VER E LER O PROJETO CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO ARQUITETURA E URBANISMO
ERICA MARIA BORTOLETTO
SÃO PAULO, 2020
Capa. Nicole Ginelli’s Workart, at Elsewhere S3. Fonte: Nicole Ginelli
VER E LER O PROJETO ERICA MARIA BORTOLETTO
Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes sob orientação da Professora Dra. Aline Nassaralla Regino.
São Paulo 2020
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais que sempre estiveram ao meu lado me apoiando ao longo de toda a minha vida. E à minha orientadora e professora, Dra. Aline Nassaralla Regino, por sua distinta dedicação à educação histórica, artística e crítica de arquitetura.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à Professora Dra. Aline Nassaralla, minha orientadora, por aceitar conduzir este trabalho e por representar quem sempre incentivou atividades extracurriculares de design e arte durante minha formação acadêmica. Aos meus pais, Regina do Céu e Celso Alberto Bortoletto, responsáveis por tudo que me tornei, pela paciência em todos os bons e maus momentos vividos nos ùltimos anos. À minha amiga e colega de curso, Carolina Poma Rossi, que sempre esteve ao meu lado durante meu percurso acadêmico, à quem guardo grande carinho. À todos com quem compartilhei aflições e alegrias dos últimos 5 anos, em especial: Victor Henrique D’agostino, Eloy Miranda, Giovanna Melo, Amanda Christine e Melissa Labegalini. À minha família, pela atenção e suporte que me deram durante toda a minha vida. À Professora Dra. Denise Pessoa, pelo apoio durante minha primeira experiência de pesquisa durante a graduação. Ao Professor Me. Ricardo Felipe que abriu caminhos para minha participação nas aulas de Recursos Visuais. À todos os professores e professoras que contribuíram para minha formação, da infância à graduação. E à meus colegas de trabalho da Triptyque Architecture durante meus anos de estágio que me incentivaram e me deram a oportunidade de crescer profissionalmente no campo de comunicação visual e design gráfico.
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RESUMO
Este trabalho propõe, no âmbito de monografia, o estudo e análise acerca das relações entre a representação arquitetônica e o design gráfico para o aperfeiçoamento da leitura da apresentação do projeto de arquitetura. O objetivo, portanto, é demonstrar a relevância do conhecimento da comunicação visual para o arquiteto. O conhecimento da comunicação visual corresponde à pesquisa e prática intensiva dos meios de representação, fornecendo ao arquiteto a técnica necessária para exprimir suas concepções sendo assim indispensável à formação básica de todo profissional desta área. Para tanto, os métodos utilizados buscam explorar, descrever e ilustrar aspectos qualitativos acerca do tema a fim de proporcionar soluções práticas relativas às problemáticas apresentadas. Desta maneira, compreendendo o fazer arquitetônico como um ato mais amplo que o fazer projetual, espera-se com este trabalho estimular o interesse, em especial dos arquitetos e arquitetas em formação, para o estudo das disciplinas de design gráfico pertinentes ao universo arquitetônico de modo a contribuir para com a qualidade gráfica da apresentação de trabalhos acadêmicos, bem como, de aqueles de cunho profissional. Palavras-chave: Representação
Processo arquitetônica;
Comunicação visual.
projetual; Semiótica;
Desenho; Signos;
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ABSTRACT
This work proposes, within the scope of a monograph, the study and analysis of the relationship between architectural representation and graphic design in order to improve the reading of the architectural projects presentation. The main goal, therefore, is to demonstrate the relevance of visual communication knowledge to the architect. The knowledge of visual communication corresponds to the intensive research and practice of means of representation, providing the architect with the necessary technique to express his conceptions, thus being indispensable to the basic training of every professional in this area. Therefore, the methods used seek to explore, describe and illustrate qualitative aspects around the theme in order to provide practical solutions regarding the problems presented. In this way, understanding architectural making as a broader act than designing by itself, this work is expected to stimulate the interest, especially of architects in training, in the study of graphic design subjects relevant to the architectural universe in order to contribute to the graphic quality of either academic works, as well as those of a professional nature. Keywords: Process design; Drawing; Architectural representation; Semiotics; Signs; Visual communication.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................... 10 1. O DESENHO ................................... 13 1.1. Criação ........................................ 18 1.2. Apresentação .............................. 19 1.3. Confecção ................................... 21 1.4. Ciclo de representação ............... 22 2. COMUNICANDO O PROJETO ....... 29 2.1. Comunicação visual .................... 32 2.2. Semiótica ................................... 38 2.3. Gestalt ........................................ 43 2.4. Signagem .................................... 50 3. IMAGENS EXPRESSAM IDEIAS ........ 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................ 84 REFERÊNCIAS .................................... 86
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INTRODUÇÃO
A multidisciplinaridade do fazer arquitetônico
encontramos diferentes manifestações artísticas
precisa ser discutida. As atribuições legais do
que utilizavam do desenho como instrumento de
profissional de arquitetura são inúmeras desde
crítica e especulação. As ilustrações do grupo
o projeto, execução à fiscalização. O processo
Archigram, por exemplo, recorrem ao desenho em
médio de cinco anos de formação acadêmica
seu caráter essencialmente comunicacional, sem
não é capaz de abrigar todos os pormenores e
necessariamente o objetivo da sua fabricação no
necessidades profissionais encaradas no mercado.
plano real.
Desta maneira, faz-se necessário debater acerca
Embora, nessas manifestações, haja no desenho
da esp’ecialização do arquiteto e da participação
elementos e construções passíveis de serem
indispensável de profissionais de outros setores
estudadas na disciplina de comunicação visual,
dentro de sua formação e cotidiano.
este trabalho trata da qualidade objetiva de
A prática de arquitetura permeia diferentes métodos, processos e finalidades. Embora haja o
produção de um projeto a ser construído aqui e agora.
costume de tratar arquitetura apenas como a área
Cada época dá vazão às suas emoções
de edificação, essa atividade profissional refere-
por diferentes meios de expressão. [...] no
se a compreensão da dimensão espacial e suas
Renascimento as concepções dominantes do
relações. O ambiente físico, seja habitado por
espaço encontraram expressão adequada
humanos, independente de sua escala, faz parte
na perspectiva, enquanto em nossa época a
do universo do profissional de arquitetura.
concepção de espaço-tempo leva o artista a
O arquiteto está inserido nas discussões e
adotar meios bem distintos (GIEDION, 2004
nas práticas arquitetônicas, sendo estas no meio
apud MATOS et al., 2010, p. 126).
urbano, privado, ambiental e/ou acadêmico. Este
Desta maneira, com o objetivo de demonstrar a
trabalho, portanto, tem como recorte o universo
relevância do conhecimento da comunicação visual
de representação do projeto, no seu caráter
para o arquiteto, este trabalho busca explorar,
comunicacional. Para isso, é necessário entender
descrever e ilustrar as relações das principais
que a linguagem, como instrumento de troca de
teorias de design gráfico com a representação
informações, possui diferentes manifestações.
arquitetônica. Por intermédio de três capítulos,
podemos
são elaboradas análises acerca da construção da
nomear a comunicação verbal e não-verbal,
leitura de apresentação do projeto de arquitetura.
língua e desenho, respectivamente. No caso
Embora os esboços de projeto e os desenhos
Como
duas
principais
maneiras,
deste trabalho, trata-se do método não-verbal de
técnicos
representação da arquitetura. O desenho como
arquitetônicas, este trabalho, terá como foco a
mecanismo de fala.
representação no âmbito da apresentação de
Ao
longo
da
história
da
arquitetura,
também
sejam
representações
projeto ao cliente. Não obstante, mesmo tendo
11
a etapa citada como delimitadora, este trabalho
nossa cultura, à nossa emancipação. Pouco
busca trazer exemplos práticos que condigam à
serviria corrigir “casos particulares” se não
todas as etapas de projeto.
aprofundarmos nossos estudos, mesmo
Com o intuito de discorrer previamente acerca
dentro das universidades, em torno de
das características do desenho de arquitetura e
temas e até de palavras que falam uma
suas fases de representação, este trabalho inicia-se
linguagem que queremos ouvir e também
tratando sobre as qualidades visuais e conceituais
queremos falar (MOTTA, 1975, n.p.).
do desenho. Para isso, as características do desenho
Após contextualizar a importância do desenho
ao longo do processo projetual são analisadas
no fazer do arquiteto, faz-se necessário tratar
de maneira especulativa a fim de compreender
do caráter de comunicação do mesmo. Uma vez
padrões de aplicação de desenvolvimento da
tendo o objeto desenhado, compreende-se que
representação de projeto.
o mesmo possui a intenção de comunicar algo à
Sob essa ótica, Motta (1975) exprime de maneira
alguém. Tal constatação busca ser esclarecida por
crítica a necessidade de se discutir acerca do
meio do estudo da construção da representação
desenho no universo acadêmico e profissional. De
gráfica.
acordo com autor:
Desta
maneira,
visto
a
necessidade
de
A preparação de professores de desenho,
comunicar o projeto, aborda-se a pertinência
como uma das etapas fundamentais desse
do estudo teórico de conceitos da disciplina de
trabalho, tem sido mal compreendida pelos
comunicação visual, em especial as teorias da
poderes públicos e pelas universidades
Semiótica e Gestalt, na realidade do arquiteto.
em geral. Tudo o que se fez nesse sentido
Ambas, na esfera deste trabalho, planam sobre
não mereceu amparo dos governos. Muito
a comunicação não-verbal. Isto significa que, no
pelo contrário, só serviu àqueles que
âmbito da linguagem, a comunicação estuda neste
desejaram frear os nossos avanços no plano
trabalho não é a fala, mas sim as imagens e suas
humanístico, para confinar o homem do
composições.
Brasil à condição de pura quantidade em
Por fim, há o intuito de convidar o leitor a
técnicos, tidos como entidades abstratas,
praticar e reconhecer a importância dos estudos
destituídos de sensibilidade para um viver
de design gráfico para arquitetura. Desta maneira,
rico de criatividade. [...] E se exemplos
este trabalho finaliza-se com a participação do
podem ser analisados para afastar um
leitor mediante a investigação de uma série de
aparente subjetivismo frente às questões
imagens a partir do ponto de vista das teorias de
presentes, isso não exclui a necessidade de
comunicação visual.
ampliarmos os esclarecimentos em torno de um problema que se torna essencial à
O DESENHO
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1. O DESENHO MESMO OBJETO. DIFERENTES MANEIRAS, INTENÇÕES E LEITORES.
O que me agrada principalmente na tão
Assim, para o arquiteto-desenhista, a noção prévia
complexa natureza do desenho é o seu
do método do desenho em planta declara o objeto
caráter infinitamente sutil, de ser ao mesmo
a ser desenhado.
tempo uma transitoriedade e uma sabedoria.
