Índice O Piauí em chamas 5. Editorial
8. Páginas Verdes Deocleciano Guedes concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão 12. Palavra do Leitor 20. POLÍTICA No limite 36. GERAL STF derruba vaquejada 42. POLÍTICA Transição ou turbulência?
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Páginas Verdes
Deocleciano Guedes
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28
A lei é para todos
Bebês com microcefalia
56. GERAL Cemitério de animais
15. Cidadeverde.com Yala Sena
58. COMPORTAMENTO Artesanal, com muito sabor
24. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa
64. ECONOMIA Nova porta de entrada do Delta
34. Economia e Negócios Jordana Cury
68. GERAL Novos empreendedores
45. Chão Batido Cineas Santos
74. ESPORTE Crossfit: a paixão do momento
84. Tecnologia Marcos Sávio
80. INDÚSTRIA
85. Perfil Péricles Mendel
Articulistas 13
Jeane Melo
55
Fonseca Neto
90
COLUNAS
48
Tony Batista
foto Manuel Soares
Um outubro para não esquecer Os meses que formam o segundo semestre do ano, apelidados aqui no Piauí de B-R-O BRÓ, são naturalmente quentes e secos. Este ano, no entanto, além das elevadíssimas temperaturas e da baixa umidade do ar, o piauiense também foi surpreendido com a presença indesejável do fogo em vários municípios do estado, incluindo a capital. O mês de outubro, literalmente, pegou fogo. Mas é bom ressaltar que não se trata de um fogo espontâneo, originado a partir das forças da natureza. É bem verdade que a mata seca torna-se mais propícia à propagação das chamas, mas em quase todos os incêndios houve a intervenção humana, intencional ou não. Queimadas feitas de forma descontrolada, lixo acumulado, baganas de cigarro jogadas na mata, tudo isso somado contribuiu para que o Piauí registrasse uma sequência de tragédias que ocasionaram prejuízos ao meio ambiente, à saúde da população, à rede elétrica e às casas mais vulneráveis que se encontravam próximas aos focos de incêndio. O fogo consumiu, sem piedade, uma parte generosa da nossa já frágil cobertura vegetal e levou medo e dor às famílias atingidas. Um medo que só foi atenuado por
conta da solidariedade dos piauienses que, rapidamente, se mobilizaram para socorrer as famílias que perderam suas casas e tudo o que nelas havia. O fogo que se abateu sobre o Piauí, e suas consequências desastrosas, são o tema da nossa reportagem de capa. E também assunto da nossa entrevista nas Páginas Verdes, com o professor Deocleciano Guedes. Ele fala dos efeitos das chamas na aceleração do processo de aquecimento global e das implicações que podem causar ao nosso clima. Em outra reportagem, nossa equipe foi saber como estão as crianças que nasceram há um ano, vítimas da microcefalia provocada pelo Zika vírus. Para muitas mães, a revelação da doença, àquela época, caiu como uma bomba em suas vidas. Hoje, quando essas crianças estão comemorando o primeiro aniversário de vida, o sentimento é de alívio por elas estarem reagindo aos tratamentos que lhes são oferecidos. Mas o perigo do vírus continua. E combater o mosquito transmissor continua sendo obrigação e responsabilidade de todos nós. Cláudia Brandão Editora-chefe
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HOUS
SE D1
Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO
Deocleciano Guedes
claudiabrandao@cidadeverde.com
“Vem mais calor pela frente”
Matemático por formação, o professor Deocleciano Guedes acabou direcionando seu foco de pesquisa para a área do meio ambiente. O interesse pelo tema começou quando ele decidiu protestar contra a morte de morcegos para o uso de pesquisas acadêmicas. Desde então, não parou mais de buscarnovos conhecimentos sobre o assunto. Comandou vários estudos sobre a desertificação no estado, junto com o professor Valdemar Rodrigues, e foi superintendente do IBAMA no Piauí e Secretário Municipal do Meio Ambiente. Hoje, utiliza a matemática aplicada às ciências ambientais e dá aulas nos cursos de Biologia, Agronomia e Ciências da Natureza na Universidade Federal do Piauí. Com vasta experiência na área, ele diz que está preocupado com a dimensão que os incêndios tomaram no Piauí e dá algumas orientações sobre o que pode ser feito para conter os efeitos do fogo na mata nativa do estado.
