Escrita Criativa nº17

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Mês Novembro nº 17

Uma reflexão sobre o amor

Uma história sobre o que realmente é importante na nossa vida

Uma crítica bem-humorada Um poema sobre adversidade e o esquecimento

sobre a situação actual da economia


Índice e destaques

Índice Editorial………………………….……...3 As Nossas Sugestões………….…..5 Histórias Narrativa  Um dia bate-se à porta e abre-se a possibilidade…..……...7 Celebrar no meio do Caos ...…12  A Menina que dançava nas Chamas era sua Filha…..…….…….14 Histórias Poéticas A Negligência da Memória...…18  O Orçamento……..….…………….19 O Palco da Vida……………..……..20  Insónia em Mim…………..………22

Críticas e Sátiras O Super-taxista…………………….23 Pesadelo (conto de Halloween)………………26 Regras para Trabalhos Enviados………………………………….28

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Destaques Histórias Narrativas Celebrar no meio do Caos – Uma reflexão sobre a vida e a felicidade  A Menina que dançava nas Chamas era sua Filha - Uma história de uma paixão pela escrita

Histórias Poéticas  O Orçamento – Um poema sobre a vida e o que fazemos dela  O Palco da Vida – Uma reflexão sobre o papel que temos na nossa vida

Críticas ou Sátiras  O Super-taxista – Uma crítica ao sistema de transporte existente no nosso aeroporto.

Ficha Técnica: Mês de Novembro n.º17 via internet – ebook Editora e Proprietária: Marta Sousa Revisora: Patrícia Lopes Redacção: Marta Sousa, Liliana Machado, Ana Maria Teixeira, Maria José Teixeira, Artur Pinto, Graça Samora, O Anormal Normal, Francisca Barros e Firmino Bernardo Grafismo: Paula Salgado (logótipo e capa), Marta Sousa Interdita a reprodução para fins lucrativos ou comerciais dos textos e interdita a outros que não o autor e a reprodução sem a indicação do respectivo nome do autor.

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Editorial

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Neste mês temos uma capa muito especial, feita por Paula Salgado, que representa o nosso amor às letras e aos vários tipos de textos e as diversas maneiras de escrever. Como podem reparar cada letra é diferente assim como cada texto é diferente na Revista Escrita Criativa e cada um é especial. Agradecemos mais uma participação de Paula Salgado! Temos também duas sugestões de livros portugueses em que a Revista Escrita Criativa esteve nas suas apresentações no evento à “Conversas Com…” proporcionado pela Editora Universus. Agradecemos a Isabel Fontes todo o apoio e colaboração. Na Revista Escrita Criativa de Novembro temos na rubrica de Histórias Narrativas a história “Um dia bate-se à porta e abre-se a possibilidade” que faz-nos reflectir o que realmente é importante na nossa vida e para a nossa felicidade, com um tema muito semelhante de felicidade e bem-estar na adversidade temos também “Celebrando no Meio do Caos” mas com um ponto de vista diferente. Na

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4 mesma rubrica mas com um tema diferente temos a história A “Menina que dançava nas Chamas era sua Filha” acerca de uma paixão pela escrita. Nas Histórias Poéticas o tema da adversidade e do esquecimento em “A Negligência da Memória”, Dois poemas sobre a vida de Ana Maria Teixeira sobre os papeis que nela tomamos e o que fazemos com ela. Por fim em prosa lírica temos a “Insónia em Mim” uma reflexão sobre o amor e a vida que faz parte de um livro a ser publicado. Por fim mas não menos importante temos as críticas do “Super-taxista” uma sátira aos transportes do Aeroporto de Lisboa e “Pesadelo (conto de Halloween)” com uma inteligente e bem humorada crítica sobre a economia.

Gostávamos de saber as vossas opiniões e sugestões! Enviem-nas para o email asnossashistorias@hotmail.com. Agradecemos mais uma vez, o apoio de todos os nossos participantes e leitores! Continuamos a contar com a vossa divulgação e participação! Marta Sousa

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As Nossas Sugestões

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Sonhos de Prata e Ouro de Sílvia Silva Cada verso é uma história e são preciosidades pelas quais às vezes uma pessoa se guia e realça as suas emoções. São tempos meus em poesia mas o que escrevo pode identificar não só uma pessoa mas várias...” “ Em cada linha e estrofe Um momento na minha vida, Um sorriso estampado Ou uma lágrima derramada… A vida é inconstante, como eu De tanto que ri e chorei, Fortaleci e fraquejei! Caí e levantei-me. E hoje… Renasci! “.

