Revista Cidade Verde 145

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REVISTA CIDADE VERDE | 4 DE SETEMBRO, 2016 | 3


Índice Um festival de sabores em Teresina 5. Editorial

8. Páginas Verdes Mônica Rangel concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão 15. Palavra do Leitor 28. GERAL Gastos limitados 38. ECONOMIA Menos que o mínimo

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Páginas Verdes Mônica Rangel

Jeane Melo

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Último ato

Fiscalização na palma da mão

44. COMPORTAMENTO Fugindo de casa

17. Cidadeverde.com Yala Sena

48. ESPECIAL Festival Gastronômico Maria Isabel

20. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

78. POLÍTICA O cenário da democracia 84. INDÚSTRIA

34. Economia e Negócios Jordana Cury 42. Chão Batido Cineas Santos 83. Tecnologia Marcos Sávio 86. Perfil Péricles Mendel

Articulistas 14

18

82

Fonseca Neto

90

Tony Batista

COLUNAS

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foto Manuel Soares

Um motivo a mais para visitar Teresina No Piauí, toda boa conversa acontece em volta da mesa. É lá que a família se reúne no almoço de domingo, os amigos se juntam para jogar conversa fora e até encontros de negócios se realizam, entre uma e outra garfada. Por ser a única capital do Nordeste distante da praia, Teresina direcionou o seu lazer para os bares e restaurantes. Como bem definiu o presidente da Abrasel - PI, Marcelino Lopes, “a praia de Teresina são os bares e restaurantes.” Para aproveitar essa vocação, o Sebrae resolveu investir no turismo gastronômico, realizando o Festival Maria Isabel, que este ano chega à sua segunda edição, em uma versão ampliada e com muitas novidades. Até o dia 2 de outubro, várias atividades estarão acontecendo na cidade para valorizar a culinária local, como oficinas gastronômicas, oficinas para crianças, concursos, menu especial nos restaurantes credenciados e o Festival Maria Isabel na Rua, onde o público vai conhecer os pratos elaborados com ingredientes locais e selecionados por um júri especializado. A proposta é fomentar os negócios na área, que prometem ser promissores, diante de um público estimado de quarenta mil pessoas. Mas não é só a economia que prospera com o Festival Maria Isabel — o nome foi escolhido em homenagem a um dos pratos mais tradicionais da nossa culinária. Ao valorizar a gastronomia piauiense, o festival também resgata a nossa cultura e autoestima. Sim, precisamos nos orgulhar de nossos produtos e da forma como os cozinhamos. Eles traduzem o nosso

modo de viver e a nossa própria identidade, revelada a partir da cozinha. A cajuína, por exemplo, já foi considerada patrimônio cultural brasileiro pelo IPHAN, que assim a descreveu: “Mais do que uma simples bebida, a tradicional cajuína simboliza a hospitalidade e os laços existentes entre as famílias produtoras”. A Revista Cidade Verde também acredita na força da gastronomia como vetor de negócios e desenvolvimento para o estado e, por isso, preparou um caderno especial com todas as informações sobre o II Festival Gastronômico Maria Isabel. A começar pela entrevista das Páginas Verdes, com a curadora do festival, a chef Mônica Rangel, que ficou encantada com a culinária piauiense. O leitor vai encontrar ainda o roteiro com os restaurantes que estão fazendo parte do festival, reportagens sobre produtos típicos da região, as receitas e os bastidores do evento. Incluindo a viagem dos chefs pelo interior do estado à procura dos ingredientes que darão um sabor diferenciado aos pratos que serão apreciados pelo público a partir do dia 11 de setembro. Aproveite a leitura para fazer um passeio delicioso pelo que há de melhor na gastronomia piauiense, conhecendo um pouco mais sobre a tradição que faz da nossa cozinha um dos atrativos para os turistas que visitam a capital a trabalho ou lazer. Cláudia Brandão Editora-chefe

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Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Mônica Rangel

claudiabrandao@cidadeverde.com

Cozinhar é uma arte

Foto: Thiago Amaral

Para a chef Mônica Rangel, a culinária piauiense é rica e diversificada, mas precisa ser mais valorizada para conquistar o reconhecimento do público.

