Espaço Numerática - História de um Percurso

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EspaçoNumerática história de um percurso (inacabado)

A todos os que se cruzaram comigo ao longo deste percurso e, de algum modo, participaram em uma ou mais das suas etapas, a minha enorme gratidão. Lucília



O PRESENTE AO ENCONTRO DO PASSADO Olho para trás e tento imaginar o que poderia ter acontecido se na altura em que assumi o maior e mais importante compromisso da minha vida soubesse de antemão que ele implicaria uma longa “travessia no deserto”. Possivelmente teria adiado tarefas, retardado decisões, parado a cada dificuldade surgida, desanimado perante cada deceção. Quem sabe até, desistido de continuar a caminhar sempre que o cansaço se tornava exaustão, e cada expectativa criada, em vez de meta atingida, se revelava apenas o fim de uma etapa a que outra se seguia. Assim, não. Não sabendo o tempo que demoraria a caminhada, mas plenamente convicta de que havia uma meta a atingir, só me restava caminhar. Caminhar… caminhar sempre, animada pela esperança de que a missão a que me entregara por inteiro seria levada a bom termo e um dia chegaria ao fim. Mesmo que esse fim já tantas vezes se me afigurasse próximo, para logo se afastar como horizonte longínquo… E agora?... Apenas mais uma etapa, ou quase a chegar à meta? Sinceramente, não sei. Só sei que o caminho, por enquanto, continua a abrir-se à minha frente e que, olhando para trás, ainda retenho algumas memórias de como tudo começou e de como cheguei até aqui.

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REVELAÇÃO INESPERADA

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Lobito, Angola – 1968. Para mim, o ano da grande mudança. O penúltimo de uma década agitada em que o movimento “contracultura” atinge o seu auge e os movimentos pacifistas ganham força e expressão. Época em que os padrões sociais e morais são fortemente abalados e a religião tende a fundir-se com o misticismo. E eu, já casada e com dois filhos, mas ainda muito jovem, no centro de todo aquele turbilhão de mudança, em busca do meu caminho… Se, para a história, o Maio de 68 foi mês de Revolução, para mim, o mês de Outubro, foi mês de Revelação. Até aí apenas inquietação e procura. A procura de quem buscava o verdadeiro sentido da vida e pressentia que, no âmago dessa procura, se escondia a busca do Ser transcendente a que se habituara a chamar Deus. Foi preciso, no entanto, que primeiro me dispusesse interiormente a acertar o Estúdio onde iniciei o meu trabalho de pesquisa passo com o compasso da vida, para que tudo acontecesse como súbita revelação. Momentos breves que me projetaram numa dimensão intemporal e me permitiram antever caminhos e acontecimentos que me estavam destinados, mediante condições que aceitei sem hesitar. E assim nasceu a minha fé e me comprometi com o meu “sim”, dando início a uma pesquisa na qual me pus por inteira. 2


Restinga da cidade do Lobito, onde morava 3


UMA PALESTRA PROFÉTICA Quando, meses antes, assisti a uma palestra sobre as dimensões e simbolismo da Catedral de Chartres, na então Associação Comercial do Lobito, proferida pelo arquitecto angolano Luís Taveira, estava longe de imaginar que o tema Geometria Sagrada viria a estar no centro desse acontecimento marcante que transformou por completo a minha vida. Eu que fora boa aluna a Matemática até dela me “divorciar” vergada ao incómodo peso de um “chumbo”, parecia agora disposta a reconciliar-me com ela, embora em termos diferentes daqueles que a ela me tinham unido no passado. Agora sim! Havia um propósito! E ele não passava apenas pela ciência, mas também pelo misticismo… Sem ainda saber porquê, o conceito de Número parecia fazer questão de regressar à sua origem, e algo muito forte me dizia que eu deveria ir ao seu encontro para o poder trazer de volta ao âmago da Ciência e da Religião.

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Uma das rosรกceas da Catedral de Chartres 5


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A PARTIR DO ZERO Ainda hoje me pergunto como foi possível dar início a uma pesquisa da qual desconhecia totalmente o conteúdo. Mas a verdade é que, mesmo partindo do Zero, o caminho foi-se abrindo depois que as minhas ferramentas de trabalho – papel quadriculado, lápis, borracha, régua, esquadro e compasso – passaram a fazer-me companhia diária num estúdio situado por cima da garagem na parte traseira da minha casa. Começaram assim os meus primeiros desenhos. Traçados surgidos muitas vezes de forma intuitiva, que fui tentando interpretar ao ritmo das leituras que paralelamente ia fazendo.

Um dos muitos desenhos que fiz em 1969 7


UM ENCONTRO ESTIMULANTE Na cidade onde vivia eram escassos os recursos de natureza cultural. Daí a dificuldade em obter livros sobre os temas que passaram a interessar-me, sendo os poucos que havia quase todos editados em francês ou inglês. Além disso, não havia ninguém com quem pudesse dialogar acerca da pesquisa que havia iniciado, a qual prosseguia, sobretudo, de forma intuitiva. Tudo me levava a crer que a minha intuição estava certa. Mas a confirmação só chegou numa deslocação que fiz a Luanda para me encontrar com o engenheiro António José Ferreira Neto, cujo contacto me foi recomendado por uma tia minha de quem ele era amigo. Quando este me recebeu em sua casa, debaixo do braço, enroladas, apenas levava comigo algumas das folhas com os desenhos que até ali havia feito. O encontro não deixava de me intimidar. Afinal, ele era um reputado homem de ciência, enquanto eu não passava de uma principiante amadora. Por isso fui logo pedindo desculpa, alegando que tudo aquilo que tinha para lhe mostrar era extraordinariamen te simples. Mas a resposta que recebi, além de pôr-me à vontade, viria a ficar para sempre gravada na minha memória: – Ainda bem! É na simplicidade que está a verdade! Fiquei então a saber, ao longo da conversa que tivemos, que também ele andava à volta dos chamados ternos pitagóricos, a tentar descobrir os segredos que se escondiam por trás deles… Finalmente, para meu consolo, acabava de encontrar alguém com quem podia partilhar ideias e também o meu trabalho. Quis, no entanto, um desígnio superior que ele viesse a falecer cerca de um ano mais tarde, o que de novo me remeteu a um total isolamento. 8


Pitรกgoras em uma das arquivoltas do portal oeste da Catedral de Chartres 9


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BREVE ESTADIA EM CAPE TOWN Sentindo que para poder prosseguir com a minha pesquisa muito teria que ler e aprender, parti para a África do Sul – Cidade do Cabo –, com a intenção de ampliar os meus conhecimentos de inglês. A estadia lá, porém, não foi além de 3 meses e com resultados aquém dos pretendidos.

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RUMO A LONDRES Em circunstâncias pessoais cada vez mais complicadas, decidi então ir para Londres. No meu íntimo continuava a esperança de aprofundar os meus conhecimentos de inglês, adquirir livros que pudesse ler, e encontrar pessoas interessadas na área da minha pesquisa com quem pudesse dialogar. Tudo parecia correr bem no início, de acordo com os objetivos propostos. Mas a decisão de ficar sozinha no apartamento de um casal amigo durante as suas férias de verão em Portugal, para melhor poder concentrar-me no meu trabalho, acabou por precipitar acontecimentos que me levariam a um internamento compulsivo num hospital psiquiátrico. Dias após ter chegado a Londres

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Revisitando o passado 40 anos depois

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DESCIDA AO INFERNO Quando um misticismo levado ao extremo entra em rota de colisão com um intenso sentimento de culpa provoca no interior do ser humano uma desintegração devastadora. Foi o que aconteceu. Daí que, ao entrar no hospital psiquiátrico para onde me levaram, carregasse comigo todo o peso da frase inscrita na porta do inferno mencionada na obra-prima de Dante Alighieri, A Divina Comédia: Deixai toda a esperança, vós que entrais! Sentença sem qualquer remissão possível, não fosse atenuada pelo ditado de Epicuro citado num dos livros do filósofo estoico romano Séneca, contemporâneo de Cristo, e também numa das suas cartas enviadas ao seu discípulo Lucílio: O conhecimento do pecado é o início da salvação.

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Dante e Virgílio nos portões do Inferno (ilustração de William Blake)

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UMA ÁREA EM QUE A MEDICINA É MÍOPE No relatório enviado pelo médico que me acompanhou no hospital de Londres ao que iria seguir-me em Lisboa a minha “doença” tinha um rótulo: esquizofrenia. E que sabia eu, nessa altura, sobre esquizofrenia ou qualquer outra doença do foro psiquiátrico? Nada. Absolutamente nada! Ainda que, alguns anos antes, a minha nagústia e desespero me tivessem levado, literalmente, a bater com a cabeça na parede, e a dizer para mim própria: se desta vez não enlouqueço, creio que nunca mais vou enlouquecer. Engano o meu, pois, desta vez, como viria a reconhecer mais tarde, cheguei mesmo a ultrapassar a linha imaginária que separa a sanidade mental da loucura, embora me pareça que, antes de entrar no hospital para onde fui levada à força, o corte com a realidade à minha volta não tivesse chegado a ser total, e isso só tivesse acontecido logo que transpus a porta daquele sinistro manicómio. Então sim! Tudo fugiu do meu controle.

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Palavras de conforto e de esperanรงa num cartรฃo de aniversรกrio 17


INTERREGNO EM LISBOA Foram precisos vários meses de um tratamento continuado em Lisboa para, lentamente, ir encaixando as peças soltas do puzzle em que me tornara. Só olhando-o de forma lúcida e global poderia voltar a encontrar-me no meio daquele complexo processo em que me via envolvida. Assim, logo que o meu discernimento foi voltando, a primeira coisa que fiz foi reduzir gradualmente as visitas ao psiquiatra e a dose dos medicamentos prescritos. Se nessa altura ainda havia resquícios das questões que tanto me tinham perturbado, mantendo-se a minha circunstância a mesma, por certo não seria com fármacos que ela se iria alterar. A haver uma mudança ela teria que ser interior e por via espiritual, através de uma fé cada vez mais fortalecida. Por isso dou graças a Deus: ao fim de um ano o “desmame” estava feito!…

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DE VOLTA A CASA Depois de regressar ao Lobito, disposta a iniciar uma nova etapa na minha vida e a retomar o meu trabalho de pesquisa, não podia prever que o grito de liberdade da Revolução dos Cravos estaria prestes a fazer ouvir-se, e viria a ter graves repercussões nas então colónias portuguesas. Uma onda de choque percorreu uma vez mais o meu mundo interior, levando-me a tomar importantes decisões de caráter pessoal. Aquele tempo era de receio e de incerteza, e não tardou que começasse a diáspora. Por isso, em finais de Setembro de 74, parti com os meus filhos num barco misto de carga e passageiros rumo a Roterdão, para daí seguir para Londres. Uma longa viagem em que o navio que nos transportava sulcou as profundas águas do Atlântico e eu flutuei um pouco à deriva à tona de mim mesma, na dúvida do rumo que a minha vida iria tomar a partir daí.

