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Mês Junho nº 24
Uma história sobre uma amizade improvável
Um poema sobre uma luta interior
Uma reflexão sobre o amor e a vida
Índice e destaques
Índice Editorial………………………….……...3
As Nossas Sugestões………….…..5
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Destaques Histórias Narrativas O Homem que sonhava – uma história sobre as diferentes formas de ser feliz Amor de Domingo - uma reflexão entre o que se deseja e a realidade
Histórias Poéticas Uma Companhia Extraordinária…………………………..8 O Homem que sonhava........17 Amor de Domingo ……..………19
Borboleta – Um poema sobre o poder das palavrasTomo banho para limpar o sentimento de culpa – um poema sobre o dia a dia Desalento – um poema sobre a falta de inspiração Palavras Gastas – poema sobre sentimentos que ficam.
Lirismos
Críticas e Maldizeres
Pequenas Histórias
Vício.......................…………….21 Borboleta….…………………......24 Short Movie……………………….26 Tomo banho para limpar o sentimento de culpa……………..28 Desalento…………………………..30 Palavras Gastas…………………..32
Críticas e Maldizeres Porque hoje é sábado……….36
Regras para Trabalhos Enviados………………………………….28
Porque hoje é mais um sábado – uma crítica um dia de descanso que reflecte sobre a atitude do povo português . Ficha Técnica: Mês de Junho 2012 n.º24 via internet – ebook Editora: Marta Sousa Revisora: Patrícia Lopes Redacção: Marta Sousa, Filipa Reis, Pedro Menezes, Elisabete Z. H., Vera Carvalho, Francisco Marcos Gonçalves, Ana Maria Teixeira, Diogo Cabral e Flávio Pereira Grafismo: Paula Salgado (logótipo), imagens de “O Homem que Sonhava” e “Amor de Domingo” foram enviadas por Pedro Menezes. Interdita a reprodução para fins lucrativos ou comerciais dos textos interdita a outros Escritae Criativa que não o autor e a reprodução sem a indicação do respectivo nome do autor.
Editorial
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Este mês temos uma capa que celebra o futuro dia de Camões e das Comunidades. Esperemos que gostem! Nesta edição de Junho, apresentamos mais dois livros lusófonos na rubrica As Nossas Sugestões, com a parceria de Isabel Fontes com livros da editora LP-Books. A Revista está recheada de lirismos e conta também com participações muito interessantes. A rubrica Pequenas Histórias começa com a história infantil, “Uma companhia Extraordinária” sobre o valor da amizade. Temos, ainda, “O Homem que Sonhava” uma história que relembra o que é mais importante na vida e como se pode perder tudo. De seguida, temos a história “O Amor de Domingo”, que reflecte o sentimento de falta de alguém especial. Na rubrica dos Lirismos temos “Vício”, um poema sobre uma luta que dura uma vida, temos também o poema “Borboleta” sobre a liberdade e o medo. “Short Movie” vem falar-nos de uma perda amorosa e de uma reflexão sobre a vida. “Tomo Banho para limpar o Sentimento de Culpa” é um poema interessante sobre as coisas do dia-a-dia. O “Desalento” retrata o desânimo da falta de inspiração. E
Escrita Criativa
4 “Palavras Gastas” fala acerca um amor difícil mas que nunca desiste. Nas Críticas e Maldizeres temos “Porque hoje é Sábado” uma crítica sobre um dia de descanso que reflecte sobre a atitude do povo português. Agradecemos o apoio e divulgação dos nossos participantes e leitores e aguardamos as vossas opiniões no Facebook e no nosso blog. Podem também enviar as vossas opiniões e participações para asnossahistorias@hotmail.com.
Marta Sousa
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As Nossas Sugestões
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A Descoberta: o não tempo de Francisco Laraya Sinopse: A mudança, a ilusão que o outro nos faz feliz é uma falácia. Felicidade é um estado de espirito, e o seu vivenciamento depende de nós mesmos.
Autor: Francisco
Mellão
Laraya,
também conhecido por Tito, natural de São Paulo, Brasil, católico
apostólico
romano,
advogado civilista, de 53 anos, formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, músico clássico, violão clássico e solteiro. Viveu grande paixões na sua vida, e, delas escreveu livros, como, Textos Barrocos, Exames, Tito e o pé de sonho, A Descoberta: o não tempo e o Grão de Areia, e outros guardou para um dia revisar e editar.
