nele que fez com que o I não estivesse enodado ao R nem ao S, e precisamente através do EGO corretor que lhe proporciona sua escrita, reconstrói o nó lá onde ele estava rompido. De outro modo a psicose se desencadearia como ocorreu com sua filha. Que isto possa ser uma introdução à segunda parte de meu trabalho na qual falarei da escrita de A. Nothomb, pois trago como hipótese que é precisamente a escrita o que a mantém não somente viva, como também estabilizada em sua psicose. A. Nothomb é de origem belga, embora tenha nascido em Kobe Alíngua e o inconsciente real


(Japão), pois seu pai era diplomata e trabalhou lá por vários anos, onde Amélie passou seus cinco primeiros anos. Viveu também em Pequim, Nova York, Bangladesh e Laos. Começa a escrever aos dezessete anos quando, pela primeira vez, vai morar na Bélgica para cursar a faculdade. A Bélgica era o país que ela menos compreendia, por isso afirma que foi lá que começou a escrever. Para ela tratava-se de “reconstruir” o corpo que a anorexia havia destruído. Diz: “a escrita é um ato físico: tinha que superar obstáculos para extrair algo de mim. Aquele esforço constituiu uma espécie de tecido que logo se converteu em meu corpo.”10 Aos dezessete anos, mostra a sua irmã Juliette com uma descrição que a irmã qualifica de autobiográfica e que ela mesma aceita como tal. Diz assim: [...] dentro do ovo gigante, a gema não havia resistido ao golpe de Estado dos jovens revolucionários. Esparramou-se pela clara e aquele apocalipse de lecitina provocou a explosão da casca. Então, o ovo tinha se metamorfoseado em um titânico omelete espacial que evoluiria pelo espaço cósmico até o fim dos tempos.11

10 O Nothomb, Metafísica de los tubos (2006). Em português: Metafísica dos tubos (2000).

11 Ibid.

Além do viés daliniano que isso pode evocar, creio que o ovonó borromeano explode, e graças ao tecido de sua escrita consegue essa metamorfose que descreve como um “titânico omelete espacial” que evolui “pelo espaço cósmico até o final dos tempos”. Escrita que, como ela diz, permite “reconstruir” o imaginário de um corpo descomposto, encontrar um lugar no espaço e ainda garantir para si uma eternidade. Ou seja, uma escrita que reassegura um lugar no mundo pelos séculos dos séculos. Recorda a aspiração conseguida por Joyce a respeito de sua obra. Ao terminar seus estudos em 1989, volta a Tóquio e começa a dedicar-se inteiramente a escrever: “... escrever é o grande impulso, o medo regozijante, o desejo que volta sem cessar a suas raízes, a necessidade voluptuosa.”. Desde então, escreve no mínimo quatro horas por dia, à mão. Escreve todo o tempo, “ainda quando não escrevo, o estou fazendo na minha cabeça”. Vive reclusa em um apartamento pequeno. Publica ao menos um romance por ano, e seus livros costumam ocupar por meses as listas de livros mais vendidos na Europa. Foi traduzida em 23 idiomas. O primeiro romance que publicou foi Higiene de un asesino em 1992, mas sua consagração definitiva chegou em 1999 com Estupor y temblores. Seguiramse: Sabotaje amoroso, Los combustibles, Las catilinarias, Peplum, Atentado, Mercure, Metafísica de los tubos, Cosmética del enemigo, Aspirina, Dicionário de nombres propios, Antichrista, Biografia del hambre, Ácido sulfúrico, Diário de golondrina em espanhol, pois ainda não se traduziram todas as suas obras. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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12 Panero, Mi lengua mata (2008).

13 Op. cit. 14 Nothomb, Biografia del hambre (2008).

15 Nothomb, Diccionario de nombres propios (2004). Em português: Dicionário de nomes próprios (2002).

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Trata-se de um curioso fenômeno literário, pois sua escrita não pode ser considerada de entretenimento, que são as obras que mais vendem. As histórias que narra não permitem que se relaxe, abandonando-se ao puro prazer de ler. Em seus romances não se observa o automaton fantasmático que certamente podemos encontrar em muitos autores ou muitos pintores, pois cada romance é realmente original, tanto no sentido de iniciar, dar origem a algo, como no sentido de que sua criação é diferente de algo conhecido. Dela não se pode dizer que recorde qualquer outro escritor. Há um autêntico trabalho de criação de cenários que provocam estranhamento no leitor. Além disso, tem um sentido crítico muito preciso. Como diz Leopoldo Maria Panero em seu livro Mi lengua mata: “o louco erra, mas não mente. Tem a perniciosa mania de dizer a verdade, como o bêbado”.12 Por meio de sua crítica denuncia o que não funciona no discurso capitalista em sua aliança com o desenvolvimento técnico-científico, com uma fineza e precisão dignas de elogio. Desde menina acreditava que era Deus, e em sua escrita-tecido vai nomeando as coisas para que existam, configurando dessa maneira um espaço-tempo no qual pudesse viver. Um tecido sempre em criação, pois a ferida da qual emana é incurável. Daí a necessidade de escrever sem parar, pois algo nela sabe que se essa escrita cessa, cessa o motor gerador de vida e provavelmente seria uma catástrofe subjetiva. Não pode parar de escrever como o fez Semprún. Semprún localiza um limite cuja escrita bordeia, enquanto Nothomb tem que escrever, fazer da escrita precisamente um limite. Ainda que em todos os seus livros exista um traço testemunhal, Metafísica de los tubos13 e Biografia del hambre14 são os seus livros realmente autobiográficos, bem como o testemunho de sua psicose infantil e sua posterior estabilização por meio da escrita. Nos demais livros pode-se ler na filigrana de seus argumentos quais os dramas próprios de um sujeito psicótico: a desintrincação pulsional, as derivações (a errância) do gozo quando não está metaforizado pelo falo, a vivência do corpo como algo inimigo, o horror das vozes alucinadas, o achatamento do I sobre o S, os perigos das relações com o Outro quando não existe a mediação S, a presença da morte. Amélie Nothomb serve-se da ironia em todos e cada um de seus livros até tal ponto, que segundo minhas hipóteses, é precisamente a ironia o que enlaça seus leitores. É o que permite que possa ser lida sem demasiado horror. É uma mestra da ironia. Amélie Nothomb – a ironia, podemos dizer. Sendo a ironia seu nome próprio, chega inclusive a fazer-se matar como autora por um dos personagens no romance Diccionario de nombres propios.15 Ela o faz em um momento crucial do romance, quando a protagonista Plectrude Alíngua e o inconsciente real


se encontra no beco sem saída psicótico no que se refere ao amor imaginário com um homem, amor morto. Com grande habilidade, a autora se faz presente como tal nesse momento e sugere à protagonista que leve a cabo o instinto assassino que traz dentro dela e que ela mesma ignora. Assim, Plectrude assassina Amélie Nothomb e se pergunta o que fazer com o corpo. Encontra uma similitude entre o assassinato e o ato sexual, com a diferença de que enquanto no ato sexual o corpo pode ir embora, no assassinato isto não é possível, pois permanece o corpo presente, o qual estreita o vínculo entre os sexos. Termina o livro dizendo que nem Plectrude nem seu amado Mathieu conseguiram ainda encontrar uma solução para essa pergunta. O assassinato dela mesma, aparte das ressonâncias que tenha com Ionesco, é o que ocorre no romance ali onde não existe o impossível da relação sexual. Como se tivesse que realizar no real aquilo que não se pôde simbolizar. Mata o terceiro, para mostrar o buraco que se abre quando não existe a mediação fálica. O ato sexual pode representar para um sujeito psicótico a morte subjetiva, já que o lança em um buraco sem limites. Podemos dizer que neste romance é uma solução elegante fazer-se matar. Dirijamo-nos aos livros testemunhais de sua psicose, pois como psicanalistas, nos trazem muita luz: No princípio não havia nada, e esse nada não estava nem vazio nem era indefinido: bastava-se a si mesmo. E Deus viu que aquilo era bom Por nada no mundo haveria lhe ocorrido criar algo. O nada era mais que suficiente: o completava. Deus tinha os olhos perpetuamente abertos e fixos. Não havia nada para ver e Deus não olhava nada. Sentia-se repleto e compacto como um ovo duro cuja redondeza e imobilidade também possuía. Deus era a satisfação absoluta. Nada desejava, nada esperava, nada percebia, nada rejeitava e por nada se interessava. A vida era plenitude até tal ponto que nem sequer era vida. Deus não vivia, existia... A vida começa onde começa o olhar. Deus carecia de olhar. As únicas atividades de Deus eram a deglutição, a digestão e, como consequência direta, a excreção. Essas atividades passavam pelo corpo de Deus sem que ele se desse conta. Os alimentos, sempre os mesmos, não eram suficientemente estimulantes para que ele os percebesse. Algo parecido ocorria com a bebida. Deus abria todos os orifícios necessários para que os alimentos e líquidos o atravessassem. Esta é a razão pela qual, chegados a este ponto de seu desenvolvimento, chamaremos Deus de o tubo. Existe uma metafísica dos tubos... Deus conhecia a serenidade absoluta do cilindro, filtrava o universo e não retinha nada.16

16 Metafísica de los tubos, op. cit. e Biografia del hambre, op. cit.

Assim descreve a si mesma em seus dois primeiros anos de Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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17 Metafísica de los tubos, op. cit.

18 Ibid.

19 Ibid.

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vida. Também se nomeia como planta, não tendo sofrido nenhum acidente que desse lugar a algo vivo, como ocorre quando, por exemplo, uma partícula cai em uma ostra e isso dá lugar à formação de uma pérola. Isto é, nos fala de um sujeito sem trauma inicial, sem essa partícula de poeira que é a linguagem marcando a repressão original e que dá lugar ao nascimento subjetivo. Chama de nascimento o dia em que deu um grito, mas que não era uma chamada a nenhum Outro, mas um grito lançado ao vazio, grito que marca a saída do silêncio absoluto, ainda que localize seu nascimento verdadeiro no momento em que tinha dois anos e meio e sua avó se aproximou dela com um chocolate branco belga e lhe deu para comer. Aquilo lhe produziu uma voluptuosidade que deixou seu cérebro em farrapos e fez ressoar uma voz que nunca havia ouvido: “sou eu. Eu sou a que vive. Eu sou a que fala...”.17 Voz que desde então não deixou de escutar dentro de sua cabeça com exceção dos períodos de anorexia em que conseguia silenciála. A partir dessa experiência prazerosa localiza seu eu, sentindo que desde então as coisas deixavam uma marca. Tanto que sua alimentação é composta 70% de chocolate, alimento que considera divino. Quando esse tubo-planta começa a falar, considera-se “mestra da linguagem” e não sabe por qual palavra começar. A terceira palavra que nomeou foi “aspirador” pois nesse objeto encontrava um irmão, um semelhante que definia seu ser de tubo: “engole realidades materiais e as transforma em inexistentes. Uma obra divina”.18 A quarta palavra foi Juliette, a irmã mais velha que representa para ela seu par imaginário. A quinta foi Nishio-San, sua babá japonesa, representante de um Outro materno de amor, que a fascinava com seus relatos de corpos mutilados, destroçados em Hiroshima. A sexta foi “morte”, cujo significado já conhecia, pois a vida que havia levado até os dois anos e meio foi “morrer em vida”. Em relação à morte existem vários episódios de caráter delirante, por exemplo, quando relata que caminhou sobre as águas sem saber nadar como se fosse Jesus Cristo; ou quando caiu de uma janela, mas em especial há um que foi uma tentativa de suicídio infantil. Um dia, quando ia dar de comer para umas carpas em um tanque em sua casa, que tinham sido presente de seus pais pelo seu terceiro aniversário, e que lhe despertavam horror, se deixa cair. As bocas das carpas lhe provocam vertigens, suores frios, espasmos no corpo e na mente. “Era sua boca que me causava repugnância, o movimento da válvula de suas mandíbulas que me violava os lábios durante eternidades noturnas... os tubos abertos engoliam”. A voz lhe dizia: “recorda que és tubo e em tubo te converterás. A vida é o que vês, membrana, tripa, um buraco sem fundo que exige ser preenchido”.19 Deixa-se cair depois de sentir que havia uma escolha entre a Alíngua e o inconsciente real


vida e a morte. A vida eram as bocas de carpas que engolem e a morte, vegetais em lenta putrefação. Ao cair sente que sua angústia se dissolve: “a coisa, cada vez menos viva sente que volta a converter-se no tubo que talvez nunca tenha deixado de ser”.20 Nishio-San a salvou, e daquela tentativa de suicídio permanece uma cicatriz na têmpora. Nothomb não tem claro se teria sido melhor terminar então, pois para ela, a salvação era apenas uma fuga e atesta algo que enche seu futuro de negras nuvens, pois diz: “um dia já não será possível recorrer a adiamentos e nem sequer as pessoas melhor intencionadas do mundo poderão fazer nada”.21 O livro Metafísica de los tubos nos deixa nesse ponto da tentativa de suicídio infantil. Quatro anos depois publica Biografia del hambre,22 que é uma continuação de sua autobiografia. Ela é a fome, daí o nome que dá a seu livro. De seus pais fala pouco, conta-nos que seu pai era um “mártir alimentício”, sua mãe a considerava idêntica ao pai e a apresentava com o nome dele, e também que o pai dizia que ela era ele. Uma vez que demandou amor à sua mãe para acalmar-se de sentimento de morte, a mãe lhe respondeu com outra demanda: se queria ser mais querida teria que seduzi-la. Assim, essa ideia de que o amor se ganha converteu-se em uma tarefa exaustiva. Começou a ler para ser admirada e admirar. Sua relação com a linguagem é interessante. Não é por acaso que seus estudos versaram sobre Filologia Românica. Quando se tratava do inglês, era a linguagem que tinha que colocar-se em seu nível em vez de ela mesma perguntar-se pelos códigos. Acreditava que com sua mente tinha o poder de matar um companheiro, deduzindo disso que então também podia matar palavras como, por exemplo, “banhar”, “roupa”, “sofrer”, não pelo seu significado, mas pelo seu som. “O preciosismo da palavra roupa, marcada por esse redobrar do erre, provocava-me desejos de matar.” A partir daí, passou a “ legislar: promulguei éditos desterrando essas três palavras. Enlouqueci”.23 Tinha acessos de raiva se alguém as empregava. No colégio ao cantarem canções na forma de jogral, quando chegava sua vez, se calava, “ havia um abismo de silêncio que levava meu nome”.24 Isto é, ao não sentir-se representada pelo significante de seu nome próprio, não podia colocar-se como uma a mais na cadeia significante. Aos cinco anos houve um caos absoluto ao ser separada de Nishio-San ao mudar-se para Pequim. Naquela época começou com uma potomania que algumas vezes a deixou à beira da morte e também com sua paixão pelo álcool que bebiam ela e sua irmã quando estavam sozinhas e mesmo acompanhadas de seus pais quando eles as levavam aos salões de festa. Explica sua potomania como originada de uma vivência de si mesma como um território Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

20 Ibid.

21 Ibid. 22 Op. cit.

23 Ibid.

24 Ibid.

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25 Ibid.

26 Ibid.

27 Ibid.

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árido e acrescenta que não havia em sua sede nada de metafórico. Ela mesma era a sede insaciável que a água satisfazia como se fosse um acesso ao sagrado. “A água era como uma torneira aberta conectada a uma fonte eterna”.25 Aos sete anos fixa a idade de sua morte aos doze. Aos doze anos teve uma “revelação” que provocou “uma revolução copernicana” e que talvez possamos pensá-la como um fenômeno elementar. Lendo o conto de Colette La cera verde, experimentou um fenômeno incrível, um influxo percorreu sua coluna, sua pele estremeceu. Apesar do calor, tinha a carne de galinha. Interpretou que o ocorrido era devido à beleza. O significado daquela frase não era o importante, pois era algo banal. A partir de então, a parte essencial de seus dias era constituída pelo álcool, pela leitura e pela busca dessa insondável beleza. Sofreu uma tentativa de estupro no mar e a partir de então afirma que perdeu uma parte de seu cérebro. Ela, que era realmente boa em matemática, passou a não entender nada. Inicia o que chama “o deslocamento” de sua adolescência. Uma nova voz começa a falar dentro dela e desde então a acompanha, sem amordaçar as precedentes. Acostumou-se a pensar a duas vozes. Essa voz se interpunha e a impedia de recuperar o fio narrativo interior, “tudo se converteu em fragmento, quebra-cabeças no qual cada vez faltavam mais peças. O cérebro passou a ser um mecanismo de triturar”.26 A ideia de seu corpo era algo disforme. Queima-se nos seios e volta ao estado vegetal anterior. Naquela época aparece seu desejo por um rapaz e descreve essa experiência como uma terrível desgraça. Comia abacaxis até que via sangrar suas gengivas voluptuosamente. A voz interior a odiava. Cria então uma “ lei”: deixar de comer em 5 de janeiro de 1981, dia de Santa Amélie. Inicia um longo período de anorexia que foi para ela uma “bênção”, pois consegue calar a voz e parar de odiar a si mesma, acaba com o desejo, e também com a potomania e o alcoolismo. Decide também “comer todas as palavras” e lê o dicionário inteiro, também como forma de não dispersar seu ser. Aos 14 anos lê Primo Levi. Aos 15 anos vai viver no Laos e se sente fascinada por seu corpo cadavérico de 32 quilos. A voz lhe dizia: “ logo morrerá”, e ainda que aquilo a exultasse, finalmente diz que seu corpo se rebelou contra sua cabeça e recusou a morte. Começa a comer, mas os alimentos eram o mal, o estrangeiro: “comer era o diabo que separava meu corpo de minha cabeça”.27 A voz de ódio volta a aparecer com insultos maiores. Teve delírios nos quais ela era um cone que vagava no vazio sideral e tinha a obrigação de transformar-se em cilindro. Sentia-se presa em um corpo hostil e doente e dentro de uma mente obcecada pela destruição. Aos 17 anos vai para Bruxelas para fazer seus estudos superiores, e aos Alíngua e o inconsciente real


21 volta a Tóquio onde teve uma relação curta com um rapaz da cidade. Começa a dedicar-se completamente a escrever, para sua sorte e de todos os leitores que a seguimos apaixonadamente. Tradução: Luis Guilherme Coelho Mola Revisão: Conrado Ramos

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Resumo A escrita de dois autores de diferentes estilos, procedências, idades e histórias pode ter, no entanto, pontos de coincidência enquanto escrita de testemunho de experiências vitais, ainda que aquilo do que se trata – testemunhar – tenha diferenças em relação a seus pontos de vista. A escrita em ambos os autes é fundamental em suas vidas e para suas vidas, mas se Jorge Semprún teve que escolher não escrever durante um tempo para continuar vivendo ao sair do campo de concentração de Buchenwald, Amélie Nothomb desde que começou a escrever não pôde deixar de fazê-lo pois sua vida se sustenta precisamente nisso, sem descanso, cumprindo uma função de estabilização de sua psicose.

Palavras-Chave Escrita, testemunho, psicose, Jorge Semprún, Amélie Nothomb.

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Abstract The writing of two authors of different styles, origins, ages, and histories, can nevertheless have points of coincidence as far as the writing of testimony of vital experiences, even though that which it is to attest has differences as far as his front sights. The writing in both authors is fundamental in its lives, for its lives, but Jorge Semprún had well to choose not to write during a time to be able to continue living when leaving the concentration camp on Buchenwald, Amélie Nothomb since he began to write, cannot stop to make it then his life indeed maintains in it, without rest, fulfilling a function of stabilization of his psychosis.

Keywords Writing, psychosis, Jorge Semprún, Amélie Nothomb

Recebido 10/07/2009

Aprovado 04/09/2009

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O trabalho em instituições públicas, suplência do nãotodo do analista? Qual a transmissão quando não se está em “analista”?1 Mikel Plazaola e Juan Del Pozo O presente trabalho tem início com uma reflexão proposta coletivamente sobre os efeitos que pode provocar a atividade desenvolvida em duas instituições públicas concretas, a Universidade e os Centros de Saúde Mental, por profissionais que também trabalham como analistas em outros âmbitos da clínica. Ao final, o texto vem acompanhado de uma vinheta clínica que ilustra o modo como a relação sexual é entendida pelos discursos atuais, deixando abandonado o sujeito. Na atualidade, o discurso analítico – tanto no contexto geral da sociedade ocidental quanto na particularidade na qual nos desenvolvemos – vê-se confrontado com as novas maneiras como são tratados os mal-estares dos sujeitos. As instituições dedicadas a dar respostas a esses mal-estares (Centros de Saúde Mental) e, indiretamente, as dedicadas à formação de profissionais (Universidades) que trabalharão em tal âmbito, recebem cada vez mais a exigência de responder e ofertar aquilo que, de acordo com o discurso social, o cliente demanda. (Na realidade, dão consistência a um novo tipo de demanda que obtura a questão do sujeito.) Propõe-se, por isso, a pergunta sobre que lugar ocupa e o que se pode fazer para alguém que é analista em um contexto estranho ao discurso analítico. Interroga-se também quais as consequências, para esses profissionais, dessa “dupla” atribuição, mais além das contingências pessoais. Naturalmente, não se trata de manter uma posição de queixa – a qual apenas redundaria o discurso ao qual se dirige – e sim de pensar algumas formas que permitam situar a questão em uma perspectiva operativa desde e para o desejo do analista. Partimos basicamente de que o desejo do analista é o que lhe permite operar desde a perspectiva do não-todo ante qualquer demanda ou exigência do Outro e, em função da posição que ocupa, causar o desejo a partir da suposição de um saber. Mas, nas duas Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Os autores escrevem “¿Qué transmisión cuando no se está en ‘analista’?”, destacando entre os termos transmissão e analista a relação de lugar mais do que de conformidade. Por isso optamos por manter a preposição em. (N. T.)

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instituições citadas, no que se refere a essa orientação, nos encontramos em uma situação paradoxal dado que, no melhor dos casos e no contexto atual, as ofertas e exigências do discurso da ciência seguem a lógica do “sim-tudo”. Mede-se e verifica-se a validade e eficiência dos tratamentos de acordo com critérios que produzem um semblante de objetividade – com o aval da cientificidade aplicada a métodos e conteúdos – mas que na realidade operam especialmente segundo a lógica do mercado. Essa verificação e validação estão postas a serviço da demanda do cliente da sociedade do bem-estar, têm por objetivo, ofertado e exigido, saciar qualquer demanda, obturar qualquer falta (nos remédios ou no saber) e são a lei comum a ambos os contextos. Nessas condições, e como indica Lacan, o alcance de uma palavra depende do discurso no qual ela se inscreve e, portanto, dificilmente é possível articular dois pontos de partida tão opostos: do lado do discurso analítico, uma escuta dirigida à experiência subjetiva da castração e ao não-todo, como forma de abrir espaço ao desejo inconsciente, a um desejo de saber sobre o não sabido; do lado do discurso imperante, que pretende fazer-se respaldar pela ciência e seus avanços, um pensamento dirigido à elaboração ou distribuição de um saber intelectual ou clínico, trata-se precisamente da obturação da falta-a-ser, fechando o acesso às questões que permitiriam alcançar a verdade do sujeito. Uma metodologia dirigida definitivamente à eliminação da subjetividade. 2 Popper, Conjeturas y refutaciones (1963/1967).

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Lembremos que de acordo com epistemólogos da ciência, como Popper2 e outros, essa exige a objetivação, operacionalização, verificabilidade e universalização das hipóteses e resultados a fim de fundar a garantia. Para isso, é desejável eliminar toda a variável incontrolável, dentre as quais a principal é a subjetividade, isto é, a significação particular de divisão que supõe para o sujeito falante o encontro com o objeto. O saber universitário, salvo honrosas exceções, funda-se nos resultados obtidos pelas investigações, com garantias científicas regidas pelas regras da metodologia científica, sendo essa, porém, entendida exclusivamente como metodologia experimental. Esse ponto de partida afeta também o contexto clínico e o social, porque aponta à verificação da eficácia dos tratamentos e intervenções mediante uma avaliação objetiva (seguindo os critérios experimentais mencionados) de métodos terapêuticos aplicados ao mal-estar individual. O passo seguinte é assentar as bases da regulação das práticas de acordo com sua eficácia e garantia. Para tanto, conta-se com a legitimação da ciência ocupando o lugar do Mestre atual, em nome do qual se garantem as práticas terapêuticas segundo critérios de eficiência e índices de satisfação do usuário, mesmo Alíngua e o inconsciente real


que não se saiba o destino a curto ou médio prazo dos portadores de tal demanda. Definem-se ou recortam-se determinados mal-estares quando são suscetíveis de serem neutralizados por novos saberes técnicos, e se exclui cada vez um pouco mais a possibilidade clínica de que os mal-estares façam signo de algo ao sujeito. Assim, na Saúde Mental, assistimos ao desencontro trágico entre uma atenção cada vez mais inclinada à tecnificação por mal-estares e uma demanda que mostra sujeitos cada vez mais desorientados a respeito de seus desejos e mais voltados a um empuxo à satisfação. O resultado já o conhecemos: forclusão do sujeito no campo da ciência e abandono dos sujeitos à própria sorte, à sorte para a qual os dirija este guia inconsciente, isto é, a fantasia, que não é absolutamente contemplada. O sujeito não contribui com o trabalho de responsabilizar-se por um inconsciente ao qual pode muito bem não dar importância. Padece enquanto consome, em uma glutonaria esperançosa, os saberes e os produtos desses saberes. Resumindo a situação, a demanda do Outro social nos coloca ante a tessitura de ter que responder com um saber que anule o malestar. Diante disso, em princípio, não há nada novo. O importante, porém, é como responder a partir do desejo do analista apontando ao gozo em jogo, o qual o sujeito pretende ignorar, abrindo assim a oportunidade de causar ao sujeito o desejo de um trabalho novo para tratar seu mal-estar. Não se trata então de oferecer nosso saber como resposta a uma demanda que perpetue a ignorância. O paradoxo desta posição seria o de alimentar com “saber” a paixão da ignorância. Um saber psicanalítico morto não anula a paixão da ignorância, e do que se trata é de que essa se transforme em causa que impulsione um trabalho de saber sobre a verdade inconsciente do sujeito. Freud nos advertiu contra o furor sanadi, extensivo ao furor educandi. Se o saber é meio de gozo, trata-se de “não-totalizar” a relação que o sujeito moderno estabelece com o saber, geralmente reduzida à aplicação do saber para saciar a sede de satisfação do sujeito até seu esgotamento. Nessa lógica é evidente que o saber propriamente dito não interessa ao sujeito moderno, ao qual somente lhe preocupa que o saber possa proporcionar satisfação no lugar da falta. Desse modo, na docência ou nas profissões da área da saúde, a oferta não é o saber senão a tecnologia e o conhecimento técnico aplicado. Apesar de ser sua função em certos cursos de graduação, é precisamente na área de humanas que tal conhecimento se prolifera como valor, em detrimento daquilo que é especificamente humano enquanto ser vivo afetado pela linguagem. Conclui-se, então, que a Universidade, respondendo à demanda social, oferece hoje a formação de técnicos em psicologia, educação, medicina; e o serviço que poderá ser ofertado aos mal-estares humanos será exercido por Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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3 Lacan, A lógica da fantasia (1966-67/2003, p. 326).

4 Lacan, Alocução sobre o ensino (1970/2003, p. 309).

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profissionais técnica e tecnologicamente preparados, homologados pelo Outro do social para o exercício de uma prática a partir de diplomas etc. Serão, porém, paradoxalmente impotentes para se sustentar numa presença em ato ante outro fala-ser. Presença em ato é a possibilidade de não atuar compelido por uma prática limitante concebida como um encontro de sujeitos sem inconsciente. No caso específico da saúde mental, observamos a proliferação de saberes terapêuticos a serviço da reeducação e adaptação do sujeito ao Outro, sem considerar o resto sintomático que o faz único. (Resto que justamente começava a fazer efeitos quando por fim consulta…) Tais saberes elidem o lugar da verdade do sujeito, da qual se engendrará uma função de domínio a partir de sua extração e administração burocrática. Não façamos, porém, sociologia, não se trata disso somente, pois é da relação do sujeito com sua fantasia de que se trata. A verdade que opera para um sujeito é a de saber-se em falta e dividido pelo objeto. É preciso que algo de tal verdade ignorada ultrapasse o véu posto pela fantasia, mesmo que em sua relação apaixonada com ela não se possa a princípio contemplar nada. Sem um trabalho de construção e desconstrução da fantasia, o sujeito se entrega às estratégias de satisfações substitutivas compatíveis com a concepção de uma verdade sem resto. A castração – à qual o neurótico resiste – o deixa responsável por seu ser de gozo, desse gozo com que até então dava consistência a um Outro sem falta. Lacan, no resumo do seminário A lógica da fantasia afirma “(...) não haver outra entrada para o sujeito no real senão a fantasia”.3 Então podemos dizer que a esse real que descompleta qualquer saber lhe corresponde uma resposta ética, não reeducativa, e que inclusive essa resposta ética é o terapêutico de fato. A partir do que foi apresentado até agora, nos propusemos a articular uma opção que dialetize a deriva do discurso corrente tanto no meio universitário quanto no da saúde. Trata-se, então, de que a enunciação na prática institucional possa deixar passar algo real que cause um desejo. Somente assim o trabalho na instituição pode operar para outro desejo, na eventualidade de uma contingência, de um encontro, as vezes de efeitos postergados no tempo. A partir da posição de docentes (no sentido amplo, de uma docência universitária, de um saber “psi” na clínica) na qual o outro nos interpela esperando uma resposta, somente há transmissão com a condição de que algo irrompa como ato e presentifique algo do gozo ignorado, confrontando o sujeito com sua posição de beatitude. Nas palavras de Lacan: “O que me salva do ensino é o ato”.4 O ato como efeito de um desejo no qual o saber não está a serviço do Alíngua e o inconsciente real


domínio (gozo sadomasoquista da fantasia), mas que, pelo contrário, permite desvelar um gozo em jogo que mais valeria ao sujeito interrogar. Sabemos que este real que a experiência analítica abarca é um real que por estrutura tende a seu desconhecimento, não é homologável ao saber, é o não sabido do saber, o que resiste a ser absorvido no saber. A questão é transmitir sua lógica. Aposta muito diferente daquela do discurso universitário e do próprio capitalismo. Em última instância, a lógica em jogo nisso tudo é a pretensão de completude (do saber, do bem-estar, do ser…) e a negação do real da castração e da falta de proporção sexual. Paradoxalmente, a sexualidade é um dos tópicos de moda no ensino universitário e nas ofertas na área da Saúde Mental, o que não deixa de ser sintomático e serve de exemplo paradigmático daquilo que expomos, como logo descreveremos com uma vinheta clínica (poderia aplicar-se isso também a respeito da “comunicação”, da “personalidade” etc.). Lacan reformula o dizer de Freud para “não há relação/proporção sexual”. No inconsciente não estão inscritos os dois sexos ou, nas palavras de Freud, a libido é sempre masculina. Pelo fato de falar, há uma marca de gozo, de gozo perdido, e o sujeito se empenha em recuperá-lo na pulsão, mesmo que só um pouco. Mas esse empenho é impulso se não se simboliza sua falta. Não há relação sexual, ou sempre há um resto da operação de castração, resto que causa a singularidade do sujeito e seu modo particular de gozo. Freud baseia sua descoberta do inconsciente no complexo de castração, em função do qual o falante não encontra no sexual o objeto adequado à satisfação, um objeto sempre afetado por alguma limitação ou proibição, por alguma impossibilidade lógica. Lacan, em Televisão, refere que um real permanece como enigma se for tomado somente pelo viés da gramática, a não ser que a análise faça dele (do real enigmático) surgir ou brotar “sua mola pseudossexual”, “Ou seja, o real que, por só poder mentir ao parceiro, inscreve-se como neurose, perversão ou psicose”.5 A saber, as diversas estruturações do sujeito a partir do fato de que com o parceiro só se realiza uma mentira (ou a verdade de uma não-relação). Seguindo essa linha, Lacan reflete acerca deste real e indica duas direções diferentes em sua abordagem: a da ciência e a da psicanálise. A ciência apontando em direção à sexologia; a psicanálise, em direção “ao novo”, um novo passo que atravesse os desfiladeiros significantes do Outro.6 A sexologia é a ciência que propõe curar a não relação sexual – cujos impasses são estruturais – mas o capitalismo, segundo Lacan também em Televisão, deixa o sexo de lado. Podemos entender facilmente essa aparente contradição se captamos que se trata de saberes (técnicos) aplicados aos mal-estares no âmbito das práticas sexuais, Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

5 Lacan, Televisão (1974/2003, p. 515).

6 Ibid.

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mas o ser sexuado, com sua verdade da inexistência da relação sexual, é abandonado à sua sorte. Um caso recebido recentemente no âmbito institucional público ilustra muito bem tal questão. Trata-se de uma mulher jovem que há vários meses recorre ao sexologista dada sua falta de desejo sexual. Devido ao fato de o caso não evoluir no terreno sexológico e de a mulher estar deprimida, enviam-na ao Centro de Saúde Mental com a indicação mais ou menos explícita de ser medicada com antidepressivos. Em consulta, a mulher não se queixa de sua falta de desejo sexual, parecendo, pelo contrário, encontrar-se confortável em relação a isso; nunca teve tal desejo – diz – e crê que pode facilmente ficar sem ele. Profissional reconhecida, nunca evidenciou aos demais senão uma imagem de mulher dedicada que não mostrava suas próprias coisas. Assim, conquistava afinidades e reconhecimento. Suporta um mal-estar interior que somente a trai quando a supera, quando ela não aguenta mais, mas nunca expressa o que de fato lhe ocorre. Apresenta-se, aparentemente, como presa de um desânimo angustiante que dela se apodera e deixa a todos os demais impotentes. Deixa fora, entretanto, todo envolvimento íntimo nas relações. As primeiras entrevistas em Saúde Mental pareciam conduzir ao mesmo caminho. Uma manobra do “psi”, à margem das inércias assistenciais cotidianas, com um modo de entrevista e de frequência de sessões que a paciente não esperava, deu seu fruto pouco depois. Seu posicionamento como uma mulher sem desejo sexual, o que lhe permitia por certo manter um longo relacionamento com um parceiro que não parecia ir a lugar algum, alterou-se nos últimos anos em função de uma série de surpresas no terreno afetivo. Vários companheiros se declararam a ela de uma ou de outra forma, situação que parecia não afetá-la muito e, logicamente, não questionava sua possível participação no efeito que causava. Finalmente a amada ficou presa à metáfora do amor e acabou amando também. Um amor apaixonado, mas doloroso, por um colega de trabalho, que não se atreve nem a corresponder nem a interromper. Sua depressão e a falta de desejo sexual exigem agora um novo sentido, o qual a implica na resposta ao real do encontro com o sexual, encontro que ela lamenta profundamente posto que a escinde dos ideais amorosos que albergava com seu parceiro de sempre, e que a faz sentir-se dolorosamente sexuada e, em parte, caída do lugar ideal no qual queria ser vista. Lamenta-se assim: “Quem dera o sexual, no sentido deste amor passional e sexual, que sente por esse companheiro de trabalho não tivesse ocorrido”. O luto pelo ideal de mulher trabalhadora sem falta – mesmo que já privada de todo desejo – talvez possa dar lugar ao trabalho de inventar o “novo” para assumir seu ser sexuado. 54

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Mas não esqueçamos que se ela recorreu a um sexólogo, o fez para manter o engano no qual permanecia e queria manter também seu companheiro. Com ele, nunca fala do que acontece, do mesmo modo que ela tampouco se confronta com a situação em que havia chegado quando já nada esperava das relações sexuais. Como solução de compromisso, aceitou fazer, junto com o namorado de sempre, uma terapia sexológica, atribuindo-lhe apenas a possibilidade de recuperar a calma de seu namoro. É preciso advertir que o casal aceitava muito bem a situação prévia de falta de desejo e que a ideia de recorrer a um sexólogo só surgiu quando ela temeu que seu namorado fosse afetado (tamanho era seu desejo insatisfeito de ficar com o outro). Nem é preciso dizer que nada das questões que tanto afligiam a mulher surgiu nas consultas de sexologia e que seu mal-estar pessoal (angústia forte e tristeza) era uma oportunidade única de iniciar um trabalho a respeito. Sem dar consistência a seu mal-estar com alguns parâmetros de técnicas sexuais, somente foi necessário interessar-se por seu dizer e interpretar os trabalhos e privações aos quais se entregava para obter reconhecimento do Outro, sem implicar-se verdadeiramente. Ela está, agora, começando a formular algumas questões. Certos caminhos encerrarão este trabalho, outros lhe possibilitarão continuar. Trata-se também de uma escolha sua. Tradução: Maria Claudia Formigoni Revisão: Conrado Ramos

Referências bibliográficas LACAN, J. (1966-67). A lógica da fantasia. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. LACAN, J. (1970). Alocução sobre o ensino. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. LACAN, J. (1974). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. POPPER, K. (1963). Conjeturas y refutaciones. Buenos Aires: Paidós, 1967.