Como suporte para o desenho em planta, o
O desenho fala, chega ao mesmo a ser
arquiteto dispõe de diferentes instrumentos. A
muito mais uma espécie de escritura, uma
ferramenta mais comum nos dias atuais são os
caligrafia, que uma arte plástica (ANDRADE,
softwares. Com a evolução da tecnologia e dos
1975, n.p.).
programas computadorizados para arquitetura e
O desenho de arquitetura se estende em
design, atualmente, um desenho desenvolvido
diferentes formas e funções. Cada desenho possui
digitalmente
um objeto, um suporte, uma intenção na qual se
desenho à mão criado no papel. Ressalva-se que
desenha e um sujeito a quem se desenha. O objeto
embora os programas possuam tal expertise, há
do desenho trata-se do que se desenha (o quê?).
certo consenso entre os desenhistas acerca da
O suporte caracteriza o instrumento com o qual
experiência e curso do desenho a mão, afirmando
se desenha e sua utilização (como?). A intenção
que o mesmo não pode ser substituído.
pode
muito
se
assemelhar
ao
pertence ao desejo que o autor busca causar com
Não obstante, com a otimização do processo
aquele objeto (por que?), e consequentemente,
de desenho proporcionado pelas máquinas, o
alcançar o sujeito a quem se desenha. Este refere-
tempo despendido, na contemporaneidade, em
se ao póstero leitor o qual será destinada a
croquis projetuais é excepcionalmente menor
interpretação do que foi desenhado (para quem?).
do que o tempo despendido em softwares de
Desta maneira, a pertinência do desenho pode
arquitetura. Todavia, o modo como se desenha
então ser questionada por meio destas quatro
– e não necessariamente nesse caso, onde se
questões: o quê? como? por quê? e para quem?
desenha – transmite muito da intenção com a qual
A
planta
arquitetônica,
caracterizada
pela
se desenha.
representação ortogonal bidimensional de um
Para a planta, desenho bidimensional de
espaço tridimensional, é o objeto do desenho.
natureza tridimensional, são organizados “uma
Nessa representação, sabe-se que é necessário
série de sinais que se organizam no plano”
demonstrar a disposição dos espaços projetados,
(ALONSO, 2005, p. 440) a fim de representar um
a espessura das paredes, o posicionamento e
espaço. Embora, em totalidade as plantas sejam
abertura das portas, indicar a altura dos pisos e
características do desenho técnico arquitetônico,
delimitar a projeção de beirais e mezaninos. A
ainda há plantas de estudo (croquis) – mais
planta como objeto não define sua formação,
despojadas de definição; e, “plantas humanizadas”
entretanto, a mesma por ser uma estratégia de
– desenhos com forte presença do mobiliário,
desenho condiciona o que será representado.
cores e texturas. Esses últimos dois tipos ainda
15
tratam do mesmo objeto de desenho, porém cada
Desta maneira, como o nome elucida, as plantas
uma com diferente intenção. Assim, ainda que
de estudo possuem a intenção de exercitar o arranjo
o instrumento de desenho fale muito sobre sua
dos espaços durante a criação do projeto. Já a
produção, a maneira como se desenha é crucial na
“planta humanizada” (Figura 2), se difere tanto das
reflexão sobre o desejo do desenhista.
plantas de estudo – por possuir certo rigor técnico
O propósito do desenho esclarece o porquê
(escala, proporção e ortogonalidade), quanto
o objeto está sendo desenhado. Nas plantas de
da planta técnica – em comparação ao desenho
estudo (Figura 1), o desenhista com jeito mais
técnico, não possui representação adequada da
relaxado traça livremente as linhas e formas
estrutura, sistemas elétricos ou hidráulicos.
do objeto projetado. Com seu repertório e conhecimento
técnico,
o
desenhista
cria
A “planta humanizada”, como dito, apresenta
a
forte presença do mobiliário, cores, texturas e
composição dos espaços através de croquis
efeitos de luz. Esse mecanismo de representação
que serão utilizados como base para o mesmo
é utilizado para facilitar a compreensão da
desenhista, então arquiteto, produzir os desenhos
disposição dos ambientes a fim tornar o desenho
técnicos destinados ao canteiro de obras.
comunicativo aos proprietários do imóvel ou
Figura 1. Croqui de estudos - Triptyque Architecture. Fonte: Triptyque Architecture.
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Figura 2. House 1408, Dumbrava - Studio 1408. Fonte: Studio 1408.
futuros moradores. Subentende-se então, que o motivo pelo qual se desenha é inerente ao receptor do desenho. Plantas de estudo são destinadas aos arquitetos e suas equipes. Plantas humanizadas são destinadas aos clientes. Plantas técnicas (Figura 3) são destinadas aos empreiteiros e canteiros de obra. O instrumento de desenho produz o objeto-desenho que juntos traduzem seu intuito em função para quem será destinado. A forma e função pertencem uma à outra e entre si.
17
Figura 3. Construction Documents. Fonte: John Anthony Drafting & Design.
18
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1.1. CRIAÇÃO
O processo projetual arquitetônico se estende
maneira pode vir traçar plantas, esquemas, cortes,
em múltiplas etapas dependentes uma às outras.
fachadas, perspectivas que melhor traduzam a
Essas etapas em si não possuem necessariamente
indefinida imagem do conceito do projeto.
uma
ordem,
A
Desta maneira, o porquê e para quem se desenha
metodologia de criação, produção e confecção
esclarece a importância de como este desenho
é particular a cada profissional e escritório,
é feito. Ainda que existam outros suportes de
sujeito
projeto.
exteriorização de uma ideia, como as maquetes,
Entretanto, existem certas conformidades, fruto
o desenho de criação é compreendido, de forma
da academização do arquiteto, que articulam uma
geral, como “a fase de apropriação, de captação,
metodologia matriz para um desenrolar linear do
o momento indutivo do trabalho, a primeira fase
processo projetual.
do relacionamento concreto e objetivo do fazer”
ao
uma
definição,
desenvolvimento
uma
de
um
regra.
Logo, com o intuito de dar continuidade aos
(MOTTA, 1975, n.p.).
raciocínios feitos em relação a realização do ato de
O arquiteto, na necessidade de transpor uma
desenhar, sua presença no processo projetual está
ideia para a matéria criando sinais gráficos de
ramificada através da tríade de etapas de desenho
representação, define simultaneamente o que
inerentes ao projeto: criação, representação e
e como será desenhado. O croqui, no rascunho
confecção.
de projeto, é o instrumento de representação do
Segundo Mário de Andrade (1975, n.p.): “O
desenho, podendo seu objeto ser planta ou corte,
desenho é, por natureza, um fato aberto”. Embora
entre outros. A indispensabilidade de comunicar
compreenda-se que nesse dizer a natureza na qual
a si seu próprio pensamento revela sua intenção
Andrade envolve o desenhar esteja muito mais
consigo como sujeito receptor do desenho.
próxima à esfera do prazer, da arte do que do
A
compreensão
destes
quatro
fatores:
o
campo do fazer, do ofício, o desenho na etapa de
quê?, como?, por quê? e para quem?; auxilia na
criação do projeto de arquitetura inicia-se como
delimitação e na liberdade com a qual cada etapa
um fato aberto.
é desenhada. No processo de criação o indivíduo
O croqui, considerado como o instrumento de
leitor é o mesmo o qual desenha. Sendo assim, o
desenho de criação, caracteriza o primeiro contato
arquiteto esboça o que já presume, sem grandes
do arquiteto com a ideia do projeto. Esse está
considerações acerca do interpretador final do
como um momento de abstração e aplicação de um
desenho. Uma vez que ao término dessa fase, os
pensamento, onde a necessidade de visualização
croquis – plantas de estudo, esquemas, cortes,
se encontra próxima à “essencial caligráfica do
entre outros – funcionarão para o mesmo como
desenho” (ANDRADE, 1975, n.p.).
base para produção das próximas etapas de
O que se desenha nesta etapa, paira sobre a ímpeto de expressão do arquiteto, onde à sua
projeto.
19
1.2. APRESENTAÇÃO
Segundo a etimologia da palavra desenho, esta
este último corresponde, em senso comum, como
é derivada do italiano disegno (MARTINS, 2007),
signo verbal derivado do desenho para tratar da
esse vocábulo é associado ao signo verbal desígnio;
representação gráfica.
que, por sua vez, significa aquilo se deseja ou
O historiador e artista, Flávio Motta (1975, n.p.),
quer realizar. Logo, por meio da linguística e da
ao discorrer sobre sobre essas questões afirma:
construção cultural, o desenho está comprometido
“Sem design o desenho era considerado uma
com o desejo.
atividade pessoal, puro deleite [...] Sem design
Em português, a palavra desenho, carrega sentido
mais
amplo
quando
comparada
não haveria desígnio”. Assim, a figura apresentada
às
está além do desenho, a mesma compõe uma
variações da língua inglesa. O desenho no domínio
peça de comunicação do arquiteto para o cliente –
da língua inglesa e no âmbito arquitetônico é, em
na universidade, o professor – com a finalidade de
maioria, interpretado por um conjunto de signos
expressar um desejo da realidade.
gráficos essencialmente representados por linhas,
[...] essa distinção, em inglês, entre drawing
quando juntas não são suficientes para comunicar
e design, acentua, ainda outra vez, o sentido
o produto projetual à uma sociedade. Já o design,
original de disegno, no que se refere ao ato
em sua significação inglesa, define o projeto, a
conceitual, estruturador do pensamento
intenção representada de forma visual daquilo
visual e de sua comunicação projetiva, que
que será construído. Deste modo, o design é um
a língua inglesa soube, pôde ou teve que
desenho (drawing) mas nem todo desenho é um
destilar. (MARTINS, 2007, p. 2)
design.
O papel principal da representação se apresenta Drawing [substantivo]: A picture or diagram
no universo da comunicação como figura composta
made with a pencil, pen, or crayon rather
por signos que convocam um objeto na memória
than paint.
de um interpretante. Essa afirmação remonta à
1
Draw [verbo]: Produce (a picture or diagram) by making lines and marks on paper with a pencil, pen, etc.2 Design [substantivo]: A plan or drawing produced to show the look and function or
NOTAS: (1) Tradução nossa [Drawing]: Pintura ou diagrama feito com caneta, lápis ou giz em vez de tinta.
workings of a building, garment, or other
(2) Tradução nossa [Draw]: Produzir (uma imagem ou
object before it is made.3 (LEXICO, 2020)
diagrama) fazendo linhas e marcas, especialmente com uma
Para a representação gráfica de arquitetura, apesar da subjetividade de significações da palavra desenho e da dicotomia produzida pela língua inglesa ao traduzí-la em drawing e design,
caneta ou lápis, no papel. (3) Tradução nossa [Design]: Um plano ou desenho produzido para mostrar a aparência e função ou funcionamento de um edifício, vestimenta ou outro objeto antes de ser construído ou feito.