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A Loucura de Helena Cristina Sinopse: “Sara, é uma mulher muito branca, com uma pele tão branca que lhe chamam, neve ela cresceu num sítio longe da cidade os seus pais acabam de se separar, São ambos médicos psiquiátricos. E para não fugir á regra ela pretende seguir psiquiatria infantil tem 19 anos é baixa muito baixa o seu pai chama-lhe pequerrucha todos os amigos de Sara acham-na uma mulher determinada amiga incondicional e sincera e muito frontal as vezes como diz sua mãe é frontal demais. Hoje é dia de anos de Carla a melhor amiga de Sara. Sara, está super entusiasmada com a festa surpresa que preparou para ela. Todos lá em casa já não conseguem ouvir Sara falar mais da festa.” “João é um rapaz alto, moreno, corpo atlético, acabou de se licenciar em psiquiatria escolheu psiquiatria porque sempre achou ser uma mais valia para a ciência o João sempre foi dado a ciência desde
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7 miúdo era muito precoce. A mãe de João morrera quando ele tinha sete anos foi criado com o seu pai juntamente com a sua irmã gêmea Cláudia, João vê na sua irmã a sua melhor amiga ela é a sua confidente. Hoje é dia de jantar na casa de uns amigos de João, João está no quarto a vestir quando tocam a porta” Aqui conheceram a historia de João e Sara duas pessoas de mundos diferentes onde João descobrirá que afinal não existe diferenças entre o real e o irreal. Enfrentará o passado e confrontará o presente. Para descobrir o realidade do seus actos. BIOGRAFIA DA AUTORA – HELENA CRISTINA Nasci em 1979 na cidade de estremoz. Com dois anos apenas fui para Elvas uma cidade no Alentejo em Portugal. Fui criada em Elvas onde casei e vivi ate aos 24 anos, sempre tive um gosto especial pela escrita desde miúda rabiscava nos cadernos poemas que oferecia a família. E claro que para a mãe o pai e os irmãos a menina sempre tinha jeito para isto. Acabei por vir trabalhar em Lisboa onde me escrevi num clube de escrita onde todos os meus colegas e amigos me incentivaram a escrever este livro e assim fiz. Este é o primeiro livro que escrevi.
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Uma companhia extraordinária Há muito muito tempo, existia uma terra onde não viviam pessoas, nem animais, nem nenhum ser vivo deste género. Nessa terra, os dias eram muito quentes e as noites amenas. Era assim durante todo o ano, pois ainda não existiam as estações; o frio ainda não tinha sido inventado; e o vento, quando por ali passava, abrandava para observar a bela paisagem, transformando-se numa leve e doce brisa. Apesar disso, o solo estava coberto de erva ondulante e verde e haviam lagos e rios de água límpida e fresca. Chovia, muitas vezes. Uma chuva quente que fazia cantar a terra e alegrava todos os que lá viviam. Porque aquela terra, onde nenhum ser vivo habitava, foi surpreendida pela chegada tempestuosa de um grupo invulgar…
…………………………………………………………………………………………………………… O pequeno elefante saltitava energeticamente. Mal conhecia a sua família; sempre estivera sozinho e, por isso, não sentia falta de companhia. A manada a que pertencia deixou-o ficar para trás, pouco depois de nascer. As suas patas redondas e pesadas batiam na erva e quase esmagavam uma pequena lesma que por ali passava.
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9 - Ei! Atenção! Não me vês? – gritou a lesma. - Desculpa, pequenina! Mas eu, sendo tão grande, como é que te conseguiria ver, aqui do alto? – respondeu o elefante, com a tromba empinada. - Tens de ter mais cuidado; se não, podes magoar alguém. - E que me interessa? Eu sou o maior e mais forte! Posso fazer o que quiser e ninguém me irá castigar.
A lesma ficou espantada com a resposta do elefante. “Que confiante ele é”, pensou ela e perguntou-lhe: - Como te chamas? - E porque queres saber? - Pensei que pudéssemos ser amigos. - Amigos? O que é isso? - Também não sei explicar muito bem… Eu já tive muitos, há muito tempo, mas agora não tenho nenhum e sinto saudades deles. Pensei que quisesses ter alguém com quem falar, já que estás sozinho como eu.