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Resumo A partir da experiência no âmbito de duas instituições públicas, Universidade e Instituições de atenção à Saúde Mental, propõe-se uma reflexão sobre as causas das dificuldades em articular o discurso psicanalítico com o discurso da ciência e do capitalismo.

Palavras-Chave Psicanálise, clínica, ciência, discurso capitalista, discurso universitário.

Abstract From the experience within two public institutions, the University and Mental Health attention institutions, one proposes a reflection on the causes of the difficulties to articulate the psychoanalytical discourse with the discourse of science and that of capitalism.

Keywords Psychoanalysis, clinic, science, capitalist discourse, university discourse.

Recebido 03/07/2009

Aprovado 27/08/2009

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Sobre o sujeito não-UM: a heterogeneidade discursiva e a presença da lalíngua Marcella Marjory Massolini Laureano Daniela Scheinkman Chatelard “É em um discurso multiforme, essencialmente heterogêneo – no plano das disciplinas, dos objetos, dos pontos de vista,... –, que a questão do heterogêneo pode ser evocada na sua dimensão de ruptura.”1

1 Authier-Revuz, Entre a transparência e a opacidade

Introdução As Ciências Humanas sempre tiveram, de modo geral, certa dificuldade para compreender o sujeito falante, pois este tem uma existência subjetiva que remete ao inconsciente. Porém, o sujeito só vai se constituir no momento em que fala inscrevendo-se, assim, no espaço discursivo.2 Quando dizemos que o sujeito se constitui ao produzir discursos, nos remetemos às reflexões de Benveniste que em 1966 já destacava: “C’est dans et par le langage que l’ homme se constitue comme sujet; parce que le langage seul fonde en réalité, dans sa réalité qui est celle de l’ être, le concept ‘ d’ ego’”.3 e 4 Para o autor, a linguagem é condição da subjetividade e não há como o sujeito constituir-se fora dela, pois é na linguagem que cada um irá constituir-se de forma singular. Segundo Mariani,5 a ordem significante constitui-se de modo diferente em diferentes sujeitos, resultando em diferentes posições numa determinada formação discursiva. A isto se acrescenta o fato de que a partir da relação traçada nesta ordem significante entre o sujeito e o Outro (lugar onde há o reconhecimento por parte do sujeito de que algo lhe falta) é que toda a singularidade deste sujeito pode sustentar-se.6 Considerando a ordem significante como constitutiva do sujeito, Pêcheux7 nos diz que Lacan, ao postular que o sujeito é aquilo que um significante representa para outro significante, aponta para o caráter dinâmico deste. Logo, para a teoria de Pêcheux (a análise do discurso de linha francesa – AD) o sujeito é visto como efeito/acontecimento discursivo. É preciso lembrar, também, que Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

– um estudo enunciativo do sentido (2004, p. 173).

2 Flahault, La parole intermediare (1978).

3 Benveniste, De la subjectivité dans le langage (1966, p. 259).

4 “É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque a linguagem funda em realidade, em sua realidade que é a do ser, o conceito de ego.”

5 Mariani, Ideologia e inconsciente na constituição do sujeito (1998).

6 Leite, Sobre a singularidade (2000).

7 Pêcheux, Semântica e discurso – uma crítica à afirmação do óbvio (1988).

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8 Lacan, Mon enseigment (1967/2005, p. 50).

9 “O sujeito que nos interessa é aquele que é feito pelo discurso, não aquele que faz o discurso, é aquele que é ‘fait comme un rat’ (aquele que é feito pelo discurso tal qual um rato é preso numa ratoeira), é o sujeito da enunciação. Isso me permite

o sujeito-efeito da cadeia significante é afetado por instâncias que estão para além de sua consciência, da ordem da ideologia e do inconsciente. Como diz Lacan: Le sujet qui nous intéresse, sujet non pas en tant qu’il fait le discours, mais qu’il est fait par le discours, et même fait comme un rat [expressão francesa que significa “tal como um rato preso na ratoeira”], c’est le sujet de l’énonciation. Cela me permet d’avancer une formule que je vous donne comme l’une de plus primordiales. (...) J’énonce que ce qui le distingue [referindo-se ao significante], c’est que le signifiant est ce qui représente le sujet pour un autre signifiant, pas pour un autre sujet.8 e 9

complementar uma fórmula que lhes digo como sendo uma fórmula primordial. (...) Eu digo que o que distingue o significante, é que o significante é o que representa o sujeito para um outro significante, e não o que ele representa para um outro sujeito.”

10 Lacan, O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1998, p. 198).

11 Acrescentamos aqui, significantes que estão disponíveis na cadeia para cada sujeito. Este acaba por assujeitar-se a eles para assim constituir-se enquanto tal.

12 Bairrão, O impossível sujeito – volume I – implicações da irredutibilidade do inconsciente (2003).

13 La parole intermediare, op. cit.

14 Ibid. 58

O sujeito da enunciação será, assim, o sujeito que transita na cadeia significante por posições que lhe são permitidas ou proibidas de acordo com a maneira que a ideologia o interpela, Lacan destaca: “o sujeito pode, com efeito, ocupar diversos lugares, conforme se ponha sob um ou outro desses significantes.”10 e 11 Assim, o sujeito da AD e o da psicanálise se constituem como um acontecimento a partir do discurso numa ação do inconsciente, em que o próprio inconsciente é um acontecer sujeito pela ação de dizer.12 Porém, é interessante notar que existe uma certa distância entre o sujeito da AD e o sujeito da psicanálise. Para Flahault13 o sujeito da AD é “pregado” a uma concepção de ideologia que não contempla a questão do inconsciente. De fato, a morte prematura de Pêcheux deixou muitas questões teóricas que relacionam AD e psicanálise em aberto, sobretudo aquelas referentes ao sujeito em sua relação com a linguagem. Numa tentativa de responder alguns pontos opacos desta articulação, Flahault14 destaca que a AD não trata da faceta inconsciente do desconhecimento ideológico, o que faz com que a AD não contemple a noção de um sujeito que divide com o Outro um tecido discursivo do qual apenas o Outro é mestre. Assim, podemos dizer, concordando com o autor, que o sujeito do inconsciente, apesar de presente, não é contemplado pela AD. No entanto, mesmo distantes, cremos que é possível postular certa complementaridade entre o sujeito da AD e o da psicanálise. A complementaridade será possível a partir dos conceitos de heterogeneidade discursiva e de Outro. Não vemos aqui, porém, o advento de um único sujeito; os conceitos de sujeito da AD e da psicanálise não podem se sobrepor formando um só. É mais interessante tomarmos a posição de entender o sujeito como um sujeito do discurso que traz a todo momento a presença-ausência velada do sujeito do inconsciente, e aí reside a noção de complementaridade da qual falamos mais acima. Segundo Alíngua e o inconsciente real


Henry: “O sujeito é sempre e ao mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujeito do desejo do inconsciente e isso tem a ver com o fato de nossos corpos serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitação”.15 A isto se acrescenta a concepção de que o sujeito da linguagem é constitutivamente dividido, pois há uma parte dele que resta para sempre no real, no não dito, naquilo que não cessa de não se escrever. Esta divisão traz à cena e marca, no discurso do sujeito, a heterogeneidade. Essa heterogeneidade, constitutiva do discurso. De acordo com Authier-Revuz,16 ao acontecer na linguagem, o sujeito não pode ser tido como homogêneo, como exterior à linguagem, pois ao falar, o sujeito não se utiliza das palavras para traduzir sentidos de modo consciente. Assim, ao lado do duplo assujeitamento, à ideologia e ao inconsciente, Authier-Revuz17 postula, tomando como ponto de partida a concepção de heterogeneidade da palavra, um descentramento do sujeito, pois este será dividido (clivado, mas que se crê uno), constituindo-se como efeito de linguagem e que não pode se constituir a não ser no interior desta. A heterogeneidade discursiva constitui-se como um ponto de encontro entre a AD e a psicanálise lacaniana, ponto este no qual o sujeito (não-UM) encontra-se com o Outro a partir de seu discurso (que este mesmo sujeito crê ser UM). O conceito de Outro será usado por Lacan a cada vez para quando o autor assinala que o sujeito não é sua própria origem (ou seja, que ele não se origina em si mesmo), assim, o Outro para Lacan designa negativamente a alteridade, pois nem tudo pode ser reduzido à identidade.18 Em 1958, o Outro assume o papel daquele que dá ao sujeito seu primeiro significante, ou seja, assume o lugar da fala inscrevendo-se como tesouro dos significantes (tese que não será abandonada). Relacionando o Outro com a fala nos diz Lacan em outro trabalho: “L’Autre est donc le lieu où se constitue le je qui parle avec celui qui entend, ce que l’un dit étant déjà la réponse et l’autre décidant à l’entendre si l’un a ou non parlé.”19 e 20 Entre os anos 1968 e 1969, Lacan dedica-se inteiramente a discutir qual é o estatuto do Outro para o sujeito e para e experiência analítica. O seminário proferido entre estes anos foi denominado “De um Outro ao outro”. Este nome é bastante sugestivo e já revela o interesse de Lacan em buscar entender qual é o caminho traçado pelo sujeito de um Outro (lugar da verdade do sujeito e conjunto vazio que torna possível todo tipo de enunciação sobre um dado conjunto) ao outro (o semelhante, ou seja, aquele inscrito totalmente no registro do imaginário). No início de suas reflexões, Lacan21 se pergunta “O que é o Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

15 Henry, A ferramenta imperfeita – língua, sujeito e discurso (1992, pp. 188-189).

16 Authier-Revuz, Hétérogénéité montrée et Hétérogénéité constitutive: élements pour une approche de l’autre dans le discours (1982).

17 Ibid.

18 Assoun, Lacan (2003).

19 Lacan, La chose freudienne (1955/1966, p. 431).

20 “O Outro é, portanto, o lugar onde se constitui o [eu] que fala com aquele que ouve, o que um diz já sendo a resposta, e o outro decidindo, ao ouvi-lo, se esse um falou ou não.”

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21 Lacan, Le seminaire, livre 16: D’un Autre à l’autre (1968-1969/2006).

22 Ibid, p. 24. 23 “É esse campo da verdade que defini para ser o lugar no qual o discurso do sujeito tomaria consistência, e onde ele se coloca e se oferece para ser ou não refutado.”

24 Lacan, palestra proferida em Louvain – Bélgica em 1972 (1972/2008).

25 Ibid, p. 75.

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Outro?” e responde: “C’est ce champ de la verité que j’ai defini pour être le lieu où le discours du sujet prendrait consistance, et où il se pose pour s’offrir à être ou non refuté”.22 e 23 Assim, na relação do Outro com o sujeito, o primeiro é essencial para garantir a existência do segundo. O Outro “se fabrica”, nos diz Lacan, como objeto (a) ocupando assim um lugar de suporte para o sujeito e para seu discurso. O Outro tem, desse modo, papel fundamental em relação ao discurso. Para Lacan, o discurso capta indícios da fala, ele se insere na fala, ou seja, ao produzir um discurso, todo sujeito já está implicado de alguma forma com aquilo que disse, assim, não há discurso que deixe de implicar, em maior ou menor grau, o sujeito falante. Em 1972, em conferência proferida em Louvain – Bélgica, Lacan complementa tais reflexões e define o discurso como um lugar social, lugar este que “garante” a existência do sujeito a partir da presença de um outro/Outro.24 A pergunta que nos resta é a seguinte, a de se questionar por qual razão um discurso se revela em lugar de outro. Em outras palavras, qual o motor produtor desses discursos? Entender e responder a este questionamento implica nos encontrarmos com outra característica do Outro: a oposição entre o Outro (A) e o Outro castrado (A barrado). O Outro (A) absoluto é o que Lacan chama de tesouro dos significantes, o lugar onde estão todos os significantes, mas adverte Lacan, todos esses significantes são diferentes daquilo que o A representa como significante, afinal não é possível dizer tudo, é o impossível da língua que se presentifica nos atos falhos, equívocos e chistes. O Outro castrado é o que marca o lugar da falta e aponta para a pergunta do sujeito do desejo: “o que o Outro quer de mim?”. Lacan, usando-se brilhantemente da língua francesa, vai dizer que o sujeito se comporta da seguinte maneira em relação ao desejo do Outro: “c’est de son désir que je suis – ... que je suis la trace”.25 O verbo conjugado “suis” em francês pode tanto significar seguir (suivre) ou ser (être), então, traduzindo Lacan com o duplo sentido que o verbo comporta temos que o sujeito é/segue a partir do desejo do Outro, mas que, porém, ele não é o Outro e sim um traço, uma marca dele. Lacan explica que o Outro é castrado/barrado, porque: ele não existe, ele não é consistente, ele não é completo e, portanto, é (-1), ou seja, é um furo do real que incide no simbólico, afinal a inconsistência não impede que o Outro forje o significante. Ocupando funções ligadas à questão do lugar que o sujeito ocupa em relação a seu desejo e, claro, seu lugar na linguagem, o conceito de Outro se relaciona diretamente com a produção discursiva do sujeito desejante. Para se falar da falta (desejo) é preciso significáAlíngua e o inconsciente real


la de algum modo e, para isso o sujeito se serve de significantes, da cadeia significante. Mas esse “servir-se” não é aleatório e não depende da vontade do sujeito, como bem sabemos. Podemos dizer que, no lugar de tesouro dos significantes, do código, e de mediador na relação da fala com o campo da linguagem, o Outro (absoluto e ao mesmo tempo castrado) vem para fornecer ao sujeito as “ferramentas” para esse discurso da falta. O Outro provê ao sujeito os significantes que ele precisa para inscrever-se enquanto desejante. Mas a função desse Outro enquanto provedor daquilo de que precisamos para falar marca também uma outra função essencial ao discurso, que é a da alteridade. Afinal, se falamos a partir daquilo que nos é provido por esse lugar quase sagrado dos significantes, onde cada sujeito se distingue, falamos também para atender a essa demanda do Outro,26 falamos para um outro (nossos interlocutores) e falamos para um Outro (aquele que supostamente detém os significantes que representam nossa falta estrutural, falta essa que nos transforma em parlêtres – termo forjado por Lacan para caracterizar os sujeitos como “seres de fala”). Ao falarmos de alteridade no discurso, encontramos na teoria de heterogeneidade discursiva de Authier-Revuz uma articulação fecunda entre as ideias de Lacan e de Pêcheux sobre esse território singular que marca a existência de todo sujeito no mundo da linguagem. Authier-Revuz ao trabalhar com a faculdade de reflexão da linguagem revela uma faceta nem sempre contemplada pelos estudos na área da linguística e coloca a enunciação numa posição incerta e marcada por diferentes tipos de heterogeneidade. O que sua teoria vai mostrar é que o dizer de um sujeito sempre está carregado de um dizer que vem de outro lugar, ou seja, todo discurso comporta em si um discurso-outro.27 Como destaca a autora, ao ver o sujeito como a psicanálise o faz, nos aproximamos mais da ideia de poder falar de como esse sujeito se situa na linguagem e faz uso dela.28 Será então em Lacan que Authier-Revuz irá encontrar as ferramentas necessárias para compreender o sujeito que produz os discursos, apoiando-se, sobretudo, na máxima lacaniana “penso onde não sou e sou onde não penso”, máxima que atesta, ao mesmo tempo, a impossibilidade de o sujeito tornar-se completo ao tentar fazer-UM com a língua e que algo escapa ao dizer desse mesmo sujeito. O sujeito será, para a autora, assujeitado ao inconsciente e preso à incessante tentativa de fazer UM com a língua. Como sabemos, ao tentar fazer UM com a língua, o sujeito tenta, nada mais nada menos, que preencher sua falta estruturante, buscar seu objeto ilusoriamente perdido, e em última instância, tenta responder a incessante demanda do Outro que questiona a todo o momento o desejo do sujeito. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

26 Sempre se tenta responder ao “Che vuoi?” dirigido pelo sujeito ao Outro.

27 Hétérogénéité montrée et Hétérogénéité constitutive, op. cit.

28 Authier-Revuz, Psychanalyse et champ linguistique de l’ énonciation: parcours dans la méta-énonciation (2001).

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29 Ibid.

30 Conversas pessoais (2006).

31 Milner, O amor da língua (1987).

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Para abordar a questão desse discurso pela alteridade, AuthierRevuz vai fazer uma divisão entre dois tipos de heterogeneidade presentes no discurso: há uma heterogeneidade mostrada – que atesta a presença do outro no discurso de forma marcada, como, por exemplo, o uso de aspas (que suspende a naturalidade do dizer, relegando-o a um lugar que não vem do sujeito e tornando-o opaco 29) – e uma heterogeneidade constitutiva – que vai marcar como o sujeito negocia com este outro/Outro que também faz parte de seu discurso. Como assinala Authier-Revuz, o estudo de uma heterogeneidade implica a outra, ambas não são totalmente dissociáveis, sobretudo se o corpus a ser analisado é um corpus escrito (reportagens, cartas, livros, por exemplo) onde as formas marcadas ou mostradas da heterogeneidade são mais facilmente apreensíveis. Por outro lado, entendida como diretamente relacionada ao exterior discursivo, a heterogeneidade constitutiva será ainda dividida por Authier-Revuz em quatro diferentes formas de o sujeito negociar com esse exterior do discurso. Nas palavras da autora,30 “a heterogeneidade constitutiva é uma resposta a um encontro, o encontro do sujeito com seu discurso”. Assim, há quatro respostas possíveis a esse encontro: a primeira liga-se à exterioridade discursiva – que compreende o interdiscurso e o campo da alteridade (o Outro, aqui entendido como faceta externa ao discurso); a segunda diz respeito à exterioridade interlocutiva – que compreende o campo do outro semelhante; a terceira é aquela que vê a língua como sistema de diferenças em seu encontro com o real, ou seja, com a falta. E, por fim, a quarta seria a resposta das palavras a mais, ou seja, a lalíngua. Essas respostas dadas pelo sujeito em seu encontro com o discurso estruturam-se em quatro espaços de não-coincidência ou de heterogeneidade; espaços esses onde o dizer/discurso se confronta com ele mesmo, se desdobra e se altera, a saber: 1) Espaço da não-coincidência interlocutiva entre os enunciadores. Nesse espaço o outro semelhante é convocado e aparece como reflexo do mesmo por intermédio de uma regra de conversação (retomando Milner31). A comunicação aqui é não-UM, afinal um dos interlocutores sempre vai tentar explicar algo ao outro contando com seu entendimento ou não do que está sendo discutido. Esse não-UM da comunicação é o fundamento de toda comunicação possível. 2) Espaço da não-coincidência do discurso com ele mesmo, no qual há o discurso outro. Esse tipo de não-coincidência refere-se ao dialogismo de Bakhtin (o sujeito se constitui a partir de outros discursos) e ao conceito de interdiscurso postulado pela AD (“isso fala, independentemente, antes e em outro lugar”). Temos aqui as fronteiras Alíngua e o inconsciente real


entre o eu e o outro. 3) Espaço da não-coincidência entre as palavras e as coisas. Esse lugar de heterogeneidade deve ser visto, como destaca a autora, a partir de duas perspectivas: de um lado há: 1 - a oposição que existe na linguística entre a língua como sistema finito de unidades e o contínuo das infinitas singularidades do real a ser nomeado e, de outro, 2 - o real tal como Lacan o vê, como radicalmente heterogêneo à ordem simbólica e que constitui o sujeito enquanto faltoso. 4) Espaço da não-coincidência das palavras com elas mesmas, no qual as glosas reflexivas remetem à polissemia, homonímia, jogos de palavras. Essa não-coincidência traz à cena a lalíngua, lugar da poesia, da psicanálise e do Saussure dos anagramas. É o ponto de encontro do sujeito com o equívoco da língua.

É preciso lembrar que todos esses lugares marcam formas que interditam ao sujeito fazer-UM com a língua ao mesmo tempo em que ele nega essa impossibilidade, pois quando tenta tornar seu dito fechado e transparente, imaginariamente, o sujeito acredita (e precisa acreditar) que faz UM com a língua e que a domina ao seu bel prazer.32 Assim, nestes quatro modos de negociação podemos destacar que no primeiro, o espaço da não-coincidência interlocutiva entre os enunciadores, destaca-se o papel do interdiscurso e do Outro e que os dois últimos (espaço da não-coincidência entre as palavras e as coisas e, espaço da não-coincidência das palavras com elas mesmas), podem ser colocados em íntima relação um com o outro, afinal é ao ver a língua como sistemas de diferenças que também se vê a presença da lalíngua. Esses modos de negociação são assinalados por pontos de nãocoincidência ou de heterogeneidade no dizer. Tais pontos tornam o discurso opaco, revelando que há algo que o sujeito não domina e que se faz presente em seu dito. Nos referimos aqui à presença do inconsciente, do real, que fura o dito, que o contorna sem que o sujeito se dê conta. Conceber o dito a partir da heterogeneidade discursiva é, sem dúvida, conceber também o sujeito, tal como a psicanálise lacaniana o concebe, como aquilo que representa um significante para outro significante, um não-UM com a linguagem. Lacan, em entrevista dada em 1974, discorrendo sobre o estatuto da verdade, conjectura: “Digo sempre a verdade: não toda, porque dizê-la toda não se consegue. Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras. É justamente por esse impossível que a verdade provém do real.”33 Faltam palavras ao sujeito, afinal, recobrir o real é impossível e é preciso que seja assim, pois a impossibilidade de fazer UM com a linguagem é o que garante o discurso como lugar social e espaço de constituição de sujeitos faltosos, a partir das não coincidências do dizer. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

32 É claro que estamos falando aqui do assujeitamento do sujeito ao inconsciente.

33 Lacan, Televisão (1974/1993, p. 11).

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34 Jogo homofônico criado por Lacan a partir de maître [mestre] e m’ être [sê-lo].

35 Lacan, O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante (1971/2009, p. 114).

36 Ibid, p. 113. 64

Um dos lugares onde o dito não coincide consigo mesmo é o lugar do sintoma concebido como marca singular do sujeito. Logo, o sintoma pode ser tido como algo que marca o não-UM do sujeito com a linguagem, bem como todas as outras formações do inconsciente (sonho, ato falho, chiste). O que faz a singularidade do sintoma de cada sujeito é o que há no sintoma de mais real, de mais íntimo, de mais velado. Esse mais real que há no sintoma do sujeito é a letra, a letra perdida e a ser reencontrada no ser do sujeito, a letra que no conto A Carta roubada sofreu um prolongamento em seu trajeto: o que Lacan chama o purloined da carta [letra]: essa carta [letra] que foi desviada depois prolongada com seus desvios e extravios. Como poderíamos reduzir a letra [carta] ao ser do sujeito que foi roubada, letra [carta] velada pelo significante mestre vindo do Outro, que teria sido o sêlo34 [mestre] primeiro e alienante do sujeito? Como reduzir o sê-lo [m’ être] do sujeito, seu objeto perdido a seu osso, a sua letra? Uma das vias que escolhemos é o sintoma como uma das formações do inconsciente, como uma das respostas do inconsciente e que, como todas as outras formações do inconsciente, vela a letra do sujeito, cifrando-a. O Um do inconsciente cifra a letra. O sintoma tal como Freud o concebe no início de sua obra é uma mensagem cifrada, e são as formações do inconsciente – notadamente o sonho, o sonho como escrita a ser decifrada – que dão o acesso privilegiado, que são a via real para a decifração do inconsciente. A letra, acabamos de ver, refere-se a uma fixidez, a uma marca primeira que inaugura a sequência, a cadeia do Um múltiplo até que culmine numa cifra. A cifra tendo um estatuto de signo, isto é, de signo de um elemento, essa cifra é Um elemento distinguível de outro. “Há Um.” Em Lituraterre, Lacan considera a escrita um “ravinamento”; e ele acrescenta: “uma rasura”. O ravinamento designa um fenômeno natural perceptível no real, a erosão sendo um estado que implica transformações, como resultado da água que cai das nuvens. A letra é assim um efeito de ravinamento no sentido literal do termo, no sentido geográfico: “a escrita é, no real, o ravinamento do significado, ou seja, o que choveu do semblante como aquilo que constitui o significante. A escrita não decalca o significante”.35 Quanto à rasura, este termo se refere não a fenômenos, mas ao grafismo. A conjunção dos dois termos dá como resultado um ravinamento que está marcado, que traz a marca rasurada, que se torna uma marca, efeito primeiro de antes de qualquer rastro: a chuva, ao passar sobre os rastros deixados pelo escorrimento, os rasura. A estes dois termos Lacan acrescenta escorrimento pluvial. Lacan diz isso à sua maneira: “entre as nuvens, o escoamento das águas, único traço a aparecer”,36 dando aqui a ideia da chuva, que cai do céu, das nuAlíngua e o inconsciente real


vens, e, ao cair em seus rastros primeiros, os rasura. O escorrimento é marcado pela rasura e ocorre em dois momentos: em primeiro lugar ele se apresenta como traço primeiro, depois pouco a pouco o apaga. Assim, o fenômeno de escorrimento apaga o traço primeiro. Conjugar os dois momentos significa, portanto, que o escorrimento se faz sujeito, na medida em que é do apagamento do traço que se designa o sujeito. A rasura, por sua vez, reproduz a outra metade do sujeito que subsiste; a rasura faz rastro, marca, no escorrimento da água que corre, o rastro do sujeito, faz litura — rasura, ação de riscar; rasura, o que está riscado — lituraterre, rasura “de traço algum que seja anterior, e é o que do litoral faz terra”;37 ela é, assim, produzida pelo escorrimento, e para que haja litoral é preciso essa rasura trazida pela água do escorrimento. A litura é o poder de produzir a rasura que vai permitir delimitar, fazer existir a fronteira, fazer existir o litoral, a fronteira entre o mar e a terra, isto é, produzir essa metade sem par onde o sujeito subsiste. Lacan insiste no fato de que “litoral faça letra, faça literal”, o que está de acordo com o fato de que a letra é idêntica a si mesma; é seu caráter identitário; a identidade de si a si mesmo, o que não é oferecido pelo significante, que ao contrário oferece a diferença. Logo, Lacan situa a escrita a partir da letra. Embora esta esteja muito próxima do significante, ela lhe serve antes de suporte. Em outras palavras, o trajeto de Lacan em Lituraterre é o seguinte: após o primeiro tempo do escorrimento, vem o tempo da transformação do litoral em literal, que constitui o momento da emergência da letra; depois vem o escorrimento como efeito da ruptura das nuvens, o significante tendo por efeito a ruptura do semblante, pois enquanto não estiver mobilizado na fala, ele fica em suspensão, não faz efeito de significação. O semblante estando aqui metaforizado sob a forma de nuvens, é preciso uma ruptura do semblante, ou então algo que permita à matéria em suspensão correr sob a forma de chuva: “O que se revela por minha visão de escoamento, no que nele a rasura predomina, é que ao se produzir por entre as nuvens, ela se conjuga com sua fonte; pois é justamente nas nuvens que Aristófanes me conclama a descobrir o que acontece com o significante, ou seja, o semblante por excelência, se é de sua ruptura que chove esse efeito em que se precipita o que era matéria em suspensão”.38 Esse momento de ruptura do semblante não deixa de produzir um gozo, pelo qual o escorrimento produz um ravinamento provocado pela ruptura do semblante. A letra faz rasura, “ruptura, portanto, semblante, que dissolve o que constituía forma, fenômeno, meteoro (...), o que se evoca de gozo para ao se romper um semblante, é isso que, no real – aí está o ponto importante, no real – se apresenta como ravinamento das águas”.39 Temos aqui os três termos noduStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

37 Ibid, p. 113.

38 Ibid, pp. 113-114.

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39 Ibid, p. 114.

lados: arrebatamento, rasura, ravinamento, numa sequência lógica ligada a esse efeito de ruptura do semblante acompanhado de gozo. À ruptura das nuvens, ou ruptura do semblante, sucedem a chuva e depois o escorrimento que engendra, a partir daí, o ravinamento.

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Resumo A partir da articulação entre a análise do discurso de Pêcheux e a psicanálise de Lacan, o presente trabalho reflete sobre a questão da heterogeneidade discursiva. O conceito de heterogeneidade discursiva nos mostra os possíveis caminhos percorridos pelo sujeito em sua tentativa de fazer UM com a linguagem. Falaremos das não-coincidências do dizer, como formas de o sujeito negociar seu encontro com a linguagem. Estas não-coincidências serão abordadas em sua relação com o sintoma e a letra, marcando pontos de ruptura no dito e revelando ao sujeito a presença da lalíngua e do inconsciente, rompendo o real e engendrando o ravinamento.

Palavras-Chave Heterogeneidade discursiva, lalíngua, letra, sintoma.