20
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tríade da semiótica composta por: signo, objeto
necessária.
(representamen) e interpretante, que será melhor analisada posteriormente.
Supondo que o leitor seja um cliente de um projeto residencial, leigo de signos técnicos de
O objeto da representação do projeto varia de
representação, plantas e cortes não são primordiais
acordo com porquê e para quem se fala. Na esfera
na apresentação do projeto. Nesse caso, vale
do mundo profissional, durante uma apresentação
investir tempo e energia em representações mais
de projeto fala-se objetivamente com o cliente
contextualizadas e que auxiliem a compreensão
na busca de atender seu desejo. Nesta etapa são
do cliente e estimulem o interesse do mesmo
apresentados materiais que tratem principalmente
pelo projeto, tais como perspectivas e imagens
do
ilustrativas.
conceito,
das
escolhas
estruturais,
da
setorização e da materialidade do projeto.
O suporte, no caso, se faz importante uma vez
Essas peças necessitam demonstrar ao cliente
que é capaz de reproduzir a intenção para quem
a proposta feita pelo profissional de arquitetura
se fala. Embora, [o suporte] para o produto final,
por meio da interpretação das instruções verbais
no dado momento da leitura, não seja relevante.
transmitidas pelo primeiro. Esta proposta é,
À vista disso, o desenho, agora representador
comumente, apresentada por intermédio de um
do projeto (design), possui o objetivo de atuar
material não-verbal, ou seja, por imagens.
como facilitador da comunicação entre arquiteto
As imagens produzidas por estudantes de
e
cliente.
Ao
compreender
as
limitações
arquitetura e profissionais, arquitetos e designers,
interpretativas para quem se fala, o profissional
têm, por sua vez, respectivamente o professor e
é capaz fazer escolhas de suporte de produção
o cliente como receptores do objeto-imagem. As
mais adequadas a fim de desenvolver um objeto-
escolhas de suporte e do quê se desenha variam
imagem pertinente e instigante ao leitor.
de acordo com o porquê aquela representação é
21
1.3. CONFECÇÃO
Na sociedade, há diferentes modos de se
maneira, a edificação, de caráter tridimensional,
expressar, sendo o mais comum a comunicação
passa a ser representada através desses signos
verbal. A Língua e a Fala, como comunicadoras
que se organizam em um plano bidimensional.
no domínio verbal, possuem características que
A utilização de signos próprios da profissão
as identificam e as diferenciam. Para Ferdinand de
funciona como facilitador da comunicação do
Saussure (apud ALONSO, 2005, p. 438), a Língua
projeto, uma vez que as partes envolvidas na fase
“é uma convenção social, aceita e compartilhada
executiva possuem conhecimento prévio de tais.
por um determinado núcleo de pessoas; ela chega
O desenho se manifesta, desse modo, tanto como
a ter o caráter de um contrato social”; enquanto,
um registro legal para os órgãos de documentação
para o mesmo autor, a Fala, por outro lado, “é
e aprovação da obra, quanto como um esquema
composta por palavras que possuem significações
de pontos, linhas e planos que retratam o plano
próprias, particulares, dita aqui e agora, ganhando
executivo do projeto.
foram específica”.
Quanto ao objeto do desenho, no caso do
O produto final da arquitetura, para além do
projeto executivo, este é um design e um drawing,
processo projetual, é a edificação materializada no
na essência das significações das duas palavras de
universo físico. Para a construção de um edifício
língua inglesa. Design, pois foi produzido a fim de
são necessárias uma série de procedimentos
informar a forma e função daquilo a ser construído.
legais que viabilizem e autorizem a execução da
Drawing porque compila, através dos signos, uma
obra. Esta fase de confecção marca o momento do
série de informações necessárias ao registro.
tratado do desenho.
A
Análogo à comunicação verbal, o desenho, como comunicador
não-verbal,
abriga
atemporalidade
presente
no
desenho
executivo de arquitetura denota a primordial
propriedades
relação à sua finalidade (o porquê). Com propósito
teóricas similares à língua e à fala. O projeto
de confecção do projeto de arquitetura, o caráter
executivo se manifesta, conforme a língua, como
assertivo do projeto executivo foi elaborado por
uma convenção social entre profissionais com o
meio da disseminação do conhecimento dos seus
objetivo de comunicar o que será construído. O
signos. Assim, o desenhista-arquiteto dispõe
desenho produzido tem a obrigatoriedade de se
do método necessário (como) para realizar seu
apresentar claro e consoante aos signos normativos
desenho com o objetivo de comunicá-lo aos
da representação executiva de arquitetura. Desta
profissionais do canteiro de obras.
22
VER E LER O PROJETO
1.4. CICLO DE REPRESENTAÇÃO
Arquitetura é uma área do conhecimento
comunicação não-verbal é um dos pilares para o
dedicada ao relacionamento dos seres
sucesso do diálogo entre cliente e arquiteto. Por
humanos com o espaço e os objetos
meio de imagens clarificadas pela comunicação
arquitetônicos.
verbal, o arquiteto alia os dois principais sentidos
Isso
implica
atividades
que decorrem do desenvolvimento das
humanos de comunicação, visão e fala.
ideias representadas no projeto gráfico,
A arquiteta mexicana, Tatiana Bilbao, tem
que são materialmente expressas na obra
muito a ensinar quando o assunto é apresentação
arquitetônica. (MATOS et al., 2010, p. 118)
de projeto. O projeto do Aquário de Mazatlán,
O ciclo de representação (Figura 4) presente
assinado por seu escritório, é um modelo exemplar
nas três etapas de desenho do processo projetual
de comunicação do conceito de um projeto. A
de arquitetura evidencia a importância da fase de
arquiteta e seus colaboradores compreendem
apresentação dentro da totalidade do projeto.
a necessidade de entusiasmar o cliente na
Ao início, durante a fase de criação, o arquiteto
apresentação do projeto, acendendo uma chama
se utiliza do desenho como um registro de seus
de interesse sobre o que está por vir.
pensamentos; estes, traduzidos na esfera do ponto,
O
Aquário
surgiu
da
necessidade
de
linha e plano, geram a composição necessária ao
complementar o programa da área pública, natural
retrato e entendimento da trabalho.
e cultural do complexo do Parque Central de Mazatlán, no México. Com uma narrativa históricocultural, o escritório baseou seu conceito no respeito às condições naturais do local, trazendo
1
2
3
criação
apresentação
confecção
a mediação entre os ecossistemas marinhos e terrestres (ARRELANO, 2019). O Centro de Pesquisa do Mar de Cortés, como foi nomeado o projeto, celebra a diversidade e a importância do Mar de Cortés abrigando o programa público do aquário e um centro de pesquisa. Logo, na intenção de dar voz ao processo
Figura 4. Ciclos de representação do desenho arquitetônico. Produzido pela autora.
criativo, segundo Bilbao (apud ARRELANO, 2019), o escritório criou “uma forma de comunicação única para comunicar aquilo que estavam propondo”. Desta maneira, por meio de uma série de colagens
Na segunda fase, o arquiteto, à serviço do
(Figuras 5, 6, 7 e 8), entre outros desenhos
cliente, tem como obrigação apresentar o produto
que ilustram o projeto (Figura 9), os arquitetos
criado para o seu solicitante. Neste cenário, a
responsáveis foram capazes de transmitir a ideia
23
– de diversidade e relação entre mar e terra – e
a complementar todas as informações que
torná-la compreensível a todos.
estão faltando, e isso pode trazer muitas
Claro que tivemos que trabalhar com
ideias novas para o projeto, funcionando
imagens renderizadas para que o cliente
como uma ferramenta de projeto que nos
pudesse compreender toda a parte técnica
ajuda muito ao longo do processo. (BILBAO
do projeto mas que para nós, não tem
apud ARRELANO, 2019)
Como foi dito por Bilbao (2019), alimentar
tanta importância naquilo que se refere ao processo criativo. [...] se eu te mostrar
a
imaginação
do
espectador
aproximando-o
apenas colagens, sua imaginação começa
do processo criativo é fundamental para dar
Figura 5. Colagem do processo criativo para o novo Aquário de Mazatlán. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
24
VER E LER O PROJETO
Figura 6. Colagem do processo criativo para o novo Aquรกrio de Mazatlรกn. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
Figura 7. Colagem do processo criativo para o novo Aquรกrio de Mazatlรกn. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
25
Figura 8. Colagem do processo criativo para o novo Aquário de Mazatlán. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
Figura 9. Desenho do processo criativo para o novo Aquário de Mazatlán. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
continuidade ao projeto. As imagens renderizadas
arquiteto se coloca à disposição das considerações
(Figura 10), por sua vez, seguem importantes porém
do cliente. Neste momento, é crucial que a
se colocam como um fechamento da apresentação
comunicação planejada pelo profissional tenha
uma vez que abrigam uma objetividade muito
sido precisa em despertar no cliente o desejo
próxima da realidade.
pelo projeto. Sendo assim, em virtude das estimas
Deste modo, como resultado, ao final da apresentação acerca do andamento do projeto, o
do cliente, serão discutidas pontualmente novos caminhos e revisões a serem feitas.
26
VER E LER O PROJETO
Nesse
momento,
curiosamente,
volta-se
a
fase um, a criação, na qual o arquiteto, aliado aos comentários do cliente, recria e ajusta o projeto. Por esse razão é fundamental que a fase de apresentação dentro do processo projetual seja muito bem resolvida, uma vez que é a etapa determinante à continuidade do projeto e, na fase três, à sua concretização. Assim, finalizando o ciclo do desenho no processo projetual de arquitetura.
27
Figura 10. Imagem renderizada do projeto para o novo Aquรกrio de Mazatlรกn. Fonte: Tatiana Bilbao Estudio.
COMUNICANDO O PROJETO
30
VER E LER O PROJETO
2. COMUNICANDO O PROJETO A IMPORTÂNCIA DA SIGNAGEM NA APRESENTAÇÃO DO PROJETO ARQUITETÔNICO
Ao tratar do fazer arquitetônico, é importante
ao longo do processo projetual. Uma vez que a
ressalvar que a arquitetura é uma atividade coletiva.
mesma carrega o prefixo “pós” como qualificador
Salvo raras exceções, o projeto arquitetônico
de uma ação posterior ao pensamento do projeto.