O pequeno elefante coçou a cabeça com a tromba, pensativamente. Não percebia muito bem o significado daquela palavra: amigo. Na verdade, estar sozinho não lhe parecia nada mau. Era ele quem
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10 decidia sempre para onde ia e não havia ninguém mais forte, nem maior, nem mais esperto do que ele, porque não havia ninguém com quem se comparar. O elefante fora abandonado há muito tempo e já não se lembrava do bom que era ter alguém com quem conversar. Parecia que aquela minúscula lesma estava a despertar algo, que ele desconhecia… - Bem, se não queres responder, vou seguir o meu caminho. - Chamo-me Malu. - Que lindo nome. Eu sou o Casquinha. Deram-me este nome, porque a minha casca foi esmagada por uma girafa e ficou desfeita em mil pedacinhos. Fiquei sem casa. A partir daí, os outros caracóis não quiseram continuar a ser meus amigos e, portanto, afastei-me deles.
O Malu ficou muito triste com a história do Casquinha e emocionouse, por saber que não era o único a estar só. Agora isso pertencia ao passado, uma vez que se tinham um ao outro. Continuaram juntos, brincando e rindo e aquela terra tornou-se habitada.
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11 Uma cria de leão, com o seu pelo dourado e a boca cheia de dentes afiados, corria bem depressa, escondendo-se atrás de árvores e rochas e rastejando por entre a erva. O leão não queria que ninguém reparasse nele, pois receava os perigos que pudessem existir à sua volta. Andava sem rumo há vários dias. Era a primeira vez que se afastava da mãe e as saudades, misturadas com a fome, começavam a desanimá-lo. Reparou num grande animal, lá longe. Um elefante cinzento, que se aproximava. Assustado, o leão escondeu-se o melhor que pode, deitando-se no meio da erva alta. O seu coração batia muito depressa e os seus olhos enchiam-se de lágrimas.
- Sabes bem que gosto de estar deitado na minha folha até ao meiodia, pelo menos! - Olha Casquinha, eu acho que tu estás sempre a dormir. És um preguiçoso! Quero ir chapinhar no lago, está calor demais e não consigo descansar. - Preguiçoso, eu? Pois acredita que, quando estou deitado, estou a meditar; tenho muito em que pensar e… - SHHH!!! Olha para aquelas ervas, estão a mexer-se – sussurrou o Malu.
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12 O Malu aproximou-se devagar e silenciosamente do lugar onde estava escondido o leão. O Casquinha, que estava sentado no seu pescoço, espreitava curiosamente, escondendo-se atrás da grande orelha do elefante. Quando já estava bastante perto e conseguia distinguir uma forma entre a erva, o Malu deu um grande salto na sua direcção, gritando: - Apanhei-te! - AAAAAAAAHHHH!!!! – foi a resposta do leão que, de tão amedrontado, nem se conseguiu mexer. - Olá! Eu sou o Malu e este é o Casquinha. Queres ser nosso amigo? Também estás sozinho? Como é que vieste aqui parar?
O elefante fazia pergunta atrás de pergunta, perante o silêncio da cria de leão que, entretanto, limpava as lágrimas dos olhos, com as pequenas patas. - Não me querem fazer mal? – perguntou o leão. - Claro que não. Mas que ideia! Tu és um leão, o rei da selva. Pensei que fosses mais corajoso, como eu. - Não fales assim, Malu. És muito maior do que ele, por isso é normal que a cria sinta medo. – respondeu o Casquinha, chamando-o à razão.
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13 O elefante e a lesma conseguiram convencer o pequeno leão a acompanhá-los até ao lago. Apesar de ainda não se sentir muito à vontade, o leão revelou-lhes que se chamava Japico e que tinha abandonado a sua família, porque se recusava a caçar. O Japico tinha pena dos animais que os leões comem e tornou-se vegetariano. No entanto, a sua alcateia não aprovava esta opção e expulsou-o, de modo a que ele não se tornasse num mau exemplo para os seus irmãos. - Não fiques triste, Japico. Eu também estou longe da minha família. Eles abandonaram-me quando ainda era muito pequeno, porque não os consegui acompanhar numa longa viagem. Se quiseres, podes ficar connosco e nunca mais te vais sentir só. - Gostava muito. Tenho tanto medo de estar sozinho… - respondeu o Japico, já mais animado.