A chef de cozinha Mônica Rangel é mineira de Juiz de Fora e proprietária do restaurante Gosto com Gosto, em Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro. Sua paixão pela culinária vai além dos pratos regionais que ela cria com sabores trazidos do seu estado de origem. 8 | 4 DE SETEMBRO, 2016 | REVISTA CIDADE VERDE

Quando não está na cozinha, Mônica participa como jurada do programa Cozinheiros em Ação, no canal a cabo GNT. Em 2012, fundou o “Movimento Brasil à Mesa”, para valorizar a gastronomia brasileira. E foi com esse sentimento que ela veio a Teresina para ser a

curadora do II Festival Gastronômico Maria Isabel, realizado pelo SEBRAE, em parceria com o Governo do Estado, a Abrasel e com apoio do SENAC. Antes de botar a mão na massa, a chef Mônica concedeu a entrevista a seguir para a Revista Cidade Verde.


RCV – Qual a contribuição que você pretende deixar como curadora do Festival Maria Isabel? MR – Eu acho que o principal é a

gente conseguir extrair das pessoas que estiverem participando, tanto dos restaurantes, quanto dos estudantes, o melhor que eles puderem dar em relação à gastronomia da região, porque as pessoas, hoje em dia, não têm orgulho do que é seu. Então, se a gente conseguir incutir isso na cabeça deles, que eles devem ter orgulho dos seus produtos, do modo de fazer, da técnica de cozinha, a gente fica muito satisfeito. As pessoas acham que a gente não tem técnica, que só os franceses e italianos é que sabem fazer, o que não é verdade. Nós temos nossa técnica, os franceses podem até achar que elas não são certas. Por exemplo, eles consideram que a gente coloca limão para temperar, mas nós fazemos assim porque nós gostamos assim. Na verdade, existe uma falta de respeito com a gente mesmo, quando não enaltecemos esse nosso modo de cozinhar. Isso é a contribuição mais forte que a gente pode deixar. É como o que está tatuado no meu braço: “o orgulho de ser brasileiro”.

RCV – Você pretende mostrar a gastronomia como um elemento de identidade cultural? MR – Sim. Eu acho que a gastro-

nomia é o elo de tudo: ela é cultura, turismo e a parte gastronômica em si. A gente tem que fazer com que esse elo todo seja preenchido, para que se possa realmente mostrar

Na verdade, existe uma falta de respeito com a gente mesmo quando não enaltecemos esse nosso modo de cozinhar. que se tem uma coisa muito linda na mão. O Piauí tem uma variedade de ingredientes impressionante. As frutas daqui são uma coisa que não dá para descrever, nem mesmo com relação ao resto do Brasil. Talvez pela falta de chuva, elas ficam mais doces. O próprio caju, quando é mencionado, é sempre associado ao Ceará, ninguém fala daqui. E a maior parte disso é culpa nossa, por não conseguir passar isso para o mundo, como se fosse a melhor coisa que existe. Precisamos gritar para o mundo, e para o Brasil também, o que a gente tem por aqui. Mas, para isso, a gente tem que saber usar e tem que gostar de comer aquilo.

RCV – Você já esteve aqui no Festival do ano passado. Dos produtos piauienses que você conheceu, o que você mais apreciou? MR – É difícil falar só de um pro-

duto. O caju é uma coisa que não dá nem para descrever. A cajuína daqui é realmente diferente. O caranguejo lá do Delta, a ostra, os peixes, a carne de sol. A gente faz muita carne de sol lá no Sudeste e em outros estados do Nordeste também. Mas é diferente, pelo clima daqui. O tempo

de maturação dessa carne é menor e, portanto, ela resseca menos. Então, existe toda uma química que é muito interessante. É surpreendente a gastronomia da região.

RCV – No caso dos restaurantes que estão participando do Festival, há uma orientação no sentido deles desenvolverem um cardápio contemporâneo com elementos da culinária regional? MR – Sim. Eu acho que isso foi uma

coisa que o Laurent (chef Laurent Suaudeau) e o Claude (chef Claude Troisgros), que são dois franceses, e já são brasileiros hoje, conseguiram passar pra gente. A utilização dos produtos brasileiros com técnicas de outras cozinhas. Pelo menos isso, os restaurantes de comida estrangeira têm que usar e que se orgulhar. É preciso que eles tenham isso. E, para participar do evento, eles devem ter algum prato do cardápio que utilize produtos do Piauí.