Tenho 19 anos e este meu 1º livro de Poesia comecei a escrevê-lo desde os meus 14 anos. Falo destes Sonhos de Prata e Ouro, onde denoto a minha força, as minhas inseguranças, as minhas fraquezas, os amores não correspondidos, os meus caprichos, sentimentos mais profundos...e aqueles tempos por vezes denominados tristes, mas de inspiração.

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O Meu Segredo de Joana Carvalho Joana Carvalho é natural de Lisboa, nasceu no dia 1 de Fevereiro de 1958, residindo actualmente em Lisboa. Desde pequena teve como paixão a leitura que se mantém até aos dias de hoje. Na sua infância pouco acesso tinha a livros, no entanto sempre encontrou uma ou outra forma de ler, pedindo livros emprestados, que lia e relia vorazmente. Passe a expressão, mas na família era chamada de “papa letras”. Durante a sua adolescência, muitos “desabafos” foi escrevendo, na sua maioria em forma de prosa, os quais por não valorizar, acabou simplesmente por rasgar e colocar no lixo. O presente livro, é fruto duma vivência pessoal com o problema da auto-mutilação com que foi confrontada e esta é a sua forma de lançar um grito de alerta para uma situação que afecta um número cada vez maior de jovens e cujos sinais não podem ser ignorados.

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Histórias Narrativas

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Um dia bate-se à porta e abre-se a possibilidade. A primeira vez que entrei, numa visita ocasional, um impulso me assaltou, como uma voz muda, irresistível. Imediatamente quis fazer parte de algo sem saber o quê e muito menos como. Sabia, no entanto, que não era uma inquietação completamente nova. Partilhei conversa com os meus alunos e envolvemo-nos. Numa segunda visita, agora pessoal e intencional, movi-me mais atenta, pensando poder auscultar o meu “eu”. Senti o despojamento silencioso na sala de entrada que se prolongava numa quietude quase religiosa nas entranhas daquela casa. Senti medo de fazer barulho. Que sesta aconchegava? Que dores sustinha a respiração?, que disciplina transpirava nestas paredes? Definitivamente quis estar lá, conhecer e falar dela na ponta dos dedos. Convidada a entrar, aproveitei para ficar à espera, anónima, simplesmente presente. De bloco na mão, procurei o verbo que traduzisse esta gente que voluntariamente dá o sorriso, o tempo, o jantar, e tentei perceber que convicção os faz permanecer. Fortalecem-se de quê? O caminho do voluntário segue o do amor ou o do dever germinado na sua formação? O trabalho devotado deriva

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8 do culto, da caminhada regulada na essência de um Ser Superior ou é sempre um gesto sentido, imediato, que sai da pele, reflexo da nossa vontade? Que fé é esta? Gasta-se?, desorienta-se?, é sempre inteira ou custa por vezes? Questionam-se? Deixam-se simplesmente ir porque começaram, porque não há mais ninguém? A campainha toca e eu sinto a curiosidade mórbida de olhar, ver o aspeto de quem quer entrar aqui, de quem quer aqui ficar. Bater à porta não é mais que uma semente nesta entrega. Compete recebê-lo, fazê-lo crescer num pátio com janela direta para o sol. Aqui os enfermos cambaleiam mas há voluntários que oferecem âncoras feitas de afeto. No pouco tempo aqui sentada, eu vi os gestos, senti o respeito e a bênção. Mas também senti agitação desconfortável… não me sentia parte deste laço. Intimida-me como quando estou de visita numa casa? ou porque aqui vive uma realidade que desconheço, à qual costumamos virar a cara na rua com receio? Temos medo destes aspetos das nossas ruas. Prestes a cruzarmo-nos, atravessamos para o lado de lá como se de uma matilha de cães raivosos se tratasse. Temos medo de os encarar, temos medo do que lhes vai no rosto, como se a tristeza pudesse virar grito, como se a solidão pudesse virar desvario, como se a fragilidade pudesse virar agressão, dedo apontado. Como são sentimentos que magoam, ofendem e deixam pouca paz interior,