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O destino não ficava longe, por isso a caminhada foi curta. O Malu entrou logo no lago, feliz por se refrescar. Enchia a tromba de água, que despejava para cima das costas, parecia um chuveiro. O Japico não queria entrar no lago. Na verdade, ele tinha muito medo dos perigos que podiam estar escondidos debaixo daquele
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14 lençol azul. Ficou sentado na margem, perto de uns tufos de erva fresca e verdejante, que o Casquinha lhe estava a ensinar a remoer. O Malu adorava nadar e não se cansava de brincar na água. Mas, sem mais nem menos, ouviu o leão gritar-lhe: - Sai daí! Foge depressa!
Sem perceber o que se passava, o elefante saltou para terra, surpreendido com aquela atitude do Japico. - O que foi? - Está ali um bicho grande e assustador! Podia morder-te! - Já estou a ver, aquelas bolinhas junto à árvore são os seus olhos. Olá amigo! – disse o Casquinha, saltando para cima de uma folha que flutuava no lago.
O Casquinha aproximou-se do animal desconhecido, com um pauzinho a servir de remo, gritando para chamar a sua atenção. Mas, sempre que se aproximava, os olhos desapareciam debaixo de água, apenas para voltar a aparecer uns metros mais à frente, mais atrás ou mais ao lado. Vendo que o Casquinha já estava cansado de remar, o Malu entrou de rompante no lago e correu na direcção do animal. Com a pressa,
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15 chapinhou o Japico que, entretanto, se tinha escondido atrás de um arbusto. - Olá a todos! Eu sou a Lila Crocodila, mestre do disfarce e número um a brincar às escondidas! - É um crocodilo! Vai comer-nos! – gritou a cria de leão. - Se eu vos quisesse comer, já o teria feito e vocês nem davam por isso. Mas, estava mais interessada em brincar um bocadinho. - Quantos mais melhor. – respondeu o Casquinha.
A Lila Crocodila explicou-lhes que tinha nadado rio acima, durante muitos dias, até que chegou àquele lago. - A minha mãe avisava-me muitas vezes para não me afastar dela, mas eu adoro ver coisas novas e passear em lugares que não conheço. Queria ser uma exploradora e viajar por todo o mundo. - Mas não sabes da tua mãe? Perdeste-te e estás longe da tua família, como nós… - disse o Japico, aproximando-se com alguma hesitação. - É verdade. Agora vejo que devia ter-lhe obedecido. Não posso ficar triste… Já tive sorte por vos encontrar! Vamos brincar às escondidas todos os dias e chapinhar no lago.
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16 A chuva caiu e depois veio o sol, que secou a terra e outra vez a chuva. De seguida, apareceu a lua e o sol novamente brilhou. Passaram dias, semanas, meses e anos; porém, os quatro amigos mantiveram-se juntos e felizes por sinal. Apesar de não viverem com os da sua espécie, beneficiaram da situação e da companhia em que se encontravam, o que talvez nunca tivesse acontecido de outra forma. O Malu aprendeu a ser mais humilde e a respeitar os outros. O Casquinha deixou de dormir até tarde e tornou-se menos preguiçoso. O Japico ganhou coragem e confiança nele próprio. E a Lila compreendeu que se deve obedecer a quem nos ama.
Filipa Reis
Uma companhia de extraordinária
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O HOMEM QUE SONHAVA António. Um jovem rapaz, moreno, estava sentado na sua poltrona favorita, com os seus dois filhotes ao colo. Lia-lhes histórias, histórias de encantar. E quando terminava, logo ambos os filhos, bonitos como anjos, lhe pediam que repetisse: -Outra vez! Outra vez! OUTRA VEZ!
E António lá repetia, com um sorriso enorme. Derretia-lhe o coração vê-los a ambos, de sorriso angelical, deliciados com aquela história repetida vezes sem conta, mas ouvida como se fosse a primeira vez. António
vivia
os
melhores
anos
da
sua
vida.
