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Entrevista Raquel Kritinas, secretária nacional pedagógica
«O método escutista vai ao encontro do que os jovens anseiam e precisam.» Raquel Kritinas é a nova secretária nacional pedagógica. O convite para este cargo surgiu de surpresa, mas não é mulher de recusar um desafio. A sua vida é muito marcada pelo ideal escutista e pelos grupos de jovens a que pertence. Nesta entrevista, Raquel falou-nos nas principais mudanças e prioridades, explicou os próximos projetos e no final assumiu que pretende deixar a semente para que se pratique Escutismo na sua essência. Susana Micaela Santos | Chefe de redação smicaela@escutismo.pt Fotos: João Matos, Raquel Kritinas e Gonçalo Vieira
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«Tenho plena consciência que o método escutista é o motivo pelo qual existe escutismo.»
Quem é a Raquel Kritinas? A Raquel tem 36 anos e é solteira. Sou engenheira de formação e trabalho numa sala de estudo. A minha vida é muito marcada pelo Escutismo e pelo que o ideal escutista me proporcionou ao longo dos anos mas também pelos grupos de jovens a que pertenço e pertenci, e ainda por todas as atividades em que participei. Também faço parte, recentemente, do Secretariado Diocesano Pastoral Juvenil do Porto. Sempre trabalhei com jovens e faço questão de estar presente em atividades de juventude, como é o caso das Jornadas da Juventude. Desde de 2009 que participo nos encontros da Comunidade de Taizé. Fala um pouco sobre o teu percurso escutista Entrei para o CNE em 2001, mas fui guia desde os nove anos, entrei para Associação de Guias de Portugal em 1989, porque em Cedofeita não havia Escutismo misto. Fiz todo o meu percurso nas Guias até Dirigente, e depois quando sai das Guias ingressei no CNE. Aqui fui Caminheira durante dois anos, depois fiz a minha for-
mação para Dirigente. No agrupamento fui Chefe de Unidade da Expedição, da Comunidade e do Clã e, Chefe de Agrupamento. Fui ainda durante seis anos responsável da equipa regional pedagógica dos pioneiros e marinheiros. Depois surgiu este convite do Ivo para ingressar a equipa Lais de Guia. Como é que surgiu este desafio de estares à frente da Secretaria Pedagógica? Foi um convite que eu não estava minimamente à espera. Quando o Ivo me convidou para ser secretária Pedagógica, e explicou quais o objetivos, eu identifique-me logo com a forma de estar e de pensar do Ivo. Porque as suas preocupações eram também as minhas, até pelo trabalho que desenvolvi na Secretaria Pedagógica da região. Não aceitei no imediato, acho que estas coisas têm de ser muito bem pensadas e ponderadas, porque infelizmente temos de deixar os nossos agrupamentos, mas tive o todo o apoio do agrupamento. O que me motivou aceitar o convite passa muito pelo que se pretende para a secretaria e principalmente sentir a necessidade
de renovar as equipas em todos os níveis, eu considero muito importante a renovação de mandatos. Por fim, não sou uma pessoa de recusar um desafio, e cá estou. Sendo o Programa Educativo o chamado "core business" da associação, sentes uma maior responsabilidade ao assumir o comando da Secretaria Pedagógica? Tenho plena consciência que o método escutista é o motivo pelo qual existe escutismo. Esta é a secretaria que se pode dizer que é o pilar do Escutismo. Sinto que as expectativas em relação à Secretaria Nacional Pedagógica são bastante elevadas. Eu, apesar de assumir um lugar de destaque nesta junta, não posso fazer este caminho sozinha, nós temos de trabalhar com os pedagógicos das regiões, envolvê-los mesmo no trabalho efetivo. Porque eles estão no campo, eles sentem as necessidades, eles vêm as dificuldades e nós temos de saber dar resposta ao que eles nos propõem. Por isso eu assumi esta secretaria, mas não estou sozinha, tenho uma equipa, tenho os pedagógicos que irão trabalhar comigo. Sinto que, sendo esta secretaria o pilar, tem um enfoque em cima dela e do trabalho que vamos desenvolver. Espero que todo o envolvimento e trabalho em conjunto dê bons frutos para o Escutismo. Explica-nos um pouco como está organizada a tua equipa. A Secretaria Nacional Pedagógica vai estar dividida em três grandes equipas: Equipa Nacional Pedagógica, que é constituída por uma equipa coordenadora; a Equipa Nacional das Secções (Lobitos, Exploradores e Moços, Pioneiros e Marinheiros e Caminheiros e Companheiros); e ainda a Equipa Nacional Marítima. Vamos ter uma componente muito forte que são os comités, onde têm assento os secretários regionais pedagógicos e os responsáveis de departamento das secções. É aqui que pretendemos trabalhar com eles o Programa Educativo e as alterações que pretendemos fazer. A outra grande equipa ainda está a ser maio 2017 | 15
«...potenciar a aplicação do método escutista, desmistificando as sete maravilhas que o constitui, principalmente no desenvolvimento de ferramentas para aplicação.»
