Nยบ37 Maio 2014
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Índice
Pág.
Editorial
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Informações Culturais
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De Zero a Dez
5
Top de vendas de Ficção em Portugal
7
Top de vendas no Brasil
8
Textos de participantes
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Partida Sentida
10
O meu Vento
11
Resiliência
13
Resiliência II
15
A Minha Família
16
História da Fundação da Santa Casa da Misericórdia
18
Gotas de Sangue
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Regras para Textos Enviados
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Sonho de Escrever
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Editorial O tempo começa a aquecer os nossos corações mas a paixão pela escrita e a leitura nunca arrefece. Este é mais um mês cheio de textos muito criativos que abordam temas muito variados mas o talento está ao rubro, como sempre. Este mês partilhamos o livro de Margarida Fonseca Santos que vai ter a sessão de lançamento no dia 14 de Maio em Lisboa.Este aborda uma doença afecta muitos portugueses e por isso saibam mais sobre este livro.Fui a uma sessão sobre escrita criativa dado por esta autora e posso dizer que me fascinou e que os temas que aborda nos seus livros são sempre muito pertinentes.Se ficaram interessados não deixem de ir ao lançamento do seu livro! Volto a informar aos nossos leitores e participantes que se tiverem algum livro publicado e queiram divulgar na Revista basta enviar a imagem da capa e a sinopse que podemos divulgar na rubrica “Informações Culturais”. Esperemos que gostem deste número e não deixem de dizer a vossa opinião e enviar os vossos textos para o email asnossashistorias@hotmail.com Marta Sousa Sonho de Escrever
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Sonho de Escrever
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De Zero a Dez de
Margarida Fonseca Santos
Leonor é uma mulher a braços com uma doença crónica, sem saber como conviver com o cansaço da dor e da dor do cansaço. Vê a sua vida espartilhada por condicionantes que influenciam o dia-a-dia, mas também o futuro. É através da ajuda de amigos, de uma relação médico/doente equilibrada, que reencontra uma vida a que pode chamar sua, onde a felicidade e o empenho no trabalho passam a ser uma realidade concreta, possível
e enriquecedora, uma vida onde a dor deixa de ser o centro. Este é um romance sobre a dor crónica. É igualmente um livro terapêutico, onde os caminhos e as estratégias para lidar com a doença se revelam a cada passo. É, sobretudo, um romance com esperança por dentro.
Não perca o lançamento do livro De Zero a Dez no dia 14 de Maio às 18h30m na Livraria Ferin.
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Top de vendas de Ficção em Portugal
Top de vendas retirado do site Portal da Literatura (http://www.portaldaliteratura.co m/top10.php?pais=portugal )
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Top de vendas no Brasil
Top de vendas retirado do site Portal da Literatura (http://www.portaldaliteratura.co m/top10.php?pais=brasil )
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Sonho de Escrever
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Partida sentida Foi duro. Partiste sem um beijo.
Tão incrédula fiquei que pensei estar numa existência alternativa. Como se esta realidade (em que pensamos estar) fosse um sonho - sendo os sonhos a nossa verdadeira realidade.
E foi passando. O tempo. A saudade, essa, ficará sempre.
Sei -agora- que foi bom. Partires. Ganho no autoconhecimento permitindo gigantescas descobertas: a força: a resiliência que desconhecia ter.
Foi duro. Mas o que é duro só nos enrigesse.
© Ana Ventura de Sousa
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O meu vento Eu e vento temos uma “coisa”. Especial. Só nossa. Toda a gente sabe. Espero sempre ansiosamente por ele. O quente... o dos tolos.
É quem me faz levitar e flutuar mas também quem me tenta abalroar e abafar. E no entanto, eu espero por ele... E espero sempre que ele me traga a paz, a liberdade e a euforia que quase sempre me faz sentir.
Mas o mesmo vento que me beija, também me esbofeteia. Foi esse vento que me fez ficar zangada, revoltada e magoada. Quando virou o meu mundo ao contrário.
Felizmente hoje percebo. O problema não está no vento, mas sim na forma em que entendo a sua mensagem. Tudo o que ele quer é atravessar o meu corpo e dar-me uma imensa energia que só cabe a mim saber usá-la da melhor maneira.
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Agora sei. Quando ele passa por mim, me levanta no ar e me empurra até eu não conseguir resistir, tudo o que quero é rir. Rir à gargalhada. Sentir-me eufórica e ser feliz.