PIIP PIIIIP! Um carro passou a apitar e António acordou. Tinha 68 anos. Estava deitado num banco do Chiado, fazendo de um saco, onde tinha enfiado todos os seus pertences, a sua casa, o seu espólio completo. Estava ali tudo o que lhe tinha restado. E também um guarda-chuva, protector das lágrimas que caíam do céu e do seu coração.
Não via os filhos há 20 anos, deixaram-no. A sorte, imprescindível para todos, ao sair da vida de António, ficou com a custódia dos seus
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18 filhos. Eles já não se lembravam das histórias de encantar, já não lhe pediam que repetisse.
António olhou o céu que se vestia de negro. Ia chover. Mas talvez ainda pudesse ter tempo de voltar a sonhar, mais uma vez, com o antigamente...
Pedro Menezes
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AMOR DE DOMINGO
Maria abriu os olhos. Com a mão procurou sentir um calor e uma presença que não a sua. Nada mais para além dela e os seus dois gatos. Pensou para si mesma que mais valia continuar no sonho, interrompido pelo raiar do Sol de Domingo.
Espreguiçou-se daquela forma que só os gatos sabiam fazer. Despenteada, sentou-se na cama, envolta ainda no seu edredão branco em que alguém tinha desenhado flores com uma caneta azul. Aquele alguém de quem ela sentia falta. Ficou a olhar para o vazio por uns instantes, embora por dentro, o seu coração estivesse tudo menos tranquilo.
Os seus sentimentos balançavam entre as saudades e a dependência do que ele despertava nela. Entre a obsessão e o desejo. Luta eterna entre o certo e o errado, o bem versus o mal. E os Domingos, sem nada para entreter a mente, eram especialmente penosos.
Perguntava-se se isto tudo terá sido obra do destino ou um puro engano. Por vezes, sentia que estava numa peça de teatro, tão imersa no seu papel que já nem sabia se o estaria a seguir fielmente
Amor de Domingo
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20 ou se estaria a estragar toda a narrativa, numa improvisação pouco inspirada.
Às vezes, ela daria tudo para que ele a fizesse sentir em casa, de novo. Para o voltar a ter. Para que ele lhe ligasse. E então pensava nele. De tal forma que, mesmo separados por centenas de quilómetros, ele até conseguia sentir a tristeza dela.
O seu Amor de Domingo. Pedro Menezes
Amor de Domingo
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Lirismos
21
Vício Oiço o som deles, seco, bruto e mortal a caírem no chão, noite após noite, ao abrigo dessa inquietação. Não sou eu que os atiro É a outra... Nem tão pouco tiro prazer disso, mas a outra... Observo, escuto e tento passar impune. Sem qualquer pudor ela, por outro lado, deseja-os, sente-os, absorve-os para depois os atirar para morte certa sem nada a questionar. Eu percebo-a, e essa minha compreensão faz-me senti-la nas minhas entranhas com a força e a raiva e o desespero e a revolta, que tomam contornos negros de oito patas
Vício
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22 e aos pares me entram pela corrente sanguínea e sobem, sobem rumo ao cérebro, a pontos de me deixar louca e inquieta, e assim...
Imagino-me sentada à sua frente. Somos amigas, conversamos faço perguntas, divagamos. Somos as duas faces da mesma divindade. Ao despique, entramos em jogos de Poder e eu só sei que quero ganhar. Mas quatro olhos vêm tanto, juntas vemos tudo e absorvemos tudo. E naqueles momentos de solidão prazerosa, eu paro e olho-a enquanto ela os vai atirando,
como se isso fosse solução como se isso fosse preencher as lacunas que nasceram connosco.