é desdobrado por uma equipe de profissionais
Desta maneira, a chamada “pós-produção”
especializados
em
suas
funções
desde
o
de projeto, dedicada à elaboração do material
desenvolvimento do partido, à representação do
ilustrativo, é difundida, dentro do processo
projeto e ao acompanhamento da obra.
projetual,
Como elucidado anteriormente, cada processo
como
arquitetura.
etapa
Entretanto,
final o
do
projeto
de
pensamento
da
abrange uma necessidade e motivação para sua
linguagem visual dentro desse processo necessita
representação em desenho. A representação,
estar atrelado desde o primeiro momento do
por sua vez, compreende um amplo universo de
projeto.
linguagens determinadas a partir de sua finalidade.
A concepção da linguagem teórica, no âmbito
No âmbito da arquitetura, a fase de apresentação
da conceitualização do projeto, e da linguagem
do projeto, ao cliente, é crucial tanto no quesito
visual, no âmbito da representação gráfica do
de sua representação quanto como confirmação
mesmo, devem caminhar juntas desde o início
para o prosseguimento do projeto. Desta maneira,
do desenvolvimento de projeto, uma vez que a
a representação arquitetônica, como elemento
relação entre ambas constrói a leitura final do
comunicador entre arquiteto e cliente-usuário,
projeto arquitetônico.
necessita de atenção e dedicação.
[...]
a
representação
gráfica
é
parte
O diálogo entre o objeto desenhado (o quê),
inseparável do processo de projeto. [...]
o instrumento eleito para seu desenho (como) e
Devemos reconhecer que a representação
a intenção de comunicar algo (porquê) à alguém
gráfica, o produto final que temos sempre
(para quem) é impreterível à fase de apresentação.
por objetivo, é o resultado de um processo
Uma vez que o cliente, como leitor, não é um sujeito
de projeto, uma análise cuidadosa de por
pré-definido, mas sim um indivíduo novo a cada
que, quando e onde uma técnica gráfica
projeto. Por essa razão, a partir desse momento,
é empregada, assim como sua execução
ao tratar da representação de arquitetura neste
(CHING, 2000, p. 9).
trabalho, o objeto refere-se à fase de apresentação ao cliente.
Sendo assim, a representação arquitetônica se torna parte inerente ao projeto de arquitetura,
Esse universo, caracterizado pela segunda fase
pois, por meio da linguagem, o método utilizado
de representação arquitetônica - a apresentação
por acadêmicos e profissionais para tratar de
-, é chamado comumente de “pós-produção”. Tal
projeto – de arquitetura – é a representação
nomenclatura traz em si a falta de compreensão da
visual. Sob essa ótica, arquitetas e estudiosas do
necessidade do desenvolvimento de representação
tema como Lorraine Farrelly (2011) e Fernanda
31
Campos (2018) apontam a representação visual
compreensão
como instrumento fundamental para comunicar o
tanto na sua representação final, quanto
projeto arquitetônico. De acordo com as autoras
durante o seu processo de amadurecimento
mencionadas:
(FILHO; MARANGONI; PINA, 2011, apud
Os
desenhos
de
arquitetura
têm
sua
do
projeto
arquitetônico,
CAMPOS, 2018, p. 30).
linguagem própria, e cada situação requer o
A leitura de projeto tratada neste contexto se
dialeto certo. A linguagem da representação
apoia principalmente nas principais teorias da
gráfica é variada, mas seu vocabulário é
comunicação visual que, principalmente por meio
básico. As ideias são expressas por meio
da Semiótica e Gestalt, auxiliam e contribuem para
de linhas, e todas as linhas ou os traços de
a construção de uma representação arquitetônica
uma página devem ser feitos com cuidado
mais objetiva e adequada à ideia do projeto.
e atenção. O que torna a representação em
arquitetura
atraente
é
o
uso
da
linguagem do desenho e de como esta pode ser aperfeiçoada e desenvolvida para comunicar a ideia de arquitetura proposta e transformá-la em uma experiência real e única (FARRELLY, 2011, p. 6). Conforme apontado por Filho, Marangoni e Pina [2011], uma ideia arquitetônica pode sair do imaginário e passar a ser visível através de representações visuais que, a princípio, não devem ser geradas de formas aleatórias, “sem um propósito específico”, mas devem ser estimuladas por problemas que deverão ser resolvidos em um processo não linear que, muitas das vezes, “parece seguir um caminho caótico, de idas e vindas, com vários procedimentos a se entrelaçar”. E representar cada uma dessas etapas exige um esforço e certas habilidades que são fundamentais para a
32
VER E LER O PROJETO
2.1. COMUNICAÇÃO VISUAL: PARTES DE UM TODO
O design pode ser definido como arte ou
A
trabalho de escolher e arranjar as qualidades
A obra “The Father does not want a divorce
e relações que comporão as diferentes
with Die Mutter. This is my Father” (Figura 11), do
partes de alguma coisa, integrando-as
artista hiperrealista Emanuele Dascanio, mostra o
num sistema coeso de forma a produzir
retrato em preto e branco passível de se confundir
propriedades
a
com uma fotografia. Sua pintura é composta por
determinados propósitos de ordem prática
pinceladas milimétricas através das técnicas de
(ROMANINI, 2011, p. 1).
carvão e grafite combinadas às técnicas de pintura
representação
gerais
é
um
que
atendem
instrumento
de
comunicação a qualquer conteúdo. O estudo da
conjunto experienciado em sua unicidade.
comunicação
Descontextualizado, o retrato é apenas o que se
compreensão de como o cérebro trabalha para
vê: um conjunto imediato lido e interpretado como
entender
soluções
fotografia. Deste modo, a ilusão de sua aparência
gráficas que permitem ao receptor interpretar
fotográfica evidencia como o resultado final está
aquilo que se quer expressar. Para isso, é
atrelado as escolhas iniciais feitas pelo artista de o
necessário
quê, como, porquê e para quem.
imagem,
compreender
busca,
mediante
a partir de um ponto de luz.
a
uma
visual
Renascentistas, em óleo, para iluminar suas figuras
apresentar
que
partes
de
um
conjunto (elementos da imagem) são percebidas
A comunicação trata de alguém (comunicador)
simultaneamente, e o sentido da mensagem
comunicando algo (o quê, como e por quê)
gráfica se revela em um mesmo instante (JARDÍ,
para alguém (para quem). O artista-arquiteto
2014).
como comunicador, por meio das premissas de
Deste modo, a coerência do que é representado
projeto e da análise da realidade do cliente deve
com a significação do conteúdo é essencial para
compreender que a representação relata um
compreensão dessa mensagem. De acordo com
momento. A investigação, por meio das teorias de
Francis D. K. Ching (1997, p. 7): “A pesar del poder
comunicação visual, das características gráficas do
evocador que tienen una palabra o una imagen
momento representado esclarecem a impressão
sueltas, sus respectivos poderes de comunicación
que o leitor possui da imagem.
de significados pueden ser mejorados si se
A nível das imagens de arquitetura já produzidas,
presentan combinados en un sola unidad” . 4
Este raciocínio, embora, na contemporaneidade, faça parte do estudo de comunicação visual, está presente ao longo dos anos em diferentes momentos da cultura artística. O Movimento Realismo, por exemplo, utiliza-se de técnicas de composição onde as partes representam um
NOTAS: (4)
Tradução nossa: Apesar do poder evocativo de uma
única palavra ou imagem, seus respectivos poderes de comunicação de significado podem ser aprimorados se forem combinados em uma só unidade.
33
Figura 11. Emanuele Dascanio, “The Father does not want a divorce with Die Mutter. This is my Father”, carvão e grafite sobre papel, 2013. Fonte: Emanuele Dascanio.
34
VER E LER O PROJETO
Figura 12. Royal Tower, Office Interior Concept, Spotless Creative Group. Fonte: Behance.
podemos classificar dois grandes grupos de
uma imagem fotorrealista de uma fotografia que
representação: as renderizações e as imagens
ainda não foi registrada.
conceituais. As primeiras, (Figura 12) são marcados
Essa espécie de representação carrega a
por representações feitas a partir de um modelo
particularidade
3D no qual são aplicados materiais e elementos
abrindo margem à interpretação além do que se
contextualizadores
realidade
mostra. Por essa característica, a renderização
esperada para o projeto. Em seu conjunto, a
é comumente utilizada para fins comerciais no
renderização comunica um momento estático,
qual há intenção de seduzir o espectador a fim
que
simulem
a
de
ser
objetiva,
dificilmente
35
Figura 13. Ilustração, Pato Patan em Illustrarch. Fonte: Instagram.
comunicar um objeto intocável pelo tempo.
dão voz ao projeto por meio da discussão entre
As imagens conceituais (Figuras 13), por sua
as ideias do arquiteto e do cliente. Desta maneira,
vez, são marcadas por seu caráter narrativo. Essas
a imaginação se expande de forma complementar
imagens expõem um conceito, uma história, por
aquilo que não está representado, e portanto, se
meio da composição de elementos gráficos que
torna fundamental para o processo de projeto
em sua totalidade transportam o leitor ao plano
(BILBAO apud ARELLANO, 2019).
imaginário da experiência do projeto. A inquietude presente nas imagens conceituais
No caso da Casa 035, do Fala Atelier, a visualização lado a lado da fotografia da arquitetura
36
VER E LER O PROJETO
concretizada (Figura 14) e da colagem (Figura 15)
elementos
desenvolvida para o projeto a fim de representá-lo
narram o convívio do usuário com o espaço
demonstra o contraste entre as duas imagens.
projetado e convidam o leitor a ansiar por novos
A imagem conceitual denota seu caráter lúdico.
despretensiosamente
sobrepostos
momentos e histórias.
A totalidade de superfícies brancas proeminentes
O problema não está no hiper-realismo em
na colagem enquadram o mobiliário azul profundo,
si como uma estratégia de comunicação. O
principal parte do projeto. A escala humana e os
dilema surge quando essa hiper-realidade
Figura 14. Projeto 035, fotógrafo Ricardo Loureiro, Porto, 2016. Fonte: Fala Atelier.
37
se sobrepõe a própria realidade. Quando
que projetamos. A representação deve ser
passamos a enxergar a arquitetura apenas
uma ferramenta que nos ajude a melhor
como o ofício da produção de imagens,
comunicar as nossas ideias, sem no entanto
nos afastamos da verdadeira essência
subjugar ou minar o papel do próprio
da própria arquitetura — porque nos
conceito em si no desenvolvimento de um
concentramos
projeto (FERNÁNDEZ apud ARELLANO,
mais
na
qualidade
da
imagem do que nas virtudes dos espaços
2020, n.p.).