Hoje sei... Não quero andar ao sabor do vento.
Quero sentir o sabor do vento.
© Ana Ventura de Sousa
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Resiliência Por mais tempo que o tempo tenha,não há nada que venha,mostrar-me que ainda há um lugar disponível para mim com ou sem senha,por mais passos que eu dê,perante a quantidade de caminhos à minha frente o meu coração sente e crê,que a minha vida tem sido demasiado séria e que
não
tem
havido
nada
que
a
entretenha.
os meus olhos são o reflexo de uma alma oculta,de uma mente
tão
transparente
constantemente
a
pagar
que
a
uma
minha
vida
multa,habituei-me
está a
estacionar os meus pensamentos e a ousar enfrentar os meus demónios interiores,esforcei-me a conduzir a minha vida por caminhos abertos e fechados,fizesse sol ou com o céu nublado o meu arco íris era sem cores,habituei-me a
avançar
com
ou
sem
montanhas...perante escalei,comecei
a
a
prioridade quantidade
movê-las
e
ousei
de e
escalar
montanhas a
que
comovê-las.
nasci com a aptidão de cair ao chão e levantar-me mais forte,nasci sem asas não sou nenhum anjo,não pratico o mal mas também não sou nenhum santo,enquanto toda a
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gente se preocupa com a morte,eu preocupo-me em criar algo
que
viva
para
sempre,não
sou
eterno
mas
sou
perverso,assedio o inferno com o propósito de violar o paraíso,com um copo na mão meio cheio e com outro meio vazio,olho-me ao espelho de cara lavada e agrido-o com o meu
sorriso
e
assassino-o
com
Rui Brandão
Sonho de Escrever
o
meu
riso.
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Resiliência parte II Nem tudo o que eu oiço me toca,nem tudo o que me toca me provoca,a sensação de insensível,é pura ficção na visão invisível,nem tudo o que eu decoro fico a saber de cor,apenas presto a atenção,dedico a minha concentração ao que denoto apetecível,porque às vezes confundo fome com apetite,no meu frigorífico interior existe um pacote de manteiga que só está acessível e ao dispor de quem eu permito,o charme da minha sina não desiste de me atrair para um erótico labirinto,as vozes confusas,difusas e dispersas,nas
quais
eu
tanto
duvido
como
acredito.
choco com as paredes da minha casa,como se eu estivesse num lugar ao qual eu não pertenço,choco com tudo o que me faça incomodo,sou perfeitamente imperfeito é com esta descrição que faço de mim mesmo com que eu convenço Deus a ter razões válidas para continuar a dar ouvidos de quem escuta às minhas preces,as linhas que nasceram tatuadas na palma das minhas mãos são a prova de que Deus escreve certo por linhas tortas. Rui Brandão
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A MINHA FAMÍLIA
É sem dúvida uma família numerosa E muito tradicional; É com graça Que a um grande centro comercial Eu a comparo afinal, Porque nela de tudo se pode encontrar: Operários, Escriturários, Poetas, pintores, Engenheiros, doutores, Serralheiros, vendedores, Cozinheiros, animadores. Mestres na sua arte e até naquela em que são amadores.
Por vezes a nossa casa parece o parlamento Onde todos os oradores querem intervir Sendo os mais velhos já um pouco moderados E os mais jovens demasiado agitados. Mas com muitos bonitos momentos Sonho de Escrever
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De verdadeiro debate com a assembleia toda a rir.
Na nossa família contra o governo sempre estamos E contra a redução dos deputados nós votar vamos. Como
deputada,
para
escrever
discursos
sempre
tive
habilidade Mas nunca fui boa a matemática Por isso esta noite com os meus colegas de partido fiz vigília E debatemos noite dentro esta temática Fazendo e refazendo a nossa contabilidade Para concluir que nesta família Até ontem mais um igual a trinta e nove era Mas hoje mais um já é igual a quarenta E começa uma nova era. Será que o parlamento aguenta? Chegaremos nós aos cinquenta?
