Sonho de Escrever nº33

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Nยบ33 Janeiro 2014


2

Índice

Pág.

Editorial

3

Informações Culturais

4

Top de vendas de Ficção em Portugal

5

Top de vendas no Brasil

6

Carlos Marques Fotografia

7

Textos de participantes

10

Vida em Palavras

11

Meu eu no Mundo

17

Retrato Social

18

Noite das Perseguições

20

A Cigarra, a Formiga

22

Thriller La Fontaine

23

O exorcismo de Súcubus

25

Regras para Textos Enviados

63

Sonho de Escrever


3

Editorial Antes de mais quero desejar aos nossos leitores que um ano 2014 cheio de sucesso. Os textos da primeira revista de 2014 estão repletos de reflexões sobre o ser, a vida e a realidade social em que estamos e nos incluímos. Por esta razão e pela qualidade dos textos só temos um número muito interessante na Sonho de Escrever. É importantes sempre termos em mente a realidade e atualidade e as coisas que são preciso alterar e revindicar para que tenhamos as mínimas condições de vida e para viver os nossos sonhos. Pensem nesta pequena reflexão enquanto leem os novíssimos textos deste número. Como novidade temos o top de vendas de Portugal (fição) e do Brasil com a colaboração do Website Portal da Literatura. Sem dúvida um Website para todos os que gostam de ler e de escrever, não o deixem de ir espreitar (www.portaldaliteratura.com). Temos também a divulgação da biografia de um fotógrafo com um exemplar da sua obra. Esperemos que gostem deste número e não deixem de dizer a vossa opinião e enviar os vossos textos para o email asnossashistorias@hotmail.com Marta Sousa Sonho de Escrever


4

Sonho de Escrever


5

Top de vendas de Ficção em Portugal

Top de vendas do site Portal da Literatura (http://www.portaldaliteratura.com/top 10.php?pais=portugal ) Sonho de Escrever


6

Top de vendas no Brasil

Top de vendas retirado do site Portal da Literatura (http://www.portaldaliteratura.com/top 10.php?pais=portugal )

Sonho de Escrever


7

Sonho de Escrever


8

Carlos

Marques

tem

55

artifícios digitais, numa

anos de idade é natural

tentativa

de

de

mais

Évora,

a

vive

no

imagem

no

possível

é

captação.

Professor de Português na

contraste,

Escola

vivacidade dos espaços e

distrito

do

Porto,

concelho

da

Maia

e

Secundária

de

Alfena.

o

manter

das

A sua dedicação à fotografia

começou

bem

câmara

encontrar as

na

tentou

fotografia

diferentes

dimensões

A

luz,

o

a

sombra,

a

são

sentir motivado a olhar

perspetiva autodidata. Ao anos

da

argumentos fortes para se

através

dos

momento

pessoas

cedo, embora sempre numa

longo

do

próximo

da

objetiva

da

Dos seus trabalhos constam

fotografias

de

paisagem, de eventos, de

do olhar sobre as coisas,

pessoas,

os espaços, as pessoas e

forma única de olhar que

os

procura a cada instante.

ambientes.

trabalhos são recurso

Os

seus

fotográficos

realizados a

sem grandes

através

duma

A insatisfação, a procura

do

outro,

a

imensidão da vida são as

Sonho de Escrever


9

grandes motivações do seu

2012 – Centro Cultural

trabalho fotográfico.

de Alfena;

A num

vida

instante

acontece e,

sempre

Biblioteca Municipal de Gondomar;

que possível, quer estar

2013 – Fórum Cultural de

presente para o captar.

Ermesinde.

Neste momento está

Contactos:

a desenvolver um projeto

E-mail:

fotográfico

que

dará

cottonclub1958@gmail.com

origem

uma

nova

Blog:

a

exposição e a um livro de

osomdoentardecer.blogspot

fotografia.

.pt Facebook:

Exposições relizadas: 1999

-

Reguengos

facebook.com/pages/Carlos de

Monsaraz;

Marques Fotografia Telemóvel: 914923674

2004 - Leiria; Alcobaça;

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10

Sonho de Escrever


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A Vida em palavras E se ei te dissesse que podes colocar a tua Vida em palavras? Se eu te dissesse que tens tanto em ti, que podes partilhar e ao mesmo tempo desvendar? A nossa vida é um conjunto de inúmeras situações que vamos saboreando ao longo do nosso crescimento, da nossa caminha, situações que são uma fonte inesgotável de emoções,

sentimentos

e

que

moldam

os

nossos

comportamentos. Alguns momentos da nossa vida são partilhados com os nossos

amigos,

familiares,

colegas,

mas

outros

são

guardados dentro de nós, pelo receio da sua partilha, pelo medo de baixarmos as nossas defesas e também, pela fuga à sua compreensão profunda, devido às marcas que deixam e perpetuam em nós. Somos caminhantes de um percurso de alegrias, tristezas, de perdas e vitórias e são todos esses momentos que devem

ser

sentidos

apreciados

unidos

para

intensamente, que

ao

com

apreciar

os

cada

nossos segundo

possamos atribuir ainda mais importância à nossa Vida, à

Sonho de Escrever


12

nossa existência e à existência de todos aqueles que nos rodeiam. Mais do que as emoções que experienciamos em cada momento de aprendizagem, podemos também escrever sobre essas

situações,

revelando

um

grande

potencial

de

desenvolvimento que trazemos em nós e que muitas vezes não queremos revelar. Acreditem que somos capazes de expressar o que sentimos, o que vivemos, o que sonhamos, o que e quem somos. Quem

não

se

lembra

das

cartas,

por

exemplo,

que

trocávamos com os nossos amigos de infância? Eram cartas inocentes

onde

perpetuávamos

a

nossa

amizade,

onde

confidenciávamos os nossos segredos, onde fortalecíamos os elos que nos uniam. Este é um dos exemplos em que a nossa vida era colocada em palavras. Na nossa adolescência, muitos de nós, escreviam no seu diário tudo aquilo que mais ninguém podia saber, todas aquelas experiências e emoções que marcavam os nossos dias e que faziam com que sentíssemos a necessidade de partilhar, de colocar numa folha de papel, para que por