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Abstract From the link between Pêcheux’s discourse analysis and Lacan’s psychoanalysis, this article reflects on the question of discursive heterogeneity. The concept of discursive heterogeneity shows the possible paths traveled by the subject in his attempt to make ONE with the language. Discuss the non-coincidences of the discourse, as ways to negotiate their meeting subject to the language. These non-coincidences will be addressed in relation to the symptom and the letter, marked points of rupture in that the subject and revealing the presence of lalíngua and unconscious, breaking the real and engendering the ravine.

Keywords Discursive heterogeneity, lalíngua, letter, symptom.

Recebido 07/09/2009

Aprovado 15/09/2009

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trabalho crítico com os conceitos

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Com lalíngua no corpo Antonio Quinet O que é o corpo para a psicanálise, afinal? O corpo é o eu, feito de imaginário, ou seja, constituído pela imagem especular do eu-ideal composta através do espelho do ideal do eu, que é o ideal do Outro. O corpo é tecido de linguagem, pois ele se incorpora ao grande Outro que é o primeiro corpo, prévio, o corpo simbólico, lugar da linguagem que não se distingue do lugar do Inconsciente. O corpo tem nome, assim como suas partes, como o demonstra a anatomia. O corpo humano é o único que traz uma marca própria que lhe permite colocar-se numa cadeia significante. O corpo imaginário não é apanágio do corpo humano, pois como res extensa ele pode ser medido e pesado como qualquer objeto do mundo fenomênico: corpo, cadeira, mesa, lápis. Assim como se pode descrever suas características e atributos como de qualquer objeto. O corpo humano é mais um objeto do mundo fenomênico. O corpo simbólico não é tampouco necessariamente o corpo vivo, pois o cadáver também tem essas características. Ele está preso na cadeia da linguagem e é mortificado pelo significante ao ser tomado no registro simbólico. O significante mapeia o corpo e nele escreve a história e a anatomia histérica próprias a cada um. O corpo é um corpo histoérico. Mas este corpo pode estar morto ou vivo, estar calado no silêncio da pulsão de morte ou vibrar com Eros. Para estar vivo este corpo precisa ser também um corpo que goza. Deste modo o corpo está nos três registros: no imaginário do espaço, no simbólico da linguagem e goza como corpo real.

Do ser ao corpo Em O Seminário – livro 20: Mais, ainda, Lacan desfaz a ideia de que o ser do sujeito estaria do lado do objeto a — o que pode surpreender, pois desde os anos 1960, principalmente após os Seminários 10 e 11, A angústia e Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, respectivamente, podemos acompanhar a elaboração do work in progress de Lacan do objeto a como complemento de ser do sujeito do Inconsciente definido como falta-a-ser. O objeto a é o “ser que se furta”1 desse sujeito sem substância. Pois bem, Lacan indica que também o objeto a, assim como o falo, é da ordem do semblante. É o semblante do ser. E propõe o corpo como suporte do ser do sujeito. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Lacan, Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967/2003).

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2 Lacan, O Seminário: a lógica da fantasia (1966–67, lição de 24/05/1967).

3 Lacan, O Seminário: ...ou pior. (1971–72, lição de 15/12/1971).

4 Ibid., lição de 02/12/1971.

5 Lacan, La tercera. (1974/1988).

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O que confere a vida ao corpo é a pulsão — eco no corpo do dizer do Outro. Assim, o corpo é a tela da pulsão escópica — como se pode ver, cada vez mais hoje em dia, com a moda da tatuagem e com a body art no campo das belas artes. A face deixou de ser o lugar único para a pintura corporal. Dos caras pintadas, como derivação da maquiagem, passamos aos troncos pintados, braços pintados, bundas pintadas etc. A tatuagem mostra o corpo-tela para a pintura do olhar do Outro. O corpo também é o tambor da pulsão invocante que faz dele um corpo dançante. A música do Outro, a que chamamos de voz, entra no corpo e o faz dançar, desde um simples tamborilar dos dedos até o teatro-dança de Pina Bausch. O corpo tem balanço, balanço do mar, como disse Vinicius de Moraes, mas esse balanço são as ondas sonoras que o poeta captou na música que fazia a garota de Ipanema balançar seu corpo a caminho do mar. O corpo, portanto, tem balanço, tem forma e está no espaço, aparece no espelho e pode ser tocado, manipulado como o corpo de qualquer objeto, e pode ser partido, despedaçado. O Outro da linguagem tem corpo, mas não existe. O que lhe confere existência é o gozo, ou ainda, o que confere a vida ao corpo é a capacidade de gozar. Segundo Lacan, “só há gozo do corpo próprio”;2 “gozar é gozar de um corpo”.3 E, nesse mesmo Seminário: ...ou pior, Lacan diz que o gozo é a “relação do ser falante com o seu corpo”.4 E esse corpo é sede de lalíngua.

Lalíngua e linguagem A linguagem se refere à relação de significante e significado, à substituição significante, ao deslocamento significante, à gramática, em suma, às leis do Inconsciente estruturado como uma linguagem, como a metáfora e a metonímia. O habitante da linguagem como morada, ou aquele que é habitado por ela, é o sujeito. A linguagem só existe através de lalíngua que faz falar um corpo que goza. A lalíngua é o que resulta para o sujeito do que lhe vem da língua materna. É a língua como idioma, o português, o francês, mas não só exatamente isso, ou não só o idioma. Lalíngua é aquilo que da língua materna o sujeito recebe como aluvião, chuva, tormenta de significantes próprios àquela língua idiomática e que se depositam para ele como material sonoro, ambíguo, equívoco, repleto de mal-entendidos, com diversos sentidos e, ao mesmo tempo, sem sentido. É o “depósito, o aluvião, a petrificação deixada como marca da experiência inconsciente por parte de um grupo”, diz Lacan.5 Alíngua e o inconsciente real


Que grupo é esse? Grupo linguístico, grupo familiar. O conjunto do que foi depositado dos equívocos é a língua. Cada língua tem seus próprios equívocos, e são intraduzíveis, como por exemplo a palavra “effaçon”, em francês, neologismo de Lacan: condensação de effacer (apagar) com façon (jeito, maneira de), ou então les arts (as artes) que equivoca com lezard (lagarto). Em português, podemos evocar “a vez passada” que equivoca com “a vespa assada”, por exemplo. A forma de falar do bebê (aproximadamente entre um ano e dois anos e meio), que parece ser uma língua própria antes mesmo da articulação significante, se refere à lalíngua. A lalíngua é o balbucio, o tatibitate, a lalação, termo do qual Lacan extraiu esse termo de lalangue. “A linguagem, que não tem absolutamente nenhuma existência teórica, intervém sempre sob a forma de uma palavra que seja o mais próximo possível da palavra francesa lalation (lalação): lalíngua.”6 Lacan inventa o termo lalangue a partir de um ato falho, ou de um chiste (o que dá no mesmo) com o equívoco entre Lalande e lalangue. Lalande é o nome do autor de um conhecido dicionário de filosofia em língua francesa. Lalangue, lalíngua, é justamente a língua que escapa do dicionário, na medida em que está para-além do campo semântico, para-além do sentido das palavras. Como veremos, é através do sintoma que lalíngua faz do corpo um corpo falante. É a partir da lalíngua que Lacan fez, nos anos 1970, sua nova definição do Inconsciente: “o Inconsciente é o saber inscrito na lalíngua”,7 ou, como ele diz em O Seminário – livro 20, “o Inconsciente é um saber lidar com a lalíngua”.8 O que não impede que o Inconsciente seja estruturado como uma linguagem, com suas leis que regem os circuitos do desejo. O falasser está para a lalíngua assim como o sujeito está para a linguagem. Decifrar o Inconsciente é se confrontar com os enigmas trazidos por lalíngua que afetam o falasser. Para Lacan, a lalíngua não é só da ordem da linguagem. Ela é feita de gozo9 e fonte de “todos os afetos que restam enigmáticos”.10 O gozo contido na lalíngua faz com que toda ela, diz Lacan no Seminário: L’ insu que sait de l’une béveu, seja uma obscenidade.11 A interpretação psicanalítica relativa ao Inconsciente como saber da lalíngua é o equívoco, única arma, diz Lacan, contra o sintoma. A interpretação deve visar ao saber da lalíngua para reduzir o sintoma, pois a psicanálise é capaz de amansar o sintoma até a parte em que a linguagem lida com o equívoco. A interpretação como equívoco da lalíngua tem como objetivo um deciframento que se resume ao que constitui a cifra do sinthoma.12 Essa cifra é o que faz que o sinthoma seja o que não cessa de se escrever. Lacan propõe Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

6 Lacan, Conferência em Genebra sobre o sintoma (1975/1988, p. 125).

7 La tercera, op. cit., p. 104. 8 Lacan, O Seminário – Livro 20: Mais, ainda (1972–73/1982, pp. 189-90).

9 La tercera, op. cit., p. 89. 10 O Seminário – Livro 20: Mais, ainda, op. cit., pp. 189-90.

11 Lacan, O Seminário: L’ insu que sait de l’une béveu (1976–77).

12 La tercera, op. cit., p. 96. 73


13 Lacan, Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos (1973/2003, p. 556).

14 O Seminário – Livro 20: Mais, ainda, op. cit., p. 196.

15 Soler, A psicanálise na civilização (1997).

16 Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos, op. cit., p. 556.

escrever essa cifra como função, f (x). E o que é função? O próprio Lacan definiu em outro texto, em sete de outubro de 1973, que “Função é o que permite o ciframento”,13 em que “x” é a letra como cifra da lalíngua — eis o núcleo real do sintoma, aquilo do sintoma que é irredutível. A letra tem a identidade de si para consigo e é da ordem do Um da lalíngua, que pode ser uma palavra, uma frase ou um esquema de pensamento.14 Portanto, a letra é a escrita como função do sintoma a partir da lalíngua. A letra é da ordem do Um da lalíngua, a qual fixa o gozo do sintoma. O sintoma-letra provém do efeito do simbólico sobre o real, como por exemplo, a palavra raten para o Homem-dos-ratos, significante equívoco da lalíngua alemã que constitui o núcleo real do sintoma da dívida e dos pensamentos obsessivos, como chama a atenção Colette Soler no livro A psicanálise na civilização.15 O sinthoma é o resultado da chuva da lalíngua que se cristaliza como a letra. Enquanto o significante traça as vias de circulação do gozo e o caminho da verdade, a letra fixa o real fazendo do sintoma a maneira de gozar do Inconsciente. O sintoma, que não cessa de se escrever, é sustentado, diz Lacan, “pelo jogo de palavras, de que lalíngua que me é própria [a de Lacan] preservou de uma outra”.16 São muitas as expressões idiomáticas que contêm uma parte do corpo para dar sentido metafórico ao que se quer expressar. Por exemplo, em português: Língua: língua afiada; queimar a língua; língua solta; pagar com a língua; língua de trapo; lamber a cria; língua suja. Pé: pé na estrada; pé de boi; dar no pé; pé de atleta; pé de cabra; pé na bunda; a teus pés; pé na jaca; pé de chumbo; ao pé do ouvido; bater o pé; meter os pés pelas mãos; sem pé nem cabeça; jurar de pés juntos; em pé de guerra; ao pé da letra. Mão: na mão do outro; dar uma mão; mãos atadas; mão na roda; mãos limpas; mão na massa; mãos à obra; dar uma mãozinha; mão forte; mão pesada; mão de vaca; punho forte. Nariz: nariz em pé; torcer o nariz. Boca: boca fechada. Cara: cara de pau; cara de tacho; caradura; ficar com a cara no chão; fazer caras e bocas. Testa: testa de ferro. Cabelo: cabelo duro; cabelo ruim. Beiço: fazer beicinho. Cu: cu de ferro; nasceu com o cu pra lua. Braço: braço direito; dar uma de joão sem braço. Perna: passar a perna; break your leg; pernas para que te quero.

Corpo e lalíngua Lacan brinca com as palavras da língua francesa para evocar a diversidade das explicações sobre o corpo e ironiza a neuropsiquiatria: quando se supõe um pensar secreto, o corpo produz secreções; 74

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quando se supõe um pensar concreto, ele produz concreções.17 Assim, o corpo lalinguageiro é o corpo do ser falante, o corpo do falasser, aquele que está preso e determinado pelos significantes da língua materna que se depositaram para aquele sujeito. É o corpo falante, o corpo da linguisteria, ou seja, dessa padaria ou marcenaria de língua onde se fabricam os corpos humanos. Portanto, o corpo falante é linguistérico, sede de lalíngua que se corporifica no sinthoma como um acontecimento do corpo. O sinthoma é a marca deixada pela chuva de letras de lalíngua no corpo. Lacan diz, no Seminário: O momento de concluir: “O simbólico deixa marcas; aprende-se a falar e isso deixa marcas... consequências que não são outra coisa senão o sinthoma [...] A análise consiste em dar-se conta por que temos esses sinthomas”.18 Podemos pensar em Édipo — personagem central da tragédia de Sófocles, Édipo rei —, que carrega em seu nome e em seu corpo a marca do crime do pai. A ferida causada por seu pai ao furar-lhe seus tornozelos, para pendurá-lo como a um animal e expô-lo, e o edema que ocasionou, foi o que lhe deu o apelido de Óidipous, de oiden, edema nos pés. O apelido virou nome próprio e a ferida deixou-lhe coxo. Seu pé carrega um saber (oida) sobre o crime do pai o qual Édipo não quis saber — a desmedida do pai com seu real é aquilo que o filho, com força, não quer saber. O homem é o Édipo, filho de Laio, ele não quis saber da desmedida paterna. Na tragédia, a Esfinge enunciava o enigma dos pés e equivocava com seu nome.19 “Tetrapous, dipous, tripous”, disse ela para Óidipous, que ao responder “o homem” suprimiu o suspense da verdade.20 Édipo ignora que seu nome é uma letra que cifra um gozo, o gozo do Outro paterno: o “x” da função do sinthoma, ou seja, uma escrita do gozo do Inconsciente. Óidipous, Pé inchado, é o signo do gozo do Pai que desejou matá-lo e do qual ele não quis saber; Óidipous, Pé que sabe, é a letra que confere a marca do saber do real, saber do crime do pai da origem da Até dos Labdácidas — móvel do filicídio que faz de Édipo o objeto rejeitado do Outro — é selo de seu ser de objeto. Óidipous não acredita em seu ser de sinthoma, não acredita que seja capaz de um dizer, pois ele não quer saber que se trata aí de uma cifra de gozo. Eis porque erra em sua ignorância e fica escravizado pelo gozo do Pai, servo do destino. Édipo está preso à ignorância. O crime do pai real como gozo desmedido é transmitido como erro trágico que o filho carrega como Óidipous, o seu sintoma no pé. Por um lado, encontramos a herança da castração que se transmite de pai para filho: Lábdaco, o manco; Laio, o torto; e Édipo, pé inchado. Por outro lado, há a transmissão da maldição que Édipo herda como lote do gozo do pai inscrito em seu nome e em seu corStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

17 O Seminário – livro 20: Mais, ainda, op. cit., p. 150

18 Lacan, O Seminário: O momento de concluir. (1977– 78, lição de 10/01/1978).

19 Lacan, O Seminário – livro 17: O avesso da psicanálise. (1969–70/1992, p. 159).

20 Ibid

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21 Vernant, A Morte nos Olhos (1991).

po. Essa letra é o nome do gozo do pai real. O nome que condensa o gozo inscrito no enigma da Esfinge que Óidipous não ouviu. No lugar do pai real existe, diz Lacan, a ordem da ignorância real.21 Édipo, ao ser tomado pela paixão da ignorância sobre seu sinthoma, ou seja, aquilo que lalíngua depositou em seu corpo, encontra-se para sempre na ignoerrância. Os dois fragmentos clínicos apresentados a seguir ilustram o sinthoma-letra depositado por lalíngua no corpo. Circulação Um paciente estava muito ansioso com a aproximação da data em que deveria entregar seu apartamento alugado. O proprietário nem lhe confirmava que ele poderia permanecer, nem que ele deveria partir. A angústia relativa à possibilidade de ser desalojado, despejado, cedia o lugar a preocupações com o corpo, ou seja, ideias hipocondríacas sem, no entanto, a angústia desaparecer totalmente. Ele havia investido muito naquele apartamento e não queria sair de lá e ter que ficar mudando de um lado para outro. E sua situação, atualizando a questão sobre o lugar no desejo do Outro, transformou-se em acontecimento do corpo, ou seja, um sintoma. Passou a sentir dores nas pernas e ficou imaginando que tinha problemas de circulação e temia não poder mais andar. Seu sintoma no corpo responde assim a seu desejo de permanecer e não circular. Dor lombar Um outro paciente apresentou um “medo irracional da gripe suína” e não via à sua volta ninguém com um medo tão exagerado assim. Temia que a gripe suína fosse matá-lo ou matar algum parente próximo. Em análise, ao falar que recentemente havia sentido uma intensa dor nas costas ao entrar no avião, lembrou com temor, ter percebido que no aeroporto havia muitas medidas de precaução e alerta contra a gripe suína. Até que fez a associação de gripe suína – porco – lombo – dor lombar, e lembrou uma cena de infância na fazenda em que os porcos eram castrados com um torniquete com o qual os testículos eram arrancados, provocando guinchos insuportáveis de se ouvir. Eram porcos escolhidos para a engorda e posteriormente para o corte. Ao fazer esta associação, o medo da gripe suína se atenuou e a dor lombar desapareceu. No entanto, vez por outra, esse ponto de dor retorna. Será que o dito “órgão de choque” de cada um não teria relação com o que lalíngua depositou no corpo? As dores lombares o acometem hoje em dia, principalmente nas férias. Não é coincidência se era nas férias que ele ia para a fazenda e assistia ao ritual da castração suína. E era lá também que comia lombo de porco, ou seja, os leitões castrados e engordados. Recor-

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dou-se, então, de sua primeira dor lombar aos quinze anos, diagnosticada de ciática, durante as férias. Por outro lado, sempre teve horror de engordar. “Sempre tive dificuldade de lidar com pessoas gordas: homens e mulheres. Inclusive terminei com minha primeira namorada quando conheci a mãe dela e imaginei que ela iria ficar como ela, gorda.” Ele fez, em outra ocasião, uma associação entre transar, os movimentos fortes e a dor lombar. “Sexo, então, tinha sentido de imundície, de porcaria, de chafurdar na lama, e depois se transformou em pecado a ser evitado.” Ele teme que a dor lombar, diz ele, “vá me jogar na cama, me internar, me impedir de ter sexo”. Seu sinthoma lhe parece como uma pedra no caminho evocando todas as figuras da castração imaginária. Esse lombar é efetivamente irracional por ser uma letra que condensa um gozo e sua história como uma herança a ser transmitida. “Sempre previ um desastre que nunca veio. Por toda minha vida tive medo disso e deve ser relativo a essa cena em que ouvia os porcos gritando e seus testículos serem arrancados.” O sinthoma como letra é a marca de lalíngua no corpo, marca que, como um umbigo, une o corpo falante ao Outro da linguagem. Esse umbigo, nome do real do Inconsciente em Freud, é um mistério — mistério do corpo falante que uma análise não só permite ao sujeito dele dar-se conta como também lidar com ele — ao pé da letra.

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Resumo O corpo humano é sede de lalíngua, é um corpo falante. Este ensaio visa demonstrar que o corpo é morada de lalíngua, a partir da retomada de Lacan sobre a questão do corpo nos anos 1970 e sua nova definição do Inconsciente, o saber inscrito na lalíngua. Destarte, o corpo do ser falante é aquele que está preso e determinado pelos significantes da língua materna que se depositaram para aquele sujeito. É a letra, como elemento da lalíngua, que se corporifica no sinthoma como um acontecimento do corpo.

Palavras-Chave Corpo, lalíngua, letra, sinthoma.

Abstract The human body is the headquarters of lalangue; it is a speaking body. Tuis article wants to demonstrate - with Lacan’s teaching in the seventy’s and his redefinition of the Unconscious as a knowledge of lalangue – that the body is lalangue’s home. In this way the body of the speaking being is attached and determined by the signifiers of mother language which were deposited in the body of one’s subject. And the letter, as the element of lalangue, incorporates as a sinthome, that is to say, a happening in the body.

Keywords Body, lalangue, letter, sinthome.

Recebido 09/11/2009

Aprovado 18/12/2009

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O périplo do sintoma no continente do nó borromeu Conrado Ramos Em 1976, Lacan formula que “só se é responsável na medida de seu savoir-faire”.1 Ao colocar Joyce como exemplo de quem fez uma escolha da via por onde tomar a verdade, Lacan propõe que um modo específico e singular de gozo, que dá identidade ao falasser, pode ser atado por meio da nomeação ao falatório que representa o sujeito da cadeia significante. Nesse momento de seu ensino, o sintoma é colocado com um valor especial na orientação do percurso analítico. As consequências dessas formulações na direção do tratamento, em especial no que diz respeito ao final de análise, ainda estão em franco debate. Algumas questões que a partir daí se colocam: na via do sintoma podemos pensar a psicanálise como a ética do bem gozar? Qual a necessidade da introdução de um quarto elo – o do sintoma – no nó borromeano? Seria o sintoma o nó da ética, isto é, uma referência ética encontrada por Lacan para os avanços clínicos pretendidos e suportados pela estrutura dos nós? A questão central que coloco parte da afirmação de Lacan de que a boa maneira de se escolher a via por onde tomar a verdade “é aquela que, por ter reconhecido a natureza do sinthoma, não se priva de usar isso logicamente, isto é, de usar isso até atingir seu real, até se fartar”.2 Qual o sentido, ou melhor, a direção e quais as implicações desse uso lógico do sintoma? Fazer uso lógico do sintoma é levar o analisando, como diz Nominé, “a frequentar o não todo”,3 o que implica uma perda de gozo de um lado e, de outro, uma função de representação de um gozo particular e irredutível (função da qual uma mulher, por exemplo, pode participar). O sintoma permite um uso lógico por causa de sua condição de função. O sintoma não é qualquer um, mas responde por uma medida, um recorte cifrável dentro de um conjunto (ainda que este conjunto seja não enumerável), recorte este que só pode se traduzir por uma letra:4 S=f(x). A máxima de Protágoras de Abdera – “o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são” – propõe, muito antes de Descartes, uma natureza instável diante da qual o homem, em sua singularidade, encontra a verdade por meio da decisão do sentido, decisão esta que não se faz sem medida. É um outro modo Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Lacan, O Seminário, livro 23: O sinthoma (197576/2007, p. 59).

2 Ibid., p. 16. 3 Nominé, O sintoma e a estrutura familiar (2007, p. 49).

4 Lacan, O Seminário, livro 22: RSI (1974-75, aula de 21 de janeiro de 1975)

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5 Apud Lacan, Abertura desta coletânea (1966/1998, p. 9).

6 Quinet, O sintoma: daquele que engana ao que não esgana (2003, p. 10).

7 O sintoma e a estrutura familiar, op. cit., p. 51.

8 Lacan, O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro (1968-69/2008, p. 57).

9 O Seminário, livro 23: O sinthoma, op. cit.

10 O sintoma: daquele que engana ao que não esgana,

de dizer da boa maneira de se escolher a via por onde tomar a verdade. Mas no caso da psicanálise trata-se da decisão do não sentido. Também o aforismo de Buffon – “o estilo é o próprio homem”5 – sugere o estilo como uma medida que suporta um valor de verdade do qual se pode extrair uma função. A ética, assim, não é desmedida, afinal, “só se é responsável na medida de seu savoir-faire”. Não posso deixar de questionar aqui se o sintoma não amarra a ética à identidade de gozo que é suposta numa medida enigmática, porém singular e irredutível. O problema todo é que quem conta essa medida, quem dá sua cifra, seja o sintoma, pois, como escreve Quinet, o sintoma conta mal e está sempre em dívida: “se paga a mais, o sintoma dói – é sinto-mal; se paga a menos, a dor da angústia vem em acréscimo ao sintoma – é sinto-mais”.6 Não basta dizer que os problemas do crédito são sintomas, é preciso ter claro que os sintomas são problemas de crédito. E agora sabemos bem: quando o crédito é demais, se fazem bolhas, mas as bolhas estouram, o que não se faz sem recessão ou depressão (ou melhor, sem inibição ou angústia), sem perdas e sem colocar o sujeito em contato com o real de sua economia. Sob essa perspectiva a análise não propõe outra coisa que não um New Deal pela via do descrédito (ou melhor, da descrença em relação ao sintoma). Mas indo direto ao assunto, a função do sintoma faz laço: é a relação do pai com uma mulher, o que quer dizer que ele não é um símbolo puro (nos moldes de uma primeira versão do nome-do-pai), mas um pedaço de real, ou “o real ao redor do qual o inconsciente tece suas invenções”.7 Tiro daqui que o sintoma é o complexo de Édipo reduzido à sua condição lógica que é a de fazer um conjunto que contenha o universo e sua ex-sistência: A (S → (S → (S → (S → A)))).8 Se Lacan9 fala que podemos prescindir do Nome-do-Pai e que devemos ir além do Édipo, é porque a função do sintoma nos aponta para um 4o termo que sustenta a tríade pai, mãe, criança. O 4o termo é a mulher, que enquanto sintoma do pai (sua pai-versão) amarra a estrutura. Pai e mulher são sintomas que fazem laço ou, como diz Quinet,10 sintomas que tornam possíveis as parcerias de gozo. Já em 1969, Lacan escreve que:

op. cit.

11 Lacan, Nota sobre a crian-

A função de resíduo exercida (e, ao mesmo tempo, mantida) pela família conjugal na evolução das sociedades destaca a irredutibilidade de uma transmissão – que é de outra ordem que não a da vida segundo as satisfações das necessidades, mas é de uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo.11

ça (1969/2003, p. 369).

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Pois bem: a família conjugal com função de resíduo, o irredutível de uma transmissão que é da ordem de uma constituição subjetiva, implicando a relação com a nomeação de um desejo... O que será isso senão o complexo de Édipo em sua função de sintoma? O casal parental, para além e independentemente da configuração histórica da família burguesa, é uma função. O casal parental é uma função particular e irredutível que se opera logicamente na direção de uma análise, não importando tanto quais figuras venham a ocupar essa função. É por isso que “o sintoma da criança [ou do infantil que todos nós somos] está no lugar de responder ao que há de sintomático na estrutura familiar”.12 E vale aqui lembrar o que pode haver de objetivo (isto é, social e histórico) a participar das contingências deste sintomático na estrutura familiar, ao qual a singularidade da resposta de cada sujeito vem colocar em movimento o sintoma em sua função de laço com o Outro. Orientemo-nos agora pelo mapa do nó borromeu.

A “teoria generalizada do sintoma”13 propõe que a significação fálica (JФ) faz suplência à significação do gozo do Outro barrado (JA/), levando o sujeito a “embaraçar-se com o sentido”.14 É no sentido inverso, isto é, na inversão do sentido, ou melhor, para o nãosentido, que uma análise se dirige. E no nó borromeu é o Real que encontramos na direção oposta ao sentido: quem atravessa o sentido vai dar no real. Levar um sintoma até atingir seu real é levá-lo a sair do sentido. Mas isso não basta, pois no Real há ainda lugar para o gozo fálico e convém ir além do falo: o que há, no real, que se encontra fora do sentido e além do falo? Há o (JA/). Diz Lacan:

12 Ibid., colchetes meus.

13 Soler apud Gerbase Os paradigmas da psicanálise (2008, p. 57).

14 Ibid., p. 56.

O simbólico distingue-se por ser especializado, digamos, como furo. Mas o impressionante é que o verdadeiro furo está aqui, onde se Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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15 O Seminário, livro 23: o sinthoma, op. cit., p. 130.

revela que não há Outro do Outro. Aí seria o lugar do real, do mesmo modo que o sentido é o Outro do real, mas não há nada assim. No lugar do Outro do Outro, não há nenhuma ordem de existência.15

E mais adiante:

16 Ibid., pp. 131-2.

17 Lembrando Quinet (O sintoma: daquele que engana ao que não esgana, op. cit.), o sintoma enquanto efeito do simbólico no real não deixa o sujeito correr da dor ( JФ).

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O psicanalista é uma ajuda da qual podemos dizer que é uma inversão dos termos do Gênesis, posto que, assim como o Outro do Outro é o que acabo por definir há um instante como esse furinho aí. A hipótese do inconsciente tem seu suporte justamente na medida em que esse furinho possa, por si só, fornecer uma ajuda. A hipótese do inconsciente, sublinha Freud, só pode se manter na suposição do Nome-do-Pai. É certo que supor o Nome-do-Pai é Deus. Por isso a psicanálise, ao ser bem-sucedida, prova que podemos prescindir do Nome-do-Pai. Podemos, sobretudo prescindir com a condição de nos servirmos dele.16

Noutros termos, se o psicanalista é uma inversão dos termos do Gênesis, é porque ele vai da realidade (sentido) ao sujeito suposto criador que, via de regra, é o Deusintoma enganador17 e, para traz dele, indo mais aquém do Deusintoma no percurso dessa inversão genética, o psicanalista é aquele que vai até o verdadeiro furo cuspidor de nomes (JA/), posto que não há Outro do Outro. Se o Gênesis visa dar consistência aos efeitos da criação, o anti-Gênesis põe em questão a causa. Assim, o anti-Gênesis é o desembaraçar-se do sentido, isto é, do ser, para situar-se na falta-a-ser: não há revolução que não atravesse isso e nem política verdadeira em que isso não esteja suposto. Do ponto de vista topológico, fazer política de verdade – fazer, da verdade, política – é revirar a esfera e não girar em círculos. Ou noutros termos: não é gerar em círculos. Não é reprodução do mesmo, não é repetição da gênese. Para revirar a esfera é preciso situar-se na falta-a-ser. Revirar a esfera é o anti-Gênesis. Por isso, o anti-Gênesis não tem a forma da regressão, mas sim a do tempo lógico, posto que não se pode chegar ao verdadeiro furo sem emendar uma trança de três tempos: I em S (sentido), S em R (JФ) e R em I (JA/). Qualquer falha nessa trança em trevo não faz um nó, mas um trivial e infernal círculo.