RCV – O seu restaurante é conhecido por servir alimentos produzidos lá mesmo, de forma artesanal, como geleias, linguiças, etc. Apesar da facilidade oferecida pela comida industrializada, o brasileiro ainda prefere o sabor da comida caseira? MR – Infelizmente, não. Eu lembro

que, quando eu montei o restaurante há 23 anos, minha mãe chorou muito porque eu estava montando um restaurante de cozinha brasileira, mineira, mais especificamente. Quando as pessoas pensam em sair de casa, elas nem sempre

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querem comer uma coisa que elas acham que já fazem. Quando você pensa em sair para comer um arroz com feijão, é preciso ter em mente que existem diferentes formas de fazer arroz com feijão. As pessoas não saem para comer um baião de dois, mas “o” baião de dois. Hoje, a “briga” que a gente tem que ter é mostrar o outro lado: como o prato pode ser feito de um jeito diferente, mais bem cuidado. As pessoas não querem muito sair para comer comida caseira, querem sair para comer comida diferente, desvalorizando, muitas vezes, o que é seu, de cultura. Isso é nossa memória, e o que há de mais rico na nossa vida é a nossa memória gastronômica, que, normalmente, as pessoas não usam. Elas simplesmente querem o novo, sem perceber que é necessário, também, cultivar a memória.

RCV – Essa preocupação em fazer comidas que já são parte da mesa do piauiense, mas com uma pegada diferente, é uma das propostas do concurso de gastronomia realizado com os estudantes? MR – Também. Há alguns desafios,

como ter uma proteína, três acompanhamentos e tal, mas, necessariamente, tem que ter produtos da região. Eles têm que começar desde cedo a sentir o orgulho e a vontade de experimentar e de estar inserido nesse contexto regional. Tem que ter amor pelo que é seu, amor pelas coisas que você pode fazer com sua mão. Às vezes, você vê um alimento em um restaurante ou em uma padaria e acha que aquilo é completamente inacessível. Só que não, 10 | 4 DE SETEMBRO, 2016 | REVISTA CIDADE VERDE

O Piauí tem uma variedade de ingredientes impressionante. As frutas são uma coisa que não dá para descrever, nem mesmo com relação ao resto do Brasil. você vai ver que consegue, e que aquilo pode ter um gosto familiar.

RCV – Em 2102, você fundou o Movimento Brasil à Mesa. O que a culinária brasileira tem de diferente com relação ao resto do mundo? MR – A variedade de ingredientes

e de técnicas. Se você pensar em moquecas, por exemplo, nós temos mais de quatro tipos de moquecas no Brasil. Embora a rivalidade entre os estados faça dizer que uma é moqueca, outra é peixada, outra é ensopado, na verdade, tudo é moqueca. Eu acho que o que a gente tem de mais forte são os ingredientes frescos. Na Europa, quando chega o inverno, você não tem nada fresco. Aqui, nós temos produtos frescos o tempo inteiro. E existe um

erro que a gente comete muito e que, agora, é que está começando a perceber, que é a falta de respeito à sazonalidade dos ingredientes. Por exemplo, antes, a gente queria ter morango o ano inteiro. A consciência de que a gente só vai ter morango em um determinado período custa, mas ela está chegando.

RCV – Como você analisa essa onda de food truck? MR – É uma onda, como você falou.

Eu acho legal, porque a nossa Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é um “calo” no pé de todos nós. Não que ela não deva cobrar higiene ou regras e métodos de cozinha, mas ela começou a pegar no pé da nossa cozinha de rua. Você vê que nos Estados Unidos a comida de rua sempre existiu e sempre vai existir. Não há regras para isso. Aqui no Brasil, foi proibido tudo. Então, a gente perdeu esse foco de ter aquela comidinha ali na esquina. Nesse sentido, eu acho ótimo, pelo menos, para voltar a aceitação da comida de rua. Eu acho que, daqui a pouco, o food truck vai cair em desuso, porque é caro, é difícil, e porque há os restaurantes. Deve acabar diminuindo e ficando só alguns, que são os mais profissionais.

RCV – Existe o paradoxo de que, se por um lado, a pressa da vida moderna empurra as pessoas para o fast food, por outro, há um interesse crescente pela alta gastronomia, que pode ser observado pela quantidade de programas televisivos nessa área, ou pelo aumento dos cursos de gastronomia nas faculdades. A que se pode atribuir esse fenômeno?


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