Revista Cidade Verde 190

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HOUS PUBLIC


SE D1 CIDADE


Índice 38

CAPA: O Caminho de volta a Portugal

Páginas Verdes

Rossandro Klinjey

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Quando a pena vale a pena

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Pesquisa transforma lixo em combustível

51. CULTURA Olhos abertos para o mundo

56. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

58. ADMINISTRAÇÃO Do público ao privado

62. Economia e Negócios Jordana Cury

14. Palavra do leitor

64. INDÚSTRIA

78. Passeio Cultural Eneas Barros

22. GERAL Bonito pra chover. Ou não.

70. GERAL Sinal de alerta no trânsito

26. POLÍTICA Acidente no Percurso Eleitoral

74. EDUCAÇÃO Pesquisa transforma lixo em combustível

08. Páginas Verdes Rossandro Klinjey concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão

30. EDUCAÇÃO A juventude se vê na TV

85. Tecnologia Marcos Sávio 86. Perfil Péricles Mendel

Articulistas 15

Jeane Melo

21

Zózimo Tavares

36

COLUNAS

05. Editorial

08

Cecília Mendes


Portugal: o novo destino dos estudantes piauienses Há mais de quinhentos anos, as caravelas da esquadra de Pedro Álvares Cabral desembarcaram no litoral do Brasil, atual estado da Bahia, e descobriram um país ainda selvagem, com muitas riquezas naturais. Os portugueses logo perceberam que aqui havia um mundo de oportunidades e o Brasil tornou-se mais uma colônia do império lusitano.

O resultado está na reportagem que começa na página 38 e mostra como é o cotidiano, os sonhos, as expectativas e as descobertas de quem está lá ou já voltou, depois de ter concluído o curso. As comparações com o Brasil são inevitáveis, especialmente quanto à qualidade de vida.

Cinco séculos depois, são os brasileiros que estão desembarcando em Portugal, não mais de caravelas, mas igualmente em busca de tesouro, só que de outra natureza: o da educação. Na última década, milhares de estudantes brasileiros partiram em busca de um curso de graduação ou pós-graduação nas universidades portuguesas.

A entrevista das Páginas Verdes desta edição também trata de educação. Mas a educação doméstica, proporcionada pelos pais, dentro de casa. O psicólogo e escritor Rossando Klinjey faz uma análise do modelo de educação que os pais estão desenvolvendo com os filhos em uma era de transformação acelerada. E propõe uma nova maneira de preparar crianças e jovens para o futuro desafiador que se aproxima. Em um mundo de mudanças radicais, é preciso formar adultos com capacidade de adaptação e resiliência para absorver o novo que está chegando de forma irreversível. Uma leitura instigante e que nos faz pensar sobre que filhos estamos preparando para o futuro.

Os piauienses também descobriram na terra dos nossos colonizadores a oportunidade de fazer um curso de qualidade, em uma das muitas respeitadas universidades portuguesas e, ainda por cima, acumular a experiência de morar em um país estrangeiro, sem a barreira da língua, com uma qualidade de vida superior à que julgam estar levando no Brasil, especialmente no que diz respeito ao quesito segurança. Os próprios professores portugueses constatam que está aumentando o número de estudantes que saem daqui para estudar lá. A Universidade de Coimbra, uma das mais tradicionais, é também uma das mais procuradas pelos piauienses. Mas não é só ela. Alunos de diferentes áreas estão frequentando as salas de aula das mais disputadas universidades portuguesas. A Revista Cidade Verde conversou com alguns desses alunos para descobrir o que os levou a cruzar o oceano para obter a formação desejada. Afinal, o Brasil também dispõe de boas universidades.

A Revista Cidade Verde celebra ainda, nesta edição, a volta da colunista Jeane Melo, que sempre brinda nossos leitores com crônicas do cotidiano, por meio de um texto leve e saboroso. Depois de um período sabático, Jeane retoma sua participação, escrevendo o Artigo de Primeira, leitura recomendada a todos que apreciam a arte da escrita feita a partir da delicadeza das palavras. Cláudia Brandão Editora-chefe

REVISTA CIDADE VERDE | 3 DE JUNHO, 2018 | 5


HOUS PUBLIC


SE D2 CIDADE


Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Rossandro Klinjey

claudiabrandao@cidadeverde.com

Como preparar os filhos para um mundo em constante transformação Psicólogo, mestre em saúde coletiva e doutor em psicanálise, o também escritor Rossandro Klinjey faz palestras no país inteiro sobre educação e o comportamento dos pais diante de uma sociedade em ebulição. Ele vai ao centro de questões bem atuais, sobre o uso excessivo das tecnologias e como os adolescentes devem estar preparados para lidar com uma nova realidade, que exige, acima de tudo, resiliência para enfrentar os desafios que virão. Klinjey é bem crítico com relação ao novo modelo de relacionamento familiar, no qual identifica uma necessidade infantil dos pais de sentirem-se amados pelos filhos, quando deveriam buscar, primeiro, o respeito e a admiração deles. Estes são apenas alguns dos destaques da entrevista concedida à Revista Cidade Verde, que você confere a seguir.