Ana Maria Teixeira
Sonho de Escrever
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História da Fundação da Santa Casa da Misericórdia
Atribulada com os afazeres da regência do Reino, a Rainha D. Leonor recolheu-se no seu quarto para o descanso nocturno. Acomodou-se no seu leito, mas não sem dirigir uma súplica ardente à Virgem Maria, para que viesse em seu auxílio, pois grandes eram as suas responsabilidades e encargos. Agora que seu marido e filho a
tinham
deixado, pesava só sobre os seus ombros frágeis, o pesado fardo do governo da nação. sono agitado e inquieto.
Tinha por isso um
Parecia que todos os cuidados
por seus súbditos a atormentavam não só de dia, mas também de noite. Quando adormeceu, depressa se viu a passear pelas ruas de Portugal, onde encontrava aflições sem número para acalmar, e desesperos sem fim para socorrer. Não sabendo como solucionar tantos problemas, vagueava de rua em rua desorientada e desalentada, quando vê ao
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longe uma esbelta e bela Senhora vestida de branco, caminhar na sua direcção... Quando se encontraram, A Senhora de branco perguntoulhe: _____
Posso passear contigo pelas ruas de Portugal ?
______Mas quem sois Vós, Senhora ? perguntou D. Leonor. ______No fim do passeio te direi quem sou e o que quero. Foi simplesmente a resposta da Senhora. ______ Eu sou a regente do Reino, e não sei o que fazer pelo meu povo.
Meu marido el-Rei D. João II finou-se,
assim como meu filho, e eu fiquei só com a difícil e árdua tarefa de governar o reino, mas não sei nem por onde começar.
Esclareceu D. Leonor, contente por ter
encontrado Senhora tão nobre, para poder desabafar os tormentos da sua alma. ______ Faz tudo como Eu te disser. Respondeu doce e serenamente a branca Senhora.
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Caminhava D. Leonor de mãos dadas com a branca Senhora, e parecia-lhe que toda a sua angústia se esvaia por aquela mão até ao Coração da amável Senhora. A branca Senhora parecia ser de poucas falas, mas tinha um olhar tão doce, a palavra tão meiga e o andar tão sereno, que D. Leonor sentia chegar ao seu coração vindo daquela mão, deliciosas vagas de serenidade e confiança. Foram andando... andando... e encontraram um andrajoso esfomeado, que jazia na berma da estrada. Logo diz a branca Senhora a D. Leonor: ________ Vai buscar aquele homem, e coloca-o sob o meu manto.
D. Leonor assim fez, e nesse instante os anjos
ergueram o manto da branca Senhora que logo duplicou de tamanho. Entretanto uma majestosa figura celeste, que parecia ser o Príncipe dos Anjos, avançava atrás das duas mulheres e escrevia com uma pena de fogo, em folha de pergaminho debroada a ouro. Continuaram as duas mulheres o seu passeio pelas ruas de Portugal, agora já com o passo cadenciado e determinado, muito próprio de quem sabe o que quer e para onde vai.
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A certa altura vislumbraram uma criança abandonada, chorando e procurando agasalho e alimento entre o lixo deixado nas ruas. Logo diz a branca Senhora a D. Leonor: _______ manto.
Vai buscar aquele menino e coloca-o sob o meu D. Leonor recolheu aquela criança
desprezada pela sociedade dos homens civilizados, e colocou-a sob o manto da branca Senhora. De novo cada anjo pelo manto puxou, e de novo ele aumentou!
Pequeninos anjos sustinham o manto de todos
os lados, mas também socorriam e confortavam todos os que se abrigavam sob o seu poder protector.
Atrás, o
esbelto Príncipe dos Anjos escrevia... D Leonor, estava intrigada com toda aquela escrita, mas não se atrevia a interrogar a branca Senhora.
Continuaram as duas mulheres o seu passeio pelas ruas de Portugal, e encontraram no meio da praça, o cadáver de um enforcado que tinha sido ali abandonado!