Sonho de Escrever


13

instantes parecesse mais real, eterno e pudesse ser entendido, a cada vez que era lido. Crescemos e muitas vezes, vamos esquecendo que cada dia sentimos novas emoções, em diferentes momentos ou em outros

tão

similares

com

os

que

vivemos

na

nossa

adolescência. Emoções que guardamos e julgamos entender, mas que ficam guardadas num recanto, para que um dia possam ser reveladas. É este o desafio que a Vida nos oferece: que escrevamos sobre o que sentimos, o que queremos, o que sonhamos. Não têm que ser palavras para serem partilhadas com o mundo, apenas para nos ajudar a compreender a nossa caminhada, o nosso mundo emocional. As nossas relações, estabelecidas em diversos contextos, são uma fonte de sentimentos e emoções distintas e são o motivo pelo qual sentimos necessidade de nos expressar, para que sejam aperfeiçoadas, valorizadas e mantidas durante um longo período de tempo. São a base das histórias da nossa vida, da nossa história

onde

entram

e

saem

constantemente

Sonho de Escrever

novas


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pessoas, que ao relacionarem-se connosco estão a nos oferecer oportunidades únicas para crescer. Escrever a vida não é fácil! Há momentos que não queremos relembrar, pela sua carga menos positiva e pelos efeitos que causaram em nós. Há outros momentos que nos fazem viajar no tempo e recordar os primeiros momentos,

as

primeiras

vezes.

Recordar

a

vida

em

palavras é recuperar as memórias, as pessoas que fizeram e/ou fazem parte da nossa história. Receias escrever sobre o teu passado? Não tenhas medo de olhar para o teu passado, pois foi esse tempo que te ofereceu oportunidades para cresceres e te desenvolveres e nos dias de hoje, é possível através das palavras regressar a esses momentos e até compreender o que na altura era de todo compreensível. Podes escrever sobre os primeiros amores, os professores e os anos escolares que pareciam intermináveis, podes recuperar alguns sonhos e ao explanares cada um deles, poderás vir a perceber que hoje, podes realizar alguns que tinhas deixado para trás.

Sonho de Escrever


15

As palavras que fores escrevendo vão pouco a pouco, ajudar-te a recuperar algumas emoções e energia, quando perceberes que cada dia foi um momento de aprendizagem e que o passado foi um mestre, que hoje podes utilizar para delineares o teu futuro. Queres escrever o teu futuro? Sem qualquer sentido divinatório, podes escrever sobre o quer querer atingir, o que ambicionas, como te vês daqui a algum tempo, quais as tuas metas e os teus objetivos. As palavras que hoje escreveres sobre o teu amanhã, tornam-se

coordenadas

que

te

orientarão

para

o

estabelecimento dos teus objetivos, o encontro dos teus propósitos e o atingir dos teus horizontes. Haverá sempre imprevistos e obstáculos a superar, mas se escreveres sobre aquilo que acreditas, que realmente queres para a tua vida, encontrarás as ferramentas necessárias para ultrapassares os simples ou grandes entraves da vida. A

vida,

quando

colocada

em

palavras,

torna-se

um

verdadeiro testemunho para ti e para todos aqueles que

Sonho de Escrever


16

um dia possam ler sobre quem és, o que viveste, o que queres viver, o que sentes e como sentes. As

palavras

dão

um

sentido

mais

real

às

tuas

experiências, como se fossem a materialização das tuas emoções, dos teus pensamentos e te imprimissem naquela folha para que quando olhares para ti mesmo, possas entender que ainda tens muito para descobrir. O que a tua vida tem para te dizer? O que tens para dizer da tua Vida? Experimenta

sentar-te

e

escrever

sobre

um

ou

mais

momentos da tua vida. Escreve sem juízos de valor, colocando cada emoção, cada pensamento, depois lê o que escreveste com calma e deixa fluir as emoções que existem em ti. A tua Vida tem muitas palavras para te ditar, permiteste agarrar essa oportunidade?

Ricardo Fonseca http://ricardosousafonseca.pt.to

Sonho de Escrever


17

MEU EU NO MUNDO Eu gosto da minha forma no mundo Porque representa uma fagulha Porque mostra um instante doce e perverso da ideia, do gesto e da realização de Deus no Universo. Eu gosto dos erros que pratico porque vejo a pureza colocada na minha essência desde o início Lutar contra todo o mal que em mim existe, é ser tão maior, quanto sobre toda a minha miséria que ainda persiste em apoderar-se de mim. Eu gosto de espiar... O meu olho direito tem quer ver sempre o esquerdo chorar Gosto de sentir a minha garganta se enrolar de dor, porque em troca de tanta coisa dolorosa Ele construiu em mim uma coisa gloriosa.

"E ISSO SE CHAMA AMOR" M.M.M. Sonho de Escrever


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Retrato social Eu não sou como o poeta Que sentia dor fingida. A minha dor é bem real Um flagelo na minha vida!

Dói-me ver o meu país Cada vez mais desigual Estando una minoria bem E a maioria com dor fatal!

Vejo dor na educação, Na indústria dor aguda. Uma dor evolutiva Que nem com intervenção muda!

Vejo dor no sector primário Pois nem a natura auxilia Geme o agricultor, da colheita escassa Geme o pescador da intensa borrasca!

Sonho de Escrever


19

Vejo mais dor no comércio E completa letargia. Na saúde dor latente Do médico e do paciente.

Dói-me ver as relações Entre as pessoas perdida. Dói-me ver tanta amargura, Dói-me não avistar cura!

Ana Maria Teixeira

Sonho de Escrever


20

Noite de perseguições Noite de perseguições, Noite de Suicídios, Noite de sofrimento,

Ah! Que estranho uma noite sem luz, Esquisito não ter luz no caminho, Só correntes de caminhos cheios de sangue, Oh! Que horror ver a sociedade a bater as botas.

Que horror a sociedade sem emprego, Que estranho ver uns a mendigar e outros a lixar as vidas dos outros, Ah! Odeio o Meu Mundo onde vivo!

Estou a chorar a ver crianças a fumar, Estou a ver que o mundo é como a sociedade, Mundo, anda atrás da minha alma, Corre atrás da minha ilusão.

Sonho de Escrever


21

Eu consigo enfrentar o mundo com a minha palma da m達o, Oh Mundo,

anda para a minha beira,

N達o atreveste a trair-me outra vez? Se n達o me ouves como se fosse um Deus!

Oh! Adeus mundo, Irei ignorante at辿 aos fins da minha vida. Adeus minha sorte e azar. Com um cheiro a sangue.