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DOIS ANOS EM LONDRES Não foram fáceis os primeiros dias em Londres. Mas, a seu tempo, tudo acabou por entrar na rotina, apesar das perturbações esporádicas que teimavam em abalar a minha fé e a revelação que, embora indelével no meu espírito, parecia cada vez mais longínqua. O tempo de permanência em Inglaterra prolongou-se por um período de quase dois anos e não podia ter sido mais proveitoso. Além do aspeto cultural, pude completar os estágios necessários para obter o Proficiency in English e frequentar diversos cursos no City Literary Institute (mais conhecido por City Lit). Pude também ler livros e conhecer pessoas ligadas à área da minha pesquisa. E quis o “destino” que o meu senhorio fosse a pessoa que viria a fundar e a organizar o Festival for Mind and Body (mais tarde chamado Body, Mind and Spirit) inaugurado no Olympia Exhibition Centre, em 1977, ano em que voltei a Londres. O “espírito New Age” pairava no ar nessa altura, e nele havia aspetos que me atraíam. Tanto mais que, um mês após a minha chegada a Londres em 1974 me tinha tornado lacto-vegetariana e, um ano depois, optei pelo Veganismo, tornando-me, em 1977, membro da Vegan Society.

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Carta da Vegan Society e 1st Festival for Mind and Body

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CONTACTOS E AMIZADES ENRIQUECEDORAS Das pessoas que conheci em Londres ligadas ao meu trabalho destacarei o conceituado arquiteto Keith Critchlow, grande conhecedor da Geometria Sagrada, que gentilmente me recebeu em sua casa e me deu dicas importantes sobre o material adequado a utilizar nos meus próximos diagramas.

Um destaque também para Patricia Villiers-Stuart, autora de vários trabalhos igualmente ligados à Geometria Sagrada, com quem mantive contacto ao longo de doze anos, durante os quais partilhámos a evolução dos nossos trabalhos nesta área e trocámos informações. De forma mais indireta, mas ainda assim ligada ao meu trabalho de pesquisa, destacarei também a adorável matemática Mrs. Nobbs que, apesar da sua formação académica e já avançada idade, foi minha colega num dos cursos de matemática que frequentei no City Lit. Por fim, um destaque para um colega de curso na área de Religiões Comparadas – o egípcio George Samuel –, que viria a tornar-se um grande amigo, e também para o escritor madeirense Ernesto Leal e a sua mulher Maria Edviges, com quem vim a estreitar também fortes laços de amizade.

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Primeira carta de Patricia V.S. e dois dos desenhos que me enviou.

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TEM A PALAVRA A MATEMÁTICA Ao fim de quase dois anos em Londres a minha estadia não podia terminar de melhor forma: com um curso de verão de duas semanas no majestoso edifício da Westonbirt School, promovido pelo departamento Extra-Mural Studies da Universidade de Londres, tendo como tema Mathematics in Art and Nature. Quinze dias extremamente agradáveis passados num local com um enquadramento magnífico, um ambiente excelente e um professor notável – Frank Evans –, que no início do ano seguinte me enviou as informações necessárias para o curso de verão que iria ministrar nesse ano. Só que, desta vez, não fui sozinha. Mais quatro pessoas idas expressamente de Portugal (entre elas os meus amigos Ernesto Leal e Nelma Kosters) fizeram-me companhia, embora nem todas para frequentar os mesmos cursos.

Westonbirt School, onde decorreram os cursos em regime de internato

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Carta de Frank Evans e falácia geométrica incluída no 1º curso, para a qual eu encontraria solução anos mais tarde

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OS PRIMEIROS FRUTOS DA MINHA PESQUISA Teria continuado a viver em Inglaterra se as circunstâncias o tivessem permitido. Mas isso não foi possível. Por isso regressei a Portugal, onde fixei residência e onde continuei o meu trabalho de pesquisa, o qual deu o primeiro grande passo em frente logo que consegui organizar toda a informação obtida até ali, que reuni num livro de formato quadrado a que dei o título Geometria Sagrada. Com uma capa feita por um jovem talentoso que conheci através de pessoas ligadas à macrobiótica, este livro foi complementado com um outro de formato redondo, do qual fazia parte uma sucessão de diagramas, como se estes não fossem mais do que sucessivas layers de um único e complexo diagrama que reunia tudo aquilo que era exposto no primeiro livro. Um dos principais objetivos deste segundo livro era evidenciar a unidade e inter-relação dos múltiplos diagramas que o compunham, uma vez que nele as imagens se sucediam “passo a passo”, tornando-se cada passo o elo entre o diagrama anterior e aquele que se seguia. Um livro propositadamente sem palavras, de modo a poder ser “lido” e interiorizado em silêncio…

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Livros com formatos simbรณlicos: um quadrado, outro circular

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RECONHECIMENTO E APOIO DE UMA PESSOA NOTÁVEL Enquanto o segundo livro se ficou pelo original, do primeiro mandei fazer cinquenta exemplares a partir de fotocópias das folhas escritas à maquina onde, diretamente, fiz ou colei os desenhos necessários. Uma espécie de trabalho artesanal, já que a era dos computadores estava ainda no início. Esta foi a primeira tentativa de divulgar o meu trabalho de pesquisa, na esperança dele chegar às mãos de alguém que pudesse divulgá-lo ou dar-lhe continuidade. E, para isso, pude contar com a colaboração de uma pessoa ímpar no panorama da arte e da cultura portuguesas – o notável artista plástico e ensaísta Mestre Lima de Freitas –, de quem me tornei amiga pouco depois de regressar de Londres, que me propôs que lhe entregasse uma dúzia de exemplares para ele próprio os encaminhar para pessoas e instituições suas conhecidas. Pessoa a quem fiquei extremamente grata pela confiança que, desde o início, depositou no meu trabalho, reconhecendo-o como um trabalho sério ligado ao “transcendente”, como o expressou na dedicatória do catálogo que me ofereceu sobre a exposição que fez em Setúbal – a sua terra natal –, organizada pelo Museu desta cidade em 1984. Nessa altura Lima de Freitas talvez fosse, em Portugal, o seguidor mais direto do trabalho de pesquisa anteriormente iniciado por Almada Negreiros nas áreas da Geometria Sagrada e da Simbólica, razão porque em torno dele existia um núcleo de pessoas interessadas nestas e outras áreas com elas relacionadas, o que me permitiu conhecê-las e tornar-me amiga de algumas, entre as quais distingo o pintor e arquiteto Carlos Calvet, o historiador e filósofo Manuel Gandra, e o arquiteto João Cruz Alves – aqueles que nessa altura seguiram mais de perto o meu trabalho.

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UMA PEDAGOGIA GLOBAL Foi também mais ou menos nesta altura que descobri a Pedagogia Waldorf, através dos antropósofos José Tavares de Almeida e Lídia Rita Martins, que, além de se tornarem meus amigos, vieram, cada um a seu modo, a participar no meu trabalho. Esta pedagogia, inspirada na teoria da cor, de Goethe, e baseada na filosofia de Rudolf Steiner – fundador da Antroposofia –, pelo facto de abranger as três principais facetas do ser humano – física, psíquica e espiritual – despertou sobremaneira o meu interesse. No entanto, à medida que fui lendo e sabendo mais sobre o assunto, pareceu-me que lhe faltava um fio condutor capaz de articular e unificar todos os ensinamentos abrangidos. Algo que eu intuitivamente sentia encontrarse na Bíblia, um livro que até ali nunca tivera oportunidade de ler do princípio ao fim.

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Círculo cromático de Goethe

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O AMANHECER DE NOVOS PROJECTOS Assim que vislumbrei que na minha pesquisa havia um filão a explorar no campo da Pedagogia comecei a focar nele a minha atenção. Até porque, algum tempo depois de regressar de Londres, dei aulas de inglês a crianças do pré-escolar no externato A Minha Escola, em Paço de Arcos, e fui coordenadora do ATL desse mesmo estabelecimento de ensino. E participei também, como professora de inglês, num projeto de Maria Edviges Leal, a qual, na qualidade de professora primária e educadora de infância, criou uma “escolinha” particular no espaço onde morava , destinada a dar apoio a crianças da sua zona e a alunos da escola oficial onde era diretora. Foi no espaço onde funcionou essa “escolinha” que me refugiei muitas vezes a trabalhar, desta vez para começar a dar vida a um projeto pedagógico que desde há algum tempo andava a bailar na minha mente. Iniciativa que deu origem a dois dossiers nos quais o texto era intercalado e complementado com desenhos diretamente feitos no papel, seguindo o método já utilizado na paginação do livro Geometria Sagrada. Este trabalho visava os dois primeiros anos de escolaridade, a começar com crianças de cinco anos e, tal como o livro, tinha por base a Bíblia. Uma vez mais a intuição me guiava. E dizia-me ela claramente ser este o livro onde poderia encontrar o tal fio condutor que me parecia faltar à Pedagogia Waldorf. Viria no entanto a reconhecer mais tarde que este foi um projeto demasiado ambicioso para o qual não estava ainda preparada. Contudo, valeu pelo esforço e pelo facto de muitos dos conceitos terem ficado registados. Sem esquecer também que esta foi mais uma das temporadas que passei com os meus amigos na sua «Casa do Vale», onde o amor pela Natureza sempre andou de mão dada com os “voos” do intelecto e do espírito.

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Amanhecer na ÂŤCasa do ValeÂť

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UM CUBO QUASE MÁGICO Quando hoje folheio as páginas dos dossiers atrás referidos não me é difícil entender que era impossível o seu conteúdo despertar o interesse de qualquer pedagogo. Ainda assim não deixo de as considerar importantes, tantas foram as sementes que lá deixei e vieram a germinar mais tarde. Foi desta e de outras “sementeiras” feitas ao longo dos anos 80 que “nasceu”, nessa década, um cubo acrílico transparente totalmente preenchido com centenas de peças acrílicas coloridas de diferentes tamanhos, agrupadas e separadas por camadas. Uma ideia que, de certo modo, dava continuidade ao conceito de unidade implícito nas múltiplas layers de acetato que compunham o livro circular que já tinha feito. Creio que esta iniciativa surgiu de um desejo inconsciente de abandonar os “voos” rasantes que até ali vinha a fazer sobre o plano e de começar a elevar-me no espaço, embora este meu primeiro “bater de asas” não me tenha elevado além dos 3 milímetros de altura de cada uma das peças que preenchiam o interior do referido cubo, uma vez que a escolha da terceira dimensão que faltava ao meu trabalho foi puramente aleatória. No entanto, sem que me apercebesse, o embrião da terceira dimensão que procurava estava lá… Precisamente na forma do cubo onde se encontravam reunidas todas aquelas peças!...