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Logo diz a branca Senhora a D. Leonor: ________ Recolhe sob o meu manto o corpo insepulto. D. Leonor recolheu, e logo o manto cresceu, e o Anjo escreveu... Mais adiante, passaram as duas mulheres pelas grades de uma cadeia, e logo diz a branca Senhora a D. Leonor: ________
Pede aos meus anjos que retirem do meu manto,
pão, leite, e mel, e vai dar alimento àquele preso. E assim foi... O manto cresceu, o Anjo escreveu, e o preso agradeceu... D Leonor, continuava intrigada com toda aquela escrita, mas não se atrevia a interrogar a branca Senhora. Andaram mais um pouco as duas mulheres, e encontraram um velhinho em agonia. Logo diz a branca Senhora a D. Leonor: ________ Recolhe o velhinho sob o meu manto. D. Leonor recolheu, o manto cresceu, o Anjo escreveu, e o velhinho em paz faleceu... Muito andaram as duas mulheres pelas ruas de Portugal, até que por fim a branca Senhora em brandos modos e palavras suaves, voltando-se para D. Leonor disse-lhe:
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________
Eu sou A Senhora da Misericórdia, e quero que
transformes o meu manto num grande tecto, que será o de uma grande casa, A Santa Casa, onde abrigarás todos os necessitados de teu Reino.
Quero ainda que se cumpra em
todo o território da nação, as Obras da Misericórdia, que o meu Anjo escreveu... e entrega a D. Leonor o manuscrito de pergaminho debroado a ouro, que tanto a intrigara durante o passeio!
D. Leonor leu e fixou.
Estava escrito:
“ 1º Dar de comer a quem tem fome... 2º Dar de beber a quem tem sede....” e muito mais... O relógio da torre da Igreja em frente ao quarto de D. Leonor batia compassadamente as horas, registando a aurora de um novo amanhecer... e D. Leonor acordou, do seu sono reparador... e do seu sonho profético... Entra então no seu quarto, a empregada com a bandeja do pequeno-almoço, trazendo uma carta do Cardeal Patriarca de
Lisboa!
Que
assuntos
inesperados
justificariam aquela carta matutina?
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e
urgentes,
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D. Leonor abriu-a sofregamente ainda antes de saborear o apetitoso alimento! O Cardeal Patriarca enviara-lhe as Obras de Misericórdia tal e qual como em seu sonho o Anjo as tinha escrito! Ao vê-las D. Leonor exclamou: ________ Louvada seja A Virgem da Misericórdia. As suas Obras serão cumpridas.
Desde então a Virgem da Misericórdia, também chamada de Virgem do Manto, porque o Seu Manto crescia sempre que era necessário socorrer mais alguém, passou a ser A Grande Padroeira da casa fundada por D. Leonor: Casa da Misericórdia.
Lucília Guimarães
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A Santa
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Gota de Sangue Era uma tarde brilhante de Inverno. Os dois guardas deslocavam-se
a
cavalo,
percorrendo
a
imensidão
da
floresta que se estendia ao longo de um vale. Luriel puxou as rédeas do animal com leveza, no momento em que o
cavalo
deixou
transparecer
alguma
excitação.
O
companheiro de nome Salir encontrava-se a seu lado e apontou com a mão para o céu, anunciando a chegada de algumas nuvens. - O tempo vai mudar – disse, ao mesmo tempo que colocava uma mão sobre a testa. Luriel encolheu os ombros com indiferença e avistou o céu. - Penso que não – replicou. Acho que deveríamos seguir com o nosso caminho habitual. Salir sentiu o seu cavalo resfolegar e passou a mão com ligeireza sob o flanco do animal, numa tentativa de o acalmar. Levou dois dedos ao boné e fez sinal para que recomeçassem o percurso. O vento suspirava por entre os ramos, e as capas que os homens envergavam, abanavam com
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ligeireza. Apesar dos raios solares incidirem sobre os seus rostos, a temperatura descia gradualmente, à medida que o sol atingia o zénite. Juntos percorreram o caminho serpenteante da floresta e não tardaram a chegar a um terreno baldio que bem conheciam. As nuvens tinham-se tornado mais densas, e o vento que até então se mostrava manso, dava indícios de alguma agitação. Luriel saltou da sela e atentou o olhar no cenário circundante. Quando escudou os olhos do sol, avistou a enorme
casa
abandonada
que
fora
residência
de
uma
família que há muito tempo partira. A maioria dos habitantes da Vila argumentava que ouvia com frequência intensos barulhos vindos da casa, e alertara a guarda para
essa
situação.