Vício
Escrita Criativa
23 Eu digo-lhe que não é assim e ela não me diz nada... Reproduz apenas, na minha cara, aquele som seco, bruto e mortal deles a caírem no chão. E eu, rápida e impetuosa, quase lascivamente tapo-lhe a boca, puxando-a para dentro... sempre, com toda a força que me resta e se solta das entranhas. Sim! Porque é lá que a sinto bater! Para que ninguém note que ela existe. Mas eu sei Ela existe e continuará a vir até ao final dos meus dias, porque esse é o peso que tenho de carregar. E ela virá sempre que a rotina se instalar que o vento, forte, soprar que eu não queira me entregar. Elisabete Z. H. Vício
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Borboleta Mais uma vez, as luzes da cidade prestam vassalagem ao novo dia Mais uma vez a ponte sobre o Lis se enche de carros De vidinhas que parecem formigas Poucas são as larvas dentro dos casulos As larvas que serão borboletas Mas isso não é só nestas ruas, nestas praças. Aqui há uma larva Uma larva dançante Dentro do seu casulo ela ouve a música do amanhecer E faz a sua dança sem seguir nenhum ritmo Mas sente-o Hoje é o dia desta larva se transformar em borboleta. Sobe e desce impaciente Do terreiro ao castelo, do castelo ao terreiro Ansiosa, receosa do que vai vir e vai ficar. Tudo o que é verde expira para o ar as boas novas E a cidade fecha os seus portões e recolhe Para receber a habitual raridade Sem nervosismos, sem OHs! nem AHs! de espanto Calma, silêncio e indiferença reinam.
Borboleta
Escrita Criativa
25 Só a nossa pequena larva pulsa dentro do casulo Até rebentar E os pedaços daquela casca gasta rebolarem para fora dos limites dos mapas Muito mais longe do que ela alguma vez irá. Antes do primeiro bater de asas Redes abatem-se sobre ela, fortes e inquebráveis A fuga é impossível. Também a borboleta tem de se transformar numa formiga Para não acabar com as suas cores alfinetadas à parede De um coleccionador de ocasião. Larga as suas asas e cai no chão Rasteja como um verme Carrega fardos dez vezes mais pesados do que o seu corpo E o que vê da sua baixeza? Dezenas, centenas, milhares de outras formigas iguais a si Sempre correndo, sempre esgravatando Trapaceando, infestando as ruas e praças de Leiria. Meia dúzia de formigas chico-espertas. Meia dúzia de borboletas sem asas. Meia dúzia de cascas no chão. Meia dúzia de sonhos. Filipa Reis Borboleta
Escrita Criativa
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Short movie* Foste… Esperaste pelo inverno das nossas vidas E largaste-me No precipício de um tempo sem retorno Que jaz à mercê de abutres famintos. Plantaste-me no vazio De um dia cinzento Que jamais sucumbirá À avidez da luz E partiste De mãos despidas Do que chamam saudade E da memória que um dia Nos comungou. E eu, Afundei-me na ânsia De um bilhete esquecido De uma palavra presa na garganta De um aceno que não chegou a abrir-se na tua mão. Fustiguei-me de culpas solteiras
Short Movie
Escrita Criativa
27 Como se o amanhã estivesse ao alcance De um apagador de giz Ou do clicar de um “rewind”** Que nos voltasse a fazer singular. Foste-te… E derrubaste-me enferma Como um pássaro de asas feridas Incapaz de voltar a voar Ou sonhar De se desprender de ti E voltar a perder-se neste labirinto mortal A que muitos chamam “vida” Mas que afinal, Não passa de uma curta-metragem De orçamento castrado Que se baseia nos passos cambaleantes Desta mísera alma perdida!
Vera Carvalho
Notas: *Curta-metragem **“Voltar atrás”
Short Movie
Escrita Criativa
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Tomo banho para limpar o sentimento de culpa Tomo banho para limpar o sentimento de culpa. Cai-me a água no corpo como se fosse vidros estilhaçados. Sinto a minha pele como se não tivesse pele. Sinto a cair-me a culpa aos bocados. Mas não passa de ser água que cai pelo corpo. A culpa essa sai só quando chego ao pateo e percebo que ainda é muito cedo para ser adulto.
A arquitectura simples de ser criança é uma mais valia em momentos que sentimos a culpa. O entendimento do Arquitecto confirma-me que o tempo de ser adulto está a chegar, mas que agora é tempo de beber a vida antes que a seca da rotina seque a vida. Sigo ao doutor. Cabelo ruivo. Coqueluche dos anos 80, ou um cabeleireiro vintage.
Boa tarde. Boa tarde. Vai ter de esperar. Temos sempre não é?
