Revista Cidade Verde 199

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CIDADE


Índice Capa:

Brincadeira é coisa séria

05. Editorial 08. Páginas Verdes Cineas Santos concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão 34. Economia O que o aumento do dólar tem a ver com sua vida 42. Cultura Patrimônio do Brasil 56. Indústria

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Páginas Verdes Cineas Santos

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Eleições 2018: está chegando a hora!

58. Geral Quando salvar vidas vira risco de vida

Jeane Melo

32. Economia e Negócios Jordana Cury

64. Geral Direitos Humanos, para quem?

69. Tecnologia Marcos Sávio

70. Saúde Adeus ao inchaço!

76. Na Esportiva Fábio Lima

78. Cultura Um passeio pelas belezas do Piauí

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Cineas Santos

Constituição de 88 faz 30 anos

22. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

82. Playlist Rayldo Pereira 86. Perfil Péricles Mendel

Articulistas 15

24

COLUNAS

48

63

Fonseca Neto

90

Tony Batista


É brincando que a criança aprende Neste doze de outubro, feriado de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, é também comemorado o dia das crianças. Dia de celebrar a beleza e a esperança representadas pela infância. A Revista Cidade Verde aproveita a data para trazer aos leitores, especialmente pais e responsáveis, uma reflexão bastante interessante sobre a mudança de comportamento observada na era moderna, de muita pressa e pouco tempo. A reportagem de capa desta edição aborda a importância das brincadeiras infantis para o pleno desenvolvimento das crianças. Com o tempo cada vez mais escasso, em função dos muitos compromissos assumidos, os pais costumam “aquietar” os pequenos, entregando-lhes um equipamento eletrônico (smartphone ou tablet), capaz de deixá-los entretidos por um sem número de horas. Sem saber, os pais estão comprometendo o desenvolvimento dos filhos, ao substituírem os brinquedos tradicionais por equipamentos eletrônicos. Pesquisa realizada em Toronto, no Canadá, revela que para cada 30 minutos de uso de smartphone ou tablet, os riscos de atraso na fala da criança aumentam 49%. E isso não é brincadeira! Não é à toa que a Sociedade de Pediatria recomenda que as crianças só tenham contato com este tipo de equipamento após os dois anos de idade e, ainda assim, com tempo de uso limitado e supervisionado pelos pais. O que os profissionais descobriram é que a atividade de brincar com brinquedos tradicionais ou jogos educativos é fundamental para as crianças porque permite desenvolver habilidades como coordenação motora, interação, empatia e imaginação.

Ao contrário, a exposição às telas eletrônicas em uma idade em que os neurônios ainda estão em formação pode trazer prejuízos às crianças, como o comprometimento da fala e o atraso no desenvolvimento cognitivo e emocional. Os brinquedos, por outro lado, estimulam o cérebro infantil. Nas páginas verdes, uma entrevista imperdível com o professor Cineas Santos, que acaba de completar 70 anos, com o reconhecimento da sua contribuição para a cultura e a educação do estado por meio do título de Professor Honoris Causa, concedido pela Universidade Federal do Piauí, instituição onde formou-se bacharel em Direito. Cineas acumula muitas experiências, algumas incomuns, outras engraçadas e umas tantas bem dolorosas, como ele mesmo define. A Revista Cidade Verde, assim como a UFPI, também se rende ao talento do professor Cineas Santos que, entre outras atividades, é colaborador desta publicação, brindando os leitores, a cada mês, com uma das suas maravilhosas crônicas. E, por falar em cultura, o Piauí, a exemplo do país, está em festa por ver que o cordel agora é patrimônio cultural imaterial do Brasil. Uma conquista mais que merecida a essa forma de literatura popular que faz tanto sucesso entre os leitores e que é responsável pela iniciação literária de muita gente boa, inclusive o professor Cineas Santos.

Cláudia Brandão Editora-chefe

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Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Cineas Santos

claudiabrandao@cidadeverde.com

70 anos de lirismo

Ao completar 70 anos, o professor Cineas Santos decidiu reunir as memórias dos anos vividos desde quando habitava o sertão de Caracol, no sul do Piauí, até os dias atuais. Para isso, temperou os textos com um pouco de lirismo e humor, como é da sua natureza, e transformou-os em pequenas crônicas, reunidas no livro “O Aldeão Lírico”, recém-lançado. Ao longo de sete décadas, o professor colecionou muitas experiências, algumas nada agradáveis, como ele faz questão de enfatizar. Entre elas, a de gestor da Fundação Municipal de Cultura e a da filiação ao Partido dos Trabalhadores, para atender a pedido de amigos. Mas, nessa trajetória, há também muitas alegrias, especialmente as colhidas em sala de aula, espaço onde trafega com desenvoltura e alegria. O aniversário, celebrado no dia 20 de setembro, ganhou uma comemoração especial em razão do título de Professor Honoris Causa, que lhe foi concedido pela Universidade Federal do Piauí. Em meio às atividades como professor, escritor, editor, apresentador de um programa de televisão, e até cantor, nas horas vagas, Cineas Santos falou à Revista Cidade Verde. 8 | 30 DE SETEMBRO, 2018 | REVISTA CIDADE VERDE