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Vejamos como Lacan descreve esse emendar: Se pensamos que não há Outro do Outro, ou pelo menos que não há gozo desse Outro do Outro, precisamos de fato fazer em alguma parte a sutura entre esse simbólico que se estende ali, sozinho, e esse imaginário que está aqui. É uma emenda do imaginário e do saber inconsciente. Tudo isso para obter um sentido, o que é objeto da resposta do analista ao exposto, pelo analisando, ao longo de seu sintoma. Quando fazemos essa emenda, fazemos ao mesmo tempo uma outra, precisamente entre o que é simbólico e o real. Isso quer dizer que, por algum lado, ensinamos o analisante a emendar, a fazer emenda entre seu sinthoma e o real parasita do gozo. O que é característico de nossa operação, tornar esse gozo possível, é a mesma coisa que o que escreverei como gouço-sentido [j’ouis-sens]. É a mesma coisa que ouvir um sentido. É de suturas e emendas que se trata na análise. Mas convém dizer que devemos considerar as instâncias como realmente separadas. Imaginário, simbólico e real não se confundem. Encontrar um sentido implica saber qual é o nó, e emendá-lo bem graças a um artifício.18

Na decifração, de sentido em sentido, ou melhor, de falácia em falácia, testemunha-se algo do real, posto que aos pou cos, de corte em corte, percebemos que o Deusintoma enganador é na verdade um sintoma desenganador – ou seja, aquele que diz “não tem jeito, não se engana a dor”, mas pode se extrair dali um resto que esvazia o sentido e uma função que responde logicamente à falta de consistência do Outro [S(A/)]. Mas aonde se chega? Não a um nome, mas a um nomeador. E Lacan19 diz em RSI que esse nomeador não é outra coisa senão um buraco. Buraco onde os judeus enfiaram um Pai, do qual São Tomás de Aquino20 afirmou que não pode ser incluído em conjunto nenhum, isto é, é incingível. Porém, isso que não cessa de não se escrever vai encontrar, justamente no sintoma, como aquilo que não cessa de se escrever do real, o recurso para precipitar a lalíngua na letra.21 Mas isso não se faz senão pela via da contingência, ou seja, como o que, inesperadamente, “torna esse gozo possível”, como um “gouço-sentido”, como o que cessa de não se escrever. Usar o sintoma logicamente implica estratégias e táticas de ocupação, pois é necessário ganhar o terreno que separa o sintoma do gozo fálico. Mas esse terreno se ganha pela inter-pretação, cujo ocupar implica inserir o espaço topológico do corte e domar o sintoma até o ponto em que a linguagem possa fazer dele equívoco.22 Domá-lo é levá-lo do sentido que esconde o gozo ao próprio gozo como sentido (j’oui-sens). O uso lógico do sintoma é fazê-lo falar o Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

18 O Seminário, livro 23: O sinthoma, op. cit., pp. 70-1.

19 O Seminário, livro 22: RSI, op. cit.

20 São Tomás de Aquino, O ente e a essência (12--/1973).

21 Lacan, A Terceira (1974)

22 Ibid.

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que esconde (e que não é um sentido de gozo, mas um gozo-sentido), fazê-lo confessar, ou mais rigorosamente: dar seu testemunho. Todo sintoma é um testemunho do real que começa como um falso testemunho e termina como um fausto testemunho. Mas, acima de tudo, a ideia de servir-se do sintoma não é apenas uma formulação para a direção do tratamento. O servir-se do sintoma é o testemunho da passagem de analisante a analista, pois, só se pode usá-lo quando não mais se crê nele. E o que fazer com o sintoma? Cada um que saiba do seu! Cada um que invente um artifício, segundo sua medida. Aí está: o que se pode fazer com o incomensurável e com o desmedido? A resposta que a psicanálise pode dar: do incomensurável e do desmedido se faz sintoma e arte. No melhor dos casos se faz sintomarte. O analista, no entanto, como afirma Quinet,

23 Quinet, O Um – do impasse ao passe (2004, p. 16).

24 Ibid. 25 Ibid., p. 17.

26 Os paradigmas da psicanálise, op. cit., p. 78

[...] deve poder tomar distância do Um de seu sintoma, e a condição para tal é não se servir dele nas análises que conduz e sim saber lidar com ele para não fazer o Um para o analisante. A saída do impasse do Um para o analista não é o sintoma-letra de gozo e sim o estilo.23

E Quinet continua: “o estilo é a marca não significante que o analista traz em seu ato e em sua interpretação”.24 Mas, “em relação ao sintoma, o estilo é da ordem do saber lidar (savoir y faire)”,25 ou seja, o estilo não coincide com o sintoma, pois não é uma marca significante, mas responde pela dimensão ética a ele relacionada. O estilo não é o sintoma, mas é justamente o fazer uso lógico do sintoma, o ter de se haver com ele e fazer escolhas. Pois bem, entendo que a função do sintoma, ou melhor, que o sintoma compreendido como função, coloca-nos diante do ato de cingir o incingível por meio de um artifício. Os sintomas são, então, amarra-gozos, no que isso equivoca com amargosos e amar-a-gozos. É nesse sentido do sintoma como amarra-gozos que proponho um entendimento para o que diz Gerbase: Com efeito, atualizando o Complexo de Édipo no RSIΣ, ousamos afirmar que o gozo do sintoma [JΣ] subsume o gozo fálico [JΦ]; nessa mesma operação, o gozo do sintoma [JΣ] subsume o gozo do Outro [JA/]; o gozo do sintoma, por sua vez, subsume o gozo do sentido [JS]; e, finalmente, o gozo do sintoma [JΣ] subsume o mais-de-gozar [a].26

E se amarrar é prender, é cingir, é recalcar o gozo do Outro (JA/) (lembrando que recalcar quer dizer conter e apertar bem), os sintomas põem limites ao gozo do Outro: o sintoma tem função de Pai, que barra-gozo. O sintoma é um mal-entendido: é sempre um 86

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esforço de usar da lalíngua para dar sentido, isto é, responder “ao que há de sintomático na estrutura familiar”, compreendida como função particular e irredutível. Mas o mal-entendido do sintoma não impede seu bem-dizer na forma do joui-sens: “o ensino de Lacan vai da importância do sentido do sintoma à desvalorização de seu sentido, o qual é desvelado em última instância como sentido de gozo [joui-sens]”.27 Pela via do sintoma posso afirmar que toda liberdade estratégica e tática da direção do tratamento está condicionada ao fato de que tapar (ou tapear, ou estapear) não é o mesmo que cingir. Enfim, é preciso levar do sintoma que tapeia, que tampa, que estapeia ao sintoma que cinge. Mas como cingir o incingível? Os matemáticos nos ensinaram que não há outra forma de lidar com o impossível senão pela escrita. Assim, o sintoma que cinge nos aponta para a função da letra. Nesse périplo do sintoma na amarração dos gozos ele se articula com algo da ordem da letra. O mapa do litoral que o sintoma constitui é o nó que ele escreve. A decifração do sintoma que tapeia, estapeia e tampa permite levá-lo à cifração do real.28

27 O sintoma: daquele que engana ao que não esgana, op. cit., p. 13.

28 Agradeço à Dominique Fingermann a articulação do sintoma com os discursos, conforme o esquema a seguir.

Sintoma que tapeia S1 ____ $

Sintoma como cifração do real

S2 ____ a

a ____ S2

//

$ ____ S1

E o que é cifrar o real? Lacan responde: quando o espaço de um lapso “já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então temos certeza de estar no inconsciente”.29 Ou, noutros termos: A partir daí, a ironia do ininteligível é o escabelo de que alguém se mostra mestre. Sou suficientemente mestre de lalíngua, da que é chamada francesa, para ter eu mesmo chegado a isso, o que é fascinante, por atestar o gozo próprio do sintoma. Gozo opaco, por excluir o sentido.30

Se não levamos o sintoma até atingir seu real, isto é, prescindindo do nome-do-pai, não saímos da tapeação, como escreve Lacan: “Só há despertar por meio desse gozo [o gozo próprio do sintoma], ou seja, desvalorizado pelo fato de que a análise que recorre ao sentido para resolvê-lo não tem outra chance de conseguir senão se fazendo tapear... pelo pai, como indiquei.”31 Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

29 Lacan, Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 (1976/2003, p. 567).

30 Lacan, Joyce, o sintoma (1975/2003, p. 566).

31 Ibid., colchetes meus. 87


32 Valho-me aqui da distinção proposta por Colette Soler (conforme Quinet, 2003) entre o sintoma autista (que consiste no real do gozo fálico) e o sintoma borromeano, que permite parcerias de gozo.

33 O Seminário, livro 22: RSI, op. cit., aula de 15 de abril de 1975.

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Pois bem, as análises que dão ao analisante o sentido do sintoma não fazem outra coisa que tapeá-lo com nomes-muletas. Seus analistas são muleteiros, tanto no sentido do apoio que constroem em série, quanto no do tipo de pessoas que preparam para a aceitação do trabalho forçado. Tais análises não são infinitas, mas seus términos se dão quando o esmo indica o fim da esmola e a hora de picar a mula. Como ninguém, esses analistas sabem iluminar, por contraste, a política e a ética que aqui defendo, a de que a análise deve levar o analisante aos restos opacos de seu inconsciente, ou seja, aos seus pedaços cifrados de real, o que não é outra coisa senão a lalíngua. Desse modo, a análise é uma moleta-de-nomes e não se a termina realmente sem estar moído, em vez de moldado. Mas isso não é feito sem fascínio, sem despertar, sem boa maneira, sem a satisfação da tomada da verdade e sem laço social,32 o que dá ao gozo do sintoma sua dimensão ética e política. Para concluir, quero dizer que é possível associar a parte de baixo do discurso do mestre, referente à fórmula da fantasia ($ ◊ a), com o lugar do sentido no mapa borromeano, na medida em que se coloca como condição absoluta da realidade do sujeito. A parte de cima, S1 → S2 (campo da decifração), por sua vez, coloca em movimento o sintoma que engana enquanto produção de significação, e está associada ao lugar do gozo fálico no mapa borromeano. Como avesso do discurso do mestre, coloco o discurso do psicanalista associado ao lugar, no nó, do gozo do Outro barrado, posto que, de S1 no lugar da produção para a no lugar de causa (agente no discurso), localizamos o gozo do sintoma no final de análise (gozo opaco, por excluir o sentido), na sua qualidade de função, ou seja, como recurso para precipitar a lalíngua na letra, tendo em vista que há uma impossibilidade real entre o S1 produzido (gozo do sintoma, campo da cifração) e o saber (S2) no lugar da verdade (e que constitui a própria lalíngua). O objeto causa é, pois, o que representa a alíngua para o desejo enquanto sujeito. Observo ainda que o S1 do discurso do analista associado ao lugar do gozo do Outro barrado está escrito no corpo, não só porque está fora do simbólico, mas também porque “não é só o Simbólico que tem o privilégio desses Nomes do Pai”.33 No périplo pelo nó, o analista não pode remar para traz (do latim: in-hibitĭo, ŏnis) na barca da fantasia, nem juntar o que está cortado (do grego: symp tomé), suprimindo o litoral que há entre S1 e S2: eles são de territórios diferentes. É preciso remar em direção ao furo, atravessar o espaço estreito (do latim: angustĭa) até o outro lado

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do desfiladeiro. A viagem só termina depois do passe da angustura. Mas, o que é isso que faz périplo costurando três aros ao passar pelos buracos do sentido, do JФ e do JA/? Eis aí nosso 4o nó!

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Resumo A questão central que trabalhamos neste artigo parte da afirmação de Lacan de que a boa maneira de se escolher a via por onde tomar a verdade é aquela que não se priva de usar o sintoma logicamente. Discutimos as consequências dessa formulação na direção do tratamento, discutindo suas incidências éticas e políticas, em especial no que diz respeito ao final de análise. Concluímos com o entendimento de que a função do sintoma, ou melhor, o sintoma como função, é cingir o incingível por meio de um artifício, operação na qual o sentido, o gozo fálico e o gozo do Outro barrado são amarrados.

Palavras-Chave Sintoma, direção do tratamento, nó borromeu, ética, política.

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Abstract The main issue we worked on in this article is concerned with Lacan’s sentence affirming that a good way to choose the path to achieving the truth is the one in which one is not deprived of using the symptom logically. We have discussed the consequences of that formulation in the treatment’s direction, approaching its ethical and political outcome, especially with respect to the end of the analysis. We concluded it with the understanding that the symptom’s function, or better said, the symptom as a function, is related to covering the uncoverable by means of an artifice, an operation in which the sense, the phallic enjoyment and the barred Other’s enjoyment are tied.

Keywords Symptom, treatment direction, Borromean ring, ethics, politics.

Recebido 10/07/2009

Aprovado 28/09/2009

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Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber Silvia Fontes Franco “É que o efeito que se propaga não é de comunicação da palavra, mas de deslocamento do discurso”.1 A “Proposição”2 nos remete diretamente “às consequências analíticas do passe”: ter o dispositivo do passe no horizonte da Escola tem consequências analíticas, tem incidências na clínica, interfere na direção do tratamento. A direção do tratamento é indissociável de sua concepção de fim; é ela que está em questão na direção do tratamento. Lacan chamará de “sombra espessa” o véu que cobre e oculta o momento em que o analisante se torna analista. Sombra que encobria as questões relativas à formação do analista ao final de análise. Essa “sombra espessa”, que encobre a passagem de analisante a analista, é o que a Escola pretende dissipar. Poderíamos perguntar como uma Escola pode dissipar, fazer desaparecer essa sombra espessa? A resposta é um ato, a “Proposição do passe” que se mede por suas consequências, escrita e a todos legível na parede.3 Lacan propõe o passe como um dispositivo institucional necessário para acolher/recolher este passe clínico, esta passagem, este “ato no momento em que se produz” e de onde pode advir o desejo do psicanalista.4 “O desejo do psicanalista é sua enunciação.”5 É no ato analítico, sempre contingente, que o desejo do analista, inarticulável, ancorado no real, é um dizer. “O ato (puro e simples) tem um lugar por um dizer, e pelo qual modifica o sujeito”,6 nos diz Lacan. Este momento de passagem é, por sua natureza, fugidio, evanescente, necessita ser testemunhado, passado aos ditos, para que na sequência dos ditos, se verifique seu dizer.7 Na “Proposição”, Lacan se apoia em uma nova elaboração do sujeito suposto saber. Separa o sujeito suposto saber da pessoa do analista. A transferência é com um significante qualquer do analista. O sujeito suposto saber é um equívoco, e a psicanálise visa reduzir sua função até sua destituição ao final de uma análise. Há uma articulação lógica e indissociável entre o início e o final de análise, entre a posição do analista e a direção do tratamento. O que sustenta essa articulação lógica é a transferência e seu manejo, suportada pelo desejo do analista (um lugar, uma função, um x), Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Lacan, Radiofonia (1970/2003, p. 405).

2 Lacan, Proposição de 9 de outubro de 1967 (1967/2003).

3 Lacan, Discurso na Escola Freudiana de Paris (1967/2003, p. 268).

4 Ibid. p. 276. 5 Proposição de 9 de outubro de 1967, op. cit., p. 257.

6 Lacan, O ato psicanalítico (1969/2003, p. 371).

7 Fingemann, O Momento do Passe (2007, p. 149).

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8 Proposição de 9 de outubro de 1967, op. cit., p. 252.

9 Ibid., p. 253.

10 Morin, O desejo do psicanalista no passe (1994).

11 Monseny, O passe, ponto

possível resultado de uma análise levada até o fim, a partir da passagem de analisante a analista. “No começo da psicanálise está a transferência.”8 “E o sujeito suposto saber é o eixo a partir do qual se articula tudo o que acontece com a transferência.”9 Na minha experiência de analisante, tendo feito algumas análises, fez diferença ter como direção do tratamento o final de análise e o passe como referência. Fez diferença saber que no final de uma análise não se trata de uma identificação ao eu do analista. Aliás, Lacan chamou de suficiência esse final de análise. Fez diferença não estar pautado em ganhos terapêuticos para determinar esse fim, assim como o fato de estar numa comunidade analítica orientada pelo passe e pelo cartel. Essa diferença se estabelece porque a passagem de analisante a analista é o resultado, o desfecho de uma análise levada até o fim. Essa passagem a analista ocorre no interior de uma análise, “a partir da resolução da transferência, que se enlaça a uma destituição subjetiva de onde pode surgir o desejo do analista”.10 Essa passagem é o produto de um ato e não de um modelo. É essa relação que se estabelece entre analisante e analista que pode encontrar uma resolução, outra que não seja a identificação ao analista. E o passe pode ser um ponto de referência para esse fim. Josep Monseny comenta a importância de pertencer a uma Escola na qual o passe vem questionar a experiência e o desejo do analista: [...] é o analista quem provavelmente se vê mais influenciado em sua posição e em seu ato frente à demanda do paciente, se em sua própria análise abordou a experiência do passe, ao menos em sua dimensão clínica (não é necessário que seja no dispositivo) isso lhe serve de referência.11

de referência do analisante (2007, p. 17).

12 Ibid., p. 17.

Mais no final do seu texto ele comenta que: Somente fazendo parte de uma Escola, na qual o Passe mantenha vivo o questionamento da experiência, inclusive se for para que o grupo inteiro resista a ela, permite manter viva a questão da relação ao “desejo do analista” para cada analista.12

São as consequências analíticas do passe para a comunidade analítica que poderíamos, principalmente, colocar em relevo no que se refere ao passe: colocação em causa da análise e do analista em uma Escola, pois como bem disse Colette Soler: [...] sem esse questionamento o terapeuta poderá prosperar, mas seguramente a análise não, já que a análise está à mercê dos psica-

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nalistas [...]. Estranha prática que supõe intranquilizar o clínico [...]. Intranquilizá-lo quanto ao que visa, obtém e, portanto, quanto ao que é como desejo.13

13 Soler, Sobre o passe (2006).

O que é a garantia que uma Escola pode oferecer ao psicanalista? O que são os títulos AME e AE? A minha resposta, a que leio no texto de Lacan, é uma aposta em que uma Escola de Psicanálise, mantendo o princípio “O analista só se autoriza por si mesmo”, possa “garantir a efetivação no psicanalista de estruturas que a própria psicanálise dispõe”.14 No que diz respeito ao passe, para que o passe sirva à Escola,15 para que oriente seu trabalho, trata-se da garantia da expansão do ato analítico.16 Lacan também pergunta para que serve a garantia? “O analista só se autoriza por si mesmo, isso é óbvio. Pouco lhe importa uma garantia que minha Escola lhe dê [...]. [...] Não é com isso que ele opera”.17 “Porque nomear alguém como analista é algo que ninguém pode fazer [...].”18 O analista depende de seu ato.19 O que então se nomeia? Cito Dominique Fingermann: O produto do cartel é uma nomeação, é nomeado [AE] a apreensão do momento do passe, apreensão do não-todo. A nomeação, naming, de uma aberração é o nome que beira, captura, esse real, algo inimaginável que não tem nome, fora de sentido; ficção do real. AE não quer dizer nada, isso nomeia algo que não tem sentido. A nomeação não é um batizado, uma sanção, um reconhecimento, uma condecoração, nem iniciação. A nomeação, produto do cartel, flagra a ocorrência, i.é o real em jogo na formação do analista – [enjeu/lance do ato analítico e da Escola]. A nomeação, produto do cartel, flagra a ocorrência do não-todo, ocorrência de algo impensável que não pertence à série dos significantes que representam o sujeito para um outro significante [...]. [...] Não há senha, “o mot de passe”, já em 1953, no SIR, Lacan fala do “mot de passe” como essencialmente sem significação, assim como a palavra amor. O “mot de passe”, senha, segredo, é um sens blanc – semblante, sentido branco, cuja significação é vazia.20

14 Proposição de 9 de outubro de 1967, op. cit., p. 248.

15 Nominé, O passe para que sirva (2008).

16 Proposição de 9 de outubro de 1967, op. cit., p. 273.

17 Lacan, Nota Italiana (1973/2003, p. 311).

18 Lacan, Prefácio à edição inglesa do seminário 11 (1976/2003, p. 568).

19 Discurso à Escola Freudiana de Paris, op. cit., p. 277.

20 O momento do passe, op. cit. pp. 153-155.

Como disse Bernard Nominé, no V Encontro da IF-EPFCL em julho de 2008 em São Paulo, a experiência do passe tem como proposta servir à Escola. Essa experiência não faz nenhum sentido fora da Escola.21 A aposta que fazemos com Lacan ao colocar no “coração da Escola” o passe, é uma aposta ética em que o mínimo exigido para ocupar o lugar de psicanalista esteja legível na parede: a análise, que é o que se espera de um psicanalista. Embora tenhamos assistido, desde a promulgação da “Proposição”, a uma certa idealização do dispositivo do passe e, consequenStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

21 O passe para que sirva, op. cit.

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22 Lacan, O seminário, livro 8: A transferência (19601961/1992, p. 371).

23 Ibid., p. 381.

24 Lacan, O Seminário, livro 21: Les non-dupes errant (aula de 11 de junho de 1974).

25 Fingemann, Escrever a clínica: Da novela familiar ao nó (no prelo).

26 Aparício, De sua própria

temente, do título de Analista de Escola (AE) do qual ficamos de certa forma impregnados, não é isto que lemos na obra de Lacan. Desde a primeira versão da “Proposição”, a proposta de Lacan é bem clara, não se trata de erigir uma figura ideal, aliás, era justamente para esvaziar este lugar e favorecer o discurso analítico que ele escreve a “Proposição”. Lacan insistiu em vários momentos de seu ensino sobre este ponto: “O analista deve ausentar-se de todo ideal do analista”22 e que “ao fim de seu percurso, tenha podido guardar o luto dessa ideia de que haveria um objeto que valeria mais que outro”.23

“Pôr à prova a historisterização da análise” Escolhi para este meu trabalho alguns “momentos de passe”, a partir da perspectiva do final. Momentos de separação, depois de longas voltas e reviravoltas, momentos em que, sobre um fundo de perdas, nos é possível recusar a amar nosso inconsciente, sustentando a aposta do real.24 Lacan propõe o passe para colher o testemunho do ato antes que ele caia no esquecimento. Não é uma tarefa simples escolher os rastros daquilo que foi esvaziado a ponto de produzir um ato, pois traz sempre a questão do como transmitir? Como tentar transmitir algo do impossível? Como transformar esses rastros em escrita25 e transmitir isso que resta no final, esse pouco, esse quase nada? Dar Testemunho de sua própria invenção,26 construída a partir do inconsciente, em uma experiência que chegou ao fim. Talvez, como disse Jean Jacques Gorog:

invenção (2007, p. 22).

27 Gorog, O passe, a verifi-

[...] o tornar-se analista implique nesse esforço de dar conta disso, desse “não sei o que”, “esse quase nada”, em torno do que gira a resolução de um problema, que tanto ocupa o neurótico que somos [...]. [...] isso ainda mais porque seu conteúdo tem muito pouco de sentido quando tomado de forma isolada.27

cação de uma fantasia, e seu lugar na cura (2007, p. 13).

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A incidência do discurso analítico com seus cortes permitiu evidenciar no percurso da última análise a posição do sujeito e o que havia sido a análise anterior desde o primeiro encontro: um sucesso. “Quanto sucesso!”, frase ouvida na primeira sessão da análise após relatar com empolgação o lugar aonde havia conseguido chegar após anos e anos de tratamentos psicológicos. A penúltima análise de “orientação lacaniana” tinha renovado as esperanças de conseguir, através da sagração do eu, tapear o real sem-sentido, traumático. A eficácia desse tratamento permitiu ao analista dar a análise por concluída, seguido de um convite para dividir o consulAlíngua e o inconsciente real


tório e atividades psicanalíticas, o que permitiu ao analisante procurar um outro analista. Reafirmar a posição fantasmática do sujeito no lugar da “escolhida” teve como uma das consequências a acentuação dos sintomas, o de não poder valorizar nada e o de não poder falar nada.

“As ficções que racionalizam o impossível”28 Por meio do seu ensino, Lacan demonstrou que a direção do tratamento é indissociável da concepção que o analista tem do final de análise. Pela via da associação livre, Freud encontrou o trauma, o real sem sentido e uma resposta, uma significação dada pelo sujeito, o sexual. Lacan elevou a uma condição necessária a passagem em uma análise do trauma à construção da fantasia como possibilidade para seu futuro atravessamento. O que não cessava de se inscrever, um sofrimento intenso, impulsionava a recorrência a tratamentos psicológicos desde os 19 anos e a repetir sempre o mesmo texto de sua novela familiar: o traumático, a falha do Outro, sua falta. A crença do neurótico no trauma serve de anteparo ao real traumático, e a interpretação “isso que aconteceu com você é mais comum do que você imagina”, embora tenha um efeito terapêutico, pois apazigua a dor, não permite ao sujeito se dar conta de sua implicação na produção e manutenção desse sofrimento. No curso da última análise a interpretação analítica permite ao sujeito perceber então, que se esforçava em manter atual o inferno do qual se queixava ter vivido e saber que tomá-lo para si era uma escolha. E isso permite um esvaziamento de uma demanda de reparação, permitindo, ao revelar o gozo em jogo nesse sofrimento, que algo cesse de se inscrever, ao mesmo tempo em que inscreve a direção ao tratamento. Aquilo que do gozo não é subjetivável, que é do real sem-sentido, encontra, pela via do simbólico e do imaginário, na contingência do discurso familiar que exclui e proíbe qualquer referência ao sexual, o equívoco necessário para recobrir esse sem-sentido/sentido perdido, real traumático, produzindo a crença de que haveria possibilidade de um dia falar bem, falar tudo sobre o sexual; e o caminho para a aquisição desse domínio encontrou na escolha profissional ser psicóloga sua possibilidade. Ao final da análise, verifica-se que o ideal de falar bem tinha como correlato o objetivo ser compreendida/ser ouvida. Para Freud, o sintoma é o sinal de uma satisfação pulsional que não teve lugar. O sintoma “em-cena” representa o que não está lá, manifesta, significa a verdade deste encontro, com a ausência da Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

28 Lacan, Televisão (1973/2003, p. 531).

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29 Quinet, A descoberta do Inconsciente: do desejo ao sintoma (2000, p. 133).

30 Muñoz, Saldo de la experiencia (2009).

31 O saldo de uma experiência, op. cit.

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relação sexual. O sintoma, nos diz Quinet, é o memorial do desencontro sexual, é o retorno da verdade de que não há relação sexual, a manifestação da verdade da castração. Mas, por outro lado, o sintoma mente porque faz crer que há relação sexual.29 No curso da última análise, por um período que pareceu ser demasiadamente longo, só poucas palavras foram ditas. Na transferência o sujeito experimenta “a impossibilidade de, ao falar, fazer Um com o Outro”,30 o que permite reabrir e presentificar a questão do sujeito a partir de um sintoma: medo de perder o sentido ao falar. As associações e os sonhos remetem à lembrança de que, quando criança, confrontado com o furo no Outro do significante (castração), o sujeito perdia o sentido e desmaiava. Sofrimento e queixa endereçados ao Outro se intercalam com uma certa satisfação em torno da solução encontrada, que demora para ser esvaziada: “a domadora de leões”. Os leões tinham sido domados, tornaram-se dóceis. Mantinha boas relações com todos da família. A atualização da realidade sexual do inconsciente na transferência permitiu situar a interpretação que o sujeito fez de sua “rejeição inaugural”. É diante de alguma coisa da estrutura que está ausente que se inscreve o sintoma da criança, dando uma significação ao desejo enigmático da mãe articulado ao Nome do Pai. Um corte da sessão faz destacar o significante “escolhida” e surge a lembrança das circunstâncias que envolveram seu nascimento ocorrido entre duas mortes e o desejo da mãe em não ter mais filhos. Morte de um irmão e a morte de uma sobrinha do pai, filha da irmã querida e preferida (que será sua madrinha), criança morta (de quem recebera seu nome). A partir desse significante, escolhida, pode ler sua vida até aquele momento: ficar quieta, não falar para não arrumar confusão, não dar trabalho, não incomodar: a preferida, a escolhida, a morta. A lembrança de uma cena infantil, repetida em momentos diferentes no percurso da análise, serviu num primeiro momento para falar do trauma e, posteriormente, para falar do sexual. A cena é vista do alto de uma janela, de um lugar de onde era possível ver o outro gozando, espiando uma cena que ocorria fora. O lugar de objeto, de escolhida, não escolhida, visando servir e mirar o gozo do Outro recebe o que me parece uma precisão no texto de Patrícia Muñoz, membro do cartel do passe, ela escreve que esta cena “dá consistência a essa fixação de gozo”.31 Foi um golpe duro constatar essa construção que havia feito: a escolhida, a preferida. Percebe então que o trabalho e os cuidados com a família, para criar e manter esse lugar, tinham tomado quase toda a sua vida. Perda de ser, despersonalização, desidentificação. A vida começava a perder o sentido, já não sabia mais o que Alíngua e o inconsciente real


era: indeterminação. Desânimo em relação ao mundo, em relação à psicanálise. Sonhos com corpos despedaçados, pessoas congeladas para a posteridade explodem, sangue, pedaços de corpos.

“O real em jogo na formação analítica” Levar a sério a especificidade da psicanálise tem como uma de suas consequências não poder corresponder ao que o sujeito espera encontrar quando procura uma análise. Na certeza do encontro esperado com sua fantasia e sua visada fálica, a análise introduz a contingência de um outro encontro, o encontro com o real. A direção do tratamento empurra o sujeito a um limite, a um esvaziamento dessa produção fantasmática, até o ponto de produzir um ato. Ali, onde menos se espera, haverá um encontro, não mais com o Outro (que é o que o sujeito espera), mas com o real. E é na contingência do ato analítico que o desejo de analista inarticulável “tem um lugar por um dizer pelo qual modifica o sujeito”.32 As consequências da transmissão da psicanálise quando intensão e extensão não estão em continuidade, quando a transmissão é apenas uma distribuição de ensino,33 geram os mais diversos tipos de fenômenos de grupo, manipulação da transferência, enfatuação, autorizações, impostura. É esta impostura que Lacan pretende desalojar quando propõe sua Escola. O manejo da transferência, com seus cortes, permite fazer ouvir a suposição de saber no Outro, evidenciando sua inconsistência. A interpretação produz ondas, consequências, separações, a possibilidade de escolhas, novas escolhas e é só então, a partir do esburacamento desse Outro, no percurso da última análise que, enfim, consegue se separar daquela que havia sido, anteriormente, sua analista e tinha dado a análise por concluída. Separa-se então desse Outro fisicamente, do consultório e das atividades que desenvolvia com essa pessoa. Um ato, não sem consequências. Não podia mais dar suporte a esse lugar, bancar esse Outro no lugar de psicanalista, sempre a trazendo junto, sempre fazendo referência/reverência, encobrindo os furos, se mantendo junto (!). Abre mão do lugar que ocupava, não sem perdas. Um ato, “que bem se vê pela acolhida que recebeu que não pensei nesse tempo”.34 Um ato que hesita por já estar em curso,35 que é acompanhado da frase: “é melhor morrer que passar por isso”. Angústia, sensação de morte iminente (fortes dores físicas no peito/ coração/ visita ao hospital sem causa orgânica). Essa ruptura em ato, momento de separação, de passe, evocou o final da análise. Aquilo que faz sofrer e que se revela como impotência: não poder falar, ter que ficar quieta, ser sempre prejudicada nas relações Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

32 O ato psicanalítico, op. cit., p. 371.

33 Lacan, Primeira Versão da Proposição de 9 de outubro de 1967 (1967/2003).

34 Discurso na Escola Freudiana de Paris, op. cit., p. 271.

35 Proposição de 9 de outubro de 1967, op. cit., p. 269.

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familiares, de trabalho e financeiras vai se revelando através de sonhos e situações como pacto do sujeito com esse outro: gozo, que faz cumplicidade, que faz par. Não falar como gostaria de falar, ter a impressão que ia perder o sentido ao falar, e os sonhos, desenhava outra posição de gozo: o fazer-se de morta. Nas associações insistia que se fazia de morta para não morrer, como uma estratégia legítima de sobrevivência diante daquelas pessoas a quem temia tanto. O sonho a seguir remete às dificuldades na relação transferencial, o cálculo para não consentir em ocupar o lugar de analista. A sombra espessa encobrindo a passagem de analisando a analista. A antecipação da separação, perder o sentido (desmaio), para não se separar e cair no sem-sentido. Um sonho: com sua analista e com uma amiga. Sonho: vê essa amiga se levantando e se dirigindo para o lugar onde fica a saída, em direção ao elevador. Vai em sua direção, lembra que a analista pode estar por lá, pensa em recuar, mas resolve prosseguir. Continua. Fala com a pessoa que pensava ser essa amiga, mas não é. Resolve ir ao banheiro, entra na cabine e se depara com um desenho do tamanho da porta, e nele está escrito o assunto de uma prova, é uma cola. Por acaso também tinha iniciado um estudo sobre esse tema, só que para a psicanálise (série matemática usada nas sessões várias vezes). Pensa em levar aquele material, está bem escrito. Nesse momento, fora da cabine há um flagrante, um encontro de dois grupos. Um que faz parceria com a moça (que fez a cola) e outro que é da entidade que redigiu a prova. Começa um confronto dos dois grupos (gangues). Suas armas são gases paralisantes que provocam o desmaio. O grupo da cola tem o gás mais forte; o de escola, mais fraco. Sai do banheiro, pois acredita ser inocente, não tem nada a ver com aquilo. Sai acusando a moça da cola, se coloca contra ela. Os grupos atacavam, finge desmaiar para não ser mais atacada, mas o sadismo do grupo da cola, mesmo vendo-a desmaiada, descarrega todo o gás em sua direção – acorda. O gozo da fantasia: fazer-se de morta para não morrer, recebe uma interpretação sem-sentido que coloca o sujeito em outra perspectiva em relação a essa montagem: “se fazer de morta para não ser escolhida”. Encontro com o desejo do Outro sem a proteção fantasmática: Vazio, o Outro não existe. Esse sonho representa a batalha da transferência, entre a cola (colada no outro), o sentido, os ideais e Ex-cola/Escola e a saída do sentido, o vazio, o sem-sentido.

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Passe: tensão, intrusão no singular da experiência analítica Durante estes momentos de vacilação, recebe a notícia da sua designação como passadora, designada sem tê-lo demandado. Esta designação é um ato, e como todo ato analítico descompleta o saber do analisante e, nesse sentido, apontou para a destituição, para a saída do sentido, ao mesmo tempo em que apontou para o sentido/ direção da saída. Ao perguntar-se sobre o que causou o efeito de surpresa, que envolveu a notícia dessa designação como passador, o que ficou esclarecido foi o lugar em que o sujeito se colocava na relação transferencial. O que o sujeito espera na relação transferencial até o “termo” dessa relação, até a “conclusão de impossibilidade”,36 “é um complemento de ser, para satisfazer o sujeito como falta a ser”.37 A surpresa é, pois, um acontecimento que não está previsto. Algo da ordem: “A analista não entendeu nada!”. O sujeito aguarda o complemento e o ato descompleta. Essa designação não foi sem efeitos. Os cálculos do sujeito não amarraram o ato do analista. Todos os gestos, as palavras, visavam ao desejo da máxima neutralidade deste analista: fique na sua. Contrariamente a todas as estratégias para ser escolhida e ficar com o outro, colada ao outro, esta designação ao validar a referência vazia apontou para um fora, para fora da relação transferencial, vai sozinha! Apontou para a transferência com a psicanálise, com a Escola. O que foi interpretado como um: “Vá sozinha dar testemunho de sua relação com a psicanálise, pega tudo isso que você fala no conforto das quatro paredes, no sigilo, e vá transmitir sua posição para a Escola”.