Encolhem-se ombros e olha-se para a televisão com maus
Tomo banho para limpar o sentimento de culpa
Escrita Criativa
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programas. A televisão também já teve melhores dias. A geração passada atrás dos velhinhos simpáticos já meio surdos desta geração, à frente gente nova da geração do agora. Presente. E eu no meio. Meio a ouvir o programa da tarde, meio a tentar não perceber quanto é o jackpot de que falam. Há sempre dinheiro.
Os velhinhos entram e fica só o mestre da Geração de 1915 a olhar para o cabelo ruivo. Antes isso que prestar atenção à Fátima Lopes. Mas para eles, isso não passa de ruído que não merece ser ouvido. A Dona Adelaide juntou uns tostões que foram roubados pelo sobrinho. Sacanas das crianças. Ao menos não se preocupam com banhos que limpam culpa....................................................... Essa? Essa já lá vai.
Francisco Marcos Gonçalves
Tomo banho para limpar o sentimento de culpa
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DESALENTO Já não sei fazer poemas Também não sei fazer canções Parece que se me acabaram os temas Enfrento agora outras decepções.
Leio pouco Escrevo nada Como se de tudo estivesse cansada Refugio-me em pequenas canseiras E a elas vou ficando acomodada.
Já não me lembro de rir De dar uma boa gargalhada Antigamente lembro que ria Ria por tudo e por nada.
Penso muito Falo pouco E já muito não falava
Desalento
Escrita Criativa
31 Gostava de ter vontade de cantar Como quando era miĂşda cantava.
Gostava ainda de estudar Como dantes estudava JĂĄ nĂŁo pensaria tanto Mantendo a mente ocupada.
Ana Maria Teixeira
Desalento
Escrita Criativa
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Palavras gastas Sentado em cima de uma base sem base, tento procurar o livro mais estragado da velha e dolorosa estante. Ela rangia uma dor enorme por suportar a mais perigosa e turbulenta história de amor. Um amor gasto pelo cair de tanta tempestade… foi rasgado pelo vento e morto por ti. A minha dor continuava… o meu desejo de te amar… penetrava em mim a vontade de te abraçar… de ver o teu sorriso… os teus olhos… a tua boca… eu suportava a dor de um amor mal acabado, de algo que quer renascer a toda a força, de algo que me atormenta… eu suportava-te dentro de mim. Eu suportava a dor de te perder… transporto a dor de te ver todos os dias, mas a minha vontade é esta mesma. É não permitir que saias do meu rumo. Quero ser o sinal que te faz alertar para parares à minha frente e que te derretas perante a minha dor, porque eu sei que também sofres por não estares do meu lado. É pena que não admitas o que realmente temos em comum: um amor correspondido. Não quero deixar de te ver. Tu és o alimento de que eu preciso para curar essa ferida que dói e que atormenta meio mundo. És a página que falta da minha vida… és o meu sorriso quando estou na tristeza. E agora? Quem me vai consolar perante a tua partida? Já
Palavras Gastas
Escrita Criativa
33 sei! O meu trágico choro suporta esse ódio que tenho em te perder. Não é um ódio comum. É um ódio imortal, uma zanga com a vida, o rasgar de emoções, mas um simples corte com a vida. Eu não sei viver sem os teus sorrisos. Eu dependo do teu toque… um suave toque no céu do meu coração que o transforma em nuvens azuis, cheias de vida. As tempestades passam a cada vez que me sento dentro do teu arco-íris. Eu fico radiante a cada vez que escreves a música que nos quer unir, mas fico triste quando o vento te quer levar do meu horizonte. Aí cai tudo. O mundo parte-se, a vida chora e eu morro por não te ter. O meu pensamento destrói-se por não conseguir chegar a ti no momento em que queria. A dor voltou, o meu destino corrompeu-se por entre uma estrada em que as máquinas partiam. Comecei a pensar e percebi que se tivesse de atravessar aquela estrada partida para te ver eu ia. Mesmo sabendo que podia cair num abismo e não chegar a ti, mas eu ia. Corria esse risco. Eu quase tenho a certeza de que não ia passar despercebido por entre os trabalhadores daquela estrada. Eles não me iam deixar cair, sabendo que podia morrer, mas eu ia, ia mesmo. Ia sem medo. Ia por ti. Talvez estivessem eles a construir a nova estrada que pudesse salvar o nosso amor. Não sei. Vou deixar o tempo passar e perceber se eles estão a construir a nova ponte de salvação ou estão a colocar em prática a nossa história.