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Cubo aberto (foto mรกquina polaroid)

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CONCEITOS EM MOVIMENTO Antes que essa terceira dimensão se revelasse evidente e absolutamente necessária, o meu trabalho prosseguiu de forma inusitada, como se desejasse ganhar vida. E para isso muito contribuíram as peças acrílicas reunidas naquele “cubo quase mágico”, depois da vida ter colocado no meu caminho pessoas prontas a ajudar-me a concretizar algumas ideias. Foi o que aconteceu quando conheci o João Carlos Basílio e a sua mulher Lurdes – ele com conhecimentos na área do cinema de animação e ela na de Educação –, que comigo se cruzaram na zona “estratosférica” onde habitam os sonhos. E um dos sonhos que eu acalentava na altura tinha a ver com a realização de um filme animado que pudesse dar vida a muitos dos desenhos que tinha feito, enquanto outro consistia em associar-me a um grupo de pessoas com as quais pudesse criar um jardim-de-infância onde pudessem germinar métodos experimentais com base no meu trabalho de pesquisa. Ao fim de quase dois anos, o primeiro desses sonhos viria a realizar-se. Mas não o segundo, embora as condições necessárias para a sua realização chegassem a estar reunidas.

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Imagens do filme de animação feito no Clube Micro Cine (Lisboa)

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DO CONCEPTUAL AO REAL Se os projetos que temos em mente nem sempre vingam, as ideias por trás deles, quando válidas, podem persistir por muito tempo e conduzir-nos a novas ideias e a novos projetos. Assim, não tendo ido avante a ideia de criar uma «escola-piloto», essa ideia levou-me a conceber diversas peças e puzzles de interesse pedagógico. E, como sempre, a pessoa certa para fazer essas peças em madeira apareceu no lugar certo e também no tempo certo. Essa foi uma altura em que eu dividia o meu tempo entre Oeiras, onde passei a residir após o meu regresso de Londres, e Portimão, a cidade onde passei a ter a minha segunda residência. E foi precisamente no Algarve que essas peças ganharam forma pelas mãos do Sr. Carlos, depois de eu ter reconhecido o cubo como rei e senhor absoluto do espaço tridimensional onde todas as formas materiais ganham forma. Finalmente, muitos dos conceitos e desenhos que existiam até aí no reino da “imaterialidade” tornaram-se modelos reais, tendo muitos deles sido pintados de acordo com as cores do círculo cromático de Goethe…

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Unidade de volume e conjuntos de 7, 8 e 9 unidades

Unidade e conjuntos ordenados de unidades até 5

Representação de potências de expoente 3 e bases respetivamente iguais a 5 e 10 a partir da unidade de volume.

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UMA QUESTÃO DE COERÊNCIA A ideia de utilizar cubos e barras coloridas de diferentes tamanhos para expor conceitos básicos matemáticos de forma lógica não era nova. O professor belga Cuisenaire já tinha feito o mesmo há vários anos, tendo esse material vindo a ser utilizado em várias escolas. Em que consistia, então, a diferença entre as chamadas barras Cuisenaire e aquelas que eu propunha? Apenas num pormenor, quanto a mim muito importante: a cor. Porque, enquanto Cuisenaire utilizou dez cores diferentes arbitrárias para colorir o cubo e cada uma das barras que representa um múltiplo do volume desse cubo segundo a sequência dos números inteiros até dez, a minha proposta era que essas cores fossem reduzidas a seis, de acordo com as cores do círculo cromático de Goethe, o que permitia não só interligar, de forma coerente, os conceitos de Forma, Número e Cor, mas também adaptá-las ao cubo e paralelepípedos correspondentes à unidade e conjuntos de unidades até dez.

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Atribuição das 6 cores do espectro luminoso (Goethe) à unidade de volume e conjuntos até 10

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UM TABULEIRO POLIVALENTE Foi com o intuito de unificar, interligar e sintetizar diferentes conceitos básicos matemáticos que concebi um tabuleiro quadrado, dentro do qual se encontra desenhada uma quadrícula definida a partir da unidade de superfície correspondente à face de um cubo com 1cm de aresta, sendo possível, no seu interior, exemplificar os conceitos e propriedades subjacentes a qualquer operação numérica feita com os números até dez. Além desta função ligada aos conceitos de Forma e Número, o referido tabuleiro pode também ser usado na iniciação à Linguagem Escrita, sendo que as seis cores atribuídas à unidade e conjuntos de unidades até 10 são, neste caso, atribuídas às letras do alfabeto. Ou seja: as 5 primeiras cores do espectro da luz visível – vermelho, laranja, amarelo, verde e azul – atribuídas aos 5 primeiros números são atribuídas sequencialmente às 5 vogais. Quanto à última cor – roxo –, atribuída ao número 7 (o único apenas divisível por si próprio e pela unidade), ela é atribuída a todas as consoantes, em si mesmas insuficientes para formar palavras. Além disso, as letras que formam uma palavra podem ser dispostas dentro deste tabuleiro nas posições horizontal ou vertical como no jogo das «Palavras Cruzadas», o que não só está em consonância com o princípio subjacente à representação do resultado de qualquer multiplicação feita neste tabuleiro, mas também com as diferentes orientações que diferentes povos dão à sua escrita. 44

Unidades e Conjuntos até 10

Puzzle didático (diferentes tipos de simetria, Teorema de Pitágoras, etc.)


Tábua do Número e da Escrita

Propriedade comutativa da Multiplicação, Sistema Decimal, etc.

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POR FIM, O CÂNONE … Quando a década de 80 chegou ao fim, eu não só tinha conseguido reunir bastante material didático tendo em vista os primeiros anos de escolaridade, como tinha feito o encadeamento de ideias necessário para definir algo que parecia inatingível ou difícil de alcançar: aquilo a que os antigos chamavam Cânone Sagrado de Cosmologia, Cânone de Proporções Egípcio, ou simplesmente Cânone. Lima de Freitas falava dele frequentemente, quer em conversa, quer em alguns livros e ensaios que escreveu. Outros autores esotéricos, filósofos e arquitetos, tanto antigos como modernos, mencionavam-no também nas suas obras. E Almada Negreiros procurou-o durante os últimos quinze anos da sua vida, sem o conseguir encontrar. A verdade é que, para o descobrir, é preciso recuar a tempos imemoriais e descer às profundezas do pensamento humano, pois a sua natureza sagrada tem que revelar os arquétipos da Criação e, ao mesmo tempo, ser portadora da mesma ordem e harmonia que faz do Cosmos um todo organizado e perfeitamente estruturado. E tem, além disso, que começar por fazer a passagem das trevas à luz, ou seja, de um todo informe e vazio à estrutura perfeita capaz de organizar a totalidade do Espaço. Para dar forma às ideias que podiam revelar esse Cânone comecei por fazer alguns modelos em arame. O importante para mim era conseguir materializar essas ideias, mesmo que o resultado final estivesse longe de ser perfeito. E se estava! Ainda assim, não resisti à tentação de reunir em minha casa alguns amigos que até ali tinham estado mais próximos do meu trabalho de pesquisa, entre eles Lima de Freitas, Carlos Calvet e Lídia Rita Martins, a quem os mostrei com alguma satisfação, pela consciência que tinha deles representarem um grande passo em frente na evolução do meu trabalho. O entusiasmo deles, porém, ficou bastante aquém do meu, tão toscos acharam os modelos que lhes apresentei, o que levou Lima de Freitas a aconselhar-me para os fazer com mais rigor de modo a torná-los aceitáveis pelas pessoas a quem os viesse a mostrar. Só que, para eles atingirem esse grau de perfeição, algum “milagre” teria que acontecer…

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Alguns dos primeiros modelos que fiz em arame

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A OBRA NASCE… «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce» – escreveu Fernando Pessoa num dos seus mais conhecidos poemas. Uma frase que, em relação ao Cânone que eu pretendia ver materializado e perfeito, se afigurou como presságio, já que pouco tempo depois se cruzou na minha vida, de forma inesperada, alguém vindo dos antípodas (Austrália) com o know-how para fazer os modelos necessários com a qualidade exigida. E foi assim que, pela mestria de Robin Rawlinson – o habilidoso artífice que viria a tornar-se um amigo –, ao fim de algumas semanas as múltiplas partes que compunham o Cânone, tal como no poema de Pessoa, se uniram como se fossem todas uma, para que o Cânone, de repente, pudesse «surgir inteiro e redondo do Espaço azul profundo»…

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Duas imagens com mais de vinte anos de intervalo

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REGISTO EM VIDEO Apesar dos grandes avanços que já tinha conseguido, a verdade é que foi o início da década de 90 que veio dar um grande impulso ao meu trabalho. Não só com a execução adequada dos modelos que evidenciavam conceitos científicos e simbólicos contidos no interior do próprio Cânone, mas também com o registo desses modelos em vídeo. Tarefa levada a cabo de forma amadora com a colaboração dos amigos Ricardo Emílio, Margarida Vieira Pereira e Nelma Kosters, que valeu a pena, sobretudo, por se tornar um registo que muito me ajudou a organizar e a clarificar as minhas ideias. Do grupo, apenas João Miguel Calado era profissional. Mas como a ele apenas coube a tarefa técnica da montagem do filme, o produto final não conseguiu ficar aceitável devido à má qualidade das imagens captadas numa dependência do meu apartamento em Oeiras, temporariamente transformado em “estúdio”. De qualquer modo, a sequência dos modelos geométricos que permitiam definir o modelo canónico no Plano e no Espaço, assim como os princípios básicos contidos dentro de cada uma das nove esferas concêntricas que, em conjunto, o formam, ficaram, pela primeira vez, registados em vídeo.