36 Soler, A interpretação do fora-do-discurso (2001, p. 60).

37 Quinet, O desejo do analista e o termo da transferência (2000, p. 19).

Uma volta a mais: o inessencial do sujeito suposto saber No tempo final, uma série de 3 do analista e uma sequência de acontecimentos (e seu efeito em ato38) possibilitaram pôr termo à relação transferencial. Alguns sonhos e algumas situações convergiam em direção ao fio que restava à passagem de psicanalisante a psicanalista. Esse fio que restava velando o vazio, era a transferência. Essas frestas abertas na análise, momentos de passe, são acompanhados de muita angústia. Neste último tempo da análise, recorre à emergência do hospital várias vezes, com dores no coração também sem apresentar nenhuma causa orgânica. Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

38 O passe, a verificação de uma fantasia, e seu lugar na cura, op. cit., p. 11.

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39 Lacan, O Seminário, livro 16: De um Outro ao outro (1968-69/2006, p. 374).

40 Ibid., p. 375. 41 Lacan, O aturdito (1972/2003, p. 474).

42 Lacan, O Seminário, livro 25: O momento de concluir (aula de 10 de janeiro de 1978).

43 O passe, a verificação de

O que “condiciona” a transferência é a “coalescência”, união, junção, entre o toro do sujeito e o toro do Outro, estrutura da neurose, algo muito evidente nas análises em que “verdades escondidas, as neuroses as supõem sabidas. É preciso destacá-las dessa suposição para que eles, os neuróticos, cessem de representar na carne essa verdade”39 Lacan explica então, que cabe ao analista efetuar “o corte graças ao que, essa suposição de saber é arrancada”.40 É esta estrutura, essa coalescência, que o corte, o ato do analista, visa separar. Lacan define a interpretação como um corte, “[...] cortes que têm efeito de subversão topológica”;41 corte no toro do neurótico, evidenciando o furo central, o vazio deste objeto a, que a suposição de saber visava encobrir. No seminário Momento de concluir,42 na famosa aula de 10 de janeiro de 1978, Lacan repete mais uma vez que o sujeito é sempre suposto, não há sujeito, e o suposto saber, é o suposto ler de outro modo, o que se inscreve no inconsciente. O analista lê o que se inscreve no inconsciente, não como uma cifra, mas como índice do real, como S (A barrado) que o analista com seu corte em ato faz aparecer, operando a separação, fazendo surgir essa suposição de saber no Outro, evidenciando sua inconsistência. A suposição de saber se sustenta por um saber absoluto. Não existe o sujeito suposto. Alguns manejos, acasos da vida, são necessários para que aquilo que está sendo tratado na análise possa fazer incidir na relação transferencial. Encontrei no trabalho de Jean Jacques Gorog: O passe, a verificação de uma fantasia e seu lugar na cura, uma maneira bastante “clínica” de conseguir expressar o momento em que o sujeito se dá conta do conjunto das suas representações e seu efeito em ato: Os flashbacks aos quais o cinema nos acostumou, não têm como razão essencial esclarecer o leitor sobre acontecimentos anteriores desconhecidos por ele próprio. Eles funcionam em ato: seu valor somente aparece nesse momento para o próprio narrador. De que é feito esse momento? Do ressurgimento fortuito, encontro imprevisto de incidentes aproximados pelo tempo, cada um evocador de lembranças antigas, em si mesmas triviais [...].43

uma fantasia e seu lugar na cura, op. cit., p. 11.

Dois incidentes aproximados pelo tempo, triviais: 1. Apresentou um trabalho e, como poucas vezes acontece, gostou do trabalho, acreditava ter conseguido precisar um ponto importante no caso clínico apresentado, está satisfeita. No dia seguinte, ao conversar com uma pessoa que estava presente nesse trabalho, essa pessoa volta ao ponto, justamente aquele que acreditava ter precisado. Não dava para acreditar, ela não ouviu! O que retornava era

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justamente o que acreditava ter explicado muito! Na análise, ao relatar essa história escuta: “Ah! Você acreditava que falando bem iria ser compreendida/ouvida?” Era isso mesmo! Impossível falar bem! Fim das esperanças! 2. Um sonho com o ex-chefe, que havia lhe ensinado a trabalhar, a enfrentar grandes desafios, considerado ético, figura meio endeusada, havia sido muito importante na sua vida. Pessoa considerada difícil, fazia parte do cenário da domadora de leões. No sonho consegue dizer que não era tão bom assim trabalhar com ele. Decide sair daquele lugar, pois não tem nada a ver com aquelas pessoas que estão naquele local. Sai sozinha, entra no elevador que começa a cair, despencar. Telefona para algumas pessoas para virem salvá-la (socorrê-la), não encontra ninguém. Falta pouco tempo para o elevador despencar. Nas associações, comenta que aquela pessoa não tem nada a ver com todo o afeto que lhe dedicava, só falava ética, gratidão e agora ele está distante, um figurante. Uma pergunta do analista: “O que passou?” possibilita interpretar o sonho como sendo transferencial. Começa a ouvir o analista, havia uma pessoa ali, sua voz começa a incomodar, sentimento de tristeza que evocava a despedida. Ultrapassar o horror de saber sobre o próprio gozo tem consequências: possibilita uma mudança na relação com o Outro, na posição com os pacientes, torna possível o silêncio para ouvi-los, pois agora, descolada dessa posição e, consequentemente, descolada do sentido. Antes, para tentar dar conta da impossibilidade de sair do lugar da morta, oscilava entre a posição de muda e a quem falava muito sem poder silenciar/ouvir. Alguns sonhos “no lugar de morta” e da “morta sem cabeça” permitem fazer surgir algo que empurra a falar, não um falar bem, mas um falar a partir de um “impossível falar bem”.44 e 45 Isso é o que, inclusive, possibilita dirigir-se à Escola para transmitir o seu passe, aceitando correr o risco de não ser ouvida. No final, um salto, uma passagem que se faz no limite (momento de concluir), um ato do sujeito, uma conclusão que constitui uma asserção sobre si mesmo. Um: “seja bem-vinda e um sorriso da analista” até então ignorado, permite que “a repetição da demanda se liberte de sua vaidade percebida”.46 Vaidade que no dicionário significa a qualidade do que é vão, vazio. Nesse momento é que o sujeito se dá conta da suposição de saber, da suposição do Outro ao mesmo tempo em que se revela o inessencial do sujeito suposto saber: “A hora do encontro é também despedida”.47

44 Gallano, No sin pasar por lo real (inédito).

45 Este texto de Carmen Gallano encontra-se publicado neste número de Stylus: Revista de Psicanálise (N. E.).

46 Soler, Um tempo a mais (2004, p. 110).

47 Encontros e despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant).

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Resumo O presente trabalho discute a importância e as consequências analíticas do passe para a direção do tratamento e para a comunidade de Escola a partir do testemunho de um passe.

Palavras-Chave Passe, Escola, nomeação, A.E., transferência.

Abstract This following text discusses the importance and the analytic consequences of the pass to the direction for treatment as well for the School community, from the testimony of a pass.

Keywords Pass, School, naming, A.E., transference.

Recebido 21/10/2009

Aprovado 13/12/2009

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Não sem passar pelo real

1

Carmen Gallano Entendo que a comissão organizadora convidou-me para intervir nesta mesa-redonda por ter sido membro do CIG (Colegiado Internacional de Garantia) da IF-EPFCL entre os anos de 20062008, e em consequência ter obtido a oportunidade de participar nos cartéis do passe. Dos cartéis do passe, em nossa Escola, todos lamentamos a pouca elaboração sobre o passe, que se transmite ao conjunto da Escola. O que se espera? Lacan é explícito na Proposição de 1967: os membros do chamado, agora, “cartel do passe” que ele denominou “júri de acreditação” não são juízes, mas “testemunhas”, que haverão de tomar a decisão de autorizá-lo, ou não, como AE; decisão “esclarecida” pelo testemunho que o passante ofereça, ao falar da sua análise. Porém, acrescenta: “inútil indicar que esta posição implica uma acumulação da experiência, sua coleção e sua elaboração, uma seriação de sua variedade, uma notação dos seus graus” e “o júri não pode se abster de um trabalho de doutrina, além do seu funcionamento como seletor”.2 Difícil responder ao citado acima quando, no meu caso, como membro dos cartéis do passe, dentre os nove casos de demanda de passe apresentados nos testemunhos dos passadores, nos três diferentes cartéis dos quais participei, somente um caso, o de Silvia Franco, fez a transmissão de passe, o qual nos deu ao cartel a alegria de nomeá-la A.E. Devo dizer que, tanto nos oito casos não nomeados quanto no caso nomeado A.E., não houve dúvidas sobre a decisão, em clara convergência de todos os membros do cartel. Desse modo, para tentar uma mínima seriação e elaboração, além do extraído das notas que tomei no cartel, dos testemunhos dos passadores sobre o passe da colega brasileira, mais o que debatemos em duas reuniões em nosso cartel sobre o ensino de seu passe, fui ler o que tinham escrito outros A.E. de nossa Escola. Encontrei dois textos de Pascale Leray3 que transmitem, como no seu caso, que o passe não se confunde com o final de análise e se diferencia dele. Ela, diferente de Silvia Franco, fez o passe na Escola, antes de chegar ao final de análise. Tenho lido textos de outros A.E. de nossa Escola e de passantes não nomeados que não esclarecem bem, à luz de sua própria experiência em análise e do transmitido de sua análise no passe, esta distinção entre passe e final de análise, embora, como Patrick Barillot,4 a elaborem teoricamente. Começarei pelo que pude localizar sobre a não coincidência enStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Texto apresentado nas Jornadas anuais de EPFCL – Federação dos Fóruns do Campo Lacaniano - Espanha, Valência, fevereiro de 2009.

2 Lacan, Proposição de 9 de outubro de 1967 (1967/2003, pp. 260-261).

3

Leray, L’expérience de la

passe: de la décision aux conséquences (2008) e Le désir de l’analyste (inédito).

4

Ver Barillot, Passe et fin

d’analyse (2005), O passe não é o fim (2006) e O passe sem o fim (2008).

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5 Franco, Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber (inédito).

6 Este texto de Silvia Franco encontra-se publicado neste número de Stylus: Revista de Psicanálise (N. E.).

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tre passe e final de análise no que foi transmitido pela nomeada A.E. em nosso cartel. Silvia Franco me deu sua autorização para que eu faça público o breve texto elaborado por mim sobre seu passe, que lhe enviei previamente. E ao mesmo tempo, me enviou um texto,5 e 6 ainda não acabado, sobre seu passe, com suas elaborações, texto no qual ela situa vários momentos de passe “como momentos de separação”. Surpreendeu-me que os sonhos que ela relata no seu texto, como cruciais das viradas da sua análise, não são os mesmos que eu recolhi nas minhas notas. E, como sei que na Mesa estará outro membro desse cartel, Luiz Izcovich, ele poderá dizer o que a ele ensinou essa passante sobre a diferenciação passe/ final de análise. Parece-me que seu passe se produz no tempo de ser designada passadora, mais ou menos dois anos antes do seu final de análise. Exerceu a função de passadora durante alguns meses. Seu testemunho de passe é, no seu caso, ulterior a seu final de análise. Um momento de passe ficou claro, resolvendo subitamente o que experimentava com intensa dor como impasse formulado como “melhor morrer do que essa ruptura”. A ruptura em questão lhe fazia perder um vínculo sustentado na fantasia, fantasia da qual tinha extraído qual objeto se fazia ser para o Outro, sob os ornamentos da identificação fálica. Não é esclarecer (separar) o real do gozo, mantido na fantasia, o que faz passe. Mas a separação, por uma ruptura em ato, da sua alienação fantasmática, pagando um preço no real, passando por várias perdas, dentre outras, do que no seu vínculo lhe dava um lugar exitoso com sua anterior analista, com quem, até a ruptura, partilhava consultório e atividades psicanalíticas. O efeito desse momento de passe, dessa separação, foi o início de uma intensa angústia, e logo o real de intensas dores físicas, especialmente no coração, que a levaram várias vezes até o hospital, sem que nada do saber inconsciente pudesse dar conta disso e sem causa orgânica. Nos sucessivos momentos de passe, foi caindo do lugar da “escolhida” / “não escolhida”, do lugar do objeto, no qual disse “haver estado colada para não perder o sentido”. E assim se encontra com o A barrado, com o furo no lugar do Outro e com a queda do sujeito suposto saber. Encontra-o na emergência da perda de sentido a partir dos decifrados do seu inconsciente e como um irredutível furo no Outro do saber. E isso resolve seu sintoma, que precisamente, de diferentes modos, fazia-lhe “perder o sentido”, com desmaios, ou com o “temer perder o sentido ao falar”. O gozo do sintoma, ao cessar, revela-se ligado a seu fazer-se objeto do gozo, atribuído ao Outro na sua fantasia. Nessa situação pontual da sua análise, é designada passadora e experimenta grande incômodo: “a analista não entendeu nada”, é Alíngua e o inconsciente real


sua reação. Pois interpretou que a analista a considerava próxima ao final da sua análise e para ela não era assim. Ocasião de ver como a ideia entendida, há anos, de que o passe anuncia o final de análise, é desacertada. O gozo de sua fantasia “fazer-se a morta para não ser atacada, para não morrer”, passando ao sem-sentido de “fazer-se de morta para não morrer”, cai e a coloca em outra perspectiva a respeito dessa montagem: “fazer-se de morta para não ser escolhida”. O efeito foi que, para sua surpresa, a voz da analista, destituída do lugar do SsS, tornou-se incômoda, e com um efeito de tristeza; e ela consentiu em exercer a função de passadora, a partir do “não saber” e de sua destituição subjetiva. A heterogeneidade destas duas diferentes “perdas de sentido”, aparecida no equívoco da expressão, permite-lhe esclarecer7 a separação entre o real do gozo que, fixado no objeto da fantasia, alimentava o sintoma, e o real como furo no Outro do significante, desse saber sem sujeito que é o inconsciente. Assim, se descobre numa mudança de posição e num desejo novo que traz consigo, além de mudanças em sua vida, uma mudança radical na sua posição com seus pacientes e uma certeza, num novo modo de silêncio, para ela, com seus pacientes. Vários sonhos e equívocos fazem aparecer como, “no lugar da morta sem cabeça”, algo a empurra a falar, mas não um “falar bem”, que era sua aspiração ideal. Dirá em seu testemunho que esse desejo de analista se fundamenta desde “esse algo (essa alguma coisa) que escapa ao saber” e que a leva, desde o passe, a ouvir os pacientes “descolada do sentido”. Do momento da decisão de seu final de análise, no seu texto aparece que foi o esvaziamento do objeto a que havia reduzido a analista, o resto da relação transferencial, que velava o vazio do Outro, o que fez a conclusão, passando pelos efeitos de um sonho “de entrar sozinha num elevador que cai, sem que ninguém lhe socorra”. O que o cartel recolheu do seu saldo do final da análise é: como aquela que aspirava “falar bem, com a esperança de ser ouvida”, e que começou um percurso de terapias desde os 19 anos em busca de uma analista, seis anos depois, na terceira, que na transferência encarnava o Ideal de falar bem, obtém em dois anos um êxito terapêutico, um êxito egoico, sem se satisfazer com ele (é a analista, transformada em colega, com quem se jogará, anos depois, a ruptura que citei anteriormente). Passando por um tempo na sua imediata nova análise, na qual se agudizou seu sintoma de “não poder dizer nada”, “não poder valorizar nada”, nessa última análise pôde chegar até seu fim. Escolheu uma analista “que falava mal e desarrumada com seus papéis”, o que já marcava, no meu ver, uma falha no Outro. E aquela a quem suas inibições e sintomas impediam “falar bem”, no seu passe surpreendeu o cartel com um “justo dizer”, transmitiStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

7

A palavra é despejar em

espanhol, que significa tanto esclarecer, quanto abrir, clarear (N. T.).

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8 L’expérience de la passe: de la décision aux conséquences, op. cit.

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do pelos seus passadores, modesto, presente no tecido com algumas cordas de saber da sua análise, surgido desde um “impossível falar bem” e “um impossível de saber”. No seu texto, Silvia Franco disse, cito-a: que “não é uma tarefa simples escolher os rastros do que foi esvaziado até o ponto de produzir um ato”; e se pergunta “como tentar transmitir algo do impossível?”. Passo agora ao recolhido do que Pascale Leray transmite sobre a disjunção passe/final de análise, nos seus textos, nos quais situa os momentos cruciais da sua análise, com vários sonhos, que não comentarei, uma vez que vocês podem lê-los, em detalhes, no seu texto publicado em L’en-je lacanien n. 11.8 Ela situa dois momentos de passe na sua análise, sem precedentes na cura, decisivos para a emergência do desejo do analista, um desejo definido como “ser ativada por outra coisa do que pelas cordas do saber, elaborados na análise”. O primeiro momento do passe, a partir de um sonho e um equívoco semântico, abre na sua análise um além da função do pai, o que excede à função salvadora do pai. Ali se esclarece (se separa), na sua cura, o ser de gozo que se fazia ser para o Outro na sua fantasia, “impensável objeto a comer”. A queda do gozo do objeto faz emergir a inexistência do Outro do gozo. Ultrapassar o horror de saber, de seu gozo, tem um efeito de alívio e de alegria, uma nova abertura ao desejo. É o corte deste gozo, que lhe “dava um ser” obturando a causa do desejo, e sua queda, o que produz uma primeira separação entre o objeto do gozo de sua fantasia e o A barrado. O segundo momento de passe surge num momento de viva angústia, através da resposta de um sonho, no qual o que “se faz evidente aos olhos” é o olhar, como o objeto que obtura a hiância do sexo feminino. Se lhe desvela o impossível de um saber que fisgaria o real do sexo, e que a ameaça não é justamente essa hiância, mas o que fechava o acesso a ela. A diferenciação entre o furo do objeto a, causa da falta no sujeito ao esvaziar o gozo fantasmático, e o abismo no qual confronta o S (A barrado) como inacessível alteridade do sexo feminino, se marca com a sua certeza. O efeito é o cessar da angústia, porém, cessar de esperar outra coisa, e se abre ali o inverso: “estar à altura da vida que o desejo, como desejo do Outro, nos há transmitido”. Esse outro encontro radical com o significante do Outro barrado é o que, para ela, marca o momento do passe que se produziu no instante mesmo de um ato: a decisão de apresentar-se ao passe, na escolha de transmitir esse desejo. Não foi um momento depressivo nem de euforia, mas um momento no qual se descolava da ficção da sua história no encontro com a falha real no saber. Era um acontecimento. O efeito foi imediato na sua prática analítica, numa leveza, desconhecida até então. As perdas resolutivas nesses cortes dos momentos do passe abriram a falha real no saber, como causa Alíngua e o inconsciente real


do seu novo desejo de saber, e o real da castração como ausência “do que jamais existiu senão como vazio”. Então, ela considerava que ao seu desejo de analista lhe restava uma trava, a qual somente se desfez no tempo de análise consequente a seu testemunho de passe. Antes de decidir fazer o passe na Escola, ela também havia exercido a função de passadora. Localiza que, antes do segundo momento de passe restava ainda um ponto de fixação: não conseguia fazer o luto da consistência dada à verdade, apesar dos efeitos da queda do SsS; e, nesse laço com a verdade, mantinha-se a fixação ao objeto ao qual se havia reduzido a analista, separado na cura: o olhar que ocupava a causa do desejo. Na sua análise, “descolando-se da ficção da verdade histórica”, no tempo que se segue a seu testemunho de passe, se esclarecerá para ela “seu nome de sintoma”, cortado, separado, do gozo da fantasia. Se o passe tinha sido o passo a um novo desejo de saber, a um desejo de analista, não era o final da sua análise. Um sonho abre a via para seu final de análise: o sonho como um efeito de chiste, situa “a colocação em plano da sua identificação fálica”, e interpreta que a ameaça não é o abismo do vazio, porém a falácia da ostentação fálica à qual o sujeito se aferrava. O efeito da interpretação do sonho precipitou um dizer, que através do abismo do vazio, voltava a trazer o real da causa impossível de fisgar (pegar) no desejo do Outro. O resto do olhar que suportava a transferência se esvazia. E a conclusão da sua cura, nos diz ela, é a impossibilidade de nomear o que da palavra escapa do desejo, e como nesse real se origina, para ela, o desejo do analista. Podemos constatar que as coisas não se apresentam do mesmo modo, no que transmitem essas duas passantes, nomeadas A.E. Se uma acentua no seu passe “descolar-se do sentido”, a outra acentua “descolar-se da verdade”. E é de diferentes maneiras que experimentam como se desfez, em seus momentos de passe, a coalescência entre o objeto a da fantasia e o S(A barrado). Além disso, na primeira, há um testemunho claro de como “a paz não vem carimbar logo a metamorfose do passe”. A separação do gozo da fantasia, com a emergência correlativa do furo no Outro do saber, e a queda do SsS, de onde surge para ela seu desejo de analista e sua aptidão para o ato analítico, não são suficientes para que se produza o final efetivo da sua análise. Na segunda (passante) há mais precisão sobre como se resolve, no final, sua relação com o real da castração, e com esse outro real, (isto é) o vazio que faz existência no lugar do impossível de saber do sexo feminino, que faz cessar o apelo ao Outro. Gostaria de assinalar que em ambas – não me parece por acaso que isso esteja indicado nos títulos que dão aos seus textos transmitidos à Escola – sua transmissão não é somente de seus momentos de passe, mas que inclui suas consequências no sujeito e no seu Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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novo vínculo ao Outro, incluindo também a Escola. E sou sensível ao que nos transmitem ambas sobre essa virada em torno do real que faz, da palavra, portadora não-toda do desejo: no impossível de dizer que sulca, entre as palavras, o oco no qual surge um ouvir e dizer de analista. Tradução: Sandra Letícia Berta Revisão: Conrado Ramos

Referências bibliográficas BARILLOT, Patrik. Passe et fin d’analyse. In: Wunsch – Revista Eletrônica da IF-EPFCL, n. 2, 2005. Disponível em: <http:// www.champlacanien.net/public/docu/1/wunsch2.pdf>. BARILLOT, Patrik. O passe não é o fim. In: Wunsch – Revista Eletrônica da IF-EPFCL, n. 5, 2006. Disponível em: < http:// www.champlacanien.net/public/docu/4/wunsch5.pdf>. BARILLOT, Patrik. O passe sem o fim. In: Wunsch – Revista Eletrônica da IF-EPFCL, n. 7, 2008. Disponível em: < http://www. champlacanien.net/public/docu/4/wunsch7.pdf>. FRANCO, Silvia Fontes. Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber. Inédito. LACAN, Jacques. (1967) Proposição de 9 de outubro de 1967. In: Outros Escritos. Rio Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 248264. LERAY, Pascale. L’expérience de la passe: de la décision aux conséquences. L’en-je lacanien, nº 11, vol. 2, 2008. LERAY, Pascale. Le désir de l’analyste. Intervención en las Jornadas Europeas, Paris, Noviembre de 2008. Inédito.

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Resumo A partir da experiência no cartel do passe e do testemunho de Analistas de Escola – A.E., a autora discute a disjunção entre o passe e o final de análise.

Palavras-chave Passe, real, final de análise, cartel do passe.

Abstract From the experience in the cartel of pass and from the testimony of school analysts the author discusses the disjunction between the pass and the final of the analysis.

Key-words Passe, real, final of the analysis, cartel.

Recebido 24/10/2009

Aprovado 13/12/2009

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O dispositivo do passe: uma surpresa - Pontuações Ângela M. Diniz Costa Este texto é construído a partir de momentos distintos que cronologicamente se sucederam da seguinte maneira: o primeiro aconteceu quando, enquanto membro da CLEAG da EPFCL - Brasil,1 pude acolher a demanda de Silvia Franco, a partir de sua decisão de passar pelo procedimento do passe. O segundo momento foi quando da apresentação de seu testemunho, dois anos depois2 daquele momento inaugural de seu endereçamento ao dispositivo do passe. Para a construção deste texto, inicio por esse segundo tempo, fazendo algumas pontuações a partir da transmissão dessa experiência, após sua nomeação como A.E. da EPFCL, na medida em que pude ler na escrita dessa transmissão algo que havia se passado e feito ressonâncias quando do encontro que tivemos na secretaria do passe. Dentre as várias questões que a experiência na secretaria do passe me suscitou e os diversos aspectos que esse testemunho nos possibilita, quero, em primeiro lugar, falar da maneira viva que se colocou para mim a presença do dispositivo do passe enquanto modo de esclarecimento sobre a passagem ao desejo do analista e a transmissão desse desejo, bem como a presença do passe numa comunidade analítica que instaura uma via que preserva a especificidade do discurso analítico no ensino da psicanálise. A análise, real próprio do inconsciente, da qual se extrai uma experiência, é uma exigência fundante na “qualificação do analista”,3 mas essa condição não é suficiente, pois ainda importa a transmissão do saber extraído dos volteios que precipitaram a partir dessa experiência a decidir-se e a autorizar-se a ocupar o lugar de analista. Após longos percursos de análises, o sujeito destaca o ponto que marca a conclusão de sua penúltima análise, com uma intervenção do analista apontando: “Está bem, até aonde você chegou”. A seguir é convidada pelo analista a compartilharem uma série de atividades que girava ao redor da psicanálise. O efeito que advém para o sujeito desse percurso é ter sido “escolhida – significante a partir do qual podia ler sua vida até aquele momento: não dar trabalho, não incomodar, não falar para não arrumar confusão”.4 Uma das consequências que o sujeito extrai da reafirmação de sua posição fantasmática foi ver seus sintomas realçados: “não poder valorizar nada e o de não poder falar nada”.5 Busca outra análise, e ao dizer com entusiasmo do lugar que haStylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

1 Comissão Local Epistêmica, de Acolhimento e Garantia da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano composta entre 2006-2008 por Alba Abreu, Ângela Diniz Costa, Dominique Fingermann, Jairo Gerbase.

2 II Jornada de Cartéis do Fórum do Campo Lacaniano – Belo Horizonte – setembro de 2009.

3 Freud, Análise terminável e interminável (1937/1975, p. 282).

4 Franco, Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber (2009).

5 Ibid. 117


6 Ibid.

7 Franco, Sobre a experiência do passe (2006).

8 Ibid.

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via alcançado após seus tratamentos, escuta uma interpretação do analista que faz estremecer esse lugar que sustentava ao longo dos avatares de sua existência – “Quanto sucesso”!, interpretação que descompleta, fazendo vacilar algo na posição desse sujeito, que lhe abre a possibilidade de interrogar sua maneira de se fazer “ser escolhido”. As elaborações que são tecidas vão desdobrando para esse sujeito o anúncio de uma decisão que ao implicar um ato de separação o faz hesitar. Momento de vacilação, formulado como: “Melhor morrer que passar por isso”. É tomada por crises intensas de angústia, traduzidas como sensação de morte iminente, de perda do sentido. Abre-se outro tempo em sua análise, no qual pôde saber sobre a implicação do valor de gozo advindo nessa estratégia: para ser a escolhida não pode falar, precisa estar sempre em prejuízo em suas relações. É necessário se fazer de morta. Ponto de gozo do sintoma, que se articula ao fantasma fazendo perdurar os efeitos repetitivos de um trauma que concerne à conjuntura do seu nascimento. Quando essa estratégia de existência se revela, advém angústia. A angústia se constitui passagem necessária para fazer bascular em direção ao esvaziamento da consistência do objeto que estava obturando o efeito de causa do objeto do desejo. Abertura ao tempo do final de análise... É quando recebe a notícia de sua designação como passadora. “Esta designação é um ato que, como todo ato analítico, descompleta o saber do psicanalisando e, nesse sentido, apontou para a destituição, para a saída do sentido, ao mesmo tempo em que apontou para o sentido/direção da saída”.6 A partir desse testemunho, podemos verificar que na designação de um passador, há uma aposta inerente ao ato do analista, cujos efeitos não são calculáveis. A designação provocou um efeito de surpresa. No texto Sobre a experiência do passe,7 é colocado que ao se perguntar sobre o que lhe causou o efeito de surpresa, que envolveu a notícia da sua designação como passador, o que ficou esclarecido foi o lugar em que o sujeito se colocava na relação transferencial, esperando um complemento de ser. A surpresa é, pois, um acontecimento que não está previsto. Algo da ordem: “O analista não entendeu nada!”. O sujeito aguarda o complemento e o ato descompleta.8 Presença do desejo do analista. Contrariamente a todas as estratégias para ser escolhida e ficar com o outro, esta designação apontou para fora da relação transferencial. Apontou para a transferência com a psicanálise, com a Escola. O que foi interpretado como: “Vai sozinha dar testemunho de sua relação com a psicanálise”. Ainda nesse mesmo texto, Silvia faz uma observação que me possibilita fazer um ponto de enlaçamento à minha experiência na secretaria do passe, quando ao dizer que ao “consentir em participar desse dispositivo, deparou-se em cada momento requerido pelo procedimento do passe, que se trata de um ‘trabalho solitário’, e a única Alíngua e o inconsciente real


‘garantia’ era apostar no que só a análise pode fazer suportar, ou seja, como nos ensina Lacan que ‘o não-sabido se ordene como moldura do saber’”.9 E ao ler este texto, lembrei de uma frase dita nesse primeiro encontro que tivemos e que fez ressoar o momento situado como o de passagem – momento de passe – “não sabia que ia dizer disso”. Surpreendidas com um “não saber”, a entrevista concluiu-se. Sublinho este ponto, porque ele me possibilita, ao escutar o texto dessa analista da escola, reler algo que se passou nessa entrevista na secretaria do passe: da perspectiva daquilo que se colocou para esse sujeito como momento fundamental de passe, enquanto separação de sua posição fantasmática: destituição do ideal de seu saber falar bem, da garantia do sentido, de ser compreendida – modos de se fazer escolhida ao preço de estar morta. Deparar-se, então, com um não saber, era também por ter depurado a causa de seu horror ao saber em sua correlação ao se saber “ser um dejeto”. Lacan precisa que chegar a esse ponto não é suficiente, se faz necessário que esse encontro, que toca o real, provoque entusiasmo. Um outro ponto que quero marcar, ainda considerando o ponto de conclusão da entrevista, é da surpresa que também se colocou para mim do que havia se passado naquele encontro e que também se enlaçava a um “não saber” que insiste numa pergunta relativa à borda daquilo que constitui função da secretaria do passe, que embora bem definida nos estatutos como acolhimento da demanda do passe, sorteio dos passadores... ou seja zelar pelo bom funcionamento do procedimento; a surpresa fica naquilo que se evidencia na experiência dessa função que requer discrição em relação à decisão do passante, e também interroga o sentido que possa ser apreendido desse momento de decisão: o secretário do passe ao escutar os argumentos de uma demanda de passe permanece na borda do testemunho, trazendo uma questão de antecipação do julgamento que é problemática. O que poderia fazer manejar a entrevista no sentido de orientar para suspensão ou adiamento da demanda de passe? O dispositivo do passe é um artifício tecido por vários fios que se enlaçam e desenlaçam entre o passante, o secretário do passe, os passadores, os membros do cartel do passe e a comunidade de Escola. Neste artifício, cada um dos envolvidos traz sua cota. Não se ocupa nenhum desses lugares, sem que incida uma marca. O passe envolve um número expressivo de pessoas na comunidade analítica que podem, e esta é a melhor das hipóteses, ir ao encontro desse real em jogo na formação dos analistas. Para além dos envolvidos no procedimento do passe, sua existência numa Escola implica o ato solidário no acolhimento das consequências do discurso analítico do passe para a comunidade de Escola. O acolhimento e o valor dado pela comunidade ao testemunho transmitido advindo dessa experiência, que é Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

9 Lacan, Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967/2003, p. 254).

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10 Sauret, A psicanálise com vários (2001).

11 Lacan, Sobre a experiência

referida a um campo limitado unicamente à apropriação do sujeito, evocando um grão de saber que cada passante transmite do singular de sua experiência no advir do desejo do analista, fazem ressoar esse real irredutível com o qual se confrontou, junto daqueles nos quais o desejo de escutá-lo é suscitado.10 Indicação de que o passe é em função de Escola, numa aposta que ela possa instaurar uma comunidade de experiência, onde cada um, de modo singular, pode inscrever um saber; é aí que se tem a chance de um a um reinventar o saber e operar com a transmissão da Psicanálise. Assim, uma Escola de Psicanálise é lugar onde se inscreve o discurso analítico no ensino. É nesse sentido que uma escola de Psicanálise relança um efeito de formação, pois cada um coloca sua “pitada de sal” nesse laço social inspirado no discurso analítico para acolher e investigar seus efeitos. Assim, a questão dos efeitos da formação do analista é como sustentar o lugar do analista e manter vivo o desejo do analista inscrito em outra dimensão de tempo que não se relaciona somente com o passado de sua formação, senão também com o porvir de sua prática analítica. Assim, numa escola “a experiência do passe é uma experiência em andamento”11 ...sempre.

do passe (1977, p. 117).