Figura 15. Colagem do projeto 035, Fala Atelier. Fonte: Fala Atelier.
38
VER E LER O PROJETO
2.2. SEMIÓTICA: DINÂMICA DA CONSTRUÇÃO DOS SIGNIFICADOS
A semiótica é uma disciplina que investiga a
semiótica – signo, objeto e interpretante –
fenomenologia dos modos como compreendemos
relaciona os mecanismos de significações que
qualquer objeto, som, imagem, cheiro, sentido
se processam de maneira natural e cultural. Esse
apresentados à nossa mente (SANTAELLA, 2005).
sistema de significados se dá, primeiramente, pela
Em outras palavras, a semiótica estuda o significado
existência de algo em comunicação.
das coisas e como nós, como interpretantes, as entendemos.
O signo, podendo ser um objeto verbal ou nãoverbal, informa algo. O signo: planta; anuncia o
O entendimento do ser humano como influente e
vocábulo planta. Este signo, por sua vez, chama
influenciável pelo meio é primordial para serventia
um objeto. Segundo Santaella (2005, p. 8): “Tanto
do estudo semiótico. A sociedade, imersa em sua
quanto o próprio signo, o objeto do signo pode
cultura, desenvolve mecanismos de interpretação
ser qualquer coisa de qualquer espécie”.
para se comunicar. Uma vez que esses mecanismos,
No caso do signo planta, seu objeto pode ser
no decorrer dos anos, se findaram em uma larga
o vegetal biológico clorofilado (Figura 16) ou o
escala de indivíduos, especialistas, mediante
desenho que representa a projeção horizontal
estudos culturais e sociais, elencaram estratégias
de algo (Figura 17). Entretanto, o interpretante
de comunicação que podem ser utilizadas por
do signo não é tão vasto quanto seu referente. O
profissionais da publicidade, marketing e design.
interpretante é limitado à associação estabelecida
Diferentes pensadores buscaram entender a
pelo indivíduo na comunicação do signo: planta.
dinâmica da construção dos significados. Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo, cientista e linguista americano, se destacou ao tratar de estudos da Lógica considerando e criando a Teoria dos Signos como representantes de qualquer elemento diferentes entre si. Hoje, Peirce é considerado o principal fundador da Teoria Semiótica norte-americana. SIGNO, REFERENTE E INTERPRETANTE Os estudos de Peirce levaram à conclusão que há três elementos formais em todos os fenômenos que se apresentam à essa percepção humana: o signo (representamen), o objeto (referente) e o interpretante (SANTAELLA, 2005). A tríade
Figura 16. Ilustração planta, Pato Patan. Fonte: Patolepatan.
39
Figura 17. Edifício Fidalga - Triptyque Architecture. Fonte: Triptyque Architecture.
Em extremos, o interpretante sendo um florista,
TIPOS DE SIGNOS: ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO
jamais irá pensar na planta arquitetônica como objeto deste signo. Já um arquiteto ou engenheiro,
O signo vem de qualquer especulação ou
dificilmente terá como primeiro pensamento o
possibilidade que sustente uma ideia. Apesar
vegetal. Desta maneira, os estudos da semiótica
da natureza genérica dos signos, Peirce concluiu
sobre a prática de comunicação e interpretação
que há três categorias do mesmo: ícone, índice e
dos signos auxiliam na construção do discurso
símbolo.
sobre o objeto comunicado.
O ícone trata de representações que ligam o
Embora essas constatações pareçam óbvias
objeto (referente) à uma ideia do real. No âmbito
ou empíricas, o estudo da dimensão sintática
arquitetônico, a planta de arquitetura é um signo
de um elemento é essencial para construção da
icônico que busca identificar o projeto. Por meio
representação e significação de uma imagem. De
do desenho, é possível relatar não só qual objeto
acordo com Niemeyer (2007, p. 50): “A dimensão
está sendo comunicado mas sobrepor camadas de
sintática abrange a estrutura do produto e o seu
novos signos a serem interpretados.
funcionamento técnico. A estrutura consiste das
Embora a representação de arquitetura por si só
partes e do modo como elas estão conectadas
seja um signo icônico, dentro do próprio desenho
umas às outras”.
podemos ler novos ícones. Visto que o conceito
40
VER E LER O PROJETO
desse signo está na semelhança com o objeto real,
indivíduo. A proximidade em relação ao objeto
o mobiliário, as massas arbóreas (Figura 18), entre
revela a manifestação do indício ao interpretante.
outros elementos também retratam a intenção
Tal lembrança nos leva a especulação do que seja
de comunicar novas informações sobre o próprio
aquilo que está sendo comunicado.
projeto.
Na planta, as hachuras são signos índice utilizados no desenho para traduzir texturas, sombras, materiais, partes sólidas recortadas na projeção, entre outros referentes. Já as linhas são signos índices que delimitam os espaços e ambientes em planta. Suas espessuras ampliam seus significados demonstrando a posição espacial de proximidade com o corte no plano horizontal. Ainda há, na representação arquitetônica, a semiose da cor, dada por sua escolha e por aquilo que ela representa. A sua relação com o que a mesma nos alude, caracteriza-a como um signo índice. Por exemplo: em uma representação do espaço, a cor verde remete à massas de vegetação, sejam jardins, parques e praças nos mapas, entre outros. Tal constatação pode ser observada ao lado na figura 19, na qual não há informações verbais que digam do que trata as manchas verdes ou azuis. Contudo, há uma informação não-verbal comunicada através de um signo índice: a cor. Desta maneira, o leitor sem conhecimentos adicionais compreende que as manchas verdes e azuis se referem à vegetação (jardins) e água
Figura 18. Árvore - RCR Arquitectes. Fonte: Archdaily.
(piscina) respectivamente. O símbolo marca um signo definido por um consenso social. Esta categoria inicia-se como
O índice indica a associação de uma coisa à
ícone, passa a ser índice e se torna símbolo a
outra por meio da experiência adquirida, variando
partir do momento em que representa algo pela
assim de acordo com o repertório de cada
instituição de um mesmo referente para seus
41
Figura 19. Planta do térreo - Jorgelina Tortorici. Fonte: Archdaily.
interpretante. A
relação
obrigatoriedade do
signo
simbólico
com
de
semelhança
com
objeto
seu
representado, deste modo, o logo de uma marca
referente é feita por meio de uma convenção
de canetas não necessariamente tem como
social. Por exemplo: as palavras são signos
símbolo a imagem de uma caneta.
simbólicos que foram adotados ao longo dos
No desenho de arquitetura, em especial em
anos como comunicação do pensamento humano,
planta, há diferentes símbolos adotados como
como linguagem. Logos de marcas também
tratado entre profissionais do setor de construção
caracterizam signos simbólicos, pois não possuem
(Figura 20). Um exemplo são os signos simbólicos
42
VER E LER O PROJETO
utilizados para indicar linhas de corte, cotas de piso, interrupções no desenho, entre outros. Além da representação em planta, objeto
A
de análise dos estudos semióticos anteriores, quaisquer imagens arquitetônicas carregam signos passíveis à construção de um discurso. Os signos chave de corte
e seus referentes atuam de modo análogo à o quê e como no âmbito do desenho. Já o interpretante está para para quem assim como a escolha do
N
signo adequado à comunicação está para o por quê. Deste
modo,
revendo
a
afirmação
feita
anteriormente: A comunicação trata de alguém (comunicador) comunicando algo na qualidade indicação do Norte
de signo (o quê e como) para alguém enquanto interpretante (para quem) e este como classificador final desse signo (o quê, como e por quê).
+0,00 cota de nível em planta
+0,00 cota de nível em corte
Figura 20. Chave de corte, indicação do Norte e cotas de nível. Produzido pela autora.
43
2.3. GESTALT: TEORIA DA FORMA
A Gestalt é uma escola alemã que estuda a
Esses princípios básicos da percepção estudados
psicologia experimental da percepção e pregnância
nas obras de Max Wertheimer, Wolfgang Kohler
da forma. Enquanto a semiótica trata dos signos e
e Kurt Koffka, há mais de cem anos, são, hoje,
seus significados, a Gestalt é aplicada no campo
indispensáveis. Deste modo, junto a outros estudos
da estética apoiando-se “na fisiologia do sistema
da comunicação, a Gestalt auxilia o designer a
nervoso quando procura explicar a relação sujeito-
produzir peças gráficas mais assertivas.
objeto no campo da percepção” (FRACCAROLI, 1952, p. 8).
De acordo com o artigo sobre a Gestalt do antropólogo e cientista social, Mateus Oka (2020),
[...] é necessário, para que exista uma
apoiados nas ideias de Caetano Fraccaroli, a
percepção estética, não ver objetos como
corrente teórica gestáltica formulou seis conceitos
significados, mas forma, ‘todos’ estruturados
ou princípios básicos que explicam como a mente
como resultado de relações… que se possa
humana funciona na percepção da forma. Os
sentir o prazer de uma inscrição somente
princípios de Gestalt são:
pela harmonia de caligrafia, independente do significado da palavra (KEPES apud
PREGNÂNCIA
FRACCAROLI, 1952, p. 8).
Cada indivíduo, de acordo com seu repertório
Também conhecida como lei da boa forma,
visual, possui uma maneira diferente de enxergar
a lei de pregnância afirma que a mente associa
uma imagem. Segundo o designer brasileiro
com maior facilidade estruturas simplificadas
Kimura (2019), apesar da individualidade de
e equilibradas. Neste princípio, a forma deve
cada percepção visual, o cérebro humano possui
apresentar “harmonia, [...] clareza e o mínimo de
comportamentos,
complicação visual em sua organização” (PAULA,
padrões
de
organização
e
2015).
entendimento da forma. A hipótese da Gestalt, para explicar a
Em arquitetura, a utilidade dessa lei está na
origem dessas forças integradoras, é atribuir
capacidade objetiva de comunicar uma informação.
ao sistema nervoso central um dinamismo
Comumente, arquitetos fazem uso de diagramas
auto-regulador que, à procura de sua
para figurar conceitos a fim de descomplicar
própria estabilidade, tende a organizar as
determinadas elucidações acerca da composição
formas em “todos” coerentes e unificados.
formal do projeto.
Essas organizações, originárias da estrutura cerebral
são,
pois,
espontâneas,
não
Para isso, os diagramas de arquitetura (Figura 21), que possuem a intenção de tratarem assuntos
arbitrárias, independentes de nossa vontade
lógicos
e
diretos,
necessitam
da
aplicação
e de qualquer aprendizado (FRACCAROLI,
do princípio de pregnância. O uso da cor por
1952, p. 12).
semelhança (outra lei gestáltica) e da perspectiva
44
VER E LER O PROJETO
isométrica é fundamental para trabalhar a clareza da imagem e abstrair elementos não-essenciais a comunicação do conteúdo.