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9 ignoramos

a

nossa

consciência,

não

nos

comprometemos,

esquecendo que o nosso livre arbítrio nos faz suportar a responsabilidade. Num espaço destes amadurece-se, fazem-se opções. A intimidade com este mundo, o diálogo com a miséria, mostram-se decerto insubstituíveis em termos de aprofundamento do “eu” e das suas intenções e de uma dialética interior com múltiplas formas de sentir, de pensar e do viver humanos. Porque será que este colo solidário me tocou? Serei eu a alma à solta e não os outros os perdidos? Li algures que é preciso descer ao fundo do poço porque é lá que está a nascente na qual vamos beber e saciar as nossas necessidades. Eu penso que poucos de nós tem essa coragem. A maioria tenta agarrar-se à corda e trepar, fugir o mais possível do fundo. Creio que é nesse pressa que nos falta a serenidade. Que atenção damos nós aos outros? “Sentir-te-ías comprometido se te dissesse que te amo?”, gritava Joan Baez em pleno concerto. Desconfio que o meu intento é um trabalho de descodificação profunda da minha espiritualidade. Todos estamos no poço de uma forma ou outra. É preciso olhar bem as margens e perceber de que é feita a nossa subida, à custa de quê? Pouco me retenho, neste tumulto de emoções. Vivo nesta cidade e não estou nela. Tudo o que me aconteceu, aconteceu aqui, e

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10 afinal tanto a desconheço. O meu amadorismo nestes exercícios de consciência e solidariedade assusta-me, é imperdoável, mas apercebo-me que se puder apertar a tua mão num gesto consistente, sinto que é bom! Nunca se subestime o poder do amor. Este espaço que eu conheci por acaso, ou não, tem qualquer coisa que nos dispara no peito como ímanes. No CAFJEC tropeça-se muito nos tapetes dos corredores, mas com coragem, e compaixão. Paciência pareceu-me uma virtude que mora aqui, que aquece as pedras ancestrais e protege, vigia quem na esperança do lado de dentro do quarto fechado, tenta tirar o castigo do corpo maltratado e despertar. Sérgio tem nos olhos ressequidos um brilho agitado. Brinca com as metáforas da sua desdita. A Ana é uma filha onde a desilusão, a inquietude e a saudade atrapalha. Rodrigues parece querer ficar aqui, protegido. Descobri que não precisamos de os castigar maldizendoos - eles sabem o que são. Definem-se na droga, no alcoolismo, no simples facto de serem sozinhos. E dói. Esta experiência fez-me bem e é a essa luz que a quero ver. Confessamo-nos todos bastante sensíveis mas em termos abstratos. A nossa voz crítica só terá sentido se assumirmos uma atitude comprometida que exige responsabilidade moral e social, que só pode vir do coração. A escola não pode demitir-se do papel

Um dia bate-se à porta e abre-se a possibilidade Escrita Criativa


11 participativo nesta construção do bem comum. De facto, a escola deve abrir-se a este privilégio como fonte de aprendizagem saudável e trilhar no sentido dos sentidos com emoção.

M. J. Teixeira

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Celebrar no meio do caos. Esquecendo o caos dos dias apressados é preciso celebrar aquilo que Deus nos deu tão generosamente. A possibilidade de recomeçar de novo a cada queda. Um céu azul para voar, um dia novo a cada acordar… mil oportunidades para aceitar caminhos e seguir em frente. No meio do caos, são felizes os que conseguem olhar as cores de um milagre que é o arco-íris. Esqueço as dores, os desânimos, as intranquilidades e confio em quem me conduz, agradecendo tudo de fantástico que existe: os picos das montanhas que quero escalar; as pessoas que quero conhecer; os mares que quero navegar; os caminhos secretos que desejo trilhar; os sons que anseio ouvir. Esqueço o caos que os homens constroem e mergulho no que de verdade interessa: na vida que acontece a cada batida. Não caio com os inimigos e não sou eu quem sofre com os seus ataques, porque as suas investidas atingem mais a eles do que a mim, pois quem vive com ódios é infeliz. Prefiro seguir a vida ao meu jeito, procurar sempre o que faz sorrir o meu coração. Acordo com essa obrigação – ser feliz todos os dias, porque cada manhã é uma dádiva e uma conquista. Enche-me o coração ouvir-Te a cada alvorada, sentir os Teus braços em cada anoitecer, sentir o Teu colo de cada vez que esmorece o meu sorriso. Não tenho medo da vida, muito menos da morte, pois sei que me esperas com a graciosidade desse sentimento