RCV – Quais são os principais prejuízos que essa sequência de queimadas pode trazer ao meio ambiente? 8 | 30 DE OUTUBRO, 2016 | REVISTA CIDADE VERDE
foto Thiago Amaral
Com a alta incidência de queimadas e incêndios, a tendência é o calor aumentar a cada ano, trazendo prejuízos também para o solo e para os rios.
DG – Toda vez que queima uma
mata, seja ela plantada, reconstituída ou natural, os animais sofrem, porque muitos morrem, não conseguem fugir. Todos os ninhos de aves são destruídos e os animais que se reproduzem na terra também acabam morrendo. Para a fauna, as queimadas são desastrosas. Para a flora, algumas espécies, em determinados lugares, têm muito mais dificuldade para se reconstituírem. Algumas outras plantas que são mais resistentes, mais invasoras, terminam tomando o local daquelas e a biota (conjunto de seres vivos que habitam um determinado ambiente ecológico) começa a ficar pobre, com prejuízo para a biodiversidade. Um outro aspecto, é que há uma colaboração, pequena ou grande, para o aquecimento global, na medida em que se joga na atmosfera tanto gás carbônico. Se nós somarmos todas as queimadas que aconteceram em Teresina, deve ter sido jogada entre meia a uma tonelada de gás carbônico na atmosfera. Isso vai provocar o aquecimento global porque, quando o gás carbônico chegar à atmosfera e encontrar a camada de ozônio, vai combinar com o O3 e ele vai deixar de ser um filtro natural para a Terra.
RCV – Isso quer dizer que vai aumentar a radiação solar, tornando-a mais nociva para a pele? DG – Aumenta muito, porque na medida em que você tira a camada de ozônio, a penetração dos raios solares é muito mais intensa. E isso
Se somarmos todas as queimadas em Teresina, deve ter sido jogada entre meia e uma tonelada de gás carbônico na atmosfera. Isso vai provocar o aquecimento global.
prejudica o aquecimento como um todo porque, quando a luz do sol penetra e bate na terra, existe nela uma coisa chamada refletância. Outra parte nem penetra, bate e reflete na atmosfera. Se você perde a camada de ozônio, muitos dos raios solares que antes não penetravam passam a entrar, aumentando a quantidade de calor produzido.
RCV – Depois desses incêndios, então, nós devemos esperar temperaturas ainda mais altas aqui no Piauí? DG – O que acontece é que você
vai ter mais áreas com menos árvores. E as árvores absorvem um pouco da energia solar no processo de fotossíntese e não deixam os
raios baterem diretamente no solo. E, quando o sol bate no solo, há um aquecimento e uma permanência de calor por mais tempo. A impermeabilização de uma cidade, sem a devida arborização, faz aumentar a microtemperatura em determinados lugares. O asfalto é preto e já absorve muito calor. Quando o Alberto Silva falava que aqui deveria ter asfalto branco, ele tinha razão, em parte.
RCV – A impermeabilização do solo pode acarretar também futuras inundações? DG – Também. E seca o lençol
freático. Não os aquíferos subterrâneos, especificamente. O lençol freático é recarregado diretamente pelas chuvas, já que ele está mais na superfície, com profundidades menores. Já os lençóis subterrâneos só afloram em determinados locais. A recarga dos aquíferos Cabeças ou Serra Grande, a cerca de trezentos metros de profundidade, se dá em pontos onde eles afloram. O lençol freático, não. A sua recarga é em toda a superfície. Assim, a penetração da água vai parar no lençol freático. Com a impermeabilização do solo, o escorrimento superficial aumenta e aí começam as inundações e cheias nos rios. O poder de carreamento de sedimentos é muito maior, porque, como a água escorre mais, ela ganha mais energia e mais velocidade.