Referências bibliográficas FRANCO, Silvia Fontes. Das consequências analíticas do passe: o inessencial do sujeito suposto saber. Texto apresentado na II Jornadas de Cartéis – Fórum do Campo Lacaniano – Belo Horizonte, em setembro de 2009. FRANCO, Silvia Fontes. Sobre a experiência do passe. Texto apresentado no VII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Belo Horizonte, em 2006. FREUD, Sigmund. (1937). Análise terminável e interminável. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII). LACAN, J. (1967). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 248-264. LACAN, Jacques. Sobre a experiência do passe. Ornicar, nº 12-13, dezembro de 1977. SAURET, Marie Jean. A psicanálise com vários. In: Estilete: Boletim da Associação dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil, nº 3, agosto de 2001.

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Resumo O artigo busca fazer algumas pontuações sobre os efeitos de formação engendrados pelo procedimento do passe. A experiência do passe numa Escola é fundamental para subsidiar a discussão de como advém para cada um em sua particularidade o desejo do analista. Para tanto o autor recorre a dois encontros, em intervalos de tempo bastante distintos: o primeiro encontro refere-se quando da demanda do passe; e o segundo, quando da leitura do texto de Silvia Franco referente à transmissão de sua experiência como A.E. – analista da escola.

Palavras-chave Procedimento do passe, desejo do analista, transmissão de uma experiência.

Abstract The article aims to make some punctuations concerning the formation effects engendered by the procedure of the pass. The experience of the pass in a school is fundamental to underlie the discussion about the advent for oneself in one’s own particularity of the desire of the analyst. For this purpose the author resorts to two encounters, in two fairly distinct intervals of time: the first encounter when demanding the pass; and the second when reading the text of Silvia Franco concerning the transmission of her experience as an AE – analyst of the school.

Key-words Pass procedure, desire of the analyst, transmission of an experience.

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Lalíngua nos seminários, conferências e escritos de Jacques Lacan Dominique Fingermann e Conrado Ramos (Orgs.) Método: Dominique Fingermann localizou e recolheu todos os trechos relevantes em que Lacan se refere à lalangue nos textos de seus seminários, conferências e escritos. Conrado Ramos buscou os mesmos trechos selecionados por Dominique nas traduções disponíveis para o português ou para o espanhol, quando não disponível em português. A apresentação está organizada na ordem cronológica das obras (seminários, conferências ou escritos), aparecendo primeiramente o trecho em francês e depois a tradução encontrada. Quanto à frequente variação da tradução de lalangue por lalíngua ou alíngua, preferiu-se manter as opções dos tradutores de cada texto.

Le savoir du psychanalyste (1971-1972) O saber do psicanalista (1971-1972)1 pp. 10-11 (…) «Lalangue» , comme je l’écris maintenant (...). Je n’ai pas dit l’inconscient est structuré comme lalangue, mais est structuré comme un langage, et j’y reviendrai tout à l’heure. (...) Eh bien, lalangue n’a rien à faire avec le dictionnaire, quel qu’il soit. Le dictionnaire a affaire avec la diction, c’est-à-dire avec la poésie et avec la rhétorique par exemple (...). Seulement, c’est justement pas ce côté-là qui a affaire avec l’inconscient. (...) Contrairement à ce qui est, je ne sais pourquoi, encore très répandu, le versant utile dans la fonction de lalangue, le versant utile pour nous psychanalystes, pour ceux qui ont affaire à l’inconscient, c’est la logique (…).

1 LACAN, J. (1971-72). O saber do psicanalista. Tradução de Ana Izabel Corrêa, Letícia P. Fonsêca e Nanette Zmery Frej. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife (publicação para circulação interna), 1997.

p. 15 (aula de 4 de novembro de 1971) (...) Lalangue, como escrevo agora, não tenho o quadro-negro, bem, escrevam alíngua [lalangue] numa só palavra ;é assim que a escreverei doravante. (...). (...) Eu não disse o inconsciente é estruturado como uma alíngua, mas é estruturado como uma linguagem e voltarei a isso daqui a pouco. (...) Bem, alíngua não tem nada a ver com o dicionário, Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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qualquer que seja. O dicionário tem a ver com a dicção, isto é, com apoesia e com a retórica, por exemplo. (...) Apenas, justamente, não é esse lado que tem a ver com o inconsciente. (...) Eu não sei por que, contrariamente ao que é ainda muito difundido, a vertente útil na função da alíngua, a vertente útil para nós psicanalistas, para aqueles que lidam com o inconsciente, é a lógica. (...). p. 13 (…) Pour commencer, je dis que si je parle de langage, c’est parce qu’il s’agit de traits communs à se rencontrer dans «lalangue» ; «lalangue» étant elle-même sujette à une très grande variété, il y a pourtant des constantes (…). p. 18 (aula de 4 de novembro de 1971) (...) Para começar eu digo que, se falo de linguagem, é porque se trata de traços comuns a encontrar na alíngua; a alíngua, sendo ela própria sujeita a uma variedade muito grande, tem todavia constantes. (...). pp. 33-34 (…) «Fonction et champ de la parole et du langage», le champ est constitué par ce que j’ai appelé l’autre jour avec un lapsus : «lalangue» (...). Des hommes et des femmes, c’est réel. Mais nous ne sommes pas, à leurs propos, capables d’articuler la moindre chose dans «lalangue» qui ait le moindre rapport avec ce Réel (…). pp. 34-35 (aula de 2 de dezembro de 1971) (...) Function et champ de la parole et du langage, o campo é constituído pelo que chamei, outro dia, num lapso, a alíngua [lalangue]. (...). (...) Homens e mulheres – isso é real. Mas, a respeito deles, não somos capazes de articular a menor coisa na alíngua que tenha a menor relação com esse Real. (...). p. 34 (…) La psychanalyse nous confronte à ceci que tout dépend de ce point pivot qui s’appelle la jouissance sexuelle et qui se trouve - c’est seulement les propos que nous recueillons dans l’expérience psychanalytique qui nous permettent de l’affirmer - qui se trouve ne pouvoir s’articuler dans un accouplement un peu suivi, voire même fugace qu’à exiger de rencontrer ceci qui n’a dimension que de « lalangue» et qui s’appelle la castration. (…) p. 35 (aula de 2 de dezembro de 1971) (...) A psicanálise nos confronta ao fato de que tudo depende desse 126

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ponto de sustentação chamado gozo sexual e que acontece – são apenas as proposições que recolhemos na experiência psicanalítica que nos permitem afirmá-lo – somente podendo se articular numa cópula um pouco contínua, e até mesmo efêmera ao exigir encontrar aquilo que não tem dimensão senão de alíngua e que chamamos castração. (...). p. 35 (…) avant que j’aie tranché que le point clé, le point nœud, c’était «lalangue» et dans le champ de « lalangue», l’opération de la parole. Il n’y a pas une interprétation analytique qui ne soit pour donner à quelque proposition qu’on rencontre sa relation à une jouissance, à quoi ... qu’est-ce que veut dire la psychanalyse ? Que cette relation à la jouissance, c’est la parole qui assure la dimension de vérité (…). p. 36 (aula de 2 de dezembro de 1971) (...) antes que eu tenha decidido que o ponto-chave, o ponto de articulação, era alíngua e, no campo de alíngua, a operação da fala. Não existe uma interpretação analítica que não seja para dar a qualquer proposição que encontramos sua relação a um gozo, ao que... o que quer dizer a psicanálise? Que nesta relação ao gozo é a palavra que assegura a dimensão de verdade. (...). p. 39 (…) la seule question, la question très intéressante, c’est de savoir comment quelque chose que nous pouvons, momentanément, dire corrélatif de cette disjonction de la jouissance sexuelle, quelque chose que j’appelle «lalangue», évidemment que ça un rapport avec quelque chose du réel (…). p. 40 (aula de 2 de dezembro de 1971) (...) a única questão, a questão muito interessante, é saber como algo que podemos, momentaneamente, dizer correlativo desta disjunção do gozo sexual, algo que chamo alíngua, evidentemente, tem uma relação com algo do real (...). p. 40 (…) Après tout, c’est peut être fait avec presque rien du tout, cette fameuse science. Auquel cas on s’expliquerait mieux comment les choses, l’apparence aussi conditionnée par un déficit que «lalangue», peut y mener tout droit (…). p. 40 (aula de 2 de dezembro de 1971) (...) Afinal, essa famosa ciência possivelmente é feita com quase Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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nada. Neste caso, explicar-se-ia melhor como as coisas, a aparência tão condicionada por um déficit quanto a alíngua pode seguir adiante. (...).

*** ... Ou pire (1971-1972) ... Ou Pior (1971-1972)2 2 LACAN, J. O Seminário, livro 19: ... Ou pior (1971-

p. 65 (…) Ce qui me frappe, c’est que pendant des siècles, quand on touchait à lalangue, fallait faire attention (…).

72). Tradução de Andrea Tenório Diniz Gonçalves, Deane Pontes Fiúza, Denise Coutinho, Maria Auxiliado-

p. 62 (aula de 9 de fevereiro de 1972) (...) O que me surpreende é que, durante séculos, quando se tocava na lalíngua, era preciso prestar atenção. (...).

ra Mascarenhas Fernandes, Michel Colin. Salvador: Espaço Moebius Psicanálise (publicação não comercial), 2003.

p. 78 (…) Vous voyez que lalangue, lalangue que j’écris en un seul mot, lalangue qui est pourtant bonne fille, ici, résis¬te. Elle fait la grosse joue. On en jouit, il faut bien le dire, de l’Autre, on en jouit mentalement (…). p. 74 (aula de 8 de março de 1972) (...) Vocês veem que lalíngua, lalíngua que escrevo numa só palavra, lalíngua que, entretanto, é boa moça, resiste. Ela faz beicinho. Goza-se, é necessário que se diga, do Outro, goza-se mentalmente. (...). pp. 79-80 (…) L’important, c’est que vos fantasmes vous jouissent et c’est là que je peux revenir à ce que je disais tout à l’heure. C’est que, comme vous voyez, même lalangue qui est bonne fille ne laissse pas sortir cette parole facilement (…). p. 75 (aula de 8 de março de 1972) (...) O importante é que seus fantasmas gozam de vocês e é aí que posso voltar ao que dizia há pouco. É que, como vocês veem, mesmo lalíngua, que é boa moça, não deixa esta palavra sair facilmente. (...).

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L’Étourdit (1972) O aturdito (1972)3 p. 490 (…) Ce dire ne procède que du fait que l’inconscient, d’être “structturé comme un langage“, c’est-à-dire lalangue qu’il habite, est assujetti à l’équivoque dont chacune se distingue. Une langue entre autres n’est rien de plus que l’intégrale des équivoques que son histoire y a laissé ... C’est la veine dont le réel, le seul pour le discours analytique ... le réel qu’il n’y a pas de rapport sexuel, y a fait dépôt au cours des âges (…).

3 LACAN, J. (1972). O aturdito. In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 448-497.

p. 492 (...) Esse dizer provém apenas do fato de que o inconsciente, por ser “estruturado como uma linguagem”, isto é como a lalíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada uma delas se distingue. Uma língua entre outras não é nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistirem nela. É o veio em que o real – o único, para o discurso analítico, a motivar seu resultado, o real de que não existe relação sexual – se depositou ao longo das eras. (...). p. 492 (…) “ Je ne te le fais pas dire. “ N’est-ce pas là le minimum de l’inter¬vention interprétative ? Mais ce n’est pas son sens qui importe dans la formule que lalangue dont j’use ici permet d’en donner, c’est que l’amorphologie d’un langage ouvre l’équivoque entre “ Tu l’as dit “ et “ Je le prends d’autant moins à ma charge que, chose pareille, je ne te l’ai par quiconque fait dire “ (…). p. 494 (...) “Não sou eu que te faço dizê-lo.” Não é esse o mínimo da intervenção interpretativa? Mas o que importa não é seu sentido, na formulação que a alíngua de que aqui me sirvo permite dar-lhe, e sim que a amorfologia de uma linguagem descortina o equívoco entre “Você o disse” e “Tenho tão pouca responsabilidade por isso que não lhe mandei dizer por ninguém”. (...)

***

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Encore (1972-1973) Mais, ainda (1972-1973)4 4 LACAN, J. O Seminário,

p. 44 (…) Notre recours est, dans lalangue, ce qui la brise (…).

livro 20: mais, ainda (197273). Tradução de M.D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

p. 61 (aula de 16 de janeiro de 1973, capítulo IV: O Amor e o Significante) (...) Nosso recurso é, na alíngua, o que a fratura. (...). p. 78 (…) C’est là que, lalangue, lalangue en français d’oit m’apporter une aide - non pas, comme il arrive quelquefois, en m’offrant une homonymie, du d’eux avec le deux, du peut avec le peu, voyez ce il peut peu qui est bien tout de même là pour nous servir à quelque chose - mais simplement en me permettant de dire qu’on âme. J’ âme, tu âmes, il âme. Vous voyez là que bous ne pouvons nous servir que de l’écriture, même à y inclure jamais j’ âmais (…). p. 113 (aula de 13 de março de 1973, capítulo VII: Letra de uma Carta de Almor) (...) É aí que alíngua, alíngua em francês, deve me dar uma ajuda – não, como acontece algumas vezes, me oferecendo um homônimo, do d’eux (deles) com o deux (dois), do peut (pode) com o peu (pouco), vejam este il peut peu (ele pode pouco) que está mesmo aí é para nos servir para alguma coisa – mas simplesmente me permitindo dizer que a gente âme (que a gente alma). Eu almo, tu almas, ele alma. Aí vocês veem que só nos podemos servir da escrita, mesmo para incluir o jamais j’ âmais (o jamais já almais). (...). p. 93 (…) Ce que j’avançais, en écrivant lalangue en un seul mot, c’était bien ce par quoi je me distingue du structuralisme, pour autant qu’il intégrerait le langage à la sémiologie (…). pp. 137-138 (aula de 10 de abril de 1973, capítulo VIII: O Saber e a Verdade) (...) O que eu adiantava, ao escrever alíngua numa só palavra, era mesmo aquilo pelo que eu me distingo do estruturalismo, na medida em que ele integraria a linguagem à semiótica (...). p. 97 (…) Comme quelqu’un l’a perçu récemment, je me range - qui me

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range? est-ce que c’est lui ou est-ce que c’est moi? finesse de lalangue - je me range plutôt du côté du baroque (…). p. 145 (aula de 8 de maio de 1973, capítulo IX: Do Barroco) (...) Como alguém percebeu recentemente, eu me alinho – quem me alinha? Será que é ele ou será que sou eu? Finura da alíngua – eu me alinho mais do lado do barroco. (...). p. 120 (…) Ce que seule lalangue que je parle permet, - mais ce n’est pas fait pour que, moi, je m’en prive en tant que je parle (…). p. 180 (respostas de Jacques Lacan datadas de 22 de outubro de 1973 às perguntas referentes à aula de 15 de maio de 1973, capítulo X: Rodinhas de Barbante) (...) O que só se permite pela alíngua que falo – mas isto não é feito para que, eu, me prive disto no que falo. (...). p. 125 (XI Le rat dans le labyrinthe) (…) Le langage est une élucubration de savoir sur lalangue (…). p. 187 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) A linguagem é uma elucubração de saber sobre alíngua. (...). pp. 126-127 (…) Seulement, une chose est claire, le langage n’est que ce qu’élabore le discours scientifique pour rendre compte de ce que j’appelle lalangue (...) Lalangue sert à de toutes autres choses qu’à la communication. C’est ce que l’expérience de l’inconscient nous a montré, en tant qu’il est fait de lalangue, cette lalangue dont vous savez que je l’écris en un seul mot, pour désigner ce qui est notre affaire à chacun, lalangue dite maternelle, et pas pour rien dite ainsi. Si la communication se rapproche de ce qui s’exerce effectivement dans la jouissance de lalangue, c’est qu’elle implique la réplique, autrement dit le dialogue. Mais lalangue sert-elle d’abord au dialogue? Comme je l’ai autrefois articulé, rien n’est moins sûr (...). (...) Si j’ai dit que le langage est ce comme quoi l’inconscient est structuré, c’est bien parce que le langage, d’abord, ça n’existe pas. Le langage est ce qu’on essaye de savoir concernant la fonction de lalangue. Certes, c’est ainsi que le discours scientifique lui-même l’aborde, à ceci près qu’il lui est difficile de le réaliser pleinement, car il méconnaît l’incons¬cient. L’inconscient est le témoignage d’un savoir en Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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tant que pour une grande part il échappe à l’être parlant. Cet être donne l’occasion de s’apercevoir jusqu’où vont les effets de lalangue, par ceci, qu’il présente toutes sortes d’affects qui restent énigmatiques. Ces affects sont ce qui résulte de la présence de lalangue en tant que, de savoir, elle articule des choses qui vont beaucoup plus loin que ce que l’être parlant supporte de savoir énoncé. Le langage sans doute est fait de lalangue. C’est une élucubration de savoir sur lalangue. Mais l’inconscient est un savoir, un savoir-faire avec lalangue. Et ce qu’on sait faire avec lalangue dépasse de beaucoup ce dont on peut rendre compte au titre du langage. Lalangue nous affecte d’abord par tout ce qu’elle comporte comme effets qui sont affects. Si l’on peut dire que l’inconscient est structuré comme un langage, c’est en ceci que les effets de lalangue, déjà là comme savoir, vont bien au-delà de tout ce que l’être qui parle est susceptible d’énoncer. C’est en cela que l’inconscient, en tant qu’ici je le supporte de son dé, chiffrage, ne peut que se structurer comme un langage, un langage toujours hypothétique au regard de ce qui le soutient, à savoir lalangue. Lalangue, c’est ce qui m’a permis tout à l’heure de faire de mon S2, une question, et de demander - est-ce bien d’eux qu’il s’agit dans le langage? (…). pp. 188-190 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) Só que, uma coisa é clara, a linguagem é apenas aquilo que o discurso científico elabora para dar conta do que chamo alíngua. Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação. É o que a experiência do inconsciente mostrou, no que ele é feito de alíngua, essa alíngua que vocês sabem que eu a escrevo numa só palavra, para designar o que é a ocupação de cada um de nós, alíngua dita materna, e não por nada dita assim. Se a comunicação se aproxima do que se exerce efetivamente no gozo da alíngua, é que ela implica a réplica, dito de outro modo, o diálogo. Mas alíngua, será que ela serve primeiro para o diálogo? Como articulei de outra vez, nada é menos garantido do que isto. (...). (...) Se eu disse que a linguagem é aquilo como o que o inconsciente é estruturado, é mesmo porque, a linguagem, de começo, ela não existe. A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da alíngua. Certamente, é assim que o próprio discurso científico a aborda, exceto que lhe é difícil realizá-la plenamente, pois ele não leva em consideração o inconsciente. O inconsciente é o testemunho de um saber, no que em grande parte ele escapa ao ser falante. Este ser dá oportunidade de perceber até onde vão os efeitos da alíngua, pelo seguinte, que ela apresenta toda sorte de afetos que restam enigmá132

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ticos. Esses afetos são o que resulta da presença de alíngua no que, de saber, ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante suporta de saber enunciado. A linguagem, sem dúvida, é feita de alíngua. É uma elucubração de saber sobre alíngua. Mas o inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua. E o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa de muito o de que podemos dar conta a título de linguagem. Alíngua nos afeta primeiro por tudo que ela comporta como efeitos que são afetos. Se se pode dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, é no que os efeitos de alíngua, que já estão lá como saber, vão bem além de tudo que o ser que fala é suscetível de enunciar. É nisto que o inconsciente, no que aqui eu o suporto com sua cifragem, só pode estruturar-se como uma linguagem, uma linguagem sempre hipotética com relação ao que a sustenta, isto é, alíngua. Alíngua é o que me permitiu, há pouco, fazer de meu S2 uma questão, e perguntar: será mesmo dos, deles, dois, que se trata na linguagem? (...). p. 128 (…) Or, cet expérimentateur, c’est lui qui, dans cette affaire, sait quelque chose (...) S’il n’était pas quelqu’un pour qui le rapport au savoir est fondé sur un rapport à lalangue, sur l’habitation de lalangue, ou la cohabitation avec, il n’y aurait pas ce montage (…). p. 192 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) Ora, esse experimentador, é ele que, nessa operação, sabe alguma coisa (...) Se ele não fosse alguém para quem a relação ao saber está fundada numa relação à língua, na habitação de alíngua, ou coabitação com, não haveria essa montagem. (...). p. 129 (…) à ce qui, par l’expérimentateur, n’a pas été cogité à partir de rien, mais à partir de lalangue (…). (…) Pour introduire un discours scientifique concernant le savoir, il faut inter¬roger le savoir là où il est. Ce savoir, en tant que c’est dans le gîte de lalangue qu’il repose, veut dire l’inconscient (...). (...) Le signifiant en lui-même n’est rien autre de définissable qu’une différence avec un autre signifiant. C’est l’introduction de la différence comme telle dans le champ, qui permet d’extraire de lalangue ce qu’il en est du signifiant. Autrement dit, je réduis l’hypothèse, selon la formule même qui la subs¬tantifie, à ceci qu’elle est nécessaire au fonctionnement de lalangue. (…). Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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5 Na presente tradução de M.D.Magno, neste trecho do texto consta língua, e não alíngua.

pp. 193-194 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) pelo experimentador, não foi cogitado a partir de coisa alguma, mas sim a partir da alíngua. (...). (...) Para introduzir um discurso científico concernente ao saber, é preciso interrogar o saber aonde ele está. Esse saber, na medida em que é no antro da alíngua5 que ele repousa, quer dizer o incosnciente. (...). (...) O significante, em si mesmo, não é nada de definível senão como uma diferença para com um outro significante. É a introdução da diferença enquanto tal, no campo, que permite extrair da alíngua o que é do significante. Dito de outro modo, reduzo a hipótese, segundo a fórmula mesma que a substantifica, a ela ser necessária para o funcionamento da alíngua. (...). p. 130 (…) C’est parce qu’il y a l’inconscient, à savoir lalangue en tant que c’est de cohabitation avec elle que se définit un être appelé l’être parlant, que le signifiant peut être appelé à faire signe (…). pp. 194-195 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) É porque há o inconsciente, isto é, alíngua no que é por coabitação com ela que se define um ser chamado falante, que o significante pode ser chamado a fazer sinal, a constituir signo. (...). pp.130-131 (…) L’S1, l’essaim, signifiant-maître, est ce qui assure l’unité, l’unité de la copulation du sujet avec le savoir. L’est dans lalangue, et pas ailleurs, en¬tant qu’elle est interrogée comme langage, que se dégage l’existence de ce qu’une linguistique primitive a désigné du terme de στοιχεϊν, élément, et ce n’est pas pour rien (…). p. 196 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) S1, esse um, o enxame, significante-mestre, é o que garante a unidade, a unidade de copulação do sujeito com o saber. É na alíngua, e não alhures, no que ela é interrogada como linguagem, que se destaca a existência daquilo que uma linguística primitiva designou com o termo στοιχεϊν, elemento, e isto não é por nada. (...). p. 131 (…) Le Un incarné dans lalangue est quelque chose qui reste indécis, entre le phonème, le mot, la phrase, voire toute la pensée. C’est

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ce dont il s’agit dans ce que j’appelle signifiant-maître (…). p. 196 (aula de 26 de junho de 1973, capítulo X: O Rato no Labirinto) (...) O Um encarnado na alíngua é algo que resta indeciso entre o fonema, a palavra, a frase, mesmo todo o pensamento. É o de que se trata no que chamo de significante-mestre. (...).

*** Introduction à l’édition allemande des Écrits (07/10/1973) Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos (07/10/1973)6 p. 559 (...) mais si l’inconscient témoigne d’un réel qui lui soit propre (...) Ce qui ne cesse pas de s’écrire, c’est supporté du jeu de mots que lalangue mienne a gardé d’une autre, et non sans raison, la certitude dont témoigne dans la pensée le mode de la nécessité (...).

6 LACAN, J. (1973). Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de

p. 556 (...) mas, se o inconsciente atesta um real que lhe é próprio (...) O que não cessa de se escrever é sustentado pelo jogo de palavras de que lalíngua que me é própria preservou de uma outra, não sem razão, a certeza que é atestada no pensamento pelo modo da necessidade. (...).

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 550-556.

*** Télévision (1973) Televisão (1973)7 p. 511 (…) La linguistique étant la science qui s’occupe de lalangue, que j’écris en un seul mot d’y spécifier son objet, comme se fait de toute autre science (...).

7 LACAN, J. (1973). Televisão. In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 508-543.

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p. 510 (...) A linguística é a ciência que se ocupa de lalíngua, que escrevo numa palavra só, para com isso especificar seu objeto, como se faz em qualquer outra ciência. (...).

*** Les non-dupes errent (1973-1974) Les non-dupes errent (1973-1974)8 8 LACAN, J. Seminario 21: Los incautos no yerran (1973-1974). Tradução para o espanhol não mencionada. Inédito.

p. 65 (…) ça nous pousse vers les formules mathématiques. Celles de ce qui est seulement à peine ébauché, à savoir la théorie des nœuds, à ceci près que tout de même ceci est bien le représentant du langage et que lalangue, écrite comme je le fais, le reflète dans sa formation même, que plus pour tout dire nous nous enfonçons à en parler, plus nous confir¬mons ce qui va de soi, que nous sommes aussi bien dans le Symbolique, et après quoi comment ne pas admettre le Réel, réel du fait que dans cette affaire nous y mettons notre peau ? (…). p. 40 (aula de 18 de dezembro de 1973) (...) Esto nos lleva a las fórmulas matemáticas. Las fórmulas de lo que está apenas esbozado, a saber, la teoría de los nudos, con la diferencia de que asimismo esto es el representante del lenguaje y que lalengua escrita como yo lo hago, lo refleja en su formación misma; para decirlo todo, cuanto más nos adentramos en la tarea de hablar de él, más confirmamos lo que es obvio: que también estamos en lo simbólico; después de esto, ¿cómo no admitir lo real, real por el hecho de que en este asunto ponemos allí nuestra piel? (…) p. 66 (…) chiffre de l’amour, hein, - “ils sont hors deux” - je vous l’ai dit, c’est lalangue, enfin qui exprime la mathématique, hein (…). p. 41 (aula de 18 de dezembro de 1973) (…) cifra del amor, ¿no? — ellos están “fuera dos” (hors deux) — se los dije, es lalengua que expresa la matemática, ¿no?. (…). p. 79 (…) Ce qui n’est pas vrai de la langue, lalangue comme ritournelle, vous savez que je l’écris en un mot, lalangue si elle, en est faite, du sens, à savoir comment, par l’ambiguïté de chaque mot, elle prête,

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elle prête à cette fonction que le sens y ruisselle. Il ne ruisselle pas dans vos dires. Certes pas. Ni dans les miens non plus. C’est bien en quoi, c’est bien en quoi le sens ne s’atteint pas si facilement. Et ce ruis¬sellement dont je parle, comment l’imaginer ? c’est le cas de le dire. Comment l’imaginer si c’est un ruissellement qu’arrêtent enfin des cou¬pelles ? Car la langue, c’est ça. Et c’est même là le sens à donner à ce qui cesse de s’écrire. Ce serait le sens même des mots, qui dans ce cas se sus¬pend. C’est en quoi le mode du possible en émerge. Qu’en fin de comp¬te, quelque chose qui s’est dit cesse de s’écrire, c’est bien ce qui montre qu’à la limite tout est possible par les mots, justement de cette condition qu’ils n’aient plus de sens (…). pp. 48-49 (aula de 8 de janeiro de 1974) (...) Lo que no es verdad de lalengua, lalengua como ritornello, ustedes saben que yo lo escribo en una palabra: lalengua; si ella está hecho de eso, del sentido, a saber, de qué manera, por la ambigüedad de cada palabra, ella se presta a esta función: que en ella el sentido fluye copiosamente. Este no fluye en vuestros decires. Por cierto que no. Ni en los míos tampoco Lo cual explica que el sentido no se alcance tan fácilmente. ¿Cómo imaginar ese fluir del que hablo? Hay que decirlo: cómo imaginarlo si es un fluir que por último es detenido por copelas. Porque lalengua, es eso. Y ése es el sentido que habrá de darse a lo que deja de escribirse. Sería el sentido mismo de las palabras lo que en este caso se suspende. Por lo cual emerge de ello el modo de lo posibles Que al fin de cuentas, algo que se ha dicho deja de escribirse. Lo cual demuestra que finalmente todo es posible por las palabras, y justamente a causa de esta condición: que no tengan ya sentido. (…). p. 86 (…) Est-ce que lalangue, lalangue en tant qu’elle a un sens, est-ce que lalangue permet d’égaler un à une? (…). p. 52 (aula de 8 de janeiro de 1974) (…) ¿Es que lalengua, lalengua en tanto que tiene un sentido, es que lalengua permite igualar uno a una? (…). pp. 153-154 (…) je ne vois pas pourquoi je m’empêcherais d’imaginer quoi que ce soit, si cette imagination est la bonne, et ce que j’avance, c’est que la bonne, elle ne se certifie que de pouvoir se démontrer, se démontrer au Symbolique, ce qui veut dire à l’intituler Symbolique, à une certaine démantibulation de lalangue, en tant qu’elle fait accéder à Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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quoi? à l’in¬conscient. (...). (...) Rêver, n’a pas seulement, dans lalangue, lalangue dont je me sers, cette étonnante propriété de structurer le réveil. Il structure aussi la révolution, et la révolution, si nous l’entendons bien, ça va plus fort que le rêve (…).

9 Na tradução em espenhol, neste trecho aparece la lengua e não lalengua.

10 No trecho correspondente a este, na versão da Association Lacanienne Internationale (ALI), a palavra

p. 94 (aula de 19 de março de 1974) (...) No veo por qué me impediría yo imaginar lo que fuere si esa imaginación es la buena, y lo que anticipo es que la buena no se certifica sino por poder demostrarse en lo Simbólico, lo que quiere decir, al intitularlo simbólico, en un cierto desbaratamiento de lalengua9, en tanto que ella hace acceder, ¿a qué?: al inconsciente. (...). (...) En lalengua, lalengua de que me sirvo, soñar no tiene solamente esa sorprendente propiedad de estructuras del despertar. Estructura también la rève-olution y la revolución (revolution), si la oímos bien, suena más fuerte que el sueño. (...). p. 183 (…) La vie que pour l’oc¬casion j’écrirais bien comme j’ai fait, comme j’ai fait de lalangue en un seul mot (…).

lalangue não aparece: “Alors, en disant ça, je mets le Réel - je le situe, justement, je le mets à sa place, d’un sens,

p. 112 (aula de 23 de abril de 1974) (...) La vida que para esta ocasión escribirá, como hice con lalengua, en una sola palabra. (...).

ne l’oublions pas, d’un sens en tant que su : le sens se sait. C’en est même au point qu’on est étonné, hein, qu’on ait, qu’on ait pataugé : le sensé, le sensible, tout ce qu’on veut, mais que ça n’ait pas fini par se cristalliser : le sensu. Faut croire que ça avait des échos qui nous plaisaient

p. 117 (aula de 23 de abril de 1974) (...) Entonces, al decir esto, pongo a lo real, lo sitúo, justamente, lo pongo en su lugar, CON UN SENTIDO, no lo olvidemos, un sentido en tanto que sabido: el sentido se sabe. Tan es así que uno se asombra, visto el genio de lalengua, que no se haya hecho con él una sola palabra, que nos hayamos atascado: lo sensato (le sensé), lo sensible, todo lo que se quiera, pero que no haya acabado por cristalizarse: lo sensabido (le sensu). Hay que creer que esto tenía ecos que no nos complacían. (...).10

guère. Ce que je suis en train de dire par là, en tout cas de vous avancer concernant le Réel, c’est ça d’abord, c’est que le savoir dont il s’agit dans la question : y a-t-il savoir dans le Réel, est tout à fait à séparer de l’usa¬ge du su dans le sensu.”