RCV – Como criar valores sólidos em uma sociedade cada dia mais líquida, para usar uma expressão de Zygmunt Bauman? RK – Tentar fazer com que o pri-

meiro lugar onde essa solidez deve acontecer, que é a família, não se dissolva nesse social que está confuso. Então, se o ambiente externo está confuso e líquido, eu tenho que 8 | 3 DE JUNHO, 2018 | REVISTA CIDADE VERDE

foto Wilson Filho

O psicólogo e escritor Rossandro Klinjey faz uma análise sobre o comportamento dos pais e os erros cometidos na tentativa de agradar os filhos a qualquer custo.


preservar o mínimo de estabilidade familiar, na rede de afetos, de disciplina, de ordem, de respeito e de hierarquia para que, quando o indivíduo sai para esse mundo líquido, que é inevitável, ele tenha construído uma base mínima para que possa suportar, através de uma resiliência, essa alteração de um mundo que muda tão constantemente que nada se solidifica nele, como diz Bauman.

RCV – Mas os próprios pais não estão também confusos nesse mundo em transformação? RK – É por isso que eu digo que o ideal seria isso que eu falei antes. O que a gente tem visto são pais que estão perdidos porque saíram de uma sociedade muito ditatorial, de educação ditatorial, passaram por necessidades, transtornos e sofrimentos, muitos vieram do interior, ralaram bastante, conseguiram vencer financeiramente, se estabeleceram profissionalmente e tiveram - o que eu reputo - uma infeliz ideia: a de que 'meus filhos não vão passar por isso'. Eles esquecem que, passando por essas dificuldades, é que foi forjado neles um caráter, um desejo de crescer. E, ao dizer isso, eu não estou falando que eles tenham que fazer os filhos passarem pelas mesmas dificuldades que passaram, mas zerar dificuldades é uma tragédia completa porque, aí sim, você torna o mundo aparentemente fácil, que não o é. O mundo é mais complexo do que quando nós éramos crianças. Olha a dinâmica: eu tenho um mundo externo mais complexo, mais agressivo, mais invasivo, mais perigoso que o mundo da minha infância, e tenho

Tanto os smartphones como os aplicativos, de um modo geral, são planejados para desenvolver dependência psicológica severa.

filhos menos preparados. Às vezes, até existe um nível intelectual muito grande, mas, emocionalmente, eles não estão habilitados. Aí, a gente vê essa gigantesca epidemia de suicídio, não que essa seja a única variável, mas, sem sombra de dúvida, a gente percebe uma geração que diante da dificuldade do término de um namoro já encontra motivo para se matar. Por quê? Porque as famílias se fragilizaram e o mundo, em si, também. Qual o poder que os pais têm de modificar o coletivo? Bem menor. Mas eu tenho o poder de, pensando em como ministrar minha educação dentro de casa, minimizar o impacto desse coletivo na minha família.

RCV – Os jovens estão vivendo hoje uma crise de identidade? RK – Todo mundo. A gente está vivendo uma quebra de padrões, de paradigma, ou seja, uma crise no conceito mais clássico, quando o antigo não consegue mais nos dar conta para discernir a realidade atual.E o novo, o que deveria estar

pronto para se qualificar e orientar o presente, também não está. É um hiato histórico. Não há nem um passado nem um futuro que me apóie. Ficamos nesse sentimento de areia movediça, sentimento de angústia, de perda de identidade e, ao mesmo tempo, a gente tem a necessidade de pessoas que nos orientem. Daí a eleição de pessoas como o Trump, que dizem “eu resolvo”. Alguém que parece não ter dúvidas, só que, quando você vai ver, é uma pessoa mais perdida do que você próprio.