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PESQUISA MUDA DE RUMO Estando o Cânone intrinsecamente ligado ao conceito de Proporção, não admira que, após ter definido as proporções nele contidas, uma proporção sui generis voltasse a captar o meu interesse. Um interesse que vinha de longe e já me tinha levado a pesquisar nesse sentido. Tratava-se da chamada Regra de Ouro, ou Divina Proporção como lhe chamou o matemático e monge franciscano Luca Pacioli no seu manuscrito De Divina Proportioni ilustrado por Da Vinci. Só que, para a “decifrar”, era preciso encontrar o contexto certo onde a pudesse inserir, e também os números inteiros que permitissem defini-la pela primeira vez. Solução que veio do Santuário de Fátima, através da cruz que tinha visto suspensa sobre o altar da tribuna em frente à Basílica Nossa Senhora do Rosário quando visitei este santuário em 1988.

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DATA PREMONITÓRIA

DATA PREMONITÓRIA A leitura numérica das superfícies coloridas desta cruz a partir da área do seu quadrado central não podia ser mais surpreendente. Submetida a uma grelha com base neste quadrado, ela indicava, nem mais nem menos, do que os números da data da primeira das seis aparições ocorridas em Fátima em 1917: 13 de Maio de 1917! Além disso, a área dos cinco quadrados coloridos a vermelho era igual à área de dois quadrados que representavam a base de uma potência de expoente 2 cujo resultado podia ser representado por dois quadrados iguais, em que os vértices de um deles coincidiam com quatro dos pontos extremos desta cruz, estando estes quadrados relacionados entre si por um Princípio de Identidade. Ou seja, enquanto o lado de um desses quadrados admitia ser medido com uma régua graduada tendo como unidade o lado do quadrado central desta cruz, a medição do outro pressupunha uma régua em L com a mesma graduação, sendo o seu lado hipotenusa do primeiro triângulo pitagórico de lados comensuráveis. Logo aqui, portanto, a justificação para o simbolismo do esquadro maçónico. Mais ainda: a relação desta Cruz com o próprio Cânone viria a tornar-se evidente, e também com os símbolos da Rosa e da Cruz, adotados pela Fraternidade Rosa Cruz...

E45

E45

F’45

A’5 A5

B5 E5 A1

F45 B1 F5

E’45

B’5

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F45


5 - mês

13 - dia

17 - ano

A’55 A’ B55

A5 E5 A1

B1

F5 B’5

Quadrados de lados A5B5 e A’5B’5 relacionados por um Princípio de Identidade 55


APENAS COINCIDÊNCIA?!... O facto de um Princípio de Identidade se revelar, pela primeira vez, naquela que passei a chamar Cruz de Fátima, e de nele estar implícito o conceito de Proporção, depressa me levou a estabelecer uma proporção em que o primeiro e último termos eram representados, respetivamente, pelas áreas de quadrados de lados iguais a 5 e 13. Faltava-me apenas descobrir o significado do número 17. O que não foi difícil quando conclui que este número corresponde à soma dos catetos do triângulo que tem como hipotenusa o lado de um dos quadrados que representa o último termo da proporção cujos termos extremos são precisamente os números 5 e 13. O que faz com que o número 17 surja como uma espécie de limite à representação geométrica desta proporção. Poderia tratar-se de uma coincidência interessante, só que a esta juntava-se uma outra: o número de unidades de superfície de cada um dos quadrados que representavam o termo médio desta proporção era igual ao número de orações do Terço de Fátima, sendo precisamente este número (65) que trazia a solução para o problema levantado pelo termo médio da proporção cujo primeiro e último termos são os números 5 e 13. Dois números da Série de Fibonacci, intrinsecamente ligada à chamada Regra de Ouro…

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Representação da proporção cujo primeiro e último termos são representados por quadrados de áreas respetivamente iguais a 52 e 132 e o termo médio por quadrados de área igual a 65, tendo por limite um quadrado de área igual a 172.

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NO MÍNIMO, SURPREENDENTE… Se tivesse ainda alguma dúvida de que este era o caminho certo para chegar à interpretação da chamada Regra de Ouro, ela dissipou-se quando algo aconteceu de forma totalmente inesperada. Vinte e quatro anos se tinham passado sobre a data da «revelação» que me tinha posto no trilho da minha pesquisa e, ao longo de todos esses anos, nenhum acontecimento especial, a não ser um, tinha ocorrido de modo a poder considerá-lo como sinal “sobrenatural”. Logo, a ser esse o caso, este seria o segundo. Naquele ano comemorava-se o 75º ano das aparições em Fátima, e desde a “revelação” que tivera mantive-me sempre espiritualmente ligada a esses acontecimentos. Por isso não pude deixar de relacionar o teor da minha pesquisa com o que aconteceu um dia quando, ao retirar um pouco de melaço de cana de um frasco, já quase no fim, senti a colher bater em qualquer objeto que não consegui identificar por se encontrar completamente submerso no melaço que ainda se encontrava no frasco. Qual não foi, pois, a minha surpresa ao descobrir que se tratava de uma chave de metal que se tinha mantido ali oculta, provavelmente desde o início. Até ali ninguém, a não ser eu, tinha utilizado o melaço que faltava, e eu nunca tinha dado por nada. O achado era, no mínimo, insólito, e deixou-me perplexa. Por mais voltas que desse não conseguia encontrar uma explicação plausível para tão estranha descoberta, a menos que se tratasse de um “sinal” que só a fé ajuda a compreender. O que me pareceu confirmar-se quando, dias mais tarde, ao abrir um dicionário para procurar o significado de uma palavra, os meus olhos foram pousar na palavra «pomba» – símbolo emblemático do Espírito Santo – e descobri um novo significado para esta palavra: vasilha de cobre para onde se passa o caldo limpo da cana-de-açúcar… A partir daí debrucei-me com afinco sobre o problema matemático conhecido por Regra de Ouro ou Divina Proporção, confiante de que tinha encontrado a “chave” para a resolução deste problema matemático, não através do conceito de “número irracional” utilizado na sua abordagem convencional, mas sim através do conceito pitagórico de número. E a minha confiança saiu reforçada quando a minha pesquisa me levou, através do Sistema Decimal, à demonstração exata de uma das propriedades atribuídas à Regra de Ouro, que afirma que «o Número de Ouro () “ao quadrado”, mais o “quadrado” do seu recíproco negativo (’), é igual a 3», ou seja: 2+’2=3… 58


O VERÃO QUENTE DA MATEMÁTICA Um ano após o episódio da chave escondida dentro do frasco de melaço de cana, o jornal «Expresso» publicava na sua revista um artigo de Jorge Buescu, assistente do departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, com o título O Verão Quente da Matemática. Ao que parecia, o meio académico matemático andava em grande alvoroço com a demonstração do chamado Último Teorema de Fermat pelo matemático britânico Andrew Wiles. O caso não era para menos. O interesse matemático em torno da demonstração deste teorema tinha-se mantido aceso ao longo de mais de 350 anos, depois que foi divulgada uma nota deixada pelo matemático amador Pierre de Fermat na margem de um livro, onde afirmava ter descoberto uma maravilhosa demonstração que provava que a igualdade x n+yn=zn não se verifica para valores de n superiores a 2, mas que tal demonstração não cabia nas margens do livro. Essa demonstração nunca foi encontrada e, até ali, nunca ninguém a conseguira fazer. Logo, o facto de Andrew Wiles o ter conseguido, afigurava-se um verdadeiro prodígio. Bom… Mesmo que não tenham sido cerca de mil as páginas que Andrew Wiles utilizou na sua primeira demonstração, como dizia o artigo do «Expresso», mas sim mais de 200, como afirma Amir D. Aczel no seu livro O Último Teorema de Fermat, a extensão e complexidade da demonstração feita por Wiles, a ponto de só alguns matemáticos seus pares estarem à altura de a compreender, apenas vieram confirmar o que eu pensava sobre os meandros intrincados em que se movimenta a Matemática. Acontece que, nessa altura, eu já tinha dados suficientes para entender esse teorema de uma forma extremamente simples. Toda a minha pesquisa tinha-me apontado um caminho diferente do da Matemática, e o termo médio da proporção que tinha como primeiro e último termo os números do dia e do mês da primeira das seis aparições em Fátima tinha-me conduzido a um conjunto de operações que estavam na origem da questão levantada pelo dito teorema. Mas como fazer-me ouvir, se eu não pertencia ao meio académico ? 59


PRIMEIRA MOSTRA SEMI-PÚBLICA Lembro ainda o que um dia me disse o matemático José Carlos Tiago de Oliveira acerca do meu trabalho de pesquisa: «se pensas que inventaste alguma coisa na área da Matemática esquece. Tudo o que havia a descobrir já foi descoberto». Parou por instantes, e acrescentou: «Bom… excetuando a Teoria dos Números». Creio que não me dei ao trabalho de o contradizer, mas não pude deixar de pensar: e em que área da Matemática me movo eu, afinal, se não na da Teoria dos Números? Por essa altura estava a ser preparado o 1º Congresso Internacional de Transdisciplinaridade, e da organização fazia parte Lima de Freitas. Pôs-se então a questão se não seria oportuno eu aproveitar o evento para apresentar o meu trabalho a alguns dos congressistas. Só faltava saber como. A solução, porém, depressa surgiu quando vim a saber que muitos dos congressistas iam ficar hospedados no Hotel Bonfim, em Setúbal, sendo o administrador desse hotel na altura o meu amigo Renato Pereira, que logo pôs à minha disposição uma das salas do hotel para eu fazer uma pequena exposição e me proporcionou a estadia durante os dias em que decorreu o Congresso. Em relação aos modelos então exibidos a opinião foi unânime: eles eram, sem dúvida, esteticamente apelativos. Uma opinião que vi reforçada pelo congressista Istvan Hargittai – professor de Química da Universidade Técnica de Budapeste –, numa carta que me escreveu no início de 1995, onde me convidava a participar no segundo livro sobre Simetria que estava a organizar, o qual iria contar com a participação de vários autores.

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É claro que não pude deixar de me sentir “honrada” com o convite, por ver nele o reconhecimento do valor do meu trabalho. No entanto não pude aceitá-lo, pois nessa altura já um outro projeto ia ganhando contornos na minha mente, precisamente devido ao bom acolhimento que a exposição tinha tido por parte dos congressistas que a visitaram e pelas palavras de incentivo que ouvi de alguns deles.