foto Catarina Malheiros

Durante sete décadas, o professor Cineas Santos colecionou histórias memoráveis, que ele costuma contar em crônicas adornadas com a leveza do poeta que habita o seu coração. Uma história que passa pelo magistério, pela cultura e até pela política.


RCV – O Aldeão Lírico é um resumo literário dos seus 70 anos? CS – Mário Quintana, em entrevista,

disse uma coisa maravilhosa: “Todo depoimento não transfigurado pela arte é uma indecência.” Se você faz um relato da sua existência, por mais extraordinária que tenha sido – e não é o caso – vai acabar sendo apenas chato, pretensioso, e isso não é um papel que me agrade. Então, de certa forma, todos os fatos que estão relatados no livro aconteceram. O que eu procurei foi filtrar e, evidentemente, dar um tratamento literário, mínimo que seja, para que a coisa se torne palatável. O livro me traduz.

RCV – Depois de tornar-se professor, escritor, editor, apresentador de TV, ainda há sonhos a realizar na sua vida profissional? CN – Eu não gosto de falar isso por-

que as pessoas acham que a palavra destino traduz um certo fatalismo. Eu não fiz projeto para ser absolutamente nada na vida. Eu teria ficado com meu pai na aridez do sertão, cuidando de jegues e bodes, seres com os quais me entendo bem. As aspirações de dona Purcina (mãe de Cineas) é que me catapultaram rumo ao desconhecido. Ela, semianalfabeta, queria filhos formados, sabidos, doutores. Na minha vida, as coisas acontecem. Um exemplo: não fiz projeto para me tornar professor. Entrei em uma sala de aula há 48 anos, por necessidade de sobrevivência, e continuo até hoje. Em relação a escrever, quando aprendi a ler lá no sertão do Caracol, passei a ler todos os folhetos de cordel que me chegavam às mãos.

que poderia fazer, mas sabia perfeitamente o que não faria em hipótese alguma: nivelar por baixo. Eu não faço concessões. A direção da emissora sempre me deixou fazer o programa que posso e quero. Tenho liberdade absoluta. Quanto ao futuro, eu ainda não cheguei lá. Vou vivendo o hoje, atento ao preceito bíblico: “A cada dia, o seu fardo”.

Eu acho que o Salipi pode morrer este ano, de inanição. Ele cresceu demais, os recursos continuam de menos e a situação é extremamente grave. Foi uma experiência enriquecedora: o cordel trabalha com a magia, com a fantasia, com a beleza. O cordel me fez amar a literatura. Quanto à televisão, foi uma brincadeira do Jesus Filho em um programa aqui, na Cidade Verde. De repente, ele me propôs fazermos um programa de cultura na Cidade Verde. Aí, eu lhe falei: “Só se for do meu jeito”. E ele perguntou: “E qual é o seu jeito?” Eu também não sabia, porque a minha relação com a televisão sempre foi um pouco complicada. Acho que a TV, talvez por culpa da Constituição Federal que é muito tímida, medrosa em relação ao tema, não vem cumprindo bem o seu papel. A televisão poderia ser um instrumento a serviço da educação do povo brasileiro. O Rádio e a TV são concessões do Estado e deveriam estar a serviço da educação e da cultura do país. Tecnicamente, a nossa televisão é uma das melhores do mundo. Quanto ao conteúdo... Quando o Jesus me falou da possibilidade de fazermos um programa cultural, eu não sabia exatamente o

RCV – O senhor se surpreendeu com a repercussão de um programa voltado exclusivamente para a cultura na televisão? CS – Confesso que isso me surpre-

ende até hoje, mas de uma forma positiva. Muito raramente, um professor me fala do meu programa. E quando fala é assim: “Eu ia passando e vi o seu programa...” Mais ou menos como as pessoas dizem que iam passando enquanto a doméstica assistia à novela e viram uma cena. Os comentários que eu ouço partem de dois polos muito distintos: de pessoas que estão no andar de cima, no topo da pirâmide: políticos, empresários, etc, e os despossuídos em geral: de flanelinhas, camelôs e até mendigos. Curiosamente, estes fazem observações pertinentes e instigantes. Então, é surpreendente que um programa que não faz concessões, não distribui brindes, não usa o apelo barato do mau gosto, da baixaria, possa ter alguma audiência. Acho isso uma coisa meio mágica.