Celebrar no meio do Caos

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13 grátis por uma humanidade cheia de defeitos. Tenho aprendido contigo que um caminho feliz se faz na descoberta das pequenas coisas. Agradeço-te por falares comigo, por responderes às minhas questões, dúvidas e desabafos. Tantas e tantas vezes te feri, ainda assim nunca desististe de mim… Perguntei: Porquê? Respondeste-me com o teu olhar… Porque Sou parte de ti! Respondo então: É Teu meu coração, a minha vida e todas as idas em busca de Ti. É por Ti que procuro actos que dignifiquem o meu ser, porque o meu ser é Teu. Agradeço-Te as descobertas, os milagres e cada olhar Teu. Essa vigília permanente que protege cada passo meu nesta caminhada tortuosa. Cada palavra parece uma oração… e é… porque cada uma dela se dirige a Ti. Não saberei nunca o que fazer para agradecer os prodígios operados em mim, as vezes que me ouviste e atendeste… não saberei nunca como retribuir os presentes por Ti oferecidos todos os dias e a cada pedido… apenas Te posso oferecer o que sou, com todos os defeitos que a minha torpe alma encerra. E espero que aceites, assim sei que poderei, todos os dias, corrigir essas faltas para dignificar esta dádiva.

Liliana Machado

Celebrar no meio do Caos

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A Menina que dançava nas chamas era sua filha Desde que a Mariana começara a escrever, na casa da família Magalhães, “o deitar cedo e cedo erguer…” deixou de poder ser cumprido… Por volta das 10 e meia, a mãe fazia a 1ª ronda pelos quartos, e bem gostaria que eles apagassem as luzes e se preparassem para dormir… “Que era cedo ainda, que a Mariana ainda tinha a luz do quarto acesa, que ainda tinham alguns trabalhos de casa para acabar, que era só terminar o filme, que eram mais velhos e não se queriam deitar com as galinhas…” Pelas 11 horas, aparecia o pai, com as canecas de leite quente e as bolachas a que eles se atiravam vorazmente, fazendo-as desaparecer num ápice. Mas, antes da meia- noite, era muito difícil tê-los todos a dormir. No que a Mariana escrevia, ninguém estava muito interessado, e ela também nada contava. Tinha completado 13 anos e aquela era a sua vida secreta… Os dois irmãos mais velhos, gémeos, já andavam na Faculdade, em Engenharia Física; pelo meio, havia o artista da família,

A Menina que dançava nas Chamas era sua Filha

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estudante de bailado; o penúltimo, era um rapaz em plena crise de adolescência, que ocupava grande parte do seu tempo livre mirando-se ao espelho ou tomando duches. “Tu não falas, rosnas”, disse-lhe uma vez a mãe, e ele resmungou, rosnando… Naquele sábado à noite, não havia meio de a Mariana largar os papéis, o computador, o dicionário… Quando a mãe entrou no quarto pela 3ª vez, ela estava muito pensativa e saltitava os dedos da mão direita, esticados, sobre uma folha de papel branca, para cá e para lá, mais lentamente, mais rapidamente; depois parava, tamborilava com o indicador no mesmo ponto… D. Fernanda estava parada no meio do quarto, achando aquilo muito estranho! “Diz-me só, filha, que história é que tu andas a escrever ou a magicar?... já é tão tarde…isso não te fará mal?” .“Só te posso dizer, mãe, isto: na história há uma menina que consegue dançar nas chamas…” . “A sério?”. “Sim, a sério, mas é um fogo que não queima… pronto não digo mais nada.A mãe ainda acrescentou. “ E os pais deixam-na fazer isso?” Não teve resposta… e saíu. “Pois é, pensou Mariana, já escrevi 3 episódios, já os pus no blogue e não disse nada sobre os pais… Oh! Já sei…ela não os