formada, que é a Equipa Nacional da Pedagogia de Fé, o que pretendemos aqui é trabalhar um pouco mais a identidade católica do CNE, com mais conteúdos e ferramentas direcionadas para os elementos de forma a ajudá-los a trabalhar os objetivos educativos da parte espiritual, dando-lhes ferramentas da mística e simbologia. Verificámos que existia uma grande dificuldade de os Dirigentes implementarem a Pedagogia da Fé nas suas unidades. Por fim, a Equipa Nacional dos Projetos Educativos, onde vão estar inseridos todos os projetos que sejam transversais a mais do que uma unidade, como por exemplo as 48Horas de Voluntariado, os Mensageiros da Paz. Temos ainda em vista formar uma equipa de Vida em Campo, que achamos que é premente, pois foi mais uma das dificuldades que analisámos, falta de técnica, falta de vida em campo dos elementos. Quais as grandes prioridades da tua secretaria para este mandato? As prioridades vão um pouco no seguimento do que já falei anteriormente que passa pelo envolvimento das regiões no trabalho, potenciar a aplicação do mé16 | Flordelis
todo escutista, desmistificando as sete maravilhas que o constituem, principalmente no desenvolvimento de ferramentas para aplicação. Eu gosto muito de uma frase de B-P que tem muito a ver com isto «Os princípios do Escutismo estão todos certos, o êxito da sua aplicação depende do Chefe e do modo de como ele os aplica» e é isto que pretendemos, dar as ferramentas para que se possa aplicar nas unidades o método escutista. Depois quero dar destaque às atividades escutistas, nomeadamente as ao ar livre, como oportunidades educativas para a vivência do método, dar enfoque à técnica escutista, simplificar processos, diminuir a carga burocrática para os Dirigentes, para que eles se possam centrar no processo educativo das suas unidades. Neste ponto os dirigente têm sentido que estão bastante sobrecarregados de trabalho e depois quando chega a parte da ação educativa na unidade fica sempre aquém do que gostariam. Outra das nossas prioridades será clarificar as vertentes escutistas do CNE, apoiando o Escutismo Marítimo e desenvolver o programa piloto do Escutismo do Ar.
No programa que apresentaram aquando das eleições, um dos pontos que realçavam seria a aplicação efetiva do método escutista. Esta necessidade dá-se porque consideram que o método escutista não está a ser bem aplicado e trabalhado? Fala-nos de mais mudanças que pretendes implementar? Toda a minha equipa vem das bases e de trabalho em agrupamentos. Isso é importante, porque nos fomos deparando com algumas dificuldades que em primeira mão tem que ver com a implementação. Não vamos mudar tudo mas sentimos necessidades de existir ajustes ao programa educativo nomeadamente no sistema de progresso, acho que é visível e toda a associação sente que é preciso haver ajustes
no sistema de progresso. A minha equipa sentiu que nos últimos tempos foi dado demasiado enfoque ao sistema de progresso e as outras seis maravilhas ficaram um pouco para trás. O método funciona porque são as sete maravilhas a funcionarem em conjunto. Acho que quem trabalha nas bases percebe que o sistema que temos é muito complicado para se implementar no dia a dia de uma unidade, tem muita burocracia, está demasiado escolarizado, as pessoas por vezes não se conseguem adaptar às atividades que estão a realizar na unidade, os Conselhos de Guias tornam-se muito grandes, porque
servem para validar objetivos e não para tratar da vida da unidade. Tudo isto tem de ser adaptado de forma a não se perder o “jogo escutista”, é por isso que os jovens aderem. Outra mudança que pretendemos implementar tem que ver com o próprio funcionamento dos comités, a ideia é criar mais grupos de trabalho. Temos sempre uma porta aberta para os secretários regionais. Sentimos também a necessidade de clarificar o método de projeto, da avaliação intercalar. Conseguimos ver que nem todas as unidades aplicam o método projeto
«Acho que é importante as regiões sentirem que fazem parte do nosso trabalho e desta equipa.»