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UM PASSO DECISIVO Para que a pequena mostra feita em Setúbal se transformasse numa verdadeira exposição muito trabalho havia ainda a fazer. E eu tinha consciência disso. Por isso me ocorreu a ideia de começar a montá-la no meu apartamento do Algarve. O espaço era amplo e agradável, e adequava-se exatamente àquilo que precisava. Além disso havia a possibilidade dela lá ficar por tempo indeterminado até surgir um local público que pudesse acolhê-la. Nessa altura já eu tinha um computador portátil e dominava razoavelmente os programas de processamento de texto e de desenho do Word, graças ao minicurso que o meu jovem amigo Alexandre Fonseca estruturou propositadamente para mim. E, a completar os requisitos necessários, havia também em Portimão um grupo de artistas plásticos disposto a colaborar. A Olaria de Portimão, pertencente ao meu amigo José Joaquim Sousa era, nessa altura, o local onde vários jovens artistas se reuniam num projeto de trabalho conjunto onde reinava o espírito de equipa, sendo com esse espírito aberto e generoso que todos se dispuseram a ajudar. Assim, foi só questão de pôras mãos à obra. E, em poucos meses, a exposição estava pronta!… Na Olaria de Portimão, com Jorge Vidal, Paulo Quaresma e Simão Caldeira Cabral

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Panorâmica parcial da exposição no interior do meu apartamento

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CHEGADA A HORA DE DIVULGAÇÃO Tendo esta exposição um carácter privado, não seria de esperar que muitas pessoas a visitassem. Daí a necessidade de a divulgar. O que veio a acontecer quando, em 1996, o Pe António Rego – autor do programa dominical «8º Dia» da TVI –, a visitou e fez dela o tema de um dos seus programas, depois do meu vizinho jornalista Gustavo Fernandes já ter escrito um artigo sobre ela no jornal Algarve-Região.

Excerto do artigo publicado no jornal Algarve Região

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Contudo, apesar desta divulgação, as visitas foram restritas, limitando-se a alguns amigos e pessoas conhecidas. No entanto, feito o balanço dos dois anos e meio em que a exposição se manteve no Algarve, o resultado foi bastante positivo. Além do são convívio com os amigos que contribuíram para a sua montagem, houve também a oportunidade para desenvolver outros projetos.


Programa 8ยบ Dia , TVI

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UM PERÍODO ASSAZ PRODUTIVO Entre os projetos desenvolvidos no Algarve enquanto a exposição por lá se manteve, destacarei, em 1996, a edição de autor de um pequeno livro a que dei o título Um Outro Natal. Tratava-se de uma história simples, onde conceitos básicos matemáticos explicavam alguns dos mais conhecidos símbolos associados às festividades do Natal e da Páscoa. E, desta vez, talvez pela sua singeleza e interesse pedagógico, o livro foi bem acolhido por muitas das pessoas a quem o ofereci, entre elas o cineasta, escritor e ensaísta António Macedo, cuja apreciação feita numa carta que me enviou muito me alegrou e incentivou. Pena foi que a ilustração do livro tivesse ficado aquém do pretendido. Mas, como naquela altura o mais importante para mim era pôr as minhas ideias no papel e tentar divulgálas de acordo com os recursos existentes, a iniciativa valeu a pena.

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O ano seguinte foi decisivo para apresentar a exposição em forma de livro. A ideia era fazê-lo de modo informal, como se eu própria assumisse o papel de guia da exposição e fosse fornecendo ao visitante a explicação de tudo aquilo que ia vendo. Para a paginação deste livro pude contar com a preciosa ajuda dos meus amigos Robin e Jackie, que felizmente se encontravam de novo em Portugal para mais um período de férias. Quanto à sua edição, essa ideia nunca esteve no meu horizonte. Em primeiro lugar devido ao seu elevado custo. Em segundo lugar porque não me sentia ainda muito segura acerca da simbologia que até ali tinha utilizado para definir certos conceitos básicos da ciência a que dera o nome de Espaçonumerática. Por isso me limitei a fazer seis fotocópias em forma de livro, que ofereci a pessoas que podiam eventualmente fazê-lo circular numa espécie de «circuito fechado». Dei a este livro o título Rumo ao 8º Dia, sem dúvida atraída pelo seu profundo significado simbólico e também porque, deste modo, o remetia ao programa dominical televisivo feito sobre a exposição. Um outro livro foi também escrito nesta fase, a que dei o título Vamos Iluminar as Estrelas. Desta vez tratava-se de um pequeno conto onde os conceitos de Forma, Número e Cor eram abordados de modo simbólico num contexto universal. A ilustração coube à pintora algarvia Isabel Fiadeiro – uma das artistas também ligada, na altura, ao grupo da olaria. Só que as pinturas que gentilmente fez a meu pedido estiveram “condenadas” a um compasso de espera de cerca de quatro anos, até o livro vir a encontrar os meios para uma edição restrita.

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«DO MODELO À MATRIZ» Em 1998 foi altura da minha amiga Anabela Ruivo – uma das jovens artistas que frequentava a Olaria de Portimão e participara ativamente na montagem da exposição – me fazer uma proposta: participar na Criativa 98, o II Encontro de Criatividade organizado pela Escola Superior de Educação de Beja, onde ela era aluna. A proposta era atrativa, uma vez que este Encontro contaria com a presença de investigadores que estavam a desenvolver trabalhos sobre diversas facetas da Criatividade, e nele iria haver diversas conferências, comunicações, workshops e sessões de reflexão. Ainda assim, hesitei no início. Só me decidi quando a própria Anabela se disponibilizou a fazer uma mini exposição com alguns modelos disponíveis e a apresentar uma comunicação por mim planeada. Assim, inspirada numa frase do pintor Paul Klee acerca da Arte, dei a essa comunicação o título Do Modelo à Matriz, a qual foi complementada com a projeção de alguns slides.

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REENCONTRO “PLANETÁRIO” A exposição que tinha feito no meu apartamento do Algarve mantinha-se ainda lá quando circunstâncias invulgares proporcionaram o meu reencontro com um dos filhos do engenheiro Ferreira Neto – o conhecido músico angolano Tó Neto –, que conheci na primeira visita que fiz ao pai quando me desloquei a Luanda para lhe mostrar o meu trabalho. Nessa altura era o Tó ainda adolescente. Lembro-me de o ter visto nesse dia já debruçado sobre o teclado de um sintetizador a tocar no interior de um pequeno estúdio que havia lá em casa, sem suspeitar que ele viria a tornar-se, anos mais tarde, o pioneiro da música eletrónica em Portugal. Como espectadora pude acompanhar o início da sua carreira pela televisão, mantendo sempre uma vaga esperança de um dia o poder vir a encontrar pessoalmente pelas gratas recordações que tinha do pai. Até que esse dia chegou quando uns amigos meus também ligados à música – Lídia e Nicolas Robertson, naquela altura a passar uns dias em minha casa –, o encontraram casualmente e o trouxeram dias depois ao meu apartamento, onde se encontrava a exposição. É claro que era impossível ele recordar-se de mim. Mas, talvez pelas memórias que cruzavam o meu trabalho com os momentos de partilha que tinha tido com o pai, e também porque foi grande a empatia entre nós desde o primeiro momento neste reencontro, a verdade é que, a partir daí, nasceu uma grande amizade que não tardou a dar os seus frutos. O Planetário Calouste Gulbenkian, em Lisboa, tinha sido o local escolhido por ele para o espetáculo de lançamento do seu primeiro disco – um vinil com o título LÁCTEA –, com grande sucesso por se tratar do primeiro disco de música eletrónica gravado em Portugal. Ora, quis uma vez mais o “destino” que quando nos reencontrámos ele estivesse precisamente a preparar um CD com o título “PLANETÁRIO” e a fazer as «démarches» necessárias para que o seu lançamento fosse acompanhado por uma série de concertos no local onde iniciara a sua carreira. Ocorreu-lhe então a ideia de 70


que talvez pudéssemos conjugar os nossos trabalhos e apresentá-los em simultâneo. Foram feitos os contactos necessários, e aquilo que a princípio se pôs como mera possibilidade acabou por tornar-se realidade. Uma realidade para a qual contribuiu também a ajuda de um grupo de amigos que colaborou na montagem da exposição numa das galerias do Planetário, onde esta foi estruturada de acordo com três temas fundamentais: Pedagogia Antropomórfica, Cânone de Proporções Egípcio, e Religião, Arte e Ciência. Quanto ao seu título, ele manteve-se mais ou menos fiel àquele que já tinha dado à exposição do Algarve: ESPAÇONUMERÁTICA - uma linguagem científica e simbólica.

Vista parcial da exposição numa das galerias do Planetário Calouste Gulbenkian 71


UM REGISTO OPORTUNO A exposição foi noticiada em alguns jornais e revistas, e foram muitas as pessoas que a visitaram. Umas porque se deslocaram propositadamente para a ver. Outras porque a descobriram “acidentalmente” na ida a uma das sessões diárias do Planetário. Proporcionaram-se, assim, vários contactos interessantes ao longo dos meses em que ela esteve em exibição, favorecendo também algumas amizades que surgiram, como aconteceu com Isabel Lamas, Isabel Seruca, Lucia Dorotta, Maria Rita Quintino e Teresa Vergani. Prevendo, no entanto, que ninguém viesse a aprofundar ou a investigar o seu conteúdo, pareceu-me, a certa altura, conveniente registá-lo em vídeo. Um dos meus objetivos era, sem dúvida, encontrar um núcleo de pessoas ou alguma instituição que desejasse levar a cabo uma investigação sobre o meu trabalho de pesquisa. E, neste aspeto, esse registo parecia-me fundamental. Por isso uma vez mais decidi recorrer à “prata-da-casa” e à preciosa ajuda de amigos. Falei com Lídia Rita Martins e pedi-lhe para coordenar o workshop. Reuni depois um pequeno grupo de crianças e adolescentes, e tudo deu certo. As tarefas de captação de imagens e de iluminação ficaram, respetivamente, a cargo de Acácio Carreira e de Helena Garrett – o primeiro a trabalhar no Ministério da Educação e a segunda no Ministério da Cultura –, enquanto eu me limitei a fornecer os temas e a supervisionar as atividades durante os três dias em que estas decorreram.