Porém,
todas
as
vezes
que
os
oficiais entraram na residência a fim de averiguar a situação, a verdade é que nada viam ou ouviam. Tudo o que o intendente da região dissera para acalmar os ânimos
da
população,
era
que
certos
vagabundos
pernoitavam na casa, com o intuito de se abrigarem das noites mais frias do Inverno, e no momento em que avistavam alguém, limitavam-se a fugir. Luriel nunca se
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sentira satisfeito com o desfecho da história, e sentia uma enorme curiosidade, sempre que passava por ela. - É a casa outra vez? – perguntou Salir com uma voz ansiosa, vendo que o seu companheiro fitara-a por um largo momento. - Sim – confirmou Luriel, devolvendo-lhe o olhar. Acho que
está
na
altura
de
resolvermos
este
caso
–
acrescentou com veemência. Salir acenou em concordância. - Tens razão. Também não gostei da explicação que o intendente deu à população. Antes que pudesse acrescentar algo mais, já Luriel montava no cavalo e se dirigia em direção à casa. Salir carregou com os calcanhares no flanco do animal e seguiu o seu companheiro. Quando lá chegou, viu que Luriel tocava nas barras de ferro que ladeavam o jardim da casa. - Vagabundos é o que diz o intendente! – exclamou Salir, ao mesmo tempo que descia do cavalo. Luriel soltou uma pequena fungadela ao ouvir aquelas palavras.
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- Mais depressa acreditaria em fantasmas – respondeu com um gracejo. A sua voz era fria, semelhante à temperatura que se fazia sentir. - Vamos lá desvendar este mistério – disse Salir por fim, olhando para o portão da casa. As nuvens adensavam-se no céu e o sol mostrava-se pálido, à medida que beijava o horizonte. Luriel e Salir conduziram
os
cavalos
para
junto
de
uns
postes
e
prenderam-nos. Não tardaram a abrir o portão da casa, caminhando vagarosamente pelo terreno que preenchia o pátio. A temperatura descia a passos largos, obrigandoos
a
envolverem-se
nas
capas
dos
seus
uniformes.
Enquanto caminhavam, aperceberam-se que os seus pés calcavam solo arenoso. Luriel acelerou ligeiramente o ritmo dos seus passos e sentiu a sua respiração ofegar. Assim que pisara terreno mais sólido, deu por si a olhar de relance para o seu companheiro que ficara para trás. Salir inspecionava o solo com meticulosidade, tentando encontrar vestígios de pegadas. Luriel aproximou-se de uma das janelas que se situava ao seu nível e puxou da sua arma à cautela. Depois,
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semicerrou a vista, numa tentativa de perscrutar o cenário
interior,
mas
tudo
o
que
viu,
fora
um
compartimento a nadar em negrume. Contornou a primeira esquina da casa e reparou que começava a distanciar-se de Salir. Hesitou por instantes, mergulhado na dúvida se deveria prosseguir com o caminho ou regressar para junto do seu companheiro. Deslocou o peso de um pé para o outro e mostrou-se indeciso. Era novo no ofício e queria obter algum estatuto na esquadra. Se descobrisse o mistério da casa, os restantes membros da guarda olhálo-iam com respeito. O céu pintava-se de cinzento e algumas gotas da chuva começavam a cair, obrigando Luriel a pestanejar. No momento em que desviava o cabelo da face, ouviu um corvo crocitar. Luriel tinha um enorme fascínio por essas aves e sem que se apercebesse, deu por si a seguir a ave até às traseiras da casa. O corvo, por seu lado, saltitou até
junto
de
uma
pequena
caserna
e
sentindo
a
aproximação de Luriel, levantou voo num emaranhado de asas.
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Luriel viu a ave desaparecer por entre as árvores, e subitamente deu conta que se afastara do perímetro de segurança. Olhou em redor, numa posição defensiva e colocou o indicador próximo do gatilho da arma. - É melhor voltar para junto de Salir. – murmurou para si próprio. Depois tudo pareceu acontecer depressa demais. Sem que se
apercebesse,
ligeiramente,
e
a quando
porta
da
Luriel
caserna girou
sob
moveu-se os
seus
calcanhares, sentiu o seu corpo ser projetado por uns longos metros, embatendo com estrondo numa lápide que se encontrava parcialmente enterrada. Luriel tentou mexer um dos braços, mas viu que o seu corpo se estendia languidamente. Depois, num esforço descomunal, ergueu a cabeça e tentou descortinar o que tinha acontecido. Reparara que algo se dirigia na sua direção. Juntou todas as suas crenças e forças interiores, para afastar a sensação do medo que subitamente se apoderou dentro de si. Mas fora em vão. Para seu enorme pavor, viu uma criatura a meros centímetros do seu nariz. Era um urso.