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conhece…ou também pode ser órfã…tenho que pensar nisso… Tem 15 anos, trabalha no circo do tio, também sabe fazer contorcionismo…tem o cabelo liso e muito curto, os olhos azuis claros…ainda não acabou o 9º Ano… Mas não sei se o tio a anda a explorar… tenho de averiguar bem…Ela tem sempre muitas palmas no fim das actuações, mas já a tenho visto a chorar. Se calhar é mesmo órfã…” A Mariana teve uma tolerância especial naquela noite e a luz do quarto só foi apagada muito depois da meia-noite. Um rapaz imigrante de Leste, depois de ler alguns episódios no blogue, pediu à Mariana para lhe ilustrar a história que ela andava a escrever. Houve um primeiro ensaio, e o resultado foi até elogiado por alguns bloguistas, entre eles, os professores de Português e de Educação Visual. Incitaram-nos: acharam o trabalho muito interessante… E, assim, prosseguiu a história. Às tantas, o tio da Menina teve um acidente e ela viu-se forçada a suspender as suas danças, por uns tempos; regressou aos estudos, mas logo que pôde, reapareceu no Circo; toda a família Magalhães e até a empregada foram um dia assistir a

A Menina que dançava nas Chamas era sua Filha

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um desses espectáculos. Só o pai não gostou muito, porque “aquilo era fantasia a mais…” E não é que a história foi premiada!?... Era um concurso literário para jovens que ainda não tivessem 20 anos. Os autores estavam na sala, mas não se conheciam. Quando chegou a sua vez, o Presidente do Júri anunciou: “E agora, o 1º prémio… os Pais da Menina que dançava nas chamas, Mariana Magalhães e Igor Ivanov…” Igor regressou no ano seguinte à sua terra natal, na Ucrânia, com os pais. Mariana tomou conta sozinha do resto da vida da Menina, que ainda dançou nas chamas por mais algum tempo. Depois, algumas outras histórias se seguiram, mas sem prémios.

Graça Samora

A Menina que dançava nas Chamas era sua Filha

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Histórias Poéticas

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A negligência da memória Contrabaixo em altiva gravidade Encandeia atravessando com gritos Universos aquosos vítreos Que reflectem sensualidade Vislumbram-se raios, raios! Partam em fúria fugaz Que a força do vento Tanto leva Como traz E assim leva aquilo que traz Tenho dito ao relento Que neva E os espasmos rítmicos que sinto Não são já angústia da fatalidade final São impulsos com que me minto Acerca do meu valor real Transmutações momentâneas se erigem E desmoronam ao sabor da memória No final da viagem Esquece-se a história AMP

A Negligência da Memória

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O Orçamento Passamos toda a vida Tabelados por uma medida. Andamos sempre com a vida às contas E a levar a vida pelas pontas...

Alto preço a pagar Numa existência difícil de orçamentar Por ser feita de um constante negociar E o orçamento estarmos sempre a emendar.

A vida é feita de constante improvisar Mas não pode ser feita de notas soltas, Muito menos de palavras tontas Errar é preciso evitar!

Pois tudo o que dizemos ou fazemos, fica registado Cada palavra, cada gesto, o certo, o errado! Tudo o que desejamos, tudo o que evitamos Tudo o que não pode ser orçamentado! Ana Maria Teixeira

O Orçamento

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Palco da Vida A nossa sorte não nos é ditada ao nascer Apesar de o acto ser uma regra pré definida. Quer sejamos abastados ou desventurados, Nascemos todos para vida.

O nosso destino nunca está assinalado. Os nossos actos é que o vão firmando No teatro da vida somos sempre actores, Os palcos é que são por norma modificados.

O meu primeiro palco Será sempre o meu grande amor Mas o segundo foi sem dúvida O que me mitigou a dor.

Em nenhum deles fui a personagem principal Mas o meu papel foi sempre essencial. No primeiro aprendi a sobreviver, No segundo adquiri valências para saber viver.