Bruno Costa

Sonho de Escrever


22

A Cigarra, a Formiga A formiga passava os dias a trabalhar. A cigarra passava os dias a cantar. Dias frios. A cigarra toca à campainha da formiga. - Vizinha, não há comida na minha casa. - Trabalhavas para a ganhar? - Cantava para animar os dias. A formiga tranca a porta. Passam vários dias. A formiga toca à campainha da cigarra. - Vizinha, não há cantigas na minha casa. - Não cantas para animar os dias? O acordo final? A cigarra vai a casa da formiga. A formiga dá comida, a cigarra dá cantigas.

Firmino Bernardo (www.vidaparaesquecer.blogspot.com)

Sonho de Escrever


23

Thriller La Fontaine1

Talvez só ela soubesse do sucedido. Era fulcral que só ela soubesse. Se a descobrissem, estaria tramada. E se alguém a tivesse visto? “Sei o que fizeste”, diriam. “O que fizeste no Inverno passado”. Mas quem poderia julgá-la? Aquela cigarra nunca se calava! No Verão só cantava, nada de trabalhar. No Inverno só mendigava, nada de cantar. Era sempre assim! Já farta, convidou-a para jantar.

1

Jean de la Fontaine (1621-1695) - poeta e fabulista francês

contemporâneo de

Racine e Molière - ficou famoso sobretudo

pelas fábulas que escreveu entre 1668 e 1694, inspirando-se no estilo de Esopo. Algumas das fábulas mais conhecidas são «A Lebre e a Tartaruga» e «A Cigarra e a Formiga».

Sonho de Escrever


24

Serviu-lhe p達o com cogumelos. Deixou-a estrebuchar. Enterrou-a no quintal.

Firmino Bernardo (www.vidaparaesquecer.blogspot.com)

Sonho de Escrever


25

O exorcismo de Súcubus Sou mais

jornalista

de

uma

década.

Licenciei-me em jornalismo e ciências da comunicação com a tenra idade de 24 anos, na universidade do porto. Desde trabalhei

então, sempre

como

«free lancer», colaborando com

vários

jornais

e

revistas.

Sempre gostei de rechear a minha vida profissional de uma forma aventureira pois sou dinâmico e faço tudo com muita paixão. Contudo, no dia em que me anunciaram o fecho da redacção do “Diário Popular”, soube, por inerência,

Sonho de Escrever


26

que o meu despedimento seria inevitável, e isso deixoume um pouco perdido e desapoiado.

Repentinamente, vejo-me desempregado e sem qualquer actividade profissional. Os meus dias tornaram-se chatos e aborrecidos. Contudo, não me deixei contagiar pela síndrome da ociosidade, e comecei logo a procurar outro emprego. Consultava sempre a pagina dos classificados de todos

os

jornais,

acedia

aos

sites de emprego da

Internet e comparecia no centro de emprego, três vezes por semana. Coloquei diversos anúncios na net e em alguns jornais da região, mas mesmo assim, o telefone teimava em não tocar e os e-mails que recebia, eram na maioria publicidade coisas sem interesse. Pouco a pouco, comecei a sentir-me frustrado, e comecei a ter insónias e sintomas preocupantes – temia uma depressão nervosa.

Ao fim de dois meses de expectativa e ansiedade, o meu telefone tocou. Eram sensivelmente 9 horas da manhã.

Sonho de Escrever


27

- Estou? – Atendi com a voz ainda embargada pelo sono. - Estou sim? Bom dia. Fala da Diocese de Lisboa. Foi o senhor que colocou um anúncio no jornal, a oferecer serviços para reportagens? – Era uma voz grave.

Parecia

ser

uma

pessoa

com

uma

idade

considerável. - Sim, fui eu. - A sua oferta ainda se mantém, meu caro senhor? - Sim, mantém-se... -

Então

gostaríamos

de

agendar

uma

entrevista

consigo. Compareça na igreja do Miradouro do Monte, em Lisboa, amanhã pelas 10 horas. A entrevista é com o padre Manuel Montemor. Não se esqueça de trazer o seu

curriculum vitae, por favor. - Com certeza. Estarei na igreja às 10 horas. – Respondi.

Desligaram.

Sonho de Escrever


28

Coloca-se

um

anúncio

a

oferecer

trabalho

como

jornalista e ligam-nos de uma igreja, a agendar um entrevista com um padre... A vida tem destas coisas!

Os tempos que corriam não eram fáceis. A minha namorada tinha saído de casa apos 3 anos de namoro, trocara-me por um professor dela, da faculdade. Estava sozinho, e arcava com as despesas todas. Vivia num T2 alugado, e precisava de arranjar trabalho urgentemente, uma vez que as contas se acumulavam dia após dia. O subsídio de desemprego não dava nem para o tabaco. Portanto,

eu

não

estava

numa

situação

em

que

pudesse escolher, ou até mesmo recusar qualquer tipo de oferta de emprego.

Segundo

o

relógio

da

torre

da

igreja,

eram

exactamente 9 e 45 da manhã quando lá cheguei. A porta estava aberta e decidi entrar.

Sonho de Escrever


29

Logo que transpus a entrada, fui abordado por um homem

magro

que

aparentava

ter

uns

sessenta

anos.

Trajava um fato civil. - Bom dia - cumprimentou-me. - Bom dia. Tenho uma entrevista marcada com o padre Manuel Montemor - respondi. - Com certeza. Aguarde um pouco, que o senhor padre vai já recebê-lo. Trouxe o seu curriculum? – Inquiriu o funcionário simpaticamente.

Dei-lhe o curriculum para a mão e ele voltou para dentro. Aguardei apenas 10 minutos até o funcionário voltar a vir ter comigo. -

O

senhor

padre

vai

recebê-lo

agora,

queira

acompanhar-me, por favor. Percorri o corredor da igreja, e notei que o cheiro do incenso que ainda se fazia sentir. Confesso que senti alguma paz ao contemplar as figuras sagradas que estavam expostas. Fui conduzido até uma sala pequena e um pouco húmida. O padre Montemor esperava-me sentado frente a

Sonho de Escrever


30

uma secretária. O funcionário trancou a porta quando saiu. O mobiliário, embora fosse de modelo clássico, era obsoleto e descuidado. As estantes guardavam alguns livros que aparentavam ser bastante antigos, e o recinto exalava um cheiro desconfortável a mofo. Assim que me viu, o padre levantou-se para me cumprimentar, e fez-me sinal para me sentar em frente a ele. Era um homem bastante alto e robusto, como um atleta. Não devia de ter mais de 40 anos. Contudo, tinha um rosto bastante consumido.