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A criatura farejava o rosto de Luriel com curiosidade, e mordiscava com ligeireza o seu pescoço. O bafo acre da criatura puxou a sua bílis à garganta e fechando os olhos, forçou-se a soltar um grito de ajuda, para que Salir viesse em seu auxílio. Contudo, não foi mais do que
um
mero
gemido
gutural.
Era
o
medo
que
lhe
impossibilitava de gritar. O urso sentira o pavor que o espírito de Luriel emanava e não tardou a fitá-lo com olhos flamejantes. Luriel temeu, pois viu fúria nos seus olhos, e quando a boca da criatura se abriu, para o abocanhar, um súbito silvo fez-se escutar. Era um som penetrante e agudo, vindo do lado da caserna. O urso moveu o focinho para trás, e soltou um bramido em desafio. Mas o novo silvo que ecoara obrigou-o a fugir. Luriel
permanecia
aterrorizado.
Numa
tentativa
de
descortinar o que se aproximava, sentiu a sua vista ficar turva. - Salir? – perguntou com voz trémula e olhos indecisos. Uma silhueta ganhava contornos na vista de Luriel. Não era Salir, o seu companheiro. Era um outro homem. Tinha um rosto de palidez invernal e um odor que lhe confundiu
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ainda mais os sentidos. Luriel tentou dizer algo, mas em vão. Perdera os sentidos. *** -
Finalmente
–
balbuciava
uma
voz
que
lhe
soava
familiar. A mente de Luriel permanecia entorpecida e foi com esforço que habituou a vista ao brilho que incidia sobre os seus olhos. - O que aconteceu? – a sua voz era fraca. - Não te preocupes – disse Salir tranquilamente, ao mesmo tempo que pegava na parte de trás da sua cabeça. E acrescentou. - Os restantes guardas seguiram o urso. - O animal encontra-se no bosque. Assim que o vi, chamei por reforços – acrescentou, olhando em redor. Luriel
tinha
a
mente
num
alvoroço.
Tinha
os
acontecimentos frescos na mente. Tentou mexer a cabeça, mas sentia uma ligeira dormência no pescoço. - O maldito urso tentou matar-te. – protestou Salir com impetuosidade. Temos de curar a ferida que tens no pescoço. E benzeu-se em seguida. – Ainda bem que cheguei a tempo. Ouvi o teu silvo e vim a correr o mais
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depressa que pude. Porque não cumpriste com o nosso código de conduta? – perguntou com alguma petulância. Mas arrependeu-se em seguida, vendo o estado em que o seu companheiro se encontrava. Luriel falou-lhe do enorme empurrão que sofrera e da silhueta que vira. Que não fora ele assobiar, mas um homem com uma estranha aparência. Contudo, as palavras saíam-lhe com incerteza. Por alguma razão, pensou que seria algum tipo de ilusão que a sua mente criara no momento de colapsar. - Tens a certeza? – perguntou Salir com um arquejar de sobrancelha. Antes que pudesse acrescentar algo, um guarda aproximouse com uma arma empunhada na mão. - O urso escapou – começou por dizer. A criatura é matreira.
Fintou-nos
e
desapareceu
pelo
bosque
–
concluiu. Salir encolheu os ombros numa vaga concordância. - Teremos de voltar com os cães – disse, ao mesmo tempo que olhava para Luriel.- Será a única forma de o encontrarmos.
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O guarda anuiu. - O meu colega Luriel diz que viu um homem aproximar-se. Aparentemente afastou o urso e dirigiu-se na sua direção – disse Salir, ajudando o seu companheiro a levantarse. -
Faremos
o
perímetro
–
replicou
o
guarda
assertivamente. - Sim – confirmou Salir. E prosseguiu. - Mas levarei o meu companheiro para a esquadra e tratarei de chamar um médico. Ele não se encontra nas melhores condições. Mas assim que recupere, com certeza que nos dará mais informações. Quando regressaram para a esquadra, Salir e Luriel deslocavam-se no mesmo cavalo. Luriel ainda se sentia fraco,
mas
as
energias
do
seu
corpo
começavam
a
revitalizar. Assim que chegaram, Salir ajudou o seu companheiro a encaminhar-se para o seu escritório e forçou a sentar-se até que o médico chegasse. Luriel mexeu a perna com ligeireza e avistou o seu companheiro junto à janela. Depois, fechou os olhos, digerindo a intensidade dos acontecimentos. Não tardou a
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cair
num
sono
profundo.