Figura 21. Diagrama, a+ samueldelmas. Fonte: Archdaily. Figura 22. Diagrama do projeto Family Loft. Fonte: Bureau Baba.
SEMELHANÇA Assim, a escala humana, em destaque, ganha força A lei da semelhança apoia-se na homogeneidade
e denota que, provavelmente, a setorização do
compartilhada entre grupos de figuras. Segundo
apartamento é o assunto chave para discussão
Fraccaroli (1952, p. 23), “a igualdade de forma e
nessa imagem.
cor desperta a tendência dinâmica de construir unidade, isto é estabelecer agrupamentos de
PROXIMIDADE
partes semelhantes”. Desta maneira, na representação arquitetônica,
O princípio da proximidade determina que
o uso de formas iguais e a seleção de cores a partir
elementos ópticos próximos uns aos outros tendem
de temas a serem destacados na imagem, auxilia
a ser visto juntos (FRACCAROLI, 1952). Segundo
a leitura a partir do princípio de semelhança.
Heller de Paula (2015), a lei da proximidade
Na figura ao lado (Figura 22), a representação
quando unida à semelhança, torna a capacidade
isométrica para o projeto Loft Family, do estúdio
da interpretação visual ainda mais forte, facilitando
Bureau Baba, agrupa diferentes narrativas através
a interpretação da forma como um todo.
das cores.
Para arquitetura, esse princípio se torna mais
Embora de maneira sutil, a mente humana
usual na diagramação de pranchas e apresentações.
associa os diferentes tons de rosa à um conjunto,
Em pranchas de concurso (Figura 23), por exemplo,
deste modo ressalta os elementos azuis como um
é de extrema necessidade dispor com clareza os
grupo, como a representação de um mesmo tema.
elementos produzidos para comunicar o projeto.
45
Figura 23. Prancha para concurso de arquitetura. Residential Stadium, Architecture Competition. Fonte: Pinterest.
46
VER E LER O PROJETO
Na prancha, os textos – excluem-se as legendas
poderia ter como tema a modulação das janelas
– devem estar próximos e representar um grupo.
e seus fechamentos, uma vez que as aberturas
Os diagramas, plantas e representações técnicas
destacam-se em relação à totalidade do edifício
precisam, normalmente, estar dispostos com
não desenhado.
certa proximidade a fim de induzir um raciocínio de leitura. As imagens, por sua vez, devem ser estrategicamente posicionadas com o propósito de cativar o interesse do leitor pelo conteúdo do projeto. FECHAMENTO A lei de fechamento demonstra a melhor capacidade da mente humana em compor figuras que não existem a fim de enxergar lógica nas imagens. Por isso, ao perceber elementos abertos ou sem limites, tendemos sempre a buscar o fechamento visual dessas imagens. Desta maneira, o cérebro na tentativa de compreender figuras que se encontram próximas ao abstrato procura completar o objeto incompleto. Não
somente
em
arquitetura,
mas
em
diferentes campos da comunicação, o princípio de fechamento é utilizado para criar narrativas conceituais acerca de uma imagem. No desenho de Glenn Walls (Figura 24), o projeto residencial de Le Corbusier tem toda materialidade em concreto evaporada. Embora não haja certeza acerca das intenções de Walls nessa representação, a mesma é um bom exemplo da utilização do princípio gestáltico de fechamento, no qual a vontade natural da mente humana consegue ver o edifício que na verdade não está desenhado. Para fins narrativos, a imagem
Figura 24. The Grid. Le Corbusier, Unité d’Habitation 194652. 2011. Fonte: Glenn Walls.
47
CONTINUIDADE
presente no contraste com a não continuidade. O recorte imagético na representação de cenas
O
princípio
de
continuidade
aponta
a
aproximadas é um fator que instiga a curiosidade
necessidade humana em ver harmonia e fluidez
na necessidade da mente em ver a continuidade
nas figuras. Segundo Paula (2015), “a continuidade
dos extremos que foram seccionados. A ausência
fala sobre nossa preferência por formas sem
da totalidade do edifício na figura 25, desperta no
interrupções, [...] o que facilita nossa mente a
espectador o interesse por conhecer o restante da
prever o movimento da forma”. Embora, assim
forma.
como Paula (2015), Fraccaroli (1952) trate da continuidade da forma em si, do objeto individual
FIGURA-FUNDO
possuidor de uma estrutura fluída ausente de ângulos agudos, a boa continuidade também está
O conceito de figura-fundo explica a tendência visual em simplificar um conjunto em um objeto principal. A figura seria aquilo que procuramos ou voltamos a atenção e o fundo seria o contexto no qual a figura está inserida. Embora a mente esteja inclinada a essa percepção, na famosa ilustração de Rubin (Figura 26), podemos encontrar uma nova forma presente tanto na figura em branco, vaso, quanto em seu no fundo, dois rostos.
Figura 25. Ilustração de Gabriella Street. Fonte: Instagram.
Figura 26. Vaso de Rubin, Edgar John Rubin. Fonte: Singulano.
48
VER E LER O PROJETO
Na representação gráfica, a relação figura-
organizado pelo Departamento de Arquitetura
fundo pode ser utilizada de diferentes maneiras.
da Universidade do Chile; linhas brancas se
No projeto Hypergrid (Figura 27), proposto pela
sobrepõem e se integram a cena, a fim de destacar
equipe G3 ao Workshop Lc50 – uma homenagem
o elemento arquitetônico (grid) mais importante
reflexiva e propositiva à obra de Le Corbusier,
do projeto.
Figura 27. Ecologically-Driven Research Park As Bandirma’s Future Hub, Openact Architecture. Fonte: Archdaily.
49
Já o projeto do grafite para empena cega em
Embora a instalação Empena Viva não seja a
São Paulo, Empena Viva (Figura 28), do escritório
representação de projeto, sua narrativa pode ser
Nitsche Arquitetos, a relação figura-fundo se faz
facilmente utilizada como representação projetual
em sua essência, mostrando duas composições
para destacar questões setoriais de uso e ocupação
sólidas que ao se sobreporem desenham novas
dos andares de um edifício.
figuras.
Figura 28. Empena Viva, Nitsche Projetos Visuais, Foto por João Nitsche e André Scarpa. Fonte: Archdaily.
50
VER E LER O PROJETO
2.4. SIGNAGEM: PRODUÇÃO DE CAMADAS DE SIGNIFICADO
A signagem é uma expressão utilizada por
Desta
maneira,
a
intencionalidade
da
Carlos Egídio Alonso como substituta à linguagem
composição dos elementos gráficos da imagem
no processo de interpretação dos signos. Para
irá conduzir a futura percepção do leitor. Essa
Alonso (2005, n.p.), a linguagem possui atributos
condição é tida como a construção da linguagem
do universo dos signos verbais; enquanto a
visual para a representação gráfica, ou como
signagem “determina uma articulação de signos”
também pode ser chamada: signagem.
não-verbais que contemplam e reforçam “a noção
Para arquitetura, a Teoria da Semiótica e Gestalt
genérica de signo, daquilo que para nós se faz
são conhecimentos necessários ao cotidiano
presente na percepção, na concepção, [...] no uso,
dos profissionais da área. A Semiótica auxilia o
na análise e na crítica de Arquitetura.”
arquiteto dando-o expertise acerca da construção
A construção da signagem de um objeto sobrepõe
camadas
de
textura,
contrastes,
tipografias, cores, posicionamentos, entre outros elementos gráficos que juntos criam a narrativa
dos significados. A Gestalt, por sua vez, assessora conduzindo a percepção natural das formas antes de suas significações. Arquitetar
imagens
também
é
uma
das
da imagem. Ao tratar da linguagem no campo
atribuições do profissional de arquitetura. Assim,
da signagem, busca-se explorar a adequação da
com repertório teórico das principais teorias
capacidade comunicativa da imagem para com o
da comunicação visual, o arquiteto é capaz de
que se está sendo comunicado.
construir uma narrativa acerca da imagem que
O processo de decodificação das imagens é competente ao leitor. Este ao entrar em contato com o desenho vê e lê em um ímpeto o todo produzido. Essa leitura prematura, descolada de qualquer explicação ou debate verbal, ficará impregnada na percepção da imagem mesmo após sua completa análise. O processo de criação e desenvolvimento desses códigos que compõem a imagem fica a cargo do profissional designer-arquitetura. O mesmo uma vez possuindo o conhecimento teórico e técnico necessário é capaz de criar significados de maneira intencional.
necessita representar, portanto, a fim de melhor comunicá-la.
IMAGENS EXPRESSAM IDEIAS
54
VER E LER O PROJETO
3. IMAGENS EXPRESSAM IDEIAS UM PASSEIO ILUSTRADO POR DIFERENTES PROJETOS E CONCEITOS ARQUITETÔNICOS
Este capítulo convida o leitor a refletir como
Este capítulo convida o leitor a refletir como
uma dada ideia pode ser comunicada por meio de
uma dada ideia pode ser comunicada por meio de
uma imagem. Vale informar que todos os textos
uma imagem. Vale informar que todos os textos
de descrição de projeto foram retirados dos sites
de descrição de projeto foram retirados dos sites
oficiais de cada escritório apresentado. A análise
oficiais de cada escritório apresentado. A análise
da imagem, entretanto, feita pela autora deste
da imagem, entretanto, feita pela autora deste
trabalho.
trabalho5.
NOTA: (5)
Reforça-se: a análise está na leitura e composição
da imagem. Não há pretensão em analisar o projeto de arquitetura em si.
Imagine: O projeto para o concurso do pavilhão italiano para a Expo Dubai 2020, com tema “A Beleza Une as Pessoas”. Uma das equipes respondeu ao tema propondo um projeto com entidade dinâmica em que a estrutura e os conteúdos arquitetônicos narram metaforicamente a identidade cultural italiana por meio de três diretrizes: Arquitetura, Natureza e Tecnologia.6
NOTA (6) Disponível em: https://www.archdaily.com/913643/dodimoss-team-designs-an-ethereal-italian-pavilion-for-expodubai-2020-competition
56
VER E LER O PROJETO
Figura 29. Pavilhão Italiano para o concurso Expo Dubai 2020, Dodi Moss. Fonte: Archdaily.
Você imaginou algo assim? As
imagens
produzidas
pelo
companhia
projeto. Na figura 29, vemos uma perspectiva
Dodi Moss marcam uma clara ambientação da
com influências renascentistas que dá destaque
arquitetura. As imagens são compostas em cenas
aos arcos românicos, elemento crucial à tradução
temáticas que valorizem cada ponto de vista do
do conceito. Nessa mesma imagem, a iluminação
57
Figura 30. Pavilhão Italiano para o concurso Expo Dubai 2020, Dodi Moss. Fonte: Archdaily.