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p. 231 (…) Eh bien, c’est de ça qu’il s’agit, justement : il s’agit des sèmes, à savoir de ce quelque chose qui s’incarne dans lalangue. Car il faut bien se résoudre à penser que lalangue est solidaire de la réalité des sentiments qu’elle signifie. S’il y a quelque chose qui nous le fait vraiment toucher, c’est jus-tement la psychanalyse... qu’« empêche¬ment », « émoi » - « émoi » tel que j e l’ai bien précisé : « émoi » c’est retrait d’une puissance - qu’« embarras» soient des mots

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qui ont du sens, eh bien, ils n’ont de sens que véhiculés sur les traces que fraye lalangue (...). (...) Alors je voudrais quand même vous faire sentir ce qu’implique l’ex¬périence analytique: c’est que, quand il s’agit de cette sémiotique, de ce qui fait sens et de ce qui comporte sentiment, eh bien, ce que démontre cette expérience, c’est que c’est de lalangue, telle que je l’écris, que pro¬cède ce que je ne vais pas hésiter à appeler l’animation - et pourquoi pas, vous savez bien que je ne vous barbe pas avec l’âme : l’animation, c’est dans le sens d’un sérieux trifouillement, d’un chatouillis, d’un grat¬tage, d’une fureur, pour tout dire - l’animation de la jouissance du corps (…). p. 141 (aula de 11 de junho de 1974) (...) Y bien, de esto se trata, precisamente se trata de los semas, a saber, de ese algo que se encarna en lalengua. Pues es preciso resolverse a pensar que lalengua es solidaria de la realidad de los sentimientos que ella significa. Si hay algo que nos lo hace tocar verdaderamente, es justamente el psicoanálisis. que impedimento (empechement), como dije en una época en mi seminario sobre la angustia — lamento que después de todo no este ya aquí, a vuestra disposición— que impedimento, turbación (emoi), turbación tal como la he precisado, — turbación es retiro de una potencia— y que embarazo (embarras) sean palabras que tienen sentido, y bien, sólo lo tienen vehiculizadas sobre las huellas que abre lalengua. (...). (...) Entonces, al menos quisiera hacerles sentir lo que implica la experiencia analítica. Es que cuando se trata de esa semiótica, de lo que constituye sentido y de lo que comporta sentimiento, y bien, lo que esa experiencia demuestra es que de lalengua, tal como la escribo, procede lo que no vacilare en llamar la animación, y por qué no, saben bien que no los fastidio con el alma; se trata de le animación en el sentido de un revolver, de un cosquilleo, de un rascado, de un furor; para decirlo todo la animación del goce del cuerpo. (...). p. 232 (…) Seulement, c’est quand même là ce dont il s’agit : le sème, ce n’est pas compliqué, c’est ce qui fait sens. Tout ce qui fait sens dans lalangue s’avère lié à l’ek-sis¬tence de cette langue, à savoir que c’est en dehors de l’affaire de la vie du corps, et que s’il y a quelque chose que j’ai essayé de développer cette année ... c’est que c’est pour autant que cette jouissance phallique, que cette jouissance sémiotique se surajoute au corps qu’il y a un problème. (...). (...) ... c’est par là, c’est dans la mesure où le corps parlant habite ces sèmes qu’il trouve le moyen de suppléer au fait que rien, rien à

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part ça, ne le conduirait vers ce qu’on a bien été forcé de faire surgir dans le terme « autre », dans le terme « autre» qui habite lalangue et qui est fait pour représenter ceci, juste¬ment qu’il n’y a avec le partenaire, le partenaire sexuel, aucun rapport autre que par l’intermédiaire de ce qui fait sens dans lalangue (…). p.142 (aula de 11 de junho de 1974) (...) Sólo que de esto se trata. El sema no es complicado, es lo que constituye sentido. Todo lo que constituye sentido en lalengua muestra estar vinculado a la ex-sistencia de esa lengua, a saber: a lo que esta fuera del asunto de la vida del cuerpo; y si hay algo que intente desarrollar este año ante ustedes — espero haberlo hecho presente, pero quién sabe — es que en la medida en que dicho goce fálico, dicho goce semiótico se sobreagrega al cuerpo, hay un problema. (...). (...) ... es en la medida en que el cuerpo, el cuerpo hablante, habita esos semas que encuentra el medio de suplir el hecho de que nada, nada aparte de eso lo conduciría hacia lo que nos hemos visto forzados a hacer surgir con el término “otro”, que habita lalengua y está hecho para representar, justamente, lo que sigue: que no hay con el compañero, el compañero sexual, otra relación que por intermedio de aquello que constituye sentido en lalengua. (...). p. 233 (…) Le sens, il faut le dire, le sens comme ça quand on ne le travaille pas, eh bien, il est opaque. La confusion des sentiments, c’est tout ce que lalangue est faite pour sémiotiser. Et c’est bien pour ça que tous les mots sont faits pour être ployables à tous les sens. Alors, ce que j’ai proposé, ce que j’ai proposé dès le départ de cet enseignement, dès le discours de Rome, c’est d’accorder l’importance qu’elle a dans la pratique, dans la pratique analytique, au matériel de lalangue. Un linguiste, un linguiste, bien sûr, est tout à fait introduit d’emblée à cette considération de la langue comme ayant un matériel (…). p. 143 (aula de 11 de junho de 1974) (...) El sentido, hay que decirlo, cuando no se lo trabaja, es opaco. La confusión de sentimientos es todo lo que lalengua esta hecha para semiotizar. Y por eso todas las palabras están hechas para ser plegables en todos los sentidos. Entonces, lo que propuse — lo que propuse desde el comienzo de esta enseñanza, desde el discurso de Roma — es acordar la importancia que ella tiene en la práctica analítica, al material de lalengua. Ciertamente, el lingüista se encuentra de entrada totalmente intraducido a esa consideracion de lalengua como teniendo un material (...). 140

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p. 234 (…) Nous nous apercevons que ce qu’il a dit - nous nous en apercevons parce que nous le subissons - que ce qu’il a dit pouvait être entendu tout de travers. Et c’est justement en l’entendant tout de travers que nous lui permettons de s’apercevoir d’où ses pensées, sa sémiotique à lui, d’où elle émerge : elle émerge de rien d’autre que de l’ek-sistence de lalangue. Lalangue ek-siste ailleurs que dans ce qu’il croit être son monde. Lalangue a le même parasitisme que la jouissance phallique, par rap¬port à toutes les autres jouissances. Et c’est elle qui détermine comme parasitaire dans le Réel ce qu’il en est du savoir inconscient. Il faut concevoir lalangue. Et pourquoi pas, pourquoi pas parler de ce que lalangue serait en rapport avec la jouissance phallique comme les branches à l’arbre (…). pp. 143-144 (aula de 11 de junho de 1974) (...) Nos percatamos de que lo que ha dicho podida ser — nos percatamos porque lo padecemos, podía ser oído todo de través. Y es justamente al oírlo todo de través que Ie permitimos advertir de donde emergen sus pensamientos, su semiótica propia. Ella no emerge de otra cosa que de la ex-sistencia de lalengua. Lalengua ex-siste, ex-siste en otra parte que en lo que él cree ser su mundo. Lalengua tiene el mismo parasitismo que el goce fálico con relación a todos los otros goces, y es ella lo que determina como parasitario en lo real lo que tiene que ver con el saber inconsciente. Es preciso concebir lalengua, y por que no hablar del hecho de que lalengua estaría en relación con el goce fálico como las ramas con el árbol. (...). p. 235 (…) Et alors, disons que lalangue, n’importe quel élément de lalangue, c’est, au regard de la jouissance phallique, un brin de jouissance. Et c’est en ça que ça étend ses racines si loin dans le corps (…). p. 144 (aula de 11 de junho de 1974) (...) y entonces digamos que lalengua, cualquier elemento de lalengua, es con respecto al goce fálico una brizna de goce. De allí que extienda sus raíces tan lejos en el cuerpo. (...).

***

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Alla Scuola Freudiana (30/03/1974)11 e 12 11 CD Pas tout Lacan. 12 Para este texto não foram encontradas versões em português ou espanhol.

p. 05 (...) Pour vous la langue… – que j’écris en un seul mot : je fais lalangue, parce que ça veut dire lalala, la lalation, à savoir que c’est un fait que très tôt l’être humain fait des lallations, comme ça, il n’y a qu’à voir un bébé, l’entendre, et que peu a peu il y a une personne, la mère, qui est exactement la même chose que lalangue, à part que c’est quelqu’un d’incarné, qui lui transmet lalangue… et il me semble difficile de ne pas voir que la pratique analytique passe par là, puisque tout ce qu’on demande à la personne qui vient se confier à vous, c’est rien d’autre : c’est parler. (...). p. 06 (...)Je ne le dis pas, et je ne le dis d’autant moins que je pense qu’il n’y a que par là, par ce fil-là, par le fil de lalangue, que nous pouvons justement y lire la trace d’un autre savoir, un autre savoir qui quelque part est à la place de ce que Freud a imaginé, je dis imaginé, comme inconscient, et que ce que nous avons à faire, c’est de suivre le fil de cette imagination freudienne, de voir où ça mène, ce que ça veut dire, comment c’est structuré. Si j’ai mis en avant la fonction de lalangue dans la pratique analytique, c’était simplement pour que… pour que l’analyse ne soit pas une escroquerie. Pour qu’elle ne soit pas une escroquerie (...). p. 07 (...) Nouer et dénouer le réel et l’imaginaire, c’est ce que le symbolique passe son temps à faire, puisque c’est dans lalangue qu’est la distinction de l’imaginaire et du réel (...).

*** La troisième (01/11/1974)13 A Terceira (01/10/1974)14 13 CD Pas tout Lacan.

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p. 01 (...) Si j’injecte ainsi un bout de plus d’onomatopée dans lalangue, ce n’est pas qu’elle ne soit en droit de me rétorquer qu’il n’y a pas d’onomatopée qui déjà ne se spécifie de son système phonématique, à lalangue (...) Je tempère ça à remarquer que “ourdrome” est un ronron qu’admettraient d’autres lalangues, si j’agrée bien de l’oreille à telle de nos voisines géographiques, et que ça nous sort naturelleAlíngua e o inconsciente real


ment du jeu de la matrice, celle de Jakobson, celle que je spécifiais à l’instant. (...).

14 LACAN, J. (1974). A Terceira. Conferência pronunciada em Roma, em

http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) Se injeto, assim, um pedaço a mais de onomatopéia n’alíngua, não é que ela não tenha o direito de me retorquir que não há onomatopéia que já não se especifique de seu sistema fonemático n’alíngua. (...) Atenuo isso observando que “urdroma” é um ronrom que admitiriam outras alínguas, se aceito de ouvido tal de nossas vizinhas geográficas, e que isso nos sai naturalmente do jogo da matriz, a de Jakobson, que eu especificava há pouco. (...).

01 de novembro de 1974. Tradução de Ângela Jesuino Ferretto, Celina Ary Mendes Garcia, Gilles Garcia, Luiz Alberto de Farias, Maria Roneide Cardoso Gil e Patricia Chittoni Ramos. freud-lacan.com. Association Lacanienne Internationale. Disponível em: <http://

pp. 01-02 (...) et du seul fait qu’il parle, car à parler lalangue, il a un inconscient, et il est paumé, comme tout un chacun qui se respecte; c’est ce que j’appelle un savoir impossible à rejoindre pour le sujet, alors que lui, le sujet, il n’y a qu’un signifiant seulement qui le représente auprès de ce savoir (...).

www.freud-lacan.com/ articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2>. Acesso em 21 mar. 2009.

http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) pelo fato de que ele fala, pois, ao falar alíngua, ele tem um inconsciente, e ele está largado, como qualquer um que se respeite; é isso que eu chamo um saber impossível de alcançar para o sujeito, enquanto que ele, o sujeito, há somente um significante que o representa junto a esse saber (...). p. 07 (...) L’ennui, c’est qu’ils ne s’aperçoivent pas pour autant que la mort se localise du même coup à ce qui dans lalangue, telle que je l’écris, en fait signe (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) A dificuldade é que nem por isso eles percebem que a morte se localiza ao mesmo tempo no que n’alíngua, tal como a escrevo, faz disso sinal. (...). p. 07 (...) Ce pourquoi j’ai mis l’accent sur le signifiant dans la langue. Je l’ai désigné de l’instance de la lettre, ce pour me faire entendre de votre peu de stoïcisme. Il en résulte, ai-je ajouté depuis sans plus d’effet, que c’est lalangue dont s’opère l’interprétation, ce(189)qui n’empêche pas que l’inconscient soit structuré comme un langage, Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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un de ces langages dont justement c’est l’affaire des linguistes de faire croire que lalangue est animée (...). Lalangue, c’est ce qui permet que le vœu (souhait), on considère que ce n’est pas par hasard que ce soit aussi le veut de vouloir, 3e personne de l’indicatif, que le non niant et le nom nommant, ce n’est pas non plus par hasard ; que d’eux (« d » avant ce « eux » qui désigne ceux dont on parle) ce soit fait de la même façon que le chiffre deux, ce n’est pas là pur hasard ni non plus arbitraire, comme dit Saussure. Ce qu’il faut y concevoir, c’est le dépôt, l’alluvion, la pétrification qui s’en marque du maniement par un groupe de son expérience inconsciente. (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) Eis por que dei destaque ao significante na língua. Eu o designei de instância da letra, isso para me fazer entender apesar do pouco de estoicismo de vocês. Disso resulta, acrescentei depois sem mais efeito, que é d’alíngua que se opera a interpretação, o que não impede que o inconsciente seja estruturado como uma linguagem, uma dessas linguagens das quais justamente é o negócio dos linguistas levar a crer que alíngua é animada (...). Alíngua é o que permite que o voeu [voto] (anseio), considera-se que não é por acaso que esse seja também o veut [quer] de querer, 3a pessoa do indicativo, que o non [não] da negação e o nom [nome] nomeante também não seja por acaso; que d’eux [deles] “d” antes de “eux”, que designa aqueles dos quais se fala, seja feito do mesmo modo que o número deux [dois] não é puro acaso, nem muito menos arbitrário, como diz Saussure. O que é preciso conceber aí é o depósito, o aluvião, a petrificação que se marca a partir do manejo por um grupo de sua experiência inconsciente. (...). pp. 07-08 (...) Lalangue n’est pas à dire vivante parce qu’elle est en usage. C’est bien plutôt la mort du signe qu’elle véhicule. Ce n’est pas parce que l’inconscient est structuré comme un langage que lalangue n’ait pas à jouer contre son jouir, puisqu’elle s’est faite de ce jouir même. Le sujet supposé savoir qu’est l’analyste dans le transfert ne l’est pas supposé à tort s’il sait en quoi consiste l’inconscient d’être un savoir qui s’articule de lalangue, le corps qui là parle n’y étant noué que par le réel dont il se jouit. Mais le corps est à comprendre au naturel comme dénoué de ce réel qui, pour y exister au titre de faire sa jouissance, ne lui reste pas moins opaque. Il est l’abîme moins remarqué de ce que ce soit lalangue qui, cette jouissance, la civilise si j’ose dire, j’entends par là qu’elle la porte à son effet développé, celui par lequel le corps jouit d’objets dont le premier, celui que j’écris 144

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du a, est l’objet même, comme je le disais, dont il n’y a pas d’idée, d’idée comme telle, j’entends, sauf à le briser, cet objet, auquel cas ses morceaux sont identifiables corporellement et, comme éclats du corps, identifiés. Et c’est seulement par la psychanalyse, c’est en cela que cet objet fait le noyau élaborable de la jouissance, mais il ne tient qu’à l’existence du nœud, aux trois consistances de tores, de ronds de ficelle qui le constituent. (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) Alíngua não é para ser dita viva porque está em uso. É antes mesmo a morte do signo que ela veicula. Não é porque o inconsciente é estruturado como uma linguagem que alíngua não tenha que jogar contra seu gozar, já que ela se fez desse próprio gozar. O sujeito suposto saber que é o analista na transferência não é por nada que é suposto se ele sabe em que consiste o inconsciente, em ser um saber que se articula d’alíngua, o corpo que aí fala só estando nela enodado pelo real do qual ele se goza. Mas o corpo deve ser compreendido no natural como desnodado desse real que, para existir aí a título de fazer seu gozo, nem por isso lhe fica menos opaco. Ele é o abismo menos notado do que seja alíngua que, esse gozo, o civiliza, se ouso dizer, entendo por isso que ela o leva a seu efeito desenvolvido, aquele pelo qual o corpo goza de objetos cujo primeiro, aquele que escrevo com “a”, é o objeto mesmo, como eu dizia, do qual não se tem ideia, ideia como tal, entendo, exceto a quebrá-lo, esse objeto, neste caso seus pedaços são identificáveis corporalmente e, como estilhaços do corpo, identificados. É somente pela psicanálise, é nisso que esse objeto constitui o cerne elaborável do gozo, mas ele só se sustenta da existência do nó, das três consistências de toros, de rodinhas de barbantes que os constituem. (...). p. 09 (...) La question reste à trancher si vie implique jouissance. Et si la question reste douteuse pour le végétal, ça ne met que plus en valeur qu’elle ne le soit pas pour la parole, que lalangue où la jouissance fait dépôt, comme je l’ai dit, non sans la mortifier, non sans qu’elle ne se présente comme du bois mort, témoigne quand même que la vie, dont un langage fait rejet, nous donne bien l’idée que c’est quelque chose de l’ordre du végétal (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) Resta decidir se vida implica gozo. E se essa questão resta duvidosa para o vegetal, isso só faz valorizar ainda mais que ela não o seja para a fala, que alíngua onde o gozo se deposita, como já disse, Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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não sem mortificá-la, não sem que ela se apresente como madeira morta, testemunha mesmo assim de que a vida, cuja linguagem rejeita, nos dá muito bem a ideia que é algo da ordem do vegetal. (...). p. 10 (...) tout ceci ne nous vient qu’à partir de quelque chose qui n’a pas de meilleur support que la lettre. Mais ça veut dire aussi, parce qu’il n’y a pas de lettre sans de lalangue, c’est même le problème, comment est-ce que lalangue, ça peut se précipiter dans la lettre? On n’a jamais fait rien de bien sérieux sur l’écriture. Mais ça vaudrait quand même la peine, parce que c’est là tout à fait un joint. (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) tudo isso só nos vem a partir de algo que não tem melhor suporte senão a letra. Mas isso quer dizer também, porque não há letra sem alíngua, é mesmo esse o problema, como é que alíngua pode precipitar-se na letra? Nunca fizemos nada de muito sério sobre a escritura. Mas mesmo assim valeria a pena, porque aí está exatamente uma junção. (...). p. 15 (...) C’est en tant que dans l’interprétation c’est uniquement sur le signifiant que porte l’intervention analytique que quelque chose peut reculer du champ du symptôme. C’est ici dans le symbolique, le symbolique en tant que c’est lalangue qui le supporte, que le savoir inscrit de lalangue qui constitue à proprement parler l’inconscient s’élabore, gagne sur le symptôme, ceci n’empêchant pas que le cercle marqué là du S ne corresponde à quelque chose qui, de ce savoir, ne sera jamais réduit, c’est à savoir l’Urverdrängt de Freud, ce qui de l’inconscient ne sera jamais interprété. (...) http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) É como na interpretação, é unicamente sobre o significante que porta a intervenção analítica que alguma coisa pode recuar do campo do sintoma. É aqui no simbólico, o simbólico, na medida em que é alíngua que o suporta, que o saber inscrito d’alíngua, que constitui propriamente falando o inconsciente, se elabora, ganha sobre o sintoma, isso não impedindo que o círculo marcado aí com S não corresponda a algo que, desse saber, não será nunca reduzido, é, a saber, o Urverdrängt de Freud, o que do inconsciente jamais será interpretado. (...).

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p. 16 (...) ce n’est pas parce que l’inconscient est structuré comme un langage, c’est-à-dire que c’est ce qu’il a de mieux, que pour autant l’inconscient ne dépend pas étroitement de lalangue, c’est-à-dire de ce qui fait que toute lalangue est une langue morte, même si elle est encore en usage (...). http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_ article=jlacan031105_2 (...) não é porque o inconsciente é estruturado como uma linguagem, quer dizer, que é o que há de melhor, que por isso o inconsciente não dependa estreitamente d’alíngua, quer dizer, do que faz com que toda alíngua seja uma língua morta, mesmo que ela esteja ainda em uso. (...).

*** R.S.I. (1974-1975) R.S.I. (1974-1975)15 pp. 72-73 (…) Lalangue, je crois que c’est lalangue anglaise qui fait obstacle. Ce n’est pas très prometteur, parce que lalangue anglaise est en train de devenir universelle, je veux dire, qu’elle se fraie sa voie, enfin je peux pas dire qu’il n’y ait pas de gens qui ne s’efforcent de m’y traduire. (...). Il faut tout de même reconnaître les choses comme elles sont. Je ne suis pas le premier à avoir constaté cette résistance de lalangue anglaise à l’inconscient. (...) J’ai cru voir, dans une cer¬taine, disons, duplicité, duplicité dans le cas de lalangue japonaise, de la prononciation, j’ai cru voir là quelque chose qui redoublé par le système de l’écriture qui est aussi double, j’ai cru voir là une certaine spéciale dif¬ficulté spéciale difficulté à jouer sur le plan de l’inconscient, et justement en ceci qui devrait y paraître une aide : si ce qu’il en est de l’inconscient se localise au lieu de l’Autre, et si j’y fais la remarque qu’il n’y a pas d’Autre de l’Autre, c’est à savoir que ce qui dans mon petit schème figu¬ré du nœud borroméen [figure IV-2] se caractérise par une spéciale accentuation du trou dans ce qui fait face, si je puis dire, dans ce qui fait face au Symbolique, et que j’ai pointé, je pense, la dernière fois, en y mettant, en y mettant un J suivi d’un grand A, que j’ai traduit enfin, que j’ai essayé d’énoncer comme désignant la jouissance de l’Autre (…). Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

15 LACAN, J. O Seminário, livro 22: R.S.I. (1974-75). Tradução para o português não mencionada. Edição não comercial. Inédito.

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pp. 26-27 (aula de 11 de fevereiro de 1975) (...) Alíngua, acho que alíngua inglesa é um obstáculo. Não é muito promissor, visto alíngua inglesa estar se tornando universal, quero dizer que ela abre trilha, enfim, não posso dizer não haver pessoas aqui que não se esforcem de me traduzir. (...) Deve-se pelo menos reconhecer as coisas como elas são, não sou eu o primeiro a ter constatado essa resistência d’alíngua inglesa ao Inconsciente. (...) achei ter visto numa certa, digamos, duplicidade d’alíngua japonesa, de pronunciação, achei ter visto aí algo que, duplicado pelo sistema de escrita que é também duplo, achei ver aí uma dificuldade especial para jogar no plano do Inconsciente, e justamente nisso que poderia parecer uma ajuda: se aquilo que é do Inconsciente se localiza no lugar do Outro, e se faço aí a observação de que não há Outro do Outro, é, a saber, que o que no meu esqueminha figurado do nó borromeano se caracteriza por uma especial acentuação do buraco naquilo que faz frente ao Simbólico, e que pontilhei, acho, na última vez, colocando ali um G seguido de um O, que traduzi afinal, que tentei enunciar como designando o Gozo do Outro (...). p. 109 (…) D’où il résulte tout de même, à prendre un peu de recul, que le Réel, c’est ce qui ek-siste au sens (en tant que je le définis par l’effet de lalangue sur l’idée, soit sur l’imaginaire supposé par Platon), à l’animal parlêtre (entre autres animaux-corps ou diable-au-corps, comme vous vou¬drez) (…).

16 Na versão em português

(aula de 11 de março de 1975) (...) De donde resulta, de todos modos, para volver un poco atrás, que lo Real, es lo que ex-siste al sentido en tanto que yo lo defino por el efecto de lalengua sobre la idea, o sea sobre lo Imaginario supuesto por Platón al animal parl’être entre otros, ¡entre otros animales — cuerpo o diablo en el cuerpo, como ustedes quieran! (...).16

falta este parágrafo no texto. Optamos por colocar o parágrafo da versão em espanhol, cujo tradutor não é mencionado.

17 CD Pas tout Lacan.

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*** Peut-être à Vincennes (01/1975)17 Talvez em Vincennes... (01/1975)18 p. 01 (...) Que la linguistique se donne pour champ ce que je dénomme de lalangue pour en supporter l’inconscient, elle y procède d’un Alíngua e o inconsciente real


purisme qui prend des formes variées, justement d’être formel. Soit d’exclure non seulement du langage, “d’origine” disent ses fondateurs, mais ce que j’appellerai ici sa nature. (...). Mais le langage se branche-t-il sur quelque chose d’admissible au titre d’une vie quelconque, voilà la question qu’il ne serait pas mal d’éveiller chez les linguistes (...). J’insiste à désigner de vraie une linguistique qui prendrait lalangue plus “sérieusement” (...). pp. 316-317 (...) Ainda que a linguística se dê por campo o que denomino de alíngua19 para sustentar o inconsciente, ela procede nisso com um purismo que assume formas variadas, justamente por ser formal. Ou seja, por excluir da linguagem não apenas a “origem”, dizem seus fundadores, mas também o que aqui chamarei de sua natureza. (...). Mas será que a linguagem assenta em algo admissível a título de uma qualquer vida? Eis a pergunta que não seria nada mau despertar entre os linguistas. (...). Insisto em designar como verdadeira uma linguística que leve alíngua20 mais “a sério” (...).

18 LACAN, J. (1975). Talvez em Vincennes... In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 316-318.

19 Na presente tradução de Vera Ribeiro, neste trecho do texto a palavra alíngua foi grafada com a separação do artigo: a língua.

20 Na presente tradução de Vera Ribeiro, neste trecho do texto a palavra alíngua foi

*** Conférence donnée par J. Lacan dans le grand amphithéâtre de la Sorbonne le 16 Juin 1975 à l’ouverture du 5e Symposium international James Joyce.21 Joyce, o Sintoma (1975[1979])22 p. 04 (...) La pointe de l’inintelligible y est désormais l’escabeau dont on se montre maître. Je suis assez maître de lalangue, celle dite française, pour y être parvenu moi-même ce qui fascine de témoigner de la jouissance propre au symptôme. Jouissance opaque d’exclure le sens (...).

grafada com a separação do artigo: a língua.

21 CD Pas tout Lacan 22 LACAN, J. (1975/versão publicada em 1979). Joyce, o Sintoma. In: Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro.

p. 566 (...) A partir daí, a ironia do ininteligível é o escabelo de que alguém se mostra mestre. Sou suficientemente mestre de lalíngua, da que Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 560-566.

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é chamada francesa, para ter eu mesmo chegado a isso, o que é fascinante, por atestar o gozo próprio do sintoma. Gozo opaco, por excluir o sentido. (...).

*** Conférence donnée par J. Lacan dans le grand amphithéâtre de la Sorbonne le 16 juin 1975 à l’ouverture du 5e Symposium international James Joyce.23 Joyce, o sintoma, por Jacques Lacan (1975)24 23 CD Pas tout Lacan 24 LACAN, J. (1975). Joyce, o sintoma, por Jacques Lacan. In: O Seminário, livro 23: R.S.I. (1974-75). Tradução de Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007, p.157-165 (anexos).

p. 04 (...) s’il est écrit dans lalangue qui est l’anglaise... Le symptôme en tant que rien ne le rattache à ce qui fait lalangue elle-même dont il supporte cette trame, ces stries, ce tressage de terre et d’air dont il ouvre Chamber music... Le symptôme est purement ce que conditionne lalangue, mais d’une certaine façon, Joyce le porte à la puissance du langage, sans que pour autant rien n’en soit analysable, c’est ce qui frappe, et littéralement interdit – au sens où l’on dit – je reste interdit. (...). p. 163 (...) tal como ele é escrito na lalíngua que é a inglesa (...). (...) O sintoma, na medida em que nada o vincula ao que constitui a própria lalíngua que é suporte dessa trama, dessas estrias, desse trançamento de terra e de ar com que ele abre Chamber Music (...) o sintoma é puramente o que lalíngua condiciona, mas de certa maneira Joyce o eleva à potência da linguagem, sem torná-lo com isso analisável. É o que impressiona, e literalmente interdita, no sentido em que se diz je reste interdit. (...).

***

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Conférence annoncée sous le titre « Le symptôme » à Genève, le 4 Octobre 7525 Conferência em Genebra sobre o sintoma (1975)26 p. 05 (...) C’est toujours à l’aide de mots que l’homme pense. Et c’est dans la rencontre de ces mots avec son corps que quelque chose se dessine... un mode de vivre à propos de quoi on pouvait s’apercevoir, bien avant Freud, que le langage, ce langage qui n’a absolument pas d’existence théorique, intervient toujours sous la forme de ce que j’appelle d’un mot que j’ai voulu faire aussi proche que possible du mot lallation – lalangue. Lalangue, les anciens depuis le temps d’Esope, s’étaient très bien aperçus que c’était absolument capital. Il y a là-dessus une fable bien connue, mais personne ne s’en aperçoit. Ce n’est pas du tout au hasard que dans lalangue quelle qu’elle soit dont quelqu’un a reçu la première empreinte, un mot est équivoque... Il est tout à fait certain que c’est dans la façon dont la langue a été parlée et aussi entendue pour tel et tel dans sa particularité, que quelque chose ensuite ressortira en rêves, en toutes sortes de trébuchements, en toutes sortes de façons de dire. C’est, si vous me permettez d’employer pour la première fois ce terme, dans ce motérialisme que réside la prise de l’inconscient – je veux dire que ce qui fait que chacun n’a pas trouvé d’autres façons de sustenter que ce que j’ai appelé tout à l’heure le symptôme. (...).

25 CD Pas tout Lacan 26 LACAN, J. (1975). Conferência em Genebra sobre o sintoma. Tradução não mencionada. Salvardor: Campo psicanalítico. Disponível em: <http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/ genebra.doc>. Acesso em 08 ago. 2009.

http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/genebra.doc (...) O homem sempre pensa com a ajuda das palavras. E é neste encontro entre estas palavras e seu corpo onde alguma coisa se esboça. (...) uma maneira de viver em relação à qual a gente podia se dar conta, muito antes de Freud, que a linguagem, essa linguagem que não tem absolutamente nenhuma existência teórica, intervém sempre sob a forma do que chamo com uma palavra que quis que fosse o mais próximo possível da palavra lalação – alíngua. Os antigos, desde a época de Esopo, tinham se apercebido perfeitamente de que alíngua era absolutamente capital. Sobre isso há uma fábula muito conhecida, mas ninguém se apercebeu disso. Não é por acaso que n’alíngua, qualquer que seja ela, na qual alguém recebeu uma primeira marca, uma palavra é equivoca. (...) É absolutamente certo que é pelo modo como alíngua foi falada e também ouvida por tal ou qual em sua particularidade, que alguma coisa Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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em seguida reaparecerá nos sonhos, em todo tipo de tropeços, em toda espécie de modos de dizer. É, se me permitem empregar pela primeira vez esse termo, nesse motérialisme onde reside a tomada do inconsciente – quero dizer que é o que faz com que cada um não tenha encontrado outros modos de sustentar a não ser o que há pouco chamei o sintoma. (...).

*** Columbia University Auditorium School of International Affairs (01/12/1975)27 Conferencias en Columbia e Yale II (1975)28 27 CD Pas tout Lacan 28 LACAN, J. (1975) Conferencias en Columbia e Yale

p. 03 (...) L’expérience consiste en ceci, c’est que dès l’origine il y a un rapport avec « lalangue », qui mérite d’être appelée, à juste titre, maternelle parce que c’est par la mère que l’enfant – si je puis dire – la reçoit. Il ne l’apprend pas (...).

II. Tradução para o espanhol não mencionada. Inédito.

p. 9 (...) La experiencia consiste en que desde el origen, hay una relación con lalengua que merece ser llamada, a justo título, maternal, porque es por la madre que el niño – si puedo decirlo – la recibe. El no la aprende. (...).

*** Massachusetts institute of Technology (02/12/1975)29 Conferencias en Massachussetts (MIT) (1975)30 29 CD Pas tout Lacan 30 LACAN, J. (1975) Conferencias en Massachussets.

p. 04 (...) En interprétant, nous faisons avec le Σ circularité, nous donnons son plein exercice à ce qui peut se supporter de lalangue, alors que l’analysant, ce dont il donne toujours témoignage, c’est de son symptôme (...).

Tradução para o espanhol não mencionada. Inédito.

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p. 4 (...) Al interpretar hacemos circularidad con el sigma, damos su pleno ejercicio a lo que puede soportarse de lalengua, en tanto que el analizante de lo que da siempre testimonio es de su síntoma. (...).

*** Le sinthome (1975-1976) O sinthoma (1975-1976)31 p. 05 (…) cette modification d’orthographe qui marque évidemment une date, une date qui se trouve être l’injection dans le français, ce que j’appelle lalangue, lalangue mienne, l’injection de grec (…).

31 LACAN, J. O Seminário, livro 23 : O sinthoma (197576). Tradução de Sérgio Laia. Rio de Janeiro : Jorge

p. 12 (aula de 18 de novembro de 1975, capítulo I: Do uso lógico do sinthoma ou Freud com Joyce) (...) Essa maneira marca uma data, aquela da injeção do grego no que eu chamo de minha lalíngua, a saber, o francês. (...).