Várias
imagens
enlutadas
invadiram a sua mente, naquilo que parecia ser um sonho, forçando-a a entrar numa espécie de embutimento. Parecia ser um sonho. Mas não era. Sem que pudesse obter algum controlo da sua mente, uma voz ecoou-lhe por telepatia.
Foi com enorme prazer que recebi a sua visita. Devo confessar que não recebia alguém há anos. Bem vi a forma como os seus olhos cintilavam quando me aproximei. Sabia que você era especial. O meu urso também o sentiu e foi por isso que não permiti que o comesse vivo. Por isso, daqui em diante, espero que me faça mais visitas. Na verdade, sei que o fará. Com a maior estima. Duque Bóris Vladescu
Luriel
acordou
distinto.
estremunhado
Subitamente,
o
e
soltou
seu
rosto
um
som
começou
mal a
empalidecer, e os seus olhos abriram-se abruptamente, ganhando uma coloração escarlate. O seu corpo enrijeceu e as veias entraram numa efervescência, tornando-as salientes.
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- Salir – balbuciou. A sua voz fugia-lhe das cordas vocais. Salir, por seu lado, encontrava-se demasiado absorto na contemplação da paisagem, para escutar os gemidos que o seu companheiro soltava. Porém, assim que terminou, girou sob os seus pés e o seu corpo estacou. - Mas o que…– foi tudo o que conseguiu dizer. Os olhos de Luriel não o largaram por um instante. Salir tentou
gritar,
mas
as
mãos
grossas
do
seu
colega
apertaram-lhe a garganta com demasiada força. Salir lutou e esperneou, até finalmente ceder. E só nesse momento Luriel parou. Aproximou-se lentamente do pescoço do
seu
companheiro
e
cravou-o
com
os
seus
dentes
aguçados. E então sugou, para seu enorme prazer. Sugou, sugou e sugou. Tiago Ribeiro
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Regras para textos enviados para a Revista Sonho de
Escrever: - A Sonho de Escrever não se responsabiliza pelo conteúdo que é publicado, a responsabilidade é única e exclusivamente dos seus autores. - A Sonho de Escrever publica os trabalhos dos autores tendo como o limite a capacidade da revista, caso haja demasiados trabalhos enviados alguns poderão não ser publicados ou poderão ser publicados no número seguinte. - O limite de tamanho dos textos recebidos é de 1200 palavras se os textos não respeitarem estas indicações poderão não ser aceites. Os textos enviados deverão ser de ficção, poemas, crónicas ou críticas exclui-se textos informativos ou de utilidade documental. - A Sonho de Escrever não aceita textos com conteúdo sexual explícito. - Por norma só será publicado um texto por pessoa em cada número, podendo haver exceções por falta de trabalhos. - A Revista será publicada mensalmente mas apenas se forem recebidos pelo menos 5 textos de autores
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diferentes, senão será publicada apenas quando tiver o número de participações suficientes. - A Sonho de Escrever não corrige erros ortográficos nem faz alterações às obras enviadas, se for enviado algum trabalho poderá não ser aceite. - A Sonho de Escrever só aceita trabalhos escritos em português. - Trabalhos com expressões noutras línguas deverão ter uma nota no fim a dizer o seu significado, caso não esteja incluída poderão não ser aceites. - Trabalhos com direitos de autor registados na Sociedade Portuguesa de Autores deverão informar a SPA antes de enviar os seus textos para a Revista Sonho de
Escrever. - A Revista Sonho de Escrever publica somente textos autorizados pelos autores. Ficha Técnica: Mês de Maio 2014 n.º37 via Internet Editora: Marta Sousa Redacção: Marta Sousa, Ana Maria Teixeira,Ana Ventura Sousa, Tiago Ribeiro, Lucilia Guimarães, Rui Brandão Grafismo: Paula Salgado (logótipo e contracapa). As imagens dos textos na secção de textos dos participantes foram enviadas pelos respetivos autores. A imagem de capa foi retirada da Internet. Interdita a reprodução para fins lucrativos ou comerciais dos textos (excepto pelo autor do texto) e interdita a reprodução sem a indicação do respectivo nome do autor.
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