Apercebi-me que ficara a examinar cuidadosamente o meu curriculum.

- Já percebi que você tem muita experiência no ramo jornalístico. – Redarguiu ele, olhando vagamente para mim. - Sim. Já colaborei com vários jornais. Tenho muita experiência de cobertura de reportagens. Gosto muito de trabalhar no “terreno”.

Sonho de Escrever


31

- Eu chamei-o porque precisamos da colaboração de um jornalista experiente para fazer uma reportagem para a igreja...Está interessado? - Bem, sim... – Respondi balbuciante.

Sentia-me

confuso.

Contudo,

o

padre

Montemor

mostrou-se satisfeito com o meu curriculum e também com a minha experiência profissional, mas nunca me focou o “propósito” da reportagem. Esse assunto parecia que estava

envolto

num

segredo

misterioso,

que

ele

revelaria quando entendesse que fosse o momento certo. Obviamente, mostrei-me interessado. Não era com certeza o que eu mais ambicionava fazer (uma reportagem do foro eclesiástico), mas servia para me manter em actividade e isso era muito importante para mim.

Uma semana mais tarde, voltei a ser contactado pelo padre Montemor, que me falou com grande cordialidade,

Sonho de Escrever


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mostrando-se igualmente agradado por me ouvir. Todavia, insisti para que ele me revelasse definitivamente, que tipo de reportagem pretendia, pois já me estava a nausear tanto silêncio em redor de algo, que ele mais tarde ou mais cedo teria de me desvendar. - Tenho uma tarefa especial para si. É assim, como uma missão secreta... – A voz dele tornou-se quase inaudível. - Sim, senhor padre. Pode confiar em mim.

Reforcei. - Bem… - hesitou. - Quero que me acompanhe num... Exorcismo! -

Num

exorcismo,

senhor

padre?

Perguntei

incrédulo. - Mas isso existe? - Claro que existe! E é por isso mesmo que eu quero que

você

testemunhe.

Você

vai

ter

oportunidade

de

transmitir ao mundo algo que nunca ninguém viu. Um exorcismo relatado por um jornalista independente e com o seu curriculum, terá toda a credibilidade junto da opinião pública, entende?

Sonho de Escrever


33

Estava explicado o porquê da diocese procurar a colaboração de um jornalista experiente. Contudo não me senti minimamente defraudado com a proposta, antes pelo contrário. O exorcismo ia-se realizar na segunda-feira de manhã, na residência do “possuído”, que ficava no Seixal, uma localidade da margem sul do Tejo.

Eu já tinha ouvido contar histórias estranhas sobre casos de possessão demoníaca, mas sempre achei que as ditas entidades do inferno eram pura fantasia. São histórias de gente alucinada e supersticiosa. As ditas aparições ou possessões demoníacas são meras manifestações incorpóreas, cuja racionalidade nem sempre se consegue explicar. Óbvio que me sentia ansioso e pleno de curiosidade para efectuar a dita reportagem que

me

fora

requisitada,

mas

acontecesse

o

que

acontecesse, nada ia mudar a minha crença e resignação acerca deste assunto.

Sonho de Escrever


34

Comecei por pesquisar um pouco mais sobre este tema oculto. Não era que eu achasse que estava perante um embuste, até porque o padre Montemor não era de todo pessoa para isso. Mas resolvi documentar-me devidamente, antes de fazer a cobertura de um tema tão delicado como um exorcismo.

Fiquei

a

saber

que

existira

um

caso

bastante

mediático nos anos setenta, relacionado com este assunto - Anneliese M. Emily Rose. Uma jovem alemã de família católica,

que

começou

a

manifestar

fortes

sintomas

“paranormais” e comportamentos estranhos, que mais tarde seriam atribuídos a uma possessão Demoníaca. Em 1976, a diocese local autorizou o exorcismo, que fora um fracasso. No entanto foi a própria jovem que decidiu não voltar a ser exorcizada, atribuindo essa decisão

a

uma

aparição

da

Virgem

Sonho de Escrever

Maria,

que

lhe


35

oferecera

a

libertação,

deixando

livre

a

opção

do

martírio, caso ela desejasse. Anneliese faleceu com 23 anos por falência múltipla dos órgãos, após 10 anos de sofrimento. Os seus pais foram indiciados por homicídio involuntário e omissão de socorro. E os dois padres exorcistas

(Ernst

Alt

e

Arnold

Renz)

foram

também

condenados sob as mesmas acusações. Este caso serviu de inspiração a filmes como “ Exorcismo de Emily Rose” e “Requiem”.

Há também relatos sobre uma mulher em Itália que foi atormentada por pavorosos estados de angústia e longos períodos de insónia total. Durante um longo período foi tratada por métodos modernos de medicina e psiquiatria.

Posteriormente,

deram-lhe

alta,

considerando-a como um caso inexplicável. Mais tarde, um grupo

de

exorcistas

reconhecidos,

comprovou

a

sua

possessão e fez-lhe um exorcismo que durou três longas horas. A esse exorcismo assistiram vários sacerdotes, bem como um psiquiatra francês, o Dr. M.G. Mouret, que

Sonho de Escrever


36

deixou o seu testemunho escrito depois do que viu: «No caso

presente,

não

se

trata

de

qualquer

tipo

de

esquizofrenia nem de histeria, mas sim do controle da pessoa por parte de uma força exterior, que a igreja católica apelida de possessão. O único alivia desta mulher vem dos sacerdotes que se compadecem com o seu estado, lhe ministram os sacramentos e lhe recitam o exorcismo. Os fenómenos por mim observados levam-me irrefutavelmente

a

afirmar

tratar-se

de

possessão

autêntica».

Depois

de

pesquisar

atentamente

sobre

este

fenómeno, percebi que afinal havia matéria factual para uma grande reportagem. Esperava impacientemente pela Segunda-feira de manhã.

No domingo liguei ao padre Montemor, o relógio da parede mostrava as 15 horas. Pedi-lhe que me recebesse para combinarmos melhor os detalhes da reportagem que eu ia realizar no dia seguinte. Havia alguns pormenores que me

estavam

a

escapar,

e

precisava

Sonho de Escrever

de

alguns


37

esclarecimentos da parte dele. O padre Montemor, como sempre, mostrou-se bastante afável e disponível para atender às minhas questões. Então sugeriu que comparecesse na igreja nesse mesmo dia, por volta das 18 horas.