Zahar Editor, 2007.

pp. 07-08 (…) la femme n’est toute que sous la forme dont l’équivoque prend de lalangue nôtre son piquant, sous la forme du mais pas ça, comme on dit tout, mais pas ça ! (…). p. 15 (aula de 18 de novembro de 1975, capítulo I: Do uso lógico do sinthoma ou Freud com Joyce) (...) A mulher só é toda sob a forma pela qual o equívoco toma de nossa lalíngua o que ela tem de picante, sob a forma do mas isso não, tal como se diz tudo, mas isso não. (...). p. 125 (…) L’homme est porteur de l’idée de signifiant. Et l’idée de signifiant se supporte dans lalangue de la syntaxe, essentiellement. Il n’en reste pas moins que si quelque chose, dans l’Histoire, peut être supposé, c’est que c’est l’ensemble des femmes qui... engendre ce que j’ai appelé lalangue. C’est ce dire interrogé sur ce qu’il en est de lalangue, sur ce qui a pu guider, guider un sexe sur les deux, vers ce que j’appellerai cette prothèse de l’équivoque. Car ce qui caractérise lalangue parmi toutes, ce sont les équivoques qui y sont possibles. C’est ce que j’ai illustré de l’équivoque de deux -d-e-u-x- avec d’eux, d apostrophe, e-u-x-. Un ensemble de femmes a engendré dans chaque cas lalangue (…). Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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pp. 112-113 (aula de 9 de março de 1976, capítulo VII: De uma falácia que testemunha do real) (...) O homem é portador da ideia de significante. Essa ideia, na lalíngua, tem seu suporte essencialmente na sintaxe. De qualquer maneira, o caracteriza lalíngua entre todas são os equívocos que lhe são possíveis, tal como ilustrei com o equívoco de dois [deux] com deles [d’eux]. Se alguma coisa na história pode ser suposto, é que foi o conjunto de mulheres que engendrou o que chamei de lalíngua (...) (...) Podemos nos interrogar a respeito do que pôde guiar um dos dois sexos rumo ao que chamarei de prótese do equívoco, e que faz com que um conjunto de mulheres tenha engendrado em cada caso lalíngua. (...). p. 145 (…) Et c’est en quoi la langue, la langue, lalangue que j’ai appelée lalanglaise a, a toutes sortes de ressources: I have to tell. J’ai à dire (…).

32 Na presente tradução de

p. 129 (aula de 13 de abril de 1976, capítulo IX: Do inconsciente ao real) (...) A língua que chamei lalinglesa tem todos os tipos de recursos para dizer isso. I heve to tell. (...).32

Sérgio Laia, o termo lalíngua não aparece neste trecho.

33 CD Pas tout Lacan 34 Para este texto não foram encontradas versões em português ou espanhol.

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*** Conférence : « De James Joyce comme symptôme » (24/01/1976)33 e 34 p. 06 (...) C’est grâce à ça que se perpétue le processus dit de la pensée, dont bien sûr Freud ne prétend pas donner la clef ni même d’aucune façon savoir ce que c’est. Ce qu’il sait, c’est qu’il y a quelque chose de l’ordre, de l’ordre du langage ; et pas seulement du langage : de l’ordre de lalangue – la façon dont je l’écris, en un seul mot, ceci pour évoquer ce qu’elle a de lallation, ce qu’elle a de… de langué, de linguistique. C’est dans lalangue, avec toutes les équivoques qui résultent de tout ce que lalangue supporte de rimes et d’allitérations, que s’enracine toute une série de phénomènes que Freud a catalogués et qui vont du rêve, du rêve dont c’est le sens qui doit être interprété, du rêve à toutes sortes d’autres énoncés qui, en général, se présentent comme équivoques, à savoir ce qu’on appelle les ratés de la vie quotidienne, les lapsus, c’est toujours d’une façon linguistique que ces phénomènes s’interprètent, et ceci montre… montre aux yeux de Freud que un certain noyau, un certain noyau d’impresAlíngua e o inconsciente real


sions langagières est au fond de tout ce qui se pratique humainement, qu’il n’y a pas d’exemple que dans ces trois phénomènes ... il n’y a pas d’exemple que ceci comme tel ne puisse être interprété en fonction d’une… d’un premier jeu qui est… dont ce n’est pas pour rien qu’on peut dire que la langue maternelle, à savoir les soins que la mère a pris d’apprendre à son enfant à parler, ne joue un rôle ; un rôle décisif un rôle toujours définitif (...).

*** L’insu que sait de l’ une-bévue s ‘aile a mourre (1976-1977) L’insu que sait de l’ une-bévue s ‘aile a mourre (1976-1977)35 p. 09 (Leçon I 16 novembre 1976) (…) On se reconnaît dans le trait d’esprit, parce que le trait d’esprit tient à ce que j’ai appelé lalangue... Je veux dire que l’intérêt du trait d’esprit pour l’inconscient est quand même lié à cette chose spécifique qui comporte l’acquisition de lalangue (…).

35 LACAN, J. O Seminário, livro 24: L' insu que sait de l' une-bévue s 'aile a mourre (1976-77). Tradução de Jairo Gerbase. Salvardor: Campo

http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2001.LACAN-16-11-76-AS_IDENTIFICAÇÕES. pdf (aula de 16 de novembro de 1976) (...) a gente se reconhece no chiste porque ele comporta o que eu chamei alíngua. O interesse do chiste para o inconsciente está ligado à aquisição d’alíngua. (...).

psicanalítico. Disponível em: < http://www.campopsicanalitico.com.br/Biblioteca. aspx?pc=Lacan>. Acesso em 18 jan.. 2010.

pp. 12-13 (…) Symbolique - c’est lalangue - et un corps du Réel dont on ne sait pas comment il sort (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2001.LACAN-16-11-76-AS_IDENTIFICAÇÕES. pdf (aula de 16 de novembro de 1976) (...) um corpo do simbólico – é alíngua – e um corpo do real do qual não se sabe como ele sai. (...). p. 114 (…) l’apprentissage qu’il a subi d’une langue entre autres, qui est pour lui lalangue que j’écris, on le sait, en un seul mot, dans l’espoir Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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de ferrer, elle, la langue, ce qui équivoque avec faire-réel. Lalangue quelle qu’elle soit est une obscénité. Ce que Freud désigne de, - pardonnez-moi ici l’équivoque -, l’obrescène [?], c’est aussi bien ce qu’il appelle l’autre scène, celle que le langage occupe de ce qu’on appelle sa structure, structure élémentaire qui se résume à celle de la parenté (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2010.Lacan-19-04-77-VARIDADE.pdf (aula de 19 de abril de 1977) (...) que a aprendizagem que o sujeito teve de uma língua dentre outras, que é para ele alíngua, na esperança de ferrar, ela, (ferrer, elle), alíngua, o que equivoca com fazer real (faire-réel). Alíngua, qualquer que seja, é uma obscenidade, o que Freud designa – desculpem-me também o equívoco – de obrecena (obrescène), da outra cena que a linguagem ocupa por sua estrutura, estrutura elementar que se resume àquela do parentesco. (...). p. 115 (…) La parenté en question met en valeur ce fait primordial que c’est de lalangue qu’il s’agit. Ça n’a pas du tout les mêmes conséquences que l’analysant ne parle que de ça parce que ses proches parents lui ont appris lalangue... (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2010.Lacan-19-04-77-VARIDADE.pdf (aula de 19 de abril de 1977) (...) o Parentesco em questão (...) coloca, finalmente, em evidência, este fato primordial que é d’alíngua que se trata, que o analisante só fala disso, porque seus parentes próximos lhe ensinaram alíngua. (...). p. 116 (…) Il y a quand même une chose qui permet de forcer cet autisme, c’est justement que lalangue est une affaire commune et que c’est justement là où je suis, c’est-à-dire, capable de me faire entendre de tout le monde ici ... Il est un fait que lalangue, j’écris ça élangue, s’élongent à se traduire l’une dans l’autre, mais que le seul savoir reste le savoir des langues, que la parenté ne se traduit pas en fait, mais elle n’a de commun que ceci que les analysants ne parlent que de ça (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2010.Lacan-19-04-77-VARIDADE.pdf (aula de 19 de abril de 1977) 156

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(...) Há uma coisa que permite forçar este autismo – é que alíngua é uma coisa comum. É justamente por isso que sou capaz de fazer-me entender por todo mundo aqui. (...). (...) É um fato que as línguas (les langues) – que escrevo l’ élangue – se alongam ao serem traduzidas uma na outra, mas que o único saber permanece o saber das línguas. O parentesco não se traduz, com efeito, porém ele só tem de comum isto, que os analisantes só falam disso.36

36 Na presente tradução de Jairo Gerbase o termo

p. 122 (…) Qu’est-ce qu’un signe qu’on ne pourrait écrire ? Car ce signe, on l’écrit réellement. J’ai mis en valeur comme ça, un temps, la pertinence de ce que lalangue, française, touche comme adverbe. Est-ce qu’on peut dire que le Réel ment ? (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/Microsoft%20 Word%20-%2011.LACAN-10-05-77-O_IMPOSSÍVEL_DE_ APREENDER.pdf (aula de 10 de maio de 1977) (...) Que é um signo que não se poderia escrever? – Pois este signo se escreve realmente. Já coloquei em evidência a pertinência do que a língua37 francesa toca como advérbio. Podemos dizer que o real mente? (...).

alíngua não aparece neste trecho, mas sim no plural as línguas.

37 Neste trecho da tradução de Jairo Gerbase, o termo aparece separado: a língua.

*** Le moment de conclure (1977-1978) O momento de concluir (1977-1978)38 p. 11 (…) Si j’ai dit qu’il n’y a pas de métalangage, c’est pour dire que le langage, ça n’existe pas. Ι1 n’y a que des supports multiples du langage qui s’appellent « lalangue », et ce qu’il fau¬drait bien, c’est que l’analyse arrive par une supposition, arrive à défaire par 1a parole ce qui s’est fait par 1a parole. (…).

38 LACAN, J. O Seminário, livro 25: O momento de concluir (1977-78). Tradução de Jairo Gerbase. Salvador: Campo psicanalítico. Disponível em: <http:// www.campopsicanali-

http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/a_tagarelice.pdf (aula de 15 de novembro de 1977) (...) Se disse que não há metalinguagem, foi para dizer que a linguagem não existe. Não há senão suportes múltiplos da linguagem, que se chama de a língua,39 e o que se espera é que a análise, por uma suposição, chegue a desfazer pela fala o que foi feito pela fala. (...).

tico.com.br/Biblioteca. aspx?pc=Lacan&p=2>. Acesso em 18 jan. 2010.

39 Na tradução de Gerbase o termo a língua aparece separado neste trecho.

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p. 102 (…) C’est pourquoi je m’efforce de faire une géométrie du tissu, du fil, de la maille. C’est tout au moins où me conduit, où me conduit le fait de l’analyse ; car l’analyse est un fait, un fait social tout au moins, qui se fonde sur ce qu’on appelle la pensée qu’on exprime comme on peut avec « lalangue » qu’on a - je rappelle que cette « lalangue », je l’écrivais en un seul mot dans le dessein d’y faire sentir quelque chose. (…). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/10-asexo%20 (ualidade).doc (aula de 11 de abril de 1978) (...) É por isso que me esforço em fazer uma geometria do tecido, do fio, da malha. É ao menos onde me conduz o fato da análise, pois a análise é um fato, pelo menos um fato social que se baseia no que se chama o pensamento, que se exprime como se pode com “alíngua” que se tem – lembro que esta “alíngua”, a escrevia com uma só palavra com o propósito de mostrar alguma coisa. (...).

*** Ouverture de la Rencontre de Caracas (12/071980)40 Seminário de Caracas (12/07/1980)41 40 CD Pas tout Lacan 41 LACAN, J. (1980). Seminário de Caracas. Tradução não mencionada. Salvador: Campo psicanalítico. Disponível em: < http://

p. 02 (...) Le surprenant est que le nombre nous soit fourni dans lalangue même. Avec ce qu’il véhicule du réel (...). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/sem%20caracas.doc (...) O surpreendente é que o número nos seja fornecido na própria alíngua. Com o que ela veicula do real. (...).

www.campopsicanalitico. com.br/biblioteca/sem%20 caracas.doc>. Acesso em 18 jan. 2010.

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p. 03 (...) Il s’ensuit que ce que lalangue peut faire de mieux, c’est de se démontrer au service de l’instinct de mort. C’est là une idée de Freud. C’est une idée géniale. Ça veut dire aussi que c’est une idée grotesque.

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Le plus fort, c’est que c’est une idée qui se confirme de ceci, que lalangue n’est efficace que de passer à l’écrit. (...). http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/sem%20caracas.doc (...) Por conseguinte o que alíngua pode fazer de melhor é se demonstrar a serviço do instinto de morte. Esta é uma ideia de Freud. É uma ideia genial. Isso quer dizer também que é uma ideia grotesca. O mais importante é que é uma ideia que confirma isso, que alíngua só é eficaz ao passar pelo escrito.

Recebido 28/10/2009

Aprovado 22/11/2009

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A estranheza da psicanálise - A escola de Lacan e seus analistas Rita Bícego Vogelaar Resenha do livro A estranheza da psicanálise – A Escola de Lacan e seus analistas, Antonio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. “Escola de Lacan significa uma instituição e um conceito: uma instituição de formação psicanalítica que se baseia no conceito de Escola” (p. 11). (...) “O meu propósito neste livro é colocar na mesa esse conceito para aqueles que estão chegando ao país da psicanálise e para os colegas, meus contemporâneos, lacanianos ou não, aos analistas futuros, e trazer algumas reflexões gerais a partir da experiência que atravessei e vivi durante a construção de três Escolas. (...) A Escola como conceito está aí, mas a Escola como prática é uma construção permanente cuja estranha chama deve ser mantida viva para ela não decair nem se transformar na formação coletiva banal de um mero grupo” (p. 13).

Estas afirmações de Quinet, logo no prefácio de seu livro, nos orientam nessa criteriosa viagem pelas entranhas ex-tranhas da psicanálise, onde Quinet nos convida a acompanhá-lo no desenvolvimento conceitual de, como e porque, a formação do analista deve se pautar no inconsciente – que não é coletivo e sim de um sujeito – porém, não sem uma Escola. Quinet divide o livro em três seções: A Política do Analista, A Escola de Lacan e A Análise do Analista. “Sem a causa não há análise” (p. 27). É assim que Quinet inicia a primeira seção e segue falando da política do discurso do analista e da transmissão no ensino de Lacan: “O dever ético que orienta a política da psicanálise é: lá onde estava o Pai, o pior deve advir. (...) Lá onde se encontra o Nome do pai, a psicanálise faz advir o objeto que, se é pior para o sujeito, é também o objeto causa de desejo e que sustenta para o analista a causa que o move, a causa analítica” (p. 52).

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E, por fim, sobre a transmissão, Quinet retoma a pergunta de Lacan, de 1957: “A psicanálise, o que ela nos ensina... Como ensinálo?” (p. 57) E prossegue: “O que se transmite na experiência analítica?” (p. 54). “A função do analista não é transmitir o que quer que seja, mas propiciar que uma psicanálise ocorra. A transmissão da psicanálise não é algo que passe do analista para o analisante como num ritual de passagem de estilo iniciático: a transmissão em psicanálise não é uma transmissão de uma técnica no interior de uma intimidade. (...) O ensino da psicanálise deve ser pensado a partir da posição do analisante: quem ensina é o sujeito dividido. (...) O ensinante é um trabalhador cuja construção de saber é ordenada por aquilo que não sabe, mas interroga” (p. 55).

Na segunda seção, denominada por Quinet de A Escola de Lacan, podemos percorrer a história da construção das três Escolas: A Escola da Causa Freudiana, A Escola Brasileira de Psicanálise e a Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, além do dispositivo de cartel, do passe e dos impasses. “É certo que a Escola é um significante e, como significante está aí para ser usado por qualquer um e de qualquer maneira. Mas a Escola no sentido de Lacan não é um significante qualquer, é um conceito. A Escola como Lacan propõe é diferente de todas as Escolas que existem: a escola primária, a escola de enfermagem, a escola naval etc., até mesmo no sentido grego e antigo do termo” (p. 92).

É um enorme prazer acompanhar Quinet nesse percurso, não só pelo seu rigor e clareza, já tão conhecidos por todos nós, mas pela relevância de suas colocações com relação a o que é, e qual é a função de uma Escola de Psicanálise: “É necessária a Escola para que a pergunta: o que é o analista? saia do discurso histérico da circularidade e não se contente com a resposta fornecida pelo discurso universitário da burocracia, do cumprimento de crédito ou número de anos de análise, supervisão e seminários. O desejo da Escola é equivalente ao desejo de saber o que é o analista (p. 117).” “(...) A formação do analista, qualquer que seja, é sempre uma sinfonia inacabada a ser permanentemente criada” (p. 119).

A terceira seção fala da Análise do Analista: “O que podemos esperar encontrar entre o início e o fim de análise?” (p. 136). “Qual a relação entre o ato analítico e a Escola?” (p. 136). Quinet faz esses 164

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desenvolvimentos e, a seguir, continua com algumas outras questões cruciais: “Como um sujeito que atravessou a fantasia radical pode viver a pulsão?” (p. 150). “Saber lidar com seu sintoma, é isso o final da análise?” (p. 166) e finaliza desenvolvendo a relação entre o estilo e a Escola: “O estilo não é próprio do homem. O estilo não é o Outro. O estilo é o objeto a, causa do desejo. (...) O estilo é a grife, a marca que o analista faz incidir em seu ato e sua interpretação” (p. 179). E no posfácio, cuja definição é advertência posta no final de um livro, Quinet faz a pergunta que, na verdade, desenvolveu durante o livro todo: “Como construir uma comunidade de experiência orientada pela Escola que não tenha a estrutura da massa (ou grupo) descrita por Freud?” (p. 187) e termina: “A consideração do Um como singular, e não o Um da exceção, a lógica do mais-um e a estrutura do enxame são alternativas antigrupo para escapar da cola do grupo e pensar em uma comunidade analítica de Escola. Descolando. D’Escolando. Decolando” (p. 191). IMPERDÍVEL!

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Orientações editoriais STYLUS é uma revista semestral da ASSOCIAÇÃO FÓRUNS DO CAMPO LACANIANO e se propõe a publicar artigos inéditos das comunidades brasileira e internacional do CAMPO LACANIANO, e os artigos de outros colegas que orientam sua leitura da psicanálise principalmente pelos textos de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Serão aceitos artigos provenientes de outros campos de saber (arte, ciência, matemática, filosofia, topologia, linguística, música, literatura etc.) que tomem a psicanálise como eixo de suas conexões reflexivas. Aos manuscritos encaminhados para publicação, recomendam-se as orientações editoriais que se seguem. Serão aceitos trabalhos em inglês, francês e/ou espanhol. Se aceitos, serão traduzidos para o português. Todos os trabalhos enviados para publicação serão submetidos a, no mínimo, dois pareceristas, membros do CONSELHO EDITORIAL DE STYLUS (CES). A EQUIPE DE PUBLICAÇÃO DE STYLUS (EPS) poderá fazer uso de consultores ad hoc, a seu critério e do CES, omitida a identidade dos autores. Os autores serão notificados da aceitação ou não dos artigos. Os originais não serão devolvidos. O texto aceito para publicação o será na íntegra. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. A EPS avaliará a pertinência da quantidade dos textos que irão compor cada número de STYLUS, de modo a zelar pelo propósito dessa revista: promover o debate a respeito da psicanálise e suas conexões com os outros discursos.

O fluxo de avaliação dos artigos será o seguinte: 1. Recebimento do texto por e-mail pelos membros da EPS de ac do com a data divulgada na home page da AFCL (http://afcl. campolacaniano.com.br/publica-es/). 2. Distribuição para parecer. 3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão final. 4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformulação (neste caso, é definido um prazo de 20 dias, findo o qual o artigo é desconsiderado, caso o autor não o reformule apropriadamente). 5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS no prazo de sete dias úteis uma cópia de seu texto em CD e outra em papel. A revista não se responsabiliza pela conversão do arquivo. O Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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endereço para o envio do original será fornecido nessa ocasião pela EPS. 6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a cessão imediata e sem ônus dos direitos autorais de publicação nesta revista, a qual terá exclusividade de publicá-los em primeira mão. O autor continuará a deter os direitos autorais para publicações posteriores. 7. Publicação. Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes. O autor que desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada número de Stylus.

Serão aceitos trabalhos para as seguintes seções: Artigos: análise de um tema proposto, levando ao questionamento e/ou a novas elaborações (aproximadamente 12 laudas ou 25.200 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Ensaios: apresentação e discussão a partir da experiência psicanalítica de problemas cruciais da psicanálise no que estes concernem à transmissão da psicanálise (aproximadamente 15 laudas ou 31.500 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Resenhas: resenha crítica de livros ou dissertações de mestrado ou teses de doutorado, cujo conteúdo se articule, ou seja, de interesse da psicanálise (aproximadamente 60 linhas (3.600 caracteres). Entrevistas: entrevista que aborde temas de psicanálise ou afins à psicanálise (aproximadamente 10 laudas ou 21.000 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). A revista Stylus possui as seguintes seções: ensaios, trabalho crítico com os conceitos, direção do tratamento, entrevista e resenhas. Cabe à EPS decidir sobre a inserção dos textos selecionados no corpo da revista.

Apresentação dos manuscritos: Formatação: os artigos devem ser enviados por e-mail, no mínimo, em arquivo no formato “Word for Windows 6.0/95, 98 ou 2000 (doc.)” à EPS conforme indicado na home page da AFCL e endereçados à EPS em tamanho A4, letra Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5, justificado, margens de 2 cm, lauda do texto em torno de 2.100 caracteres. A primeira lauda do texto original deve conter apenas o título do trabalho, nome completo do autor (se for único) ou dos autores (no caso de coautoria), biografia(s) e seu(s) respectivo(s) 168

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endereço(s) completo(s). As demais páginas (contendo título e texto) devem ser numeradas, consecutivamente, a partir de 2. Ilustrações: o número de figuras (quadros, gráficos, imagens, esquemas) deverá ser mínimo (máximo de 5 por artigo, salvo exceções, que deverão ser justificadas por escrito pelo autor e avalizadas pela EPS) e devem vir em separado e devidamente nomeadas como Fig. 1, Fig. 2 e indicadas no corpo do texto o local específico dessas Fig. 1, Fig. 2., sucessivamente. As ilustrações devem trazer abaixo delas um título ou legenda com a indicação da fonte, quando houver. As imagens precisam ser enviadas em alta resolução. Gráficos e tabelas devem estar em formato PDF. No caso de fotos ou imagens digitalizadas, deve ser enviado o arquivo JPG original. Resumo/Abstract: todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deverão conter um resumo na língua vernácula e um abstract em língua inglesa, em um parágrafo único e contendo de 100 a 200 palavras. Deverão trazer também um mínimo de três e um máximo de cinco palavras-chave (português) e key-words (inglês) e a tradução do título do trabalho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chave e key-words. Citações no texto: as citações de outros autores que excederem quatro linhas devem vir em parágrafo separado, margem de 2 cm à esquerda (além do parágrafo de 1,25 cm) e 1 cm à direita, tamanho e letra igual ao texto. Os títulos de textos citados devem vir em itálico (sem aspas), os nomes e sobrenomes em formato normal (Lacan, Freud).

Citações do texto nas notas: 1. As notas não bibliográficas devem ser reduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e arrumadas como nota de rodapé ou notas de fim de texto antes das referências bibliográficas (citadas no corpo do texto); 2. As citações de autores devem ser feitas por meio do último sobrenome, da obra citada e do ano de publicação do trabalho. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a citação deve ser acrescida da página citada; 3. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da seguinte maneira: Kraepelin (1899/1999); 4. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são as seguintes: A) até três autores – o sobrenome de todos os Stylus Rio de Janeiro nº 19 p. 1-176 outubro 2009

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autores é mencionado em todas as citações, usando e ou &, conforme exemplo (Pollo & Rossi & Martielo, 1997). B) de quatro a seis autores – o sobrenome de todos os autores é citado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, como abaixo (Pollo et al., 1997, p. 120). C) mais de seis autores – no texto, desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro autor é mencionado, mas nas referências bibliográficas os nomes de todos os autores devem ser relacionados; 5 Quando houver repetição da obra citada na sequência da nota deve vir indicado Ibid., p. (página citada.); 6. Quando houver citação da obra já citada, porém fora da sequência da nota, deve vir indicado o nome da obra em itálico, op. cit., p. (Fetischismus, op. cit., p. 317).

Referências bibliográficas

(outras informações: consultar a NBR 6023 da ABNT-2002): Os títulos de livros, periódicos, relatórios, teses e trabalhos apresentados em congressos devem ser colocados em itálico. O sobrenome do(s) autor(es) deve vir em caixa alta. 1. Livros, livro de coleção: 1.1. LACAN, J. Autres Ecrits. Paris: Editions Seuil, 2001. 1.2. FREUD, S. (1905) Die Traumdeutung. In: Studienausgabe. Frankfurt a. M.: S. Fischer, 1994. Band II. 1.3. FREUD, S. (1905) A interpretação dos sonhos. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1994. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. II). 1.3. LACAN, J. O seminário – livro 8: A Transferência (19601961). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1992. 1. 4. LACAN, J. O seminário: A Identificação (1961-1962): aula de 21 de março de 1962. Inédito. 1.5. LACAN, J. O seminário: Ato psicanalítico (1967-1968): aula de 27 de março de 1968. (Versão brasileira sem fins comerciais). 1.6. LACAN, J. Le séminaire: Le sinthome (1975-1976). Paris: Association freudienne internationale, 1997. (Publication hors commerce). 2. Capítulo de livro: FOUCAULT, Michel. Du bon usage de la liberté. In: FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’ âge classique (pp. 440-482). Paris: Gallimard, 1972. 170

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3. Artigo em periódico científico ou revista: QUINET, A. A histeria e o olhar. Falo. Salvador, n.1, p. 29-33, 1987. 4. Obras antigas com reedição em data posterior: ALIGHIERI, D. (1321). Tutte le opere. Roma: Newton, 1993. 5. Teses e dissertações: TEIXEIRA, A. A teoria dos quatro discursos: uma elaboração formalizada da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro, 2001, 250f. Dissertação. (Mestrado em Teoria Psicanalítica) – Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2001. 6. Relatório técnico: BARROS DE OLIVEIRA, M. H. Política Nacional de Saúde do Trabalhador. (Relatório Nº). Rio de Janeiro. CNPq, 1992. 7. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado: PAMPLONA, G. Psicanálise: uma profissão? Regulamentável? Questões Lacanianas. Trabalho apresentado no Colóquio Internacional Lacan no Século. 2001 – Odisseia Lacaniana, I, 2001, abril; Rio de Janeiro, Brasil. 8. Obra no prelo: no lugar da data deverá constar (No prelo). 9. Autoria institucional: American Psychiatric Association. DSMIII-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3rd edition revised.) Washington, DC: 1998. 10. CD ROM – GATTO, C. Perspectiva interdisciplinar e atenção em Saúde Coletiva. Anais do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Salvador: ABRASCO, 2000. CD-ROM. 11. Home page – GERBASE, J. Sintoma e tempo: aula de 14 de maio de 1999. Disponível em: <htttp://www.campopsicanalitico.com.br>. Acesso em: 10 de julho de 2002. Outras dúvidas poderão ser encaminhadas através do e-mail do(a) diretor(a) da AFCL: afcl@campolacaniano.com.br que se encarregará de transmitir à Equipe de Publicação de Stylus.

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Sobre os autores Ângela M. Diniz Costa

Psicóloga, Analista praticante em Belo Horizonte – AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. E-mail: amdinizcosta@terra.com.br

Antonio Quinet

Psiquiatra, Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VII (Vincennes), AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VIII. Professor visitante no IPUB/ UFRJ. Professor do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida. Autor de vários livros, dentre os quais, de 4+1 condições da análise (JZE), Teoria e clínica das psicoses (Forense Universitária), A descoberta do inconsciente 9JZE), Ym olhar a mais (JZE), Psicose e laço social (JZE). E-mail: quinet@openlink.com.br

Carmen Gallano

Psiquiatra, Psicanalista em Madrid, AME da EPFCL, docente do Colegio de Psicoanálisis de Madrid. Foi professora da Universidad de Paris VIII e da Universidad del Pais Vasco ( San Sebastián). Livro publicado: La alteridad femenina. E-mail: cgsigrid70@gmail.com

Colette Soler

Doutora em Psicologia (Paris VII), AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – França. Professora de FCCL – Paris. Autora de vários livros, entre os quais Psicanálise na civilização (Contracapa), O que Lacan dizia das mulheres (JZ E), O inconsciente a céu abertodna psicose (JZE) e a recém lançada edição bilíngue de Caderno de Stylus 1: O corpo falante.

Conrado Ramos

Psicólogo, Psicanalista, Doutor pelo Instituto de Psicologia da USP, pós-doutorando do Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Sociedade do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Autor de A dominação do corpo no mundo administrado (2004). E-mail: conrado_ramos_br@yahoo.com.br

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Daniela Scheinkman Chatelard

Psicóloga, Psicanalista. Docente do Programa de Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia na Universidade de Brasília (UnB). Membro da Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano. E-mail: dchatelard@gmail.com

Dominique Fingermann

Psicóloga, Psicanalista, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Representante do CRIF (Colégio de Representantes da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano). Co-Autora de “Por causa do pior” (Iluminuras) E-mail: dfingermann@terra.com.br

Juan Del Pozo

Psicólogo Clínico no Centro de Salud Mental de Rentería. Docente de Jakinmina (Formaciones Clínicas del Campo Lacaniano, Pais Vasco). AME, Membro de Escola do Foro del País Vasco. E-mail: junapozo@arrakis.es

Luis Guilherme Coelho Mola

Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Professor da Universidade São Judas Tadeu. E-mail: lgcoelho@uol.com.br

Marcella Marjory Massolini Laureano

Psicóloga. Docente do curso de graduação em Psicologia e do curso de Especialização lato-sensu em Teoria Psicanalítica no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). E-mail: mammlaureano@gmail.com

Maria Claudia Formigoni

Psicóloga pela PUC-SP, Especialista em Psicologia Clínica e Psicanálise e Linguagem pela PUC-SP, Especialista em Psicologia Hospitalar pelo HC-FMUSP. E-mail: mclaudiaformigoni@yahoo.com.br

Maria Luisa de la Oliva de Castro

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica. Psicanalista. Docente do Colegio de Psicoanálisis de Madrid. Membro do Foro Psicoanalítico de Madrid e da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano. Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. E-mail: oliva2@cop.es 174

Alíngua e o inconsciente real


Mikel Plazaola

Doutor em Psicologia, professor colaborador na Universidad del País Vasco. Psicólogo Clínico. Docente de Jakinmina (Formaciones Clínicas del Campo Lacaniano, País Vasco). Analista Praticante, Membro de Escola do Foro del País Vasco. E-mail: mikleplazaola@jet.es

Rita Bícego Vogelaar

Engenheira, Psicanalista, membro do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo, docente no Centro de Estudos Psicanalíticos, supervisora no Núcleo de Psicanálise e Ação Social. E-mail: rita.vogelaar@terra.com.br

Sandra Leticia Berta

Psicóloga, Psicanalista, Mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Coordenadora das Formações Clínicas do Campo Lacaniano - SP. E-mail: bertas@uol.com.br

Silmia Sobreira

Licenciatura e pós-graduação em Letras. Graduação em psicologia. Psicanalista, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano E-mail: sisobreira@superig.com.br

Silvana Pessoa

Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Clínica (UFBa), Mestre em Psicologia e Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, membro-fundador da Associação Científica Campo Psicanalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Coordenadora dos Módulos de Leitura Jacques Lacan das Formações Clínicas do Campo Lacaniano-SP. E-mail: silvanapessoa@uol.com.br

Silvia Fontes Franco

Psicóloga, Psicanalista. AE da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. E-mail: silviafranco@terra.com.br

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Alíngua e o inconsciente real


Pareceristas do número 18 Ana Laura Prates Pacheco (EPFCL – São Paulo) Ângela Mucida (Newton Paiva/ EPFCL – Belo Horizonte) Beatriz Oliveira (EPFCL – São Paulo) Clarice Gatto (FIOCRUZ/ EPFCL – Rio de Janeiro) Conrado Ramos (PUC-SP/EPFCL – São Paulo) Dominique Fingermann (EPFCL – São Paulo) Eliane Schermann (EPFCL – Rio de Janeiro) Graça Pamplona (EPFCL – Petrópolis) Maria Helena Martinho (UVA/EPFCL – Rio de Janeiro) Nina Araújo Leite (UNICAMP/Escola de Psicanálise de Campinas) Raul Albino Pacheco Filho (PUC-SP/ EPFCL – São Paulo)

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stylus, m. 1. (Em geral) Instrumento formado de haste pontiaguda. 2. (Em especial) Estilo, ponteiro de ferro, de osso ou marfim, com uma extremidade afiada em ponta, que servia para escrever em tabuinhas enceradas, e com a outra extremidade chata, para raspar (apagar) o que se tinha escrito / / stilum vertere in tabulis, Cic., apagar (servindo-se da parte chata do estilo). 3. Composição escrita, escrito. 4. Maneira de escrever, estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de outros utensílios: a) Sonda usada na agricultura; b) Barra de ferro ou estaca pontiaguda cravada no chão para nela se estetarem os inimigos quando atacam as linhas contrárias.


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