da mesma forma, principalmente nas fases de implementação. Juntamente com o sistema de progresso, queremos revisitar o sistema de especialidades de forma a ter um carácter mais geral e o lobito/escuteiro poder escolher aquilo que quer e não ter de ir por áreas. Que tipo de proximidade pretendes ter com as regiões e como a pretendes implementar? Acho que é importante as regiões sentirem que fazem parte do nosso trabalho e desta equipa. Posso dar a minha experiência de quando era responsável regional e quando ia aos iPE (Encontro Nacional de Responsáveis Regionais e de Núcleo das Secções) e o que sentia era que ouvíamos a informação que tinham a transmitir, nós dávamos as nossas opiniões, mas o trabalho não passava por nós. Eu penso que para nós sermos próximos das regiões elas têm de se sentir próximas. Ainda estamos a estudar a melhor forma de termos uma rede de comunicação com os secretários pedagógicos. Outra questão tem que ver com a formação das equipas. Estamos a tentar ter o maior número de regiões possível representadas para uma maior abrangência nacional. maio 2017 | 17
Na tua opinião, o Escutismo que se pratica de norte a sul, incluindo as ilhas, é um Escutismo de qualidade? O que gostarias de mudar? Eu acho que sim. Nós continuamos a ser o maior movimento juvenil do país por esse motivo. Nenhuma realidade é igual, nós sabemos que mesmo dentro da mesma região temos agrupamentos que são diferentes e que implementam o programa educativo da mesma forma. Mas na sua maioria acho que sim, que se pratica um escutismo de qualidade. Acho sim, que há coisas que se estão a perder, sendo uma delas a vida em campo, o contacto com a natureza, mas também se deve às condicionantes legais. Estamos cada vez mais a praticar um escutismo de sede. B-P dizia que: “Os homens se tornam senhores pelo contacto com a natureza”. Devemos reforçar que a vida em campo é essencial no escutismo, porque é um movimento da natureza e para a natureza.
Na tua opinião, porque é que o Escu-
«...devemos reforçar que a vida em campo é essencial no Escutismo, porque é um movimento da natureza e para a natureza.» tismo continua a ser tão atrativo para os jovens? O método escutista vai ao encontro do que os jovens anseiam e precisam. Os jovens precisam de referências, de valores, precisam de um ambiente seguro, e acho que é muito importante eles saberem que aqui no Escutismo podem errar sem serem julgados, como muitas vezes acontece na escola. A pedagogia do erro é uma das mais-valias do Escutismo. O próprio sistema de patrulhas, eles sentem-se integrados num grupo, um grupo de pertença. O Escutismo dá resposta ao que os jovens pretendem, é claro que o programa educativo tem de se saber adaptar às novas gerações. O método em si tem 100 anos e continua a ser atrativo por tudo o que eu disse.
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No final deste mandato, que trabalho gostarias de deixar feito? Nós quando assumimos estes cargos temos sempre muitas expectativas e muitos sonhos. Eu gostava de ver os escuteiros muito mais envolvidos nas comunidades. Acho que o Escutismo pode dar um contributo ainda maior na sociedade. Gostava de ver escuteiros a acampar todos os fins de semana, Principalmente gostava de ver escuteiros felizes. Acho que a nossa grande missão é mesmo essa: formar cidadãos felizes e comprometidos com a sociedade. Em relação ao sistema de progresso, não sei se vai ser possível ainda no final deste mandato ver algumas mudanças. Há coisas que temos consciência que não vamos conseguir visualizar neste mandato, mas pretende-se deixar a semente.