RCV – Isso significa que os efeitos desses incêndios não são apenas imediatos, mas podem trazer danos lá na frente? REVISTA CIDADE VERDE | 30 DE OUTUBRO, 2016 | 9
DG – Isso. As consequências são
muito mais duradouras. Para você ter uma ideia, algumas árvores nossas, que estamos perdendo nas queimadas, levam catorze, quinze, vinte anos para chegarem à fase adulta. Algumas até bem mais tempo que isso. Se você imaginar, por exemplo, um pau d’arco, o ipê amarelo, muito comum por aqui, ele só vai chegar a uma fase reprodutiva plena depois de dez, doze anos. A sua fase adulta só será obtida após vinte anos de idade. Então, imagine quanto tempo vai levar para uma recomposição. O coco babaçu leva vinte e cinco anos para começar sua reprodução. E tem mais: quando a queimada é feita próxima a uma área de babaçu, a tendência é transformar tudo em babaçual no futuro, porque ele é uma árvore altamente agressiva nessa questão. É uma planta invasora que entra nas áreas desequilibradas com muita facilidade.
DG – Em primeiro lugar, educação
A impermeabilização de uma cidade, sem a devida arborização, faz aumentar a microtemperatura em determinados lugares.
DG – Existem determinados estu-
fertilidade do solo não está só nas questões dos componentes químicos que existem nele. Também existem microorganismos que estão permanentemente trabalhando no solo e fazendo pequenas perfurações para a penetração da água e passagem do ar. E esses microorganismos morrem nas altas temperaturas.
dos que apontam uma diferença de temperatura em um local totalmente arborizado, especialmente com mata nativa, que pode chegar a até oito ou nove graus. Mas, pra nossa região, onde as florestas não são tão densas e trocam muito pouco oxigênio com a atmosfera, a queda não é tão grande, mas cai também. Basta você chegar a uma praça arborizada, como a Rio Branco, para você perceber a diferença. A mesma coisa na Praça da Bandeira. Há uma necessidade de nós arborizarmos cada vez mais a nossa cidade para mudarmos o microclima que nós temos.
RCV – Qual a relação existente entre uma área verde e a diminuição da temperatura naquele lugar?
RCV – O que deve ser feito em termos de política ambiental depois desse processo de queimadas que estamos vivendo?
RCV – E como fica a fertilidade do solo após as queimadas? DG – Ele fica muito mais pobre. A
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ambiental com muito mais intensidade. Nas comunidades, algumas pessoas defendem que não pode haver queimadas para preparar a roça. Mas existem técnicas que você pode utilizar com prejuízo diminuto, onde você só queima aquela área restrita da roça. Não resta dúvida que tem prejuízo para o solo, mas algumas pessoas só têm essa possibilidade de limpar suas roças, porque elas não têm condições de pagar um trator para fazer essa limpeza. Pra quem vive exclusivamente da roça, sem qualquer salário, não há outra possibilidade.
RCV – E nesses casos em que a queimada é inevitável, há alguma forma de fazê-la com segurança, sem que o fogo se alastre de forma incontrolável? DG – É muito possível. O IBAMA
tinha um programa de educação ambiental para queimadas, por meio do qual as equipes viajavam pelo interior do Piauí, reunindo as comunidades e sindicatos, e orientavam sobre como proceder. É necessário fazer um aceiro (uma faixa de terra alta em torno da área a ser queimada), rebaixar o máximo possível depois de fazer o que eles chamam de “broca” e queimar em horário adequado. Se você queima próximo ao horário das 10, 11h, esse fogo vai se alastrar com muito mais velocidade e com calor mais intenso pela própria temperatura desse horário.
RCV – E qual o horário ideal? DG – No início da manhã ou no