Cidadania
A educação como mercadoria ou dos professores como dinossauros excelentíssimos em vias de extinção
E
invadido o léxico dominante. No entanto, tal não acontece neste relatório que está pejado de termos mercantilistas aplicados à educação: por exemplo, ‘outsourcing’ (subcontratação), ‘leverage’ (alavancagem), ‘schools as learning hubs’ (as escolas como núcleos de aprendizagem) e, ‘learn as you go’, isto é, para uma tradução fiel, ‘aprendam pelo caminho’, cuja origem, como os leitores já se devem ter apercebido é o usual ‘pay as you go’. Em suma, esta rapaziada é muito criativa, apesar de não ter ainda querido ou conseguido renovar um vocabulário que permanece ainda prisioneiro do neoliberal Consenso de Washington do século passado. Cenário 1 – Ainda há esperança para os professores, mas pouca Vejamos então quais são as propostas inovadoras do relatório. Estas distinguem, segundo os parâmetros do léxico dominante, quatro cenários que alegadamente apontam para o futuro, votando ao extermínio inapelável os despojos ainda existentes dos dinossauros, de que se destacam particularmente os ‘excelentíssimos’, isto é, os professores: cenário 1 – “Schooling extended” (‘Escola prolongada’); cenário 2 – “Education outsourced” (‘Educação subcontratada’); cenário 3 – “Schools as learning hubs” (‘As escolas como núcleos de aprendiza-
gem’); cenário 4 – “Learn-as-you go”, ou seja, como já sabemos, ‘Aprende pelo caminho’, que é o cenário do futuro que está à espera de nós. Tranquilizem-se professores à beira da aposentação, pois no cenário 1 ainda são necessários, embora já comecem, de certo modo, a ser prescindíveis. Assim, a educação formal continua a desenvolver-se e os certificados académicos continuam ainda a ser os principais instrumentos de creditação de competências. As aulas ditas ‘tradicionais’, ou seja, as que se baseiam na interação professor-aluno, mantêm-se em vigor, ganhando cada vez mais importância “a aprendizagem personalizada segundo a natureza dos professores com o consequente impacto na formação dos professores e no desenvolvimento profissional”. Paralelamente, as administrações públicas desempenham ainda um papel relevante na direção e coordenação do processo educativo. No entanto, a “aprendizagem digital” começa a adquirir uma importância cada vez maior, o que implica a emergência de “poderes de parceria internacional público-privados” (‘international public-private partnerships powers’), que começam a pôr em causa o papel central daquelas e dos professores na acreditação dos resultados do processo educativo. Eis então que as escolas começam já a entrar numa nova
ESCOLA
m janeiro a OCDE publicou um relatório significativamente intitulado ‘Trends shapping education 2022’ (‘Tendências que modelam a educação 2022) que se destina “a desafiar, inspirar e, acima de tudo, encorajar os leitores a perguntarem a si próprios: o que significam as tendências globais para o futuro do meu sistema educativo? E o que poderemos fazer” (Fonte: ‘i’, 19.01.2022). Louváveis objetivos, sem dúvida. No entanto, o autor destas linhas orienta-se, por experiência própria, pelo critério da dúvida cética, a qual o leva a desconfiar dos “desafios” que esta rapaziada da OCDE costuma propor para “encorajar os leitores”. De facto, como veremos, tudo indica que os desafios já estejam à priori definidos, restando apenas aos leitores aclamar entusiasticamente as propostas apresentadas sob pena de serem considerados figuras do passado que não conseguem acompanhar os novos tempos que alegadamente aí vêm, isto é, de se converterem em nada mais do que dinossauros em vias de extinção perante o futuro radioso que desponta no horizonte. Antes de tudo, para construir o futuro seria necessário que nos desembaraçássemos de palavras que desde a década de 80 do século passado têm
Informação
Joaquim Jorge Veiguinha
17