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UMA ESPERANÇA FRUSTRADA A esperança da exposição chegar a um meio académico apenas surgiu quando Maria Alice Filipe, professora na Universidade Aberta, a visitou e reconheceu nela interesse matemático. O suficiente para lá levar uma equipa de filmagem da Universidade, convencida que o Departamento de Matemática analisaria o conteúdo do filme e poderia vir a implementar algumas das ideias inovadoras presentes na exposição. Infelizmente, a pessoa a quem ela apresentou o projeto não lhe deu o devido valor, e essas imagens acabaram por ficar esquecidas ou arrumadas a um canto. No final, apenas me foi facultada uma cassete de vídeo que de pouco me serviu, uma vez que as imagens vinham com todos os sinais de gravação. Aquilo que no início se apresentou como esperança, acabou, afinal, por se revelar um fracasso. Ou talvez não, se pensarmos que o que sempre prevalece acima das nossas decisões humanas são outros desígnios que não os nossos…

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QUANDO O “DESTINO” BATE À PORTA… À medida que se foi aproximando a data de encerramento da exposição a minha inquietação foi crescendo. O transporte do material não era fácil, como não era fácil arranjar um local provisório onde ele pudesse ficar. Até ali não tinha aparecido nenhuma oportunidade de a montar em outro local público. E levá-la de volta para o Algarve não fazia qualquer sentido. Foi então que, inesperadamente, a solução surgiu, quando um simpático casal do Porto – Nair e Vítor Cardoso –, ocasionalmente a passar férias em Lisboa – , a foram visitar. – Temos que a levar para o Porto! – disse-me o Vítor com enorme entusiasmo quando nos conhecemos. E com esse mesmo entusiasmo tratou de tudo para que isso acontecesse. A exposição seguiu dali para o Auditório de Gondomar, onde esteve patente ao público de 19 de Novembro de 1999 a 31 de Janeiro de 2000 e, a partir daquele momento, mais uma nova e duradoura amizade nasceu….

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NO OUTRO LADO DO MUNDO Finda a exposição no Auditório de Gondomar foi altura de eu fazer uma pausa e aceitar o convite dos meus amigos Robin e Jackie para os visitar na Austrália. Para além de um tempo de férias, a ocasião parecia-me também propícia para fazer uma coisa que há muito desejava mas nunca tinha sido possível até ali: ler a Bíblia do princípio ao fim e tentar interpretá-la à luz do meu trabalho de pesquisa. No meu horizonte perfilava-se a ideia de escrever mais um livro. Mas, ao fim dos sete meses que lá passei, o livro nem sequer tinha chegado a meio... Algumas sementes, no entanto, tinham sido foi lançadas. Era apenas questão de esperar mais algum tempo para as poder ver germinar. Tanto mais que esta minha tentativa foi coroada de êxito logo que consegui vislumbrar o fio condutor que ligava o meu trabalho de pesquisa a este livro sagrado.

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Momentos inesquecíveis num país que “cultua” a Natureza

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UM CONVITE IRRECUSÁVEL Depois que regressei da Austrália fui surpreendida com um convite irrecusável: integrar a minha exposição nas atividades de um Encontro que estava a ser organizado por um grupo de antigos alunos da Universidade do Porto. A ideia partiu de Rosalina Machado Correia – um dos membros da comissão organizadora, com formação em Físico-Química –, que no ano anterior tinha visitado a exposição em Gondomar. Da comissão organizadora fazia também parte a matemática Cláudia Henriques, e ambas me incentivaram e se mostraram dispostas a dar-me todo o apoio necessário. O único problema era encontrar um local adequado. O que foi rapidamente resolvido logo que as circunstâncias se conjugaram e, por intermédio do matemático Paulo Morais, ficou decidido que a exposição iria para o Museu Nacional da Imprensa, onde foi muito bem acolhida pelo seu diretor, Luís Humberto Marcos, e onde se manteve em exibição cerca de quatro meses.

Um dos poucos registos do período em que decorreu esta exposição

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Em frente Ă entrada do Museu Nacional da Imprensa treze anos depois depois 79


PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INTERACTIVA Estava ainda a exposição no Museu da Imprensa quando uma intervenção oportuna sobre uma questão matemática levantada por uma pessoa integrada num grupo que a visitou pôs no meu caminho Dárida Fernandes – uma matemática de quem viria a tornar-me grande amiga. Foi por seu intermédio, e também do matemático Fernando Pedrosa, ambos professores no Instituto Politécnico do Porto, que a exposição saiu diretamente do Museu da Imprensa para o Centro de Exposições de Valongo, onde não só contou com o apoio do Instituto Politécnico do Porto mas também da Câmara de Valongo. O objetivo, desta vez, era, sobretudo, trabalhar alguns temas da exposição com grupos de crianças de várias escolas do concelho através de pequenos workshops, o que foi realizado com sucesso. Finalmente, a exposição tinha-se tornado interativa! E a alegria com que as crianças participaUma das raras imagens antes do início de um workshop ram no trabalho que aí fiz com elas não podia ter sido mais gratificante! Uma das poucas imagens registadas antes de um workshop

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Primeiros comentรกrios feitos no livro de visitas

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REGRESSO ÀS ORIGENS Depois que saiu do Algarve, a exposição foi fazendo um percurso itinerante em direção ao norte do país, onde tenho as minhas raízes. Achei, então, ser altura de tentar levá-la para Viana do Castelo. Contactei a Câmara Municipal, que logo se mostrou recetiva e pôs à minha disposição o piso superior do edifício dos Antigos Paços do Concelho – um local que não podia ser o mais adequado, pois ficava no “coração” do Centro Histórico da cidade. Além disso, António Leal, então coordenador do pelouro da Ação Cultural, proporcionou os meios para que a exposição fosse visitada por alunos das escolas do Ensino Básico do Concelho, de modo a eu poder dar continuidade às atividades desenvolvidas em Valongo. O que voltou a dar-me a oportunidade de trabalhar com vários grupos de crianças, numa série de experiências bem sucedidas.

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DUAS PROPOSTAS BEM ACOLHIDAS O ano 2002 foi pródigo para a divulgação do meu trabalho. Antes da exposição nos Antigos Paços do Concelho ter terminado fui contatada por Júlio Capela e José Calvet de Magalhães – ambos professores do Liceu de Viana e membros da direção do Centro Cultural do Alto Minho. Tinham visto a exposição e vinham com uma proposta: incluir nas edições do Centro, com o apoio da Câmara Municipal, o pequeno livro Vamos Iluminar as Estrelas que, na altura, já se encontrava num site da Internet, graças a uma paginação simples feita por Margarida Vieira Pereira a partir do meu texto e das pinturas de Isabel Fiadeiro. A ideia de o ver editado numa versão melhorada agradou-me, principalmente quando soube que ele seria integrado na FEIRA DO LIVRO desse ano, e lançado precisamente no local onde tinha estado a exposição. A edição seria limitada e a distribuição estaria a cargo do Centro Cultural do Alto Minho e da Câmara Municipal. O que veio a acontecer. Entretanto, uma nova proposta surgiu: participar no VII Baú da Matemática – um projeto dos matemáticos Dárida Fernandes e Fernando Pedrosa –, em que um dos objetivos era «divulgar práticas educativas inovadoras que fomentassem a qualidade do processo aprendizagem/ensino da Matemática». Um enquadramento que me pareceu perfeito para apresentar algo inovador que preparei especialmente a pensar neste Encontro de Professores do Ensino Básico, depois de saber também que um outro objetivo deste projeto era «proporcionar a reflexão científica e pedagógica sobre o quadro curricular em vigor numa perspetiva interdisciplinar da educação matemática». Aqui, porém, a minha expectativa, uma vez mais saiu gorada. Talvez por ter sido a única autodidata a apresentar um trabalho, talvez pelo facto da miniexposição apresentada não ser suficientemente apelativa ou, talvez ainda, por ter passado quase despercebida no meio de tantas outras apresentações e atividades paralelas. A verdade é que o feedback ficou muito aquém da espectativa que eu tinha criado … 84


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NOVA EXPOSIÇÃO – UMA PERSPETIVA DIFERENTE Após a participação no VII Baú da Matemática, uma nova exposição ganhou vida. Desta vez no Museu Municipal de Viana. O espaço era amplo e possuía um auditório, o que permitiu inaugurá-la com a exibição de um vídeo que fiz a partir de uma montagem de três episódios da série Cosmos, de Carl Sagan. A ideia era sensibilizar as pessoas presentes para a dimensão universal onde o ser humano está inserido. Ideia esta reforçada pela própria exposição, desta vez organizada de maneira diferente e com um título também diferente: Do Génesis ao Apocalipse – uma perspetiva científica e simbólica. Esta foi a primeira vez que a exposição foi apresentada num contexto bíblico. O que só foi possível graças ao estudo prévio que eu tinha feito deste livro sagrado durante a minha estadia na Austrália, e também à colaboração de alguns amigos ligados às artes plásticas, entre eles José Joaquim Sousa, Jorge Vidal e Hália Gamboa, que gratuitamente fizeram alguns quadros que necessitava, e também Margarida Vieira Pereira, a quem pedi que fizesse alguns desenhos. Os “dados” estavam lançados. Restava aguardar a reação das pessoas. E esta não se fez esperar de forma rápida e surpreendente, pois na inauguração estavam presentes Flora Silva – vereadora da Cultura – , Abílio Lima de Carvalho – presidente do Instituto Politécnico de Viana –, e Rosa Venâncio – vice-presidente da Escola Superior de Tecnologia e Gestão –, com os quais me encontrei no final do ato inaugural. E, por sugestão de Flora Silva e concordância dos demais, logo ali ficou acordado que a exposição seguiria para o novo edifício da Biblioteca da Escola Superior de Tecnologia e Gestão logo que terminasse o período da exibição no Museu… 86


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ÚLTIMA EXPOSIÇÃO – O FECHAR DE UM CICLO Com a perspetiva da exposição ir para a ESTG a minha expectativa voltou a crescer. A possibilidade dela ir, finalmente, para uma Instituição onde havia centenas de estudantes de várias áreas científicas e tecnológicas parecia ser um bom augúrio para que o núcleo de trabalho que eu tanto desejava viesse a ser criado dentro da própria Escola. O importante era despertar o interesse de professores e alunos. Entre tantos, por certo haveria de aparecer alguns dispostos a debruçarem-se sobre as questões científicas abordadas na exposição – assim pensava. O espaço cedido era magnífico e perfeito para organizar a exposição e, de modo privilegiado, seria esta a sua estreia. Logo, tudo apontava para um projeto bem sucedido. Decidi que manteria a estrutura da exposição anterior, introduzindo-lhe apenas algumas alterações. E, desta vez pude contar com a ajuda de Júlio Capela, que gratuitamente fez duas aguarelas e muito me ajudou na sua montagem. Receando, no entanto, que o título que lhe dera anteriormente pudesse gerar preconceitos que viessem a prejudicar os objetivos que pretendia, decidi mudá-lo para Bíblia – Ensino, Tradição e Cultura. Fi-lo conscientemente, e por duas razões: a primeira porque a Bíblia continuava a ser o fio condutor para apresentar a exposição como um todo coerente, sendo este livro sagrado interpretado à luz da Ciência do Espaço e do Número; a segunda porque ela ia ter lugar no edifício de uma biblioteca, o que permitia dar à palavra Bíblia o seu significado original.