RCV – Dentro desse contexto, como educar os filhos para o mundo? RK – O grande aprendizado emo-

cional que acontece na casa, através do desenvolvimento intelectual e moral, é fundamental. Quando você constrói essa rede de habilidades, você cria um ser humano com a flexibilidade e, ao mesmo tempo, a resiliência para enfrentar qualquer que seja o mundo que venha, porque esse mundo que estamos vivenciando hoje provavelmente não será o mesmo de daqui a dez anos, em razão de todas essas rupturas tecnológicas, mudanças históricas, robótica, biotecnologia, ou seja, vai mudar tanto que eu não posso treinar meu filho para uma profissão, mas para a habilidade de lidar com o mundo, qualquer que seja ele. Então, eu tenho de criar um sentimento de autorrespeito e autopreservação, sentimento de amor próprio regulado - nem de hiperestima do ego no narcisismo, nem subestima do ego no sentimento de mediocridade de ser pequeno – tenho de mostrar que REVISTA CIDADE VERDE | 3 DE JUNHO, 2018 | 9


ele tem capacidades e incompetências, porque ele tem de aprender que o ser humano é incoerente...

RCV – E o professor, qual o papel dele dentro dessa realidade? RK – O professor vive um drama

muito grande porque, no momento em que as famílias geram um processo de falência moral e de exemplo, crianças e adolescentes que não respeitam os pais chegam à escola com um sentimento de desrespeito ao professor, que seria o substituto natural dessa figura em uma hierarquia de contrato com a sociedade. Como ele também não respeita o professor, não dá importância ao que o professor oferece, que é o conhecimento. Ao mesmo tempo, porque eu também não tenho uma visão trágica de tudo, o professor, que tem esse peso muito grande, possui uma oportunidade muito rica. Com a falência dos pais, os seres humanos continuam buscando modelos. Se o professor tiver habilidade, ele se oferece como essa alternativa moral, emocional, estável. Hoje em dia, muitas pessoas dão o testemunho de que um professor, uma aula, um gesto, foram cruciais para mudar a forma de viver a própria vida. Então, se é um momento muito complexo para o educador de um modo geral, tanto que tem acontecido muita síndrome de Burnout, afastamentos por depressão e até pânico, é também uma oportunidade para aqueles que veem aí seres humanos que estão com uma carência e uma demanda muito grande por um modelo viável de ordenação moral. 10 | 3 DE JUNHO, 2018 | REVISTA CIDADE VERDE

Os pais do passado nunca procuraram ser amados, mas jamais abriram mão do respeito e da admiração. E conseguiram as três coisas. RCV – Os jovens, de uma maneira geral, estão passando muito tempo presos às redes sociais. É possível usá-las em benefício da juventude, de uma forma positiva? RK – O que a gente tem visto, recente-

mente, é uma grande rede de denúncias de pessoas que estavam fazendo parte dessas empresas de tecnologia e que dizem que, de fato, tanto os smartphones como os aplicativos, de um modo geral, são planejados para desenvolver dependência psicológica severa. Denúncias feitas por pessoas que trabalhavam lá dentro. Quando o Steve Jobs lançou o Ipad, um repórter perguntou para ele: - “Seu filho gosta de usar”? E ele respondeu: -“Eu não permito que meu filho tenha acesso a essas tecnologias”. Então, o próprio criador do Ipad não deixava os filhos terem acesso a eles. Você já parou para pensar que ele sabia muito bem do que estava falando? E o Bill Gates e a esposa dele, a Melinda, não deixam os filhos usarem celular antes dos catorze anos, como é recomenda-

do por todas as pesquisas científicas e, mesmo aos catorze, com regulação de horário. Não é livre. Se os pais não gerenciam isso, obviamente, vai gerar dependência. Nas redes sociais, além da dependência que faz com que o jovem esteja sempre olhando, postando, há a necessidade de ele ser aceito, de ter curtição, há ainda o desenvolvimento do sentimento de narcisismo ou de menos valia, e também o sentimento terrível de comparação. Sempre houve inveja e comparação. Mas, antes, as pessoas se comparavam aos Deuses, só que eles estavam no Olimpo. Depois, aos reis, mas eles estavam nos palácios. As celebridades estavam em Hollywood. Mas, agora, o vizinho está postando a vida dele, e uma vida editada, da qual ele só mostra os seus melhores momentos. Os efeitos das redes sociais têm sido mais nefastos do que positivos. Não que a gente tenha de invalidar, mas tentar tirar daí também coisas positivas.

RCV - Além de todos esses efeitos que o senhor falou, ainda há o do consumismo exagerado. RK – Por comparação, quando eu

vejo as pessoas indo para lugares que eu não vou ou tendo um padrão de vida que eu não tenho, eu me sinto forçado, especialmente na juventude, a tentar imitar essas pessoas para ser aceito, e isso passa pelo padrão de consumo, a querer consumir marcas, relógios, roupas, viagens, etc.

RCV – Como lidar com o bullying na escola? RK – Primeiro, assumindo que ele

existe. Depois, ao reconhecer que existe, eu também não posso hiper-


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