RCV – Ao chegar a Teresina, o senhor disse que se considerava uma pessoa invisível. Anos depois, tornou-se o autor do hino da cidade. Qual a sensação de

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ouvir hoje os seus versos cantados em todo lugar? CS – Às vezes, penso: eu realmente

fiz isso? Parece que não é coisa minha. Eu lhe confesso que me incomodava muito o fato de uma cidade com tantos poetas, alguns muito bons - Da Costa e Silva, Dobal, Mário Faustino, Martins Napoleão - não ter um hino. No centenário da cidade, 1952, fizeram uma festa muito grande, mas não se lembraram do hino. Teresina passou 145 anos sem um hino, acho que isso é recorde no mundo. Então, na gestão de Francisco Gerardo, houve um concurso para a escolha da composição que seria o hino da cidade. Erisvaldo Borges fez a melodia e me pediu uma letra. De pronto, me neguei a participar da empreitada. Por insistência da cantora Maristela Gruber, acabei escrevendo a letra do hino. Tentei traduzir o que a cidade tem de mais evidentes: o sol, os rios, o verde, o povo. Na verdade, acabei tendo mais aborrecimentos que alegrias.

RCV – Que tipo de aborrecimento? CS – Uma vez, um político, des-

ses que eu chamo de carrapato do poder, me disse: “Professor, por que esse hino é tão pra baixo?”. Como assim? Eu falo de Teresina como um eterno raio de sol, lírio orvalhado resplendente... O que incomodava o político? O verso: Humilde entre os humildes do Brasil. Se tem uma palavra que um arrivista não incorpora ao seu universo vocabular é humilde. Limitei-me a dizer-lhe: houve um cidadão que dividiu o mundo em dois momentos: antes e depois dele. Ele lavava os pés das pessoas. Parece que você está muito mal informado a res-

O livro com o suporte de papel vai se tornar caro e raro, coisa para bibliófilos. O livro não vai morrer, vai se transformar. peito do sentido da humildade. Um outro chegou a me dizer que eu não falei das belezas de Teresina, como a Potycabana. (Risos). Alegra-me muito chegar a um lugar e ver crianças cantando o hino. Aquele verso do “Verde que te quero Verde”, que pertence ao Lorca, elas cantam com o mais vivo entusiasmo. É bonito!

RCV – Naquela época, o senhor já se preocupava em preservar o verde de Teresina. Isso tem acontecido? CS – Muito antes daquela época.

Em 1976, eu já estava fazendo shows e protestos em defesa dos rios e do verde da cidade. No início da década de 1980, escrevi um cordel: Primeiro Manifesto Ecológico do Piauí. Ao longo desse tempo, nunca parei de me manifestar em defesa do verde e da vida em Teresina. Na década de 1970, escrevi o ABC da Ecologia, um livro que me rendeu grandes alegrias.

RCV – O senhor tem um olhar atento e preocupado para tudo que acontece no mundo. No entanto, nunca quis sair de Teresina. Por quê?

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CS – Os convites surgiram, muitos.

Na década de 1970, Ignácio de Loyola Brandão me convidou para trabalhar com ele na Editora Três, em São Paulo. Na década de 1990, José de Nicola Neto também me convidou. Não fui e não vou. Onde eu estiver, estou inteiro: eu não me divido. Eu não sei estar aqui e com a cabeça em outro lugar. Eu estou integralmente em Teresina. Eu não pedi para vir para cá. Os primeiros cincos anos na capital foram dolorosos, mas nunca pensei em partir. A minha preocupação é de outra ordem: o que eu posso fazer para tornar a cidade mais agradável? Isso é uma postura que, no meu entender, traduz generosidade. Eu estou aqui para servir e não para me dar bem.

RCV – Mas o senhor não gosta de sair nem mesmo a passeio? CS – Se eu for a trabalho, vou com

a maior alegria a qualquer lugar. A passeio, não. A minha vocação é ser pedra. Meu pai não saía; e eu também não saio. Sou animal de ficar e, não, de partir.

RCV – A sala de aula sempre foi o seu palco. No dia do seu aniversário, o senhor recebeu o título de Professor Honoris Causa, da UFPI. É a consagração do mestre? CS – Não. Honestamente, eu tenho

um pé atrás com relação a homenagens. Rigorosamente, eu não gosto de homenagens. Eu acho mais confortável homenagear os mortos porque já não há o perigo de eles aprontarem alguma coisa que possa conspurcar o brilho da homenagem. O que me


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