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INDÍCIOS DE PRECONCEITO Apesar do cuidado que tive em alterar o título da exposição, aquilo que eu receava acabou por acontecer. A palavra Bíblia foi suficiente para desmotivar muitos professores e alunos, que nem se deram ao trabalho de a visitar. O preconceito falou mais alto. Talvez, quem sabe, pela palavra Bíblia lhes evocar uma “religiosidade bafienta” completamente descontextualizada do meio académico que frequentavam. O interesse revelado pelos poucos professores e alunos que a visitaram não deixou, no entanto, de me surpreender pela positiva, tendo sido um desses alunos – César Rocha –, que se encarregou de fazer a capa do folheto da conferência que preparei sobre Religiões Comparadas, a ser integrada na semana cultural académica da escola. Os convites foram dirigidos a três ilustres figuras pertencentes às três principais religiões – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo –, embora à última hora o representante do Islamismo – Sheik David Munir –, não tivesse podido comparecer. Um facto imprevisto que, ainda assim, não impediu que a conferência se rea-lizasse, embora com uma audiência reduzida para aquilo que seria de esperar.

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OS «MISTÉRIOS» DO ROSÁRIO Por essa altura já eu tinha feito dois trabalhos sobre o Rosário da tradição cristã. Um deles totalmente manuscrito, em que os desenhos eram integrados nas folhas do próprio texto ou, então, feitos em folhas de acetato. Este era um trabalho de aparência complexa, quase todo feito durante um período em que me isolei numa pequena casa de férias que a minha amiga Lígia Ascensão tinha alugado na Ericeira e gentilmente pôs à minha disposição. O estudo baseava-se na estrutura do Rosário da tradição cristã e revelava, sob o ponto de vista científico, uma perfeita concordância entre a estrutura deste objeito de culto, dividido em três Terços, e o aspeto ternário intrinsecamente ligado à estrutura do Cânone. Guardei este estudo por algum tempo, sem saber exatamente qual o destino a dar-lhe. Já antes tinha contactado o Pe Luciano Guerra – reitor do Santuário de Fátima –, com o intuito de oferecer a minha exposição a este Santuário, mas a oferta não foi aceite com a justificação de que não se enquadrava nas atividades do Santuário. Apesar disso continuou intacta a minha ligação aos acontecimentos de Fátima, com os quais o Papa João Paulo II tinha também uma ligação espiritual profunda. Assim, sabendo da sua forte devoção ao Rosário, admiti a hipótese de lhe oferecer este trabalho. Forrei a capa com um pedaço de linho que tinha pertencido à minha avó materna, bordei nele a palavra Rosário e um conjunto de 10 botões de rosa e, em 2003, por ocasião do seu 83º aniversário, enviei-lho. Menos de um mês depois recebia uma carta do Vaticano a agradecer a oferta, juntamente com um Terço. Só que, entretanto, a palavra Terço atribuída a este objeto de devoção tinha perdido o seu significado semântico a partir do momento em que João Paulo II acrescentou ao Rosário mais um conjunto de 5 Mistérios, a que chamou Luminosos. De modo aparentemente paradoxal, o Rosário tinha passado a ser formado por um conjunto de quatro Terços. Fiquei, por isso, na expectativa de mais tarde poder vir a retomar este assunto.

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O NASCER DE UMA ASSOCIAÇÃO Feito o balanço dos cinco meses em que a exposição se manteve na ESTG e de todas as exposições que tinham sido feitas até ali, conclui que não valia a pena insistir na ideia de a levar para outros locais públicos. Afinal, qualquer um onde ela tinha estado anteriormente era propício para tornar viável a implementação e desenvolvimento do meu trabalho de pesquisa. Logo, se tal não tinha acontecido, melhor do que procurar “bodes expiatórios” sobre os quais recaíssem as “culpas” por todas as tentativas aparentemente fracassadas, preferi admitir que aquele tinha sido o percurso necessário a fazer antes que o derradeiro objetivo fosse alcançado. Dizia-me a minha fé que nada acontece por acaso, e que no decurso de qualquer processo o importante é a pessoa entregar-se por inteiro ao seu trabalho em cada uma das suas etapas. Além disso, tinham sido tantas as vezes em que as circunstâncias se tinham conjugado para abrir caminho à etapa seguinte, que não havia motivo para descrer ou desanimar. E, desta vez, as circunstâncias pareciam apontar para uma mudança de rumo: criar uma Associação que tivesse como objetivo investigar e desenvolver o meu trabalho de pesquisa. O que veio a acontecer com a valiosa colaboração de João Orlando Machado no ano seguinte (2004), o ano em foi criada a Associação CHI – Centro Holístico Internacional, uma Associação sem fins lucrativos com objetivos pedagógicos, culturais e científicos, tendo todos por base a Espaçonumerática. Logótipo da Associação

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CHI – PRIMEIRAS ATIVIDADES No espaço de dois anos foram publicados três livros: o primeiro sobre a Associação no ano em que foi criada, com a particularidade do texto se encontrar também em Inglês, com tradução gentilmente feita pela professora e amiga Catherine Baker, o segundo sobre o meu trabalho de pesquisa, em 2005, e o terceiro feito a partir do espólio deixado pelo jovem arquiteto e também meu amigo Francisco Basílio Pedro, em 2006.

Entretanto foi criado um site. E, com a colaboração do associado António José Wolfango – programador informático – , foram feitos alguns programas com base no meu trabalho. Em 2006 o CHI promoveu duas exposições de pintura da autoria da artista plástica brasileira Cida Garcia: uma no edifício da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo, outra numa sala de exposições da Casa Melo Alvim. E participou também, pelo segundo ano consecutivo, na II FEIRA DAS ASSOCIAÇÃOES promovida pela Câmara Municipal de Viana. Depois de 2006, as atividades cessaram. O facto de muitos associados residirem em outras cidades ou países veio dificultar a formação do grupo de trabalho que eu pretendia formar. Além disso, muitos deles tinham as suas profissões e 94


os seus próprios projetos, o que lhes deixava pouco tempo livre. Os encontros tornaram-se, por isso, cada vez mais esporádicos e, quando aconteciam, a tónica era quase sempre dada aos laços afetivos que nos uniam, fazendo sobretudo desses encontros agradáveis momentos de convívio. Daí que se tornasse cada vez mais difícil um trabalho continuado em conjunto. A essas dificuldades veio também juntar-se a sobrecarga do trabalho burocrático de qualquer Associação, o qual acabou por ficar essencialmente a meu cargo, uma vez que a sede do CHI estava instalada num apartamento onde eu estava a residir. Resultado: além da dificuldade em se prosseguir com um trabalho conjunto, eu própria acabei por ter menos tempo para dedicar ao meu trabalho. Por isso não tardou que decidíssemos que a Associação passaria a ser um espaço liberto de compromissos, onde cada membro colaboraria de acordo com as suas possibilidades.

Catálogo e vista parcial da exposição Simbologia e Arte, inserida na XXVI Expo Feira do Livro, X da Lusofonia 95


TENTANDO A FICÇÃO Em 2007, já cansada de andar à volta dos mesmos temas em tentativas contínuas para os tornar mais claros e apelativos, pensei que talvez a forma ideal para os expor fosse inclui-los numa obra de ficção. Comecei a elaborar o projeto. Criei umas quantas personagens, escolhi um background ligado às minhas origens, e “pus mãos à obra”… Uma “obra” sem a mínima intenção de ser uma obra literária, mas que, pelo menos, tivesse o condão de despertar o interesse de algumas pessoas que viessem a ler o livro. Ou, melhor, os livros, já que o projeto pressupunha dois volumes. Esqueci-me, no entanto, de um pormenor fundamental. Para quem tem uma mente que tende para a abstração e não tem talento literário, a escrita é tarefa por demais árdua e penosa. Precisamente o que veio a acontecer, exigindo de mim um esforço quase “sobre-humano”. Ainda assim, não desisti. Comecei a escrever o primeiro livro em Portugal, a que dei o título O Despertar de Sara, escolhendo para a capa uma pintura feita oito anos antes no workshop do Planetário. Continuei depois a escrever o livro no Brasil, na primeira metade de 2010, e acabei-o em múltiplas fases após o meu regresso a Portugal. … Mas o resultado final estava longe de me satisfazer! Deixei-o, por isso, em standby, até decidir o que fazer com ele.

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POR TERRAS DE VERA CRUZ O tempo passado no Brasil foi extremamente proveitoso. As condições não só propiciaram o isolamento necessário à escrita, como me permitiram também conhecer pessoas com quem partilhei momentos singulares. Além da família, que me recebeu de braços abertos, com Sheila Ávila ensaiei os meus primeiros passos no programa Powerpoint. E com o jovem Marcelo dei início à minha primeira aventura no programa básico do Movie Maker. Dicas que me foram muito úteis para eu depois poder vir a realizar alguns trabalhos, ainda que de forma bastante amadora. E o primeiro, feito em Powerpoint e com alguns vídeos incorporados, foi feito ainda no Brasil, depois de considerar a hipótese de aceitar o convite de Anete Cruz para o apresentar na UFRGN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), onde ela ia apresentar a sua tese de mestrado, ligando a Matemática à dança em cadeira de rodas. Dei a esse traDimensões Simbólicas da Terra e do Homem balho o título Dimensões Simbólicas da Terra e do Homem. O trabalho chegou a ser feito, mas, por razões várias, a minha deslocação a Natal acabou por não se efetuar.