Figura 31. Pavilhão Italiano para o concurso Expo Dubai 2020, Dodi Moss. Fonte: Archdaily.
quente trazida pela tons amarelados somados aos
Com o uso da renderização, a imagem traz a
pontos de luz ao fundo aplicam um caráter quase
realidade necessária para o contexto do projeto.
que etéreo à imagem.
Neste caso, tratando-se de um concurso, não
A ausência de pessoas na figura 29 quando
haveria
oportunidade
de
apresentá-lo,
de
comparada com as figuras 30 e 31, afirma ainda
maneira verbal, durante a primeira fase, assim a
mais sua posição como representação conceitual
representação necessita ser precisa.
do projeto. As duas imagens seguintes, embora
Não obstante, a articulação entre renderização e
possuam ambiência similar a anterior, já narram
pós-produção da imagem foi crucial para destacar
a vivência da arquitetura, com usuários que
os signos que dão vida ao conceito. Desta
experienciam o conceito trazido pela primeira
maneira, sem a escolha e aplicação correta de
imagem.
tais elementos, não seria possível transmitir toda
A composição feita do ponto de vista gráfico pela companhia, Dodi Moss, apoia-se principalmente em uma linguagem com signos índice como: texturas e cores.
experiência narrada pelo conceito do projeto.
58
VER E LER O PROJETO
ITALIAN PAVILLION EXPO DUBAI 2020 Arquitetura: Dodi Moss Programa: Pavilhão Italiano Localização: Dubai, Emirados Árabes Unidos Ano: 2018 Status: Concurso - Terceiro lugar
Imagine: O projeto do mais alto deck de observação ao ar livre no hemisfério ocidental que revela vistas de 360 graus nunca antes vistas da cidade de Nova York. O projeto tem como objetivo anunciar a vizinhança em expansão com uma nova dinâmica visual incorporado ao terceiro edifício de escritórios mais alto da cidade, sede da empresa global de mídia e entretenimento Warner Media.7
NOTA (7) Disponível em: https://www.kpf.com/pt/stories/edge-30hudson-yards
60
VER E LER O PROJETO
Figura 32. The Edge, KPF. Fonte: KPF.
Você imaginou algo assim? Ao
ler
a
descrição
do
projeto,
pode-se
A composição da imagem também se faz
interpretar que o contexto no qual o projeto está
importante. A vista proposta diz muito sobre a
inserido é extremamente comercial. Comumente,
valorização da nova visual proporcionada pelo deck
para incorporações e empreendedores de alto
Edge. Assim, supõe-se que o foco da construção
investimento, é necessário compreender que
do deck não é a arquitetura em si mas sim a vista
a concretização do projeto e seu retorno é mais
que a instalação dessa arquitetura irá proporcionar.
importante a narrativa conceitual desenvolvida
A escala humana faz-se de extrema importância
para o mesmo.
nessa representação, uma vez utilizada como signo
Desta maneira, o uso da renderização (Figura 32),
icônico, a mesma reafirma a monumentalidade do
retratando a vista de maneira fotográfica, auxilia
projeto por sua proporção em relação aos outros
que os empreendedores entendam a realidade
elementos da imagem. Podemos também observar
futura do projeto e sua grandiosidade. A ausência
que independente da vista apresentada nas figuras
de grande subjetividade ou novas interpretações
32 e 33, a escala humana é crucial sinalização da
traduz a tendência comercial de venda do projeto
magnitude do projeto.
através da imagem.
A tonalidade das imagens (Figura 32 e 33),
61
Figura 33. The Edge, KPF. Fonte: KPF.
auxiliam à ambientalização do projeto. A luz solar
atua
como
signo
índice
contribuindo
delicadamente para sensação de uma experiência intangível que agora poderá ser vivida. Podese observar o contraste da ambientalização da imagem renderizada (Figura 33) quando compara a fotografia do projeto construído (Figura 34), este último passa a impressão de uma experiência muito mais cotidiana quando comparado à renderização.
Figura 34. Fotografia do The Edge, KPF. Fonte: KPF.
62
VER E LER O PROJETO
THE EDGE Arquitetura: KPF Programa: Deck de observação Localização: Nova York, Estados Unidos Ano: 2019 Status: Construído
Imagine: O projeto para o concurso do novo terminal de balsas no porto de Souda, Grécia, que visa criar uma experiência narrativa única para o usuário, desafiando o que esperamos encontrar em edifícios com usos tão “pesados”. O projeto tenta transformar um lugar pelo qual você iria passar e ir a outro em um lugar em que você provavelmente gostaria de estar.8
NOTA (8) Disponível em: http://object-e.net/projects/souda-ferryterminal
64
VER E LER O PROJETO
Figura 35. Souda Ferry Terminal, Object-e. Fonte: Object-e.
Você imaginou algo assim? Os dois principais elementos que se destacam
(primeiro estudo apresentado neste capítulo), de
nas representações do projeto são as texturas e
Dodi Moss, o Souda Ferry Terminal é um projeto
os personagens. Do ponto de vista arquitetônico,
para concurso. Sendo assim, faz-se necessário
existem diferentes signos que também compõem
diminuir a subjetividade da interpretação das
o projeto. Entretanto, propõe-se aqui analisar sua
imagens, uma vez que, como dito anteriormente,
representação.
não haverá oportunidade de apresentar o projeto
A sutil mescla entre elementos reais e modelagem
verbalmente.
transportam as texturas do projeto para um outro
De
maneira
delicada,
a
combinação
dos
patamar (Figura 35). Não há renderização, embora
elementos realistas com as colagens de texturas
haja a precisão da materialidade e características
fazem alusão a diferentes narrativas na imagem.
da arquitetura. O método de colagem utilizado na
As partes existentes do local como: pessoas, mar,
representação do projeto somado aos elementos
montanhas e céu; são representadas com linguagem
de sua composição dão a precisão necessária ao
fotográfica-realista.
contexto de apresentação do projeto.
é
Assim como o Italian Pavillion Expo Dubai 2020
representada
A
com
arquitetura elementos
proposta
texturizados,
visualmente diferentes das partes “existentes”. A
65
Figura 36. Souda Ferry Terminal, Object-e. Fonte: Object-e.
Figura 37. Souda Ferry Terminal, Object-e. Fonte: Object-e.
percepção dessa diferença, mesmo que sutil, pode
(Deborah Kerr), do filme An Affair to Remember9,
ser traduzida pelo princípio de semelhança da
de Leo McCarey.
Gestalt, no qual naturalmente temos a capacidade
O romance curiosamente trata de duas pessoas
de agrupar por semelhança elementos em grupos.
que se conhecem em um navio que parte da
Desta maneira, os dois grupos de diferentes
Europa rumo a Nova York, ou seja, partem de um
narrativas (realidade e proposta) juntos possuem a
terminal marítimo europeu. A intencionalidade
habilidade de contar uma mesma história: o novo
e originalidade criada no uso dos personagens
porto de Souda.
recortados de cenas do filme (Figura 38) é
Contudo, o que torna a representação do projeto
surpreendente.
do porto tão interessante é a narrativa feita através das escalas humanas que se repetem ao longo das imagens (Figuras 36 e 37). Os signos icônicos, escala humana, nesse caso, também carregam uma simbologia. O casal de personagens nada mais é do que Nickie Ferrante (Cary Grant) e Terry McKay
NOTA: (9)
Conhecido pelo título em portugês: Tarde demais para
esquecer.
66
VER E LER O PROJETO
Figura 38. An Affair to Remember (1957), de Leo McCarey. Fonte: Silver Sirens.
Não se sabe ao certo as relações que pretendiam ser criada pelo estúdio experimental Object-e com o uso dos personagens americanos em um projeto europeu. Entretanto, de certo, para os leitores que conheçam o filme, o projeto arquitetônico irá possuir uma nova interpretação e simbologia.
SOUDA FERRY TERMINAL Arquitetura: Object-e Programa: Terminal Marítimo Localização: Souda, Grécia Ano: 2017 Status: Concurso - Menção honrosa
Imagine: O projeto para o concurso da reforma arquitetônica e paisagística para Parque San Borja, Chile, que incorpora 238 obras do destacado escultor chileno Mário Irarrázabal. O conceito do projeto está na ideia de que um parque é em essência um pedaço do campo na cidade, “um prado” no meio da cidade.10
NOTA (10)
Disponível
em:
https://www.plataformaarquitectura.
cl/cl/625264/lateral-finalista-en-concurso-nuevo-parquemuseo-humano-san-borja-santiago?ad_medium=gallery
68
VER E LER O PROJETO
Você imaginou algo assim? Novamente depara-se com o contexto do
Entretanto, os elementos em branco destacados
concurso. Assim como explicitado anteriormente
nas imagens fogem da linguagem realista da
nos projetos Italian Pavillion Expo Dubai 2020 e
renderização e necessitam ser analisados.
Souda Ferry Terminal, a circunstância do concurso
Esses elementos são signos icônicos que
requer uma representação mais objetiva do projeto,
caracterizam as obras do artista Mário Irarrázabal
uma vez que não será apresentado verbalmente.
no Parque San Borja (Figura 39). A leitura facilitada
O uso da renderização como linguagem de representação
arquitetônica
não
surpreende.
desses signos em relação ao todo faz-se por meio de diferentes princípios da Gestalt: pregnância,
69
Figura 39. Parque Museo Humano San Borja, Lateral Arquitectura. Fonte: Archdaily.
semelhança
e
figura-fundo.
O
conceito
de
todo entre dois grupos, nesse caso feito pela
pregnância se dá pela simplificação desses signos.
linguagem adotada para cada parte (Figura 40).
Uma vez que estão ilustrados apenas através de
Desta maneira, toda renderização é lida como
figuras brancas sólidas, favorecem a compreensão
projeto do parque e as figuras brancas como obras
e identificação dos mesmos na totalidade da
do artista.
imagem.
O conceito de figura-fundo está presente,
A semelhança é demonstrada pela afirmação
porém demanda dos estudos semióticos para sua
anterior na qual há uma diferenciação clara do
confirmação. A mente humana ao deparar-se com
70
VER E LER O PROJETO
Figura 40. Parque Museo Humano San Borja, Lateral Arquitectura. Fonte: Archdaily.
a figura 41 enxerga duas partes diferentes no todo. Com auxílio da lei de semelhança, a renderização é lida como uma parte e as obras são lidas como uma nova parte. Esta última, por meio da Teoria Semiótica, além de representar um signo icônico (obras do artista Mário Irarrázabal)
também é tida como signo
índice por ser assimilada como fundo da imagem (ausência de desenho). Desta maneira, a relação por semelhança gestáltica e interpretação indicial semiótica associadas contribuem para percepção da imagem como figura-fundo. Logo, o conjunto de relações e interpretações presentes na representação gráfica do projeto (Figura 42), favoreceu imensamente o destaque da proposta em relação ao objetos existentes.