**

Quando

cheguei,

o

padre

Montemor

estava

no

miradouro da igreja, onde contemplava o rio e a cidade Eu estava deslumbrado com aquela figura. Era um homem que transmitia uma grande confiança. Alguém com quem nos sentimos muito bem, uma pessoa extraordinária e com

um

grande

humanismo.

A

minha

carreira

como

jornalista tinha-me dado a oportunidade de conhecer e conversar com grandes individualidades, desde políticos de

carisma

mundial

como

Xanana

Gusmão,

a

músicos

excêntricos como Ozzy Osbourne, mas o padre Montemor emanava uma aura diferente e era detentor de um fascínio

Sonho de Escrever


38

sobrenatural. Era possuidor de uma sabedoria fora do comum, o que me levava a admirá-lo com elevado respeito.

Como homem sábio que era, escutou com profunda atenção todas as minhas dúvidas e questões. De seguida elucidou-me melhor, sobre esta matéria tão controversa.

- Este assunto, nada tem a ver com coisas que se escrevem para aí, nem com filmes idiotas sobre este assunto. A possessão demoníaca existe. – Assegurou. - É um tema demasiado sério e a igreja persiste em negar a existência do demónio. Mas repare, no antigo testamento, a palavra «Satã» aparece citada 18 vezes, e no Novo testamento,

a

palavra

«diabo»

surge

35

vezes!

Não

podemos esquecer que o próprio Jesus realizou vários exorcismos. João Paulo II executou alguns também; três deles reconhecidos. - Fale-me deste caso em concreto, padre Montemor. – Insisti. - O possuído é um miúdo de 16 anos.

Sonho de Escrever


39

- Um miúdo? – Inquiri com alguma estupefacção. - Exacto. Chama-se Duarte. – Afirmou o padre, pegando

numas

folhas

de

papel,

que

pareciam

ser

relatórios médicos. - Aos catorze anos começou a sofrer de insónias, depois passou a ouvir vozes estranhas. A mãe, preocupada, levou-o ao médico, e o diagnóstico que lhe passaram, relatava que o miúdo tinha apanhado uma inflamação nos rins e na bexiga, e que isso lhe atacara o sistema nervoso. Mais tarde, as insónias agravaram-se, e o rapaz passou a ter vários espasmos e alucinações perturbantes.

Começaram

também

a

aparecer

estranhas

equimoses nos seus braços e nas pernas. - E o que disseram os médicos dessa vez?

-

Disseram

tudo,

mas

não

fizeram

nada

que

o

ajudasse. Até os dentes lhe arrancaram, por pensarem ser a

causa

dos

problemas.

Deram-lhe

injecções

e

electrochoques. O pobre Duarte, apenas com 16 anos, já

Sonho de Escrever


40

viveu um grande calvário. A mãe dele, a Dª Cândida, é viúva, sofre de vários problemas de saúde e é uma pessoa com poucos recursos, mas tem um espírito do tamanho do mundo, e muita fé para ver o filho curado.

- Que Demónio é esse, que se apodera do corpo de um jovem? - Neste caso, é uma «Demónia» – Assegurou Montemor por entre um estranho sorriso. - Explique lá isso, senhor padre. - O demónio é o «Incubus». Um demónio que muda de sexo. - Ah ... – Balbuciei, confuso.

- Narrativas antigas, falam de um demónio complexo e muito inteligente. Quando executa a mutação sexual, torna-se numa demónia, a Súcubus! - Pode ser mais preciso? – Insisti.

Sonho de Escrever


41

- Incubus - continuou - agia antes como Súcubus, ou seja, desempenhava o papel de «mulher», e o sémen recolhido no seu contacto com o homem, servia-lhe então para

fecundar

as

suas

vítimas,

posteriormente

como

Incubus, entende? – Indagou. Durante

muito

tempo,

acreditaram-se

que

eram

demónios diferentes, mas agora sabe-se que se trata do mesmo demónio, mas que assume sexos diferentes. - E foi essa demónia… que possuiu o corpo do jovem Duarte? – Perguntei com o objectivo de avançar no assunto. - Exacto! Duarte é um jovem com uma beleza fora do vulgar, e a mãe crê que esta possessão tem origem num feitiço perpetrado por uma jovem com quem o rapaz recusou namorar. - Isso é possível? – Perguntei, estupefacto. - Se o feitiço for bem executado, sim, é possível! Todavia, Súcubus veio à terra, e encontrou em Duarte tudo o que um demónio procura quando se apodera do corpo de alguém. - O quê, padre Montemor?

Sonho de Escrever


42

popular

Beleza

e

entre

as

Pureza.

Embora

raparigas

da

Duarte escola,

fosse

muito

é

jovem

um

profundamente católico, e segundo a sua mãe... ainda era virgem!

Não consegui dormir na noite anterior ao exorcismo. Como era possível haver tanta matéria sobre um assunto que, aparentemente me parecia tão sobrenatural e tão vago? Já tinha redigido cerca de 20 páginas sobre o assunto. E cada vez que as lia e relia, mais me certificava de que estava perante um trabalho primoroso. Já me estava a preparar para elaborar, aquilo que ia ser a “reportagem do ano”. Quando tivesse pronta havia de a enviar para uma grande revista nacional - Ia ser um “bomba”!

O

padre

Montemor

tinha

depositado

toda

a

sua

confiança no meu profissionalismo. Assegurou-me que não

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era

nenhum

“artista”,

e

nem

sequer

procurava

protagonismo. Afirmou que ia realizar o exorcismo com autorização expressa do Vaticano, sob o direito canónico (cf. Cic, can.1172).

**

As ruas do Seixal são estreitas e as casas são antigas. O padre Montemor estacionou o carro em contramão. A casa fica ali mais à frente - murmurou. Quando sai do carro, fitei uma tabuleta que dizia, “Rua dos pescadores”.

O prédio situava -se no âmago dessa rua estreita. Apercebi – me de que a nossa presença chamara a atenção da vizinhança, que surgiu nas janelas, benzendo-se, como se estivesse a passar uma procissão cá em baixo. Deduzi

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que toda a gente tinha conhecimento do que se passava com o Duarte. A minha ansiedade aumentava à medida que caminhávamos pelo meio da rua.