Palco da Vida

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21 Hoje no meu palco definitivo Sou uma personagem controlada, Nunca fui nem serei uma personagem badala Aprendi a actuar de uma forma serena e decisiva.

Nunca me teria sido dado tão interessante guião Se do primeiro para o segundo palco não tivesse saltado, Se os encenadores não tivessem investido no meu aprendizado Hoje seria apenas mais uma actriz errante e sem pendão.

Olho para o passado fascinadamente Pois amo tudo o que esse passado sintetiza. Voo por ele amando-o excessivamente Sabendo que ele faz parte da minha vida.

Ana Maria Teixeira

Palco da Vida

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A insónia em mim

Esquecer é a certeza que a missão de amarmos é impossível. É sabermos que quando a esperança se vai embora não é por ser louca ou irracional. É porque nos passos largos da sua razão nos indicou o caminho da verdade. E todos nós que vezes e vezes vagueamos nas sombras, nunca iremos sentir a verdadeira luz dos objectos. Sabemos que viajamos e por vezes não voltamos, porque amar doí e tem de doer. Mutila e não constrói próteses. E quando vemos que o grande amor das nossas vidas bate á porta mas não entra, sabemos que somos o foco da solidão. E se entrar? Se ele entrar sabemos que seremos completos mas sofredores de insónias. Que sejamos todos insones. Não seremos escravos das sombras e da escuridão.

- Em Livro de Insónias por Francisca M. Barros

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Críticas ou Sátiras

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O super-taxista Há tempos, cheguei a Lisboa de avião. Alguns sabem mas outros não, que quando se chega a Lisboa de avião não se aterra a cinquenta quilómetros numa pista de aterragem situada num local tão inóspito que nos faz sentir parte de uma carneirada qualquer em que o livre arbítrio é uma alucinação. Chegar a Lisboa de avião, não obstante ser o pior meio de transporte conhecido na história da humanidade, é algo que atenua o sofrimento de uma viagem que nos obriga a permanecer sentados durante horas a fio, ingerindo coisas que nem aos cães de dão. Chegar a Lisboa de avião, vindo de outro lugar qualquer do norte da europa por exemplo, significa preparar a aterragem mesmo por cima da cidade. Significa poder ver as casas, as ruas, os carros, as pessoas e eventualmente, e nem é preciso muita sorte, talvez se consiga ver a própria casa. Aterrar em Lisboa é o paraíso das aterragens das capitais europeias. Aterra-se no meio da cidade. Da capital. De uma metrópole que não sendo gigante não deixa de ser o coração de um país. Se tivermos sorte, e também não é preciso muita, até aterramos com sol e calor e tudo. É bestial. Vai-se ouvindo falar na ideia de construir um aeroporto fora da capital, baseado em factos louváveis e O super-taxista

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24 pertinentes, mas por outro lado, o aeroporto de Lisboa é sem dúvida um espetacular cartão de boas vindas a quem quer que chegue de avião. É bem possível que passada meia hora depois de aterrar se consiga estar dentro do táxi a caminho de casa. E isso é impar nos dias que correm. Perder essa capacidade é perder algo que nos define. Nós os portugueses sem que nos apercebamos estamos na vanguarda do que se pretende que seja o futuro – uma interligação perfeita e harmoniosa dos meios de transporte de modo a ser o mais humano e o menos agressivo possível. Talvez, se em vez de querermos sempre crescer exponencialmente, fosse melhor gerir o que já temos e que se for bem gerido até resulta, enfim, há que ter fé.

O táxi - ora aí está outro meio de transporte extraordinário. Felizmente parece que voltaram ao preto e verde que é mesmo português, ao invés daquele bege insípido que só alguém muito doente podia ter proposto uma cor daquelas. Menos mal. Parece que a alma, ou coração, falaram mais alto e aí estão outra vez os táxis que todos conhecemos. Desta vez apanhei um taxista brasileiro e explicou-me o seguinte: para se ter a carteira de taxista é preciso largar perto de mil euros, ter frequentado um determinado curso e uma determinada formação. É necessário dar provas de uma série de