Figura 41. Parque Museo Humano San Borja, Lateral Arquitectura. Fonte: Archdaily.
71
Figura 42. Parque Museo Humano San Borja, Lateral Arquitectura. Fonte: Archdaily.
72
VER E LER O PROJETO
NUEVO PARQUE MUSEO HUMANO SAN BORJA Arquitetura: Lateral Arquitectura Programa: Museu à céu aberto Localização: Santiago, Chile Ano: 2015 Status: Concurso - Finalista
Imagine: O projeto para um concurso do Ministério da Educação Italiano: Escolas Inovadoras (Scuole Innovative). Foi solicitado o projeto de uma escola maternal e jardim botânico.11
NOTA (11) Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/885985/ p ro j e t o - v e n c e d o r- d e - c o n c u r s o - c o n e c t a - u m - j a rd i m - d e infancia-a-natureza?ad_medium=gallery
74
VER E LER O PROJETO
Figura 43. As.In.O, Aut Aut Architettura. Fonte: Archdaily.
75
Você imaginou algo assim? A figura 43, de fato, não possui elementos
A semiótica explica essa relação através do
suficientes que caracterizem a realidade do
signo índice. Nossa dupla compreensão da
projeto de arquitetura. Entretanto, o conceito de
existência do muro como delimitar de um terreno
continuidade estudado pela Gestalt, explica o
possuidor de uma edificação e da intencionalidade
porquê a imagem inicial é importante.
da representação de um projeto, nos leva a
A
mente
possui
a
necessidade
de
ver
continuidade nas figuras. O conceito gestáltico se
questionar: onde está o projeto? Essa
subjetividade
presente
na
figura
43
apresenta então como estratégia de representação,
anuncia e convida a conhecer a Escola projetada
uma vez dito que a figura 43 representa um projeto
pelo escritório italiano Aut Aut. Tal estratégia
arquitetônico, nossa percepção nos obriga a
de representação pode ser de muita valia para
imaginar qual seria o restante de projeto.
iniciar uma apresentação, em um momento no
No universo da forma, a figura 43 não apresenta objetos que necessitem de continuidade ou ângulos
agudos
que
contrapõem
a
qual não há intenção de revelar o projeto mas de contextualizá-lo.
fluidez.
Nas imagens seguintes (Figuras 44, 45 e 46),
Entretanto, no âmbito da interpretação, o muro
destacam-se a composição da representação do
como representação de uma arquitetura chama
conceito do projeto. As texturas e cores são signos
uma nova arquitetura que estará escondido pelo
índice essenciais para elucidar o acolhimento e o
mesmo.
momento da infância que carrega a proposta.
Figura 44. As.In.O, Aut Aut Architettura. Fonte: Archdaily.
76
VER E LER O PROJETO
Figura 45. As.In.O, Aut Aut Architettura. Fonte: Archdaily.
Os tons pastéis denotam crianças do ensino maternal, a saturação dessas cores indicaria melhor o espaço destinado à alunos da educação infantil. As texturas, por sua vez, trazem a materialidade necessária a representação da arquitetura e suas sensações. Novamente, por tratar-se de um concurso, a modelagem 3D somada à renderização e pósprodução, assim como no projeto Italian Pavillion Expo Dubai 2020, adequa-se ao contexto do projeto.
Desta
maneira,
a
harmonização
e
combinação entre a renderização e a pós-produção são capazes de exprimir a realidade do projeto e darem vida ao seu conceito.
AS.IN.O. - ASILO INNOVATIVO CON ORTO Arquitetura: Aut Aut Architettura Programa: Escola maternal & Jardim botânico. Localização: Sardenha, Itália Ano: 2017 Status: Concurso - Não informado
Figura 46. As.In.O, Aut Aut Architettura. Fonte: Archdaily.
Imagine: Imagine: O projeto para o concurso de transformação do Farol de Murro di Porco, na Sicília, Itália. O programa engloba atrações turísticas e instalações hoteleiras na intenção de desfrutar das importantes locações perto do mar. Este concurso tem o objetivo de recuperar as antigas torres de sinalização da Itália e inverter o processo de deterioração das mesmas.12
NOTA (12)
Disponível
lighthouse
em:
https://pla-c.eu/project/siracusa-
78
VER E LER O PROJETO
Você imaginou algo assim? A construção de significados na representação
À direita, há um casal que por uma interpretação
do projeto desenvolvido pelo escritório PlaC é
indicial não é enxergado como casal, mas sim como
forte. Na imagem (Figura 47), podemos identificar
uma dupla de dançarino de tango. Os personagens
os três tipos de signos (ícone, índice e símbolo) em
são signo icônico lidos como pessoas. Sua
um mesmo elemento.
vestimenta e postura são signos índice que levam
79
Figura 47. Siracusa Lighthouse, PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz. Fonte: PlaC
a associá-los com dançarinos, especificamente de
signo simbólico do tango13. Desta maneira, assim
tango.
como a presença de uma pomba simboliza paz, a
O conjunto de interpretações feita sobre o
presença do casal com as características que lhe
casal somado ao conjunto no qual está inserido:
foram atribuídas evoca a representatividade da
projeto para Sicília, Itália; nos leva a lê-lo como
cultura do tango na Sicília.
80
VER E LER O PROJETO
Figura 48. Siracusa Lighthouse, PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz. Fonte: PlaC
Figura 49. Siracusa Lighthouse, PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz. Fonte: PlaC
81
Os outros personagens utilizam-se do mesmo
A conceitualização das imagens e a priorização
raciocínio para simbolizar diferentes atividades e
de seu aspecto narrativo caracteriza uma estratégia
características socioculturais no qual a arquitetura
de
está inserida. Por sua vez, a ambientalização da
intencional por parte do escritório responsável ou
imagem através do forte contraste de luz colocado
não, as imagens (Figura 48) não falam muito sobre
na paisagem manifesta uma cena dramática.
o projeto em seu aspecto formal. Nessas imagens,
apresentação
projetual
funcional.
Sendo
há uma certa dificuldade em compreender a geometria arquitetônica e o programa solicitado. A função dessas representações (Figura 49) então NOTA: (13)
A região da Sicília, Itália, possui uma estreita relação
com a tradição argentina de dança: o tango. Todos os anos, a região organiza uma série de festivais marcados pela musicalidade barroca e pela dança argentina.
se restringe a informar a simbologia históricogeográfica em que está inserido o projeto. Desta maneira, espera-se, principalmente pela inserção dessa representação no contexto de
Figura 50. Siracusa Lighthouse, PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz. Fonte: PlaC
82
VER E LER O PROJETO
Figura 51. Siracusa Lighthouse, PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz. Fonte: PlaC
concurso, que as representações diagramáticas do projeto (Figuras 50 e 51) tenham de fato função formal. Para as mesmas, há a necessidade inerente de comunicar, sem abrir dúvidas, a perspectiva de confecção do projeto.
SIRACUSA LIGHTHOUSE Arquitetura: PlaC + Marco La Gamba + Giulietta Roz Programa: Hotel & Turismo Localização: Siracusa, Sicília - Itália Ano: 2015 Status: Concurso - Não informado
84
VER E LER O PROJETO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste
trabalho,
buscou-se
discutir
acerca
este tipo de imagem está em sua generalização
de uma importante atribuição do arquiteto: a
de linguagem e uso. Por isso, fez-se necessário
representação gráfica do projeto. O profissional
discorrer no primeiro capítulo, acerca das causas
de arquitetura como criador e desenvolvedor de
e consequências de um desenho. A renderização
um trabalho a ser edificado busca, por meio da
estará
comunicação verbal e não-verbal, esclarecer sua
necessidades de comunicação de um determinado
obra ao cliente solicitador do trabalho.
contexto.
Este último necessita ouvir e falar por meio de
Como
adequada
quando
elucidado
no
corresponder
primeiro
capítulo,
às
o
uma linguagem comum à do arquiteto. Para tanto,
processo de representação de um objeto necessita
os mecanismo de comunicação utilizados, verbais
de algumas perguntas: Qual a intenção com essa
e não-verbais, devem estar alinhados à realidade
imagem (por quê)? Quem será o leitor alvo da
tanto do cliente quanto da arquitetura. No caso,
mesma (para quem)? Qual desenho melhor se
deste trabalho focou-se na linguagem não-verbal,
adequada à essa necessidade (o quê)? quais os
na comunicação realizada por meio de imagens.
recursos disponíveis para representá-lo (como)?
A dualidade entre ver e ler - palavras que
Uma vez respondidas estas perguntas, será
deram nome à este trabalho - marca uma
necessário ao arquiteto possuir o conhecimento
importante reflexão a ser feita acerca de um objeto
mínimo
comunicado. Por parte do cliente, cada imagem de
apresentadas no segundo capítulo. Só assim,
projeto sempre será vista em suas manchas, cores
será possível criar de maneira intencional uma
e linhas. Entretanto, a questão que foi levantada
linguagem visual (signagem) pertinente ao contexto
nesta pesquisa foi: ao ver essa imagem, o cliente é
do projeto. Há, portanto, a inevitabilidade de ler o
capaz de fazer sua leitura?
projeto, e não apenas vê-lo.
das
teorias
de
comunicação
visual
A resposta é: depende. Dar voz ao projeto, é
Conclui-se,
dar voz à sua representação. Desta maneira, se
arquitetônica
essa imagem individualmente possui a capacidade
processo projetual de arquitetura necessita ser
intencional de comunicar uma história, um projeto,
valorizada. Para isso, o estudo do desenho aliado
então a resposta é sim. Caso contrário, não.
às teorias de comunicação visual e design gráfico
então, como
que etapa
a
representação
indispensável
ao
A representação arquitetônica necessita estar
é fundamental. Desta maneira, tal conhecimento
contaminada com os conceitos e contextos do
será capaz de oferecer o alicerce necessário ao
projeto, uma vez que o representa, e por fim estar
desenvolvimento de uma representação legítima à
em concordância com a realidade do cliente.
nossa época, espaço e tempo.
Para isso, abre-se uma outra questão: as imagens renderizadas são nocivas ao projeto? Jamais! A grande problemática relacionada à
86
VER E LER O PROJETO
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ERICA MARIA BORTOLETTO
SÃO PAULO, 2020