A

porta

foi-nos

aberta

mesmo

antes

do

padre

Montemor bater. Uma jovem, que aparentava não ter mais de doze anos, foi quem nos recebeu. - Olá senhor padre. Podem entrar. – Sussurrou ela, deitando-nos um olhar acanhado por entre os seus cabelos castanhos. Segui o padre, que dirigiu convictamente até ao quarto onde estava o Duarte. Pelo caminho, fitei algumas molduras

expostas,

que

me

apercebi

serem

do

jovem

Duarte. Após percorrermos o corredor, o padre deteve-se em frente a uma porta que estava trancada com correntes e cadeados. A parte superior dessa porta exibia uma enorme fenda. Subitamente dei pela presença duma mulher, mesmo atrás de mim.

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45

- O Duarte está a dormir, senhor padre. Está muito cansado, passou a noite com insónias. Sabe, “ela” não o deixa descansar – Percebi logo que era a mãe do rapaz. Carregava um ar pesado. Os olhos dela eram encovados como duas sepulturas.

«O que se passa aqui nesta casa?» – Interroguei para mim próprio.

- Espero que esteja preparado para o que vai ver a seguir. – Avisou o padre Montemor, enquanto destrancava os cadeados. Notei que a garota se tinha barricado atrás do maple, assim que se apercebeu que a porta ia ser aberta.

Do interior escuro do quarto despontou o horror pavoroso de algo que nunca imaginei ver em toda a minha vida. Deitado no centro de uma cama estava um jovem, cujo corpo balouçava pesadamente. Tinha os olhos revirados,

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onde se notavam as pupilas brancas, semelhantes aos olhos de um veado morto. O seu rosto, outrora belo, estava completamente desfigurado, e a sua boca estava revirada. Tinhas várias manchas secas do que aparentava ser sangue. Dos seus braços

franzinos

ressaltavam

artérias

inchadas

e

escuras, que pareciam estar prestes a explodir. Duarte não devia pesar mais de 30 quilos!

O seu sono, aparentemente profundo, fora quebrado pela nossa presença. Senti-me devorado pelo olhar temível que ele me lançou. Não era o Duarte que me fitava, mas o que estava dentro dele. Tomei a consciência de que não estava preparado para aquilo. O quarto

padre dentro.

Montemor Ele

avançou

tinha

uma

destemidamente figura

pelo

imponente,

e

embutido na sua sotaina negra, ficava com um ar que lhe abonava um ser ar invulnerável. Instalou uma pequena mesinha, onde colocou um pequeno vaso com água benta, um terço, um crucifixo com uns 20 centímetros, o hissope e

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por fim, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Fazia lembrar

um

guerreiro

a

preparar

as

armas

para

ir

combater o inimigo. O

exorcista

brandiu

o

crucifixo,

e

num

gesto

repentino, pousou-o sobre o peito do jovem, aspergindo-o com a água benta. Duarte (ou a demónia que o possuía) pontapeou o crucifixo com tal violência que acabou por ir bater na parede. A Dª Cândida apanhou-o do chão, devolvendo-o ao padre, que o colocou novamente sobre o peito do miúdo. Montemor estendeu a mão direita sobre o crucifixo, baixou a cabeça e sussurrou várias preces inaudíveis. Súcubus bufava e roncava dentro do corpo de Duarte.

-

«Hic

Est

Dies»

(1)

Proferiu

perceptível.

Sonho de Escrever

agora

de

forma


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- Não! - Um ronco grave saíra da garganta de Duarte. A voz que se escutava era feminina, mas profundamente desumana. - «Exi nunc, Súcubus» (2) - Não – Repetiu “ele”, sorrindo. Depois cuspiu para cima do sacerdote. -

«Exi

nunc

Súcubus».

Insistiu

o

exorcista,

imperturbável.

Os seus olhos acenderam-se na escuridão do quarto. Não procuraram por nada nem por ninguém. Fixaram algo que eu não consegui perceber o que era. Seguidamente o corpo de Duarte deu o solavanco e vomitou, agora na minha direcção.

O padre Montemor adoptou uma postura mais firme. - Demónio Súcubus, eu, sacerdote representante de Cristo,

ordeno-te,

preciosíssimo

sangue

em e

nome das

da

cinco

santa chagas.

cruz

do

Ordeno-te

então, Súcubus que abandones esse corpo e regresses para

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49

o inferno imediatamente. – Gritou o padre numa voz estridente, mas controlada. _________________________

(1) Este é o dia (2) Sai Súcubus

Ali estava eu, atónito, a assistir a algo que achava

apenas

ser

possível

em

filmes

“made

in

Hollywood” adornados com efeitos especiais e muita caracterização. Não podia haver teatralidade nenhuma naquilo. E mesmo que eu quisesse imaginar que tal fosse possível, as minhas dúvidas extinguiram-se depois do que vi a seguir.

Súcubus ergueu-se e afastou-se da cama, elevando o corpo no ar. – Não é possível – Deixei escapar.

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Súcubus elevou-se e desenhou um arco com o seu corpo, permanecendo imóvel durante algum tempo, nessa posição. Depois soltou um grito agudo que nos ensurdeceu a todos. Senti o odor da sua boca fedorenta levitar até às minhas narinas. - ABANDONA ESSE CORPO IMEDIATAMENTE! – Tornou Montemor. – PORQUE NÃO QUERES SAIR? - QUERO SER TESTEMUNHA. – Grunhiu. - Testemunha do quê? - DE QUE SATANÁS EXISTE!

A criatura desencadeou uma sucessão de convulsões violentas, que pareciam não ter fim, levando de rojo o corpo de Duarte, que já devia estar prestes a sucumbir àquela monstruosa violência. Montemor, sempre incansável, insistiu com ordens de expulsão do corpo daquele jovem inocente. - Sai Súcubus. Eu te ordeno, em nome de Cristo. A condenação eterna está à tua espera. Não há salvação para ti.

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Escutou-se

um

rugido

estranho

e

profundo

expectorado da garganta do ser.