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25 competências pessoais e profissionais que fazem do profissional que conduz táxi um Senhor Doutor da estrada. Não obstante, e sempre admirei esse grupo de profissionais por isso, conseguiram unir-se e obrigar a lei a abrir uma exceção, que de acordo com a exceção em si faz deles uns homens com poderes excepcionais. Os taxistas não precisam de usar cinto de segurança dentro da cidade. Sendo que eles devem ser imunes à morte em caso de colisão frontal por exemplo, mas só dentro da cidade, pois quando me transportou para Caxias, que já é fora do perímetro da cidade, seja lá o que isso signifique, vi-o colocar o cinto. Pensei no Superhomem de facto que perde a força por causa de umas pedrinhas verdes. Neste caso o taxista perde a capacidade de imunidade à morte a partir de um determinado limite. Uma linha imaginária que alguém definiu como sendo o perímetro da cidade. É curioso esta coisa da lei. Vá lá que nos distingue! Senão os taxistas eram obrigados como todas as pessoas normais a usar o cinto de segurança sempre que conduzem um veículo que pode matar no momento em que se liga o motor e destrava. Às vezes nem é preciso tanto, é só destravar. Isto de facto, eu devo andar parvo.

O Normal Anormal

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O Pesadelo (conto de Halloween) Deixem-me contar-vos o pesadelo que tive uma noite destas. Eu estava na rua, com milhares de pessoas, numa manifestação contra a política do governo. Estava a queixar-me do ministro das Finanças, quando toda gente parou. À minha volta, todos estavam calados e pareciam ter vergonha. À minha frente, só consegui ver as costas de um homem que usava un blaser azul (há muita gente a dizer que sonhamos a preto e branco, mas eu sonho a cores na mesma). O homem voltou-se devagar: era o ministro das Finanças. Os olhos pareciam bocados de vidro, a cara não tinha expressão, ele olhavame fixamente. À minha volta, toda a gente tinha desaparecido. Corri quanto pude e entrei num prédio com muitas escadas. Corri tanto pelas escadas acima, que se não fosse um sonho, tinha perdido mais de dez quilos. Quando cheguei lá acima, só encontrei uma parede branca. Não havia nenhuma forma de fugir ou de me esconder. O ministro estava a chegar, lento mas seguro, com uma faca de metal na mão direita. Pelo menos, não discursou. Eu sei que isto vai parecer-vos um deus ex machina, mas a verdade é que acordei nesse preciso momento. A manhã ainda era uma criança, a casa estava calada. Olhei para o despertador: eram quase horas de me levantar. Liguei o rádio para ouvir um bocadinho de música, mas O Pesadelo (Conto de Halloween)

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27 em vez disso, ouvi as notícias - foi aí que percebi que continuo a ser perseguido pelo ministro das Finanças.

Firmino Bernardo

O Pesadelo (Conto de Halloween)

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Regras para Trabalhos Enviados

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- A Escrita Criativa não se responsabiliza pelo conteúdo que é publicado a responsabilidade é única e exclusivamente dos seus autores. - A Escrita Criativa publica os trabalhos dos autores tendo como o limite a capacidade da revista, caso haja demasiados trabalhos enviados alguns poderão não ser publicados ou poderão ser publicados no número seguinte. - O limite de tamanho dos trabalhos recebidos é de vinte páginas A5 com letra a tamanho 11, se os trabalhos não respeitarem estas indicações poderão não ser aceites. - A Escrita Criativa não aceita trabalhos com conteúdo sexual explícito. - Por norma só será publicado um trabalho por pessoa em cada número, podendo haver excepções por falta de trabalhos. - A Escrita Criativa não corrige erros ortográficos nem faz alterações às obras enviadas, se for enviado algum trabalho com erros ortográficos poderá ser enviado de volta para correcção ou não ser aceite. - A Escrita Criativa só aceita trabalhos escritos em português.

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29 - Trabalhos com expressões noutras línguas deverão ter uma nota no fim a dizer o seu significado, caso isto não aconteça poderão não ser aceites. - Trabalhos com direitos de autor registados na Sociedade Portuguesa de Autores deverão informar a SPA antes de enviar os seus textos para a Revista Escrita Criativa. A Revista Escrita Criativa publica somente textos autorizados pelos autores.

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