Palavras Gastas
Escrita Criativa
34 Entretanto, percebi que estava a sonhar acordado. Tocaramme pelas costas e pediram que fizesse pouco barulho… acredito que esse meu barulho fosse tão insuportável. Decidi subir o escadote para continuar a procurar o livro, mas num instante eu caí nos braços de um anjo… não o conhecia. Estava desfigurado e, por momentos, tive receio do que ele me pudesse dizer. Levantei a cabeça e olhei-o nos olhos. Ele fez-me um sorriso e encaminhou-me para o livro que queria, mas antes disse que alguém lhe tinha pedido que me viesse salvar. Ele deixou-me e partiu. Entretanto cheguei ao livro que queria. Descobri que aquilo que queria era a poesia morta de uma pessoa falecida pela morte de um amor escondido pelo vento. Queria perceber as suas palavras, queria reavivar o meu amor por ti, queria chegar às palavras gastas, queria romper com o tempo, queria perceber porque te foste embora. Mas, entre as páginas de um livro escondido pelo pó, achei um bilhete que dizia: “Espera por mim, eu fui apenas numa viagem. Deixo-te esta carta, porque sei que um dia a vais encontrar e eu quero que sejas tu a encontrá-la e não eu a dar-te! Eu estou apenas a procurar o meu destino. Eu sei que é do teu lado, mas um dia vais perceber melhor o que quero dizer. Não ralhes comigo! Sê tu, estando eu aí ou não. E prometo um dia devolver-te a alma que tanto dizes ter perdido!”.
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35 Ia caindo novamente no chão e lá chegou o anjo. Olhou-me nos olhos e disse-me que te fosse buscar, que voasse em direcção a ti. Eu disse-lhe que não sabia onde estavas, mas ele reforçou-me as suas palavras! Peguei no teu texto para as mãos e corri do alto da estante… corria como um louco entre as tuas mãos… será que já estava nelas?! Não sabia para onde ia, mas eu corria entre a selva da vida. Isto só para seguir os conselhos do meu novo amigo: o anjo. Parece que, pelo caminho, era empurrado por ele para chegar a ti mais depressa. Olhei no fundo e vi alguém. Mas não eras tu. Acabei por perceber apenas uma coisa: tu devolveste-me a alma, mesmo não estando no lugar em que pensava que estivesses. O anjo só podias ser tu… ele era como tu: salvava-me sempre que o meu mundo desabava, ele mostrava-me as páginas da nossa vida, mostrava a dor do meu olhar, mas tirava-me o que eu mais queria: TU! Mas nesse mesmo instante percebi que as minhas palavras nunca ficarão gastas, por ti nunca ficarão. A minha dor permanecerá, mas nunca vou deixar de te dizer que eternamente serás o meu anjo! Por ti, ficarei à tua espera para no fim dizer que simplesmente: AMO-TE! Estas nunca serão palavras gastas! Diogo Cabral Palavras Gastas
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Críticas e Maldizeres
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Porque hoje é mais um sábado Hoje é sábado Dia de beber o mundo Dia de regurgitar toda a tristeza da semana Dia de sermos nós, poderosos do profundo
É dia daqueles que não fazem nada Ou daqueles que pelos cargos sociais fingem fazer Mostram ao mundo a sua escala Sendo o que não são para se entreter
É dia dos alapados do sofá Da política, como sempre, cantar mais baixinho Mas esses que se fartam de cantar vão para outro lado Só para serem perseguidos pelo caminho
É dia de sermos pobres, alguns desempregados aumentam por cá Como se já não bastassem os empregos Há sempre alguém que já, pensando na semana Aproveita se do declínio dos gregos
Porque hoje é sábado
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É dia de haver prostitutas Pagas pelo “oh sim” da clientela Que sem fugir, atadas com trela Fazem os gostos dos mais ricos
É fim de semana, olé diria eu Mas com tanta pouca vergonha no mundo Até mesmo um camafeu desocupado e desleixado Vive a pensar que já foi plebeu
Flávio Pereira
Porque hoje é sábado
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