Não dei pelo tempo passar, mas já ali estávamos há algumas horas naquele tormento infernal, que parecia infindável. Inesperadamente, apercebi-me que a demónia estava a acalmar, e que tinha começado a ceder às exigências do padre Montemor. Não demorou muito até “ela” dar os primeiros

ares

de

cansaço,

demonstrando

alguma

debilidade dentro do corpo do jovem. - Aproxima-te e beija o Cristo crucificado. – Ordenou Montemor. – Aproxima-te! Moribundo, Duarte sentou-se na cama e aproximou-se da cruz. Tinha os olhos negros, e da sua boca escapavase uma baba esbranquiçada e nojenta.

Por fim ele beijou o crucifixo.

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Montemor fê-lo levantar-se e beijar também a imagem de Nª Senhora de Fátima. -

Repete

Decretou

o

sete

vezes,

Exorcista,

“lesus,

que

também

Lux já

mundi”

mostrava

um

semblante de profundo desgaste. O possesso repetiu tudo vagarosamente. - Volta para o inferno, Súcubus. VOLTA PARA O INFERNO! – Vociferou.

Dª Cândida levantou-se e gritou na direcção de Súcubus, numa tentativa de ajudar Montemor. -Em nome da Santíssima Trindade, ordenamos-te que voltes para o inferno!

Eu tremia por todos os lados. Temia que a expulsão não se realizasse naquele momento, mas quando percebi pouco depois que estava enganado. O demónio já não habitava mais ali. Duarte fixou-nos com os seus olhos tristes e sem expressão, num misto de curiosidade e dor.

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53

O pesadelo vivo tinha acabado. Durante um momento não consegui mexer um músculo, nem respirar sequer. Tentei tirar alguns apontamentos, mas

as

minhas

mãos

tremiam

tanto

que

acabei

por

desistir. O quarto ainda tinha o fedor da demónia. Inesperadamente, Montemor abandonou a casa de forma súbita, sem dizer mais nada a ninguém. Pelo ar exausto e quebrado que ostentava, presumi que precisasse do seu tempo e espaço para se recompor, pois tinha travado uma luta titânica de horas e horas, num verdadeiro duelo do «bem» contra o «mal». Contemplei o Duarte. Agora sim, era o Duarte. Sorriu para a mãe, que correu feliz na sua direcção para o abraçar. - Meu filho, como estás? – Indagou ela, entre lágrimas - Estou muito cansado, mãe – redarguiu ele muito combalido. Parecia um bebé. - Dói-te a garganta, Duarte? - Não, mãe. Não dói. – A voz dele era suave.

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Não Consegui associar aquela voz, à que gritara estridentemente, momentos antes.

**

Não voltei a ver o padre Montemor desde então. Depois daquele embate sobre-humano contra uma «demónia» dos infernos, seria perfeitamente natural que ele se tivesse retirado para recuperar forças.

Após este episódio, várias coisas estranhas foram sucedendo. Desde o meu computador avariar, a minha cozinha ter pegado fogo por eu me ter esquecido de uma panela ao lume, e a mias estranha de todas: Tinha muitos pesadelos, onde o miúdo, o Duarte, me aparecia, a gesticular, como que a tentar avisar-me de algo que eu não conseguia compreender.

Com grande insistência, e após várias reparações no computador, pronta.

O

a

minha

director

peça da

jornalística

revista

estava

“visão”

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quase tinha


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demonstrado interesse em publicá-la. Para além da «pipa de massa» que eu ia auferir com a reportagem, estava convicto que a sua publicação e conseguinte divulgação, ia trazer-me uma grande notoriedade a nível nacional. Não havia de faltar muito até voltar a ter emprego num grande

e

prestigiado

publicação

de

um

meio

livro,

de

comunicação

também

estava

social nos

A

meus

objectivos.

No dia a seguir, enviei a disquete com a peça a um amigo e colega de profissão de longa data – o Vidal, que era correspondente no “El Mundo” em Espanha. Desde há

muito

que

partilhávamos

as

reportagens

que

efectuávamos, com o objectivo de elaborarmos um trabalho de revisão e correcção mútuo. Era uma parceria que resultava muito bem, confesso.

Uma

semana

depois,

recebi

um

telefonema

dele,

congratulando-me pelo trabalho realizado. No entanto alertou-me

para

um

situação

comprometedora,

que

me

deixou meio atarantado. Vidal desvendara que o padre

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Montemor tinha vivido em Espanha durante alguns anos, e que nesse período tivera uma vida bastante conturbada, tendo-se envolvido em algumas situações insólitas.

O motivo pelo qual ele tinha emigrado para lá, não era conhecido, mas nos primeiros anos em que viveu em Espanha, levou uma vida calma. Leccionou teologia em alguns seminários, dedicando-se, mais tarde ao estudo do exorcismo e demonologia.

Inclusivamente publicara um livro sob o pseudónimo de

«José

António

Fortea»,

com

o

título

“Demoniacum”. Mais tarde fora acusado de plágio por outro padre, que mantivera o anonimato para evitar escândalos públicos. Um

ano

depois,

viu-se

envolvido

num

escândalo

sexual, acusado pelos pais de um garoto de 14 anos, que o denunciaram de por ter violado o filho durante um

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exorcismo. Nada disto fora provado em tribunal, e o padre Montemor fora declarado inocente.

Todas estas declarações reveladas pelo meu amigo Vidal, levaram-me a procurar o Padre Montemor. Queria confrontá-lo com as informações que me tinham sido dadas. Não poderia publicar o meu trabalho sem ter a certeza de que estava a lidar com uma pessoa idónea sob todos os aspectos.

Quando

cheguei

à

Igreja

do

miradouro,

esta

encontrava-se fechada. Facto que estranhei bastante. Havia um comunicado fixado na porta, onde se lia, «Por motivos de doença grave do padre Montemor, a missa deste Domingo não se vai realizar.»

A minha suspeição aumentava a cada minuto. A história da “doença” não me estava a convencer, além disso, Montemor não aparentava ser pessoa de ir

tapete, por estar apenas doente – Não! Havia algo de

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esquisito naquele desaparecimento, e estava relacionado com o seu passado, de certeza absoluta.

Depois havia aquela história repugnante do seu envolvimento na violação de um jovem, o que me trouxe à memória recordações pérfidas da minha infância, e de traumas que au julgava estarem ultrapassados, pois eu também fora vítima de abusos sexuais pelo meu padrasto. Portanto,

este

tema

mexia

muito

comigo.

Sentia-me

nervoso e cheio de raiva do padre.

Preparei uma investigação rigorosa, unicamente com o objectivo de tirar a limpo todos os mistérios que envolviam o padre Montemor. Eram uma e meia da manha quando voltei à igreja. Tinha-me preparado para entrar e vasculhar tudo o que encontrasse lá dentro. Tinha que ser! Desse por onde

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desse. Fui cauteloso, pois não podia se visto a assaltar uma igreja aquela hora da madrugada.

Dei a volta ao edifício e descortinei uma porta lateral. Saquei duma gazua e comecei a tentar abrir a porta, que teimava em não abrir. Fui buscar um pé de cabra que guardava no carro, e com ele arrombei a porta. Emborquei cautelosamente para dentro da igreja, mas detive-me um pouco para ter a certeza que ninguém me tinha escutado a entrar. Desta vez, não senti o cheiro do incenso, e muito menos senti paz. Sentia sim, uma grande perturbação a crescer dentro de mim! Liguei a lanterna que trazia comigo, e percorri pelo corredor fora, até que tropecei em algo que estava no chão. Apontei a lanterna e vi que se tratava do corpo de um homem. Estava imóvel e havia uma poça de sangue que se espalhara à sua volta. Notei que tinha um grande golpe em redor do pescoço. Incrustado no meio daquele cenário lúgubre, senti que estava perante um ambiente de crime e horror.

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Foi no meio daquele silêncio sinistro que escutei um estranho e assombroso grunhido que irrompera do fundo do corredor. Inicialmente, pensei tratar-se de algum animal ferido, que tivesse penetrado para o interior da igreja. O grunhido repetiu-se, e após o escutar mais atentamente, percebi que se tratavam de vozes! Eram duas vozes

misturadas

num

uníssono

rude

com

cautela.

A

e

profundamente

gutural.

Aproximei-me

berraria

vinha

do

aposento onde tivera a entrevista com o padre quando lá fui pela primeira vez. Continuei a caminhar em frente. Estava agora a poucos metros de desvendar o mistério que se mantinha por trás da porta. Volvi a maçaneta e fiquei assombrado com o que vi. O

padre

Montemor

estava

completamente

nu,

e

gesticulava avidamente, numa posse lasciva, num clima de frenética loucura. -Súcubus! Meu grande e eterno amor. Finalmente me tens! Agora tens o meu corpo só para ti. Sou a tua

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dádiva. Possui-me para sempre, porque durante toda a vida te procurei, meu amor! – Berrava ele, dialogando com uma outra voz desconforme, mas que me era familiar – Súcubus!

Inesperadamente, o padre reparou em mim. Tinha um ar tresloucado, nem parecia a mesma pessoa. Levantou-se e dirigiu-se a mim com grande impetuosidade. Senti que ia atacar-me. Evitei-o e recuei, pois ele era um ser corpulento e bastante forte. Ele ia dar cabo de mim. Tentei fugir, mas

ele

alcançara-me,

agarrando-me

pelas

pernas,

começando a desferir-me diversos socos na cara. Voltei a escapar-me dele, mas o padre tinha-me agarrado, e num gesto bruto, mandara-me contra a parede com tamanha violência, que fez com que um crucifixo que estava na parede, se soltasse e embatesse no chão. O padre não desistia de me atacar, e novamente investiu sobre o meu corpo, tornando-me a encher a cara com violentos golpes.

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Já estava prestes a perder os sentidos, quando a minha

mão

apanhou

o

cruxifixo

que

caíra

no

chão.

Agarrei-o com força, e num golpe súbito, espetei-o na garganta do padre. - «Hic est dies» - Gritei eu de plenos pulmões. Montemor ficou imóvel, tentou arrancar o cruxifixo do seu pescoço, mas subitamente ia perdendo as forças, até que tombou no chão. Estava morto. Senti um misto de alívio e de culpa. Eu tinha assassinado um padre! Como ia eu livrar-me disto?

Quando me tentei levantar, senti uma mão pesada sobre mim. Tratava-se do homem que tinha encontrado no chão. Afinal estava vivo, e conseguira arrastar-se até ali.

- Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Eu assisti a tudo, e quero testemunhar a seu favor. Afinal você salvou-me a vida. Alexandre Cthulhu

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Regras para textos enviados para a Revista Sonho de

Escrever: - A Sonho de Escrever não se responsabiliza pelo conteúdo que é publicado, a responsabilidade é única e exclusivamente dos seus autores. - A Sonho de Escrever publica os trabalhos dos autores tendo como o limite a capacidade da revista, caso haja demasiados trabalhos enviados alguns poderão não ser publicados ou poderão ser publicados no número seguinte. - O limite de tamanho dos textos recebidos é de 1200 palavras se os textos não respeitarem estas indicações poderão não ser aceites. Os textos enviados deverão ser de ficção, poemas, crónicas ou críticas exclui-se textos informativos ou de utilidade documental. - A Sonho de Escrever não aceita textos com conteúdo sexual explícito. - Por norma só será publicado um texto por pessoa em cada número, podendo haver exceções por falta de trabalhos. - A Revista será publicada mensalmente mas apenas se forem recebidos pelo menos 5 textos de autores

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diferentes, senão será publicada apenas quando tiver o número de participações suficientes. - A Sonho de Escrever não corrige erros ortográficos nem faz alterações às obras enviadas, se for enviado algum trabalho poderá não ser aceite. - A Sonho de Escrever só aceita trabalhos escritos em português. - Trabalhos com expressões noutras línguas deverão ter uma nota no fim a dizer o seu significado, caso não esteja incluída poderão não ser aceites. - Trabalhos com direitos de autor registados na Sociedade Portuguesa de Autores deverão informar a SPA antes de enviar os seus textos para a Revista Sonho de

Escrever. - A Revista Sonho de Escrever publica somente textos autorizados pelos autores. Ficha Técnica: Mês de Janeiro 2014 n.º33 via Internet Editora: Marta Sousa Redacção: Marta Sousa, Ricardo Fonseca, Ana Maria Teixeira, Maria Manuela Macedo, Bruno Costa, Alexandre Cthulhu e Firmino Bernardo. Grafismo: Paula Salgado (logótipo e contracapa). As imagens dos textos na secção de textos dos participantes foram enviadas pelos respetivos autores. A imagem de capa foi retirada da Internet. Interdita a reprodução para fins lucrativos ou comerciais dos textos (excepto pelo autor do texto) e interdita a reprodução sem a indicação do respectivo nome do autor.

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