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FASE DE INDECISÃO Dois anos passaram sobre a minha estadia no Brasil. Tempo em que procurei uma vez mais encontrar um rumo para divulgar o meu trabalho. Mas… por onde (re)começar? As tentativas já tinham sido tantas, que não queria envolver-me de novo num projeto que viesse a fracassar. Por isso fui pondo hipóteses. Foi então que me ocorreu fazer uma exposição interativa, de conteúdo muito simples e acessível, capaz de motivar aqueles que a visitassem. Comecei a delinear o projeto mentalmente. Parecia bom. Principalmente por poder contar com a colaboração de Simão Caldeira Cabral para os workshops, a quem o apresentei e se mostrou disponível para colaborar. Trabalhámo-lo em conjunto, mesmo sabendo à partida que haveria um obstáculo difícil de ultrapassar… O Simão, naquela altura temporariamente em Portugal, vivia na Alemanha, e a sua permanência em Portugal por tempo indeterminado exigia uma logística e apoio financeiro que não foi conseguido. … Sucumbiu o projeto. Ficaram as ideias…

Simão e Cláudia (com a sua bebé Violeta), executando uma mandala na areia de uma praia do Algarve

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PROJETO DE UM SITE Assumida a inviabilidade dos workshops, o que, por sua vez, inviabilizava a própria exposição, decidi concentrar-me no vídeo que deveria acompanhá-la, a que dei o título HOMO SAPIENS…TERRA MATER…. Ainda assim, a ideia da exposição manteve-se por mais algum tempo. Contactei a Quinta da Regaleira, da qual o meu amigo João Cruz Alves era diretor na altura, e fiquei de apre sentar o projeto. Contudo, ponderando melhor sobre as dificuldades que iriam surgir relativamente à montagem da exposição e seu posterior acompanhamento, acabei também por desistir. Mais de quarenta anos se tinham passado sobre a «revelação» que me pusera no trilho da minha pesquisa, e o cansaço justificava que tentasse uma via mais fácil e definitiva. Surgiu-me então a ideia de tentar novamente a Internet, criando um site com melhor qualidade do que os anteriores. A avaliar pelo resultado das tentativas já feitas nada me garantia que esta fosse a melhor opção. Mas, desta vez, havia a esperança de que pudesse ser diferente. O meu trabalho entretanto evoluíra e eu sentia que, da minha parte, pouco ou nada mais tinha a acrescentar-lhe. Pareceu-me, por isso, que bastaria organizá-lo e apresentá-lo de modo apelativo tirando partido do material que tinha, recorrendo sobretudo à criatividade (que eu não tinha…). Tentei. Mas nem com a colaboração de Bruno Santos, que pacientemente foi procurando dar um toque profissional às ideias que inicialmente lhe fui apresentando, o objetivo foi atingido. Decidi, por isso, fazer nova paragem. Foi então que, tempo depois, o Tó Neto se ofereceu para me ajudar a fazer um site gratuito. Ele próprio tinha feito o dele e o resultado revelara-se eficaz, pelo menos em termos de divulgação. Desloquei-me ao Algarve, onde pude contar também com a ajuda de Anabela Ruivo, mas não foi fácil escolher um modelo que se adaptasse a tudo o que eu pretendia incluir no site. Até que, a partir de uma sugestão de Anabela, tudo pareceu desbloquear-se. Mas eis que, ao fim de quase uma semana de trabalho intenso, surge um enorme e inesperado contratempo: o modelo escolhido não permitia incluir mais páginas no tema que estávamos a trabalhar, e nós ainda só íamos a meio!… Um percalço que, obviamente, me obrigou a uma nova paragem…

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A MINHA “OLIMPÍADA” EM LONDRES A paragem “forçada” com que de novo me deparei acabou por se revelar providencial. Persistindo a ideia do site, para o ajustar às exigência surgidas muito havia a modificar. Mas, para isso, precisava de um local sossegado onde pudesse “refugiar-me” por uns tempos. E que local melhor podia desejar do que aquele que a minha amiga Marina Rodrigues, a viver em Londres, me proporcionou? Um verdadeiro oásis de paz e silêncio onde pude trabalhar tranquilamente durante o mês de Agosto, num horário alargado que a mim própria impus, enquanto a cidade de Viana se agitava ao som de bombos e foguetes durante o mês da sua famosa romaria da Senhora da Agonia…. Ao contrário do que costumava acontecer, o trabalho fluiu. Quer nas duas primeiras semanas em que a minha amiga esteve em Londres, quer nas duas semanas seguintes em que foi passar férias a Portugal. No seu regresso, porém, o trabalho ainda não estava concluído… Faria então sentido vir-me embora sem o ter terminado e sem ter aproveitado a oportunidade para revisitar a cidade onde passara três anos da minha vida? Além disso, os Jogos Olímpicos tinham decorrido em Londres sem que eu tivesse desfrutado de qualquer evento, e os Paralímpicos começariam no final de Agosto. Resolvi então ficar mais duas semanas, que aproveitei para terminar algumas tarefas em suspenso e também para revisitar a cidade, muito particularmente alguns locais onde tinha vivido há mais de trinta anos. Passeios que trouxeram de volta muitas recordações e me proporcionaram excelentes momentos vividos na companhia da amiga que gentilmente me acolhera em sua casa. 100


UM NOVO SITE Após o meu regresso a Portugal, com os elementos que tinha trazido de Londres e o know-how de Sérgio Torres, um novo site ficou pronto: ESPAÇONUMERÁTICA – história de um percurso. Todavia, consciente da imprevisibilidade dos resultados que ele poderia trazer, deixei no final, uma pergunta: – E agora???... Mais do que expectativa ansiosa de quem espera um rápido feedback, esta era uma pergunta que espelhava a incerteza do que eu própria poderia vir a fazer a partir daí. Eram ainda tantas as ideias que gostaria de transmitir e desejava pôr em prática!... Além dos livros e imagens disponíveis para download, aproveitei este site para lançar um apelo. Em vez das clássicas informações sobre o autor do site, optei por deixar uma mensagem. Baseando-me no ano do meu nascimento – o ano em que teve início a 2ªa Guerra Mundial – recordei o 1º Congresso Mundial dos Partidários da Paz ocorrido em Paris uma década depois, figurando na capa do cartaz a conhecida litografia Pomba da Paz, de Picasso, cujo ideal era sintetizado numa frase: A defesa da Paz é uma causa de todos os povos do Mundo.

Mais de seis décadas se tinham passado sobre esse Congresso, e a Paz mundial continuava (e continua…) a ser quimera. Como não lançar então um vibrante apelo a todos os povos do mundo para que, finalmente, soltem as pombas a Paz?!... 101


PROPOSTAS SEM ACEITAÇÃO ACADÉMICA Depois que iniciei a minha pesquisa, sempre fiz questão em não dissociar os seus aspetos científico e simbólico, pois, na realidade, eles são indissociáveis. O que não significa que cada um não possa ser visto e analisado separadamente. Especialmente o científico, já que, se quisermos evitar a subjetividade do simbólico, este não pode prescindir do apoio da Ciência. Esta foi uma questão que amiúde se me colocou, principalmente sempre que sentia a dificuldade das pessoas em conjugar esses dois aspetos, e me levou, mais do que uma vez, a tentar definir os conceitos fundamentais da Espaçonumerática, de modo idêntica àquele que levou o matemático Bento de Jesus Caraças a escrever o seu livro Conceitos Fundamentais da Matemática. Esses trabalhos, porém, foram começados, mas nunca finalizados. Até que, em 2014, dado o pouco feedback que o site estava a ter e a sua pouca divulgação, decidi submeter um artigo para publicação no Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) sobre o Último Teorema de Fermat. Obviamente, não era intenção minha demonstrá-lo. Isso já o tinha feito Andrew Wiles em 1995. O que eu pretendia era explicar, através de conceitos espaçonumeráticos (que não deixavam de ser matemáticos…) o porquê da veracidade de tal teorema. Como era expectável, o artigo foi rejeitado. Não desisti. Tentei de novo submeter um outro artigo algum tempo mais tarde, desta vez com uma nova temática: a Conjetura de Beal. Uma conjetura que aguardava ainda uma demonstração. Mas, tal como da primeira vez, o artigo foi rejeitado. Foram feitos ainda mais alguns contactos, mas, por último, nem sequer houve resposta. Conclui que não valia a pena insistir. O caminho não era por ali… Não pude, no entanto, deixar de lamentar que o diálogo não tenha sido possível. No final, ficou-me a sensação de que, em Portugal, o meio académico é um meio fechado, que desvaloriza tudo o que não faça parte dele… 102


UM NOVO LIVRO Nada de especial aconteceu nos anos seguintes. Surgiram alguns projetos que se delinearam interessantes, mas que não chegaram a vingar. Foram feitas algumas traduções de textos para inglês e revisto o livro O Despertar de Sara pela minha amiga Alexandrina Vila Franca. Com o fechar de portas por parte do meio académico, a ideia de encontrar um outro meio que pudesse comprovar a importância da Ciência do Espaço e do Número nos seus aspetos simultaneamente científico e simbólico foi ganhando cada vez mais força. Uma ideia à qual se juntou a necessidade de sintetizar o meu trabalho, até ali um pouco disperso. Foi então que o meu espírito se voltou de novo para Fátima e para a cruz que, durante mais de 30 anos, se manteve suspensa sobre o altar da tribuna que fica em frente à basílica de Nossa Senhora do Rosário – o local onde são celebrados os atos litúrgicos em dias especiais. Contactei o Santuário, e foi-me facultado o acesso aos arquivos.

Projeto original da tribuna, da autoria do arquiteto Erich Corsepius, vendo-se a cruz por cima do altar (ao centro) 103


E assim nasceu, passados alguns meses, mais um livro onde a ciência se cruza com o simbolismo. Mas, desta vez, numa esfera muito mais ampla e abrangente. Incluindo também fenómenos considerados “sobrenaturais” para os quais a ciência não tem resposta, mas tem a capacidade de interpretar alguns dos sinais que os acompanham, sendo precisamente essa competência que lhe é atribuída que permite autenticar tais fenómenos. Neste livro foram compilados praticamente todos os temas da pesquisa que até ali tinha feito, aos quais foram acrescentados alguns novos elementos indicados pela pesquisa que o próprio livro foi sugerindo. Enviei-o para o Departamento de Estudos e Difusão do Santuário de Fátima, com quem me mantinha em contacto através de André Melícias. Tratando-se de um departamento de Estudos, e estando o conteúdo do livro focado nos acontecimentos ocorridos em Fátima em 1917, admiti que o livro pudesse vir a ser objeto de análise e de uma cuidada revisão final, a ser feita sempre por outrem que não o próprio autor. Tal, porém, não aconteceu. O livro passou a fazer parte dos arquivos digitais deste Santuário, mas sem qualquer feedback. Foi então que, passado algum tempo, algo veio confirmar o que eu já sabia: aquilo que às vezes nos pode levar ao desânimo pelo facto dos acontecimentos que esperamos não corresponderem à nossa expectativa, têm sempre uma razão de ser. Confirmação que veio a verificar-se na primavera de 2019, quando visitei o Santuário de Nossa Senhora da Paz, no concelho de Ponte da Barca (distrito de Viana do Castelo), onde a mensagem das aparições que aí ocorreram em 10 e 11 de Maio de 1917 (dois dias antes da primeira das 6 aparições que 104


tiveram lugar em Fátima), e toda a geometria cristalina que caracteriza este santuário me fizeram pressentir que alguma ligação havia entre estas aparições e as de Fátima. Adquiri na loja do santuário o livro da autoria de Luís Arezes lançado por altura do centenário das aparições, e, com essas informações, reforçadas pela minha intuição da ligação entre ambos os santuários, não só compreendi o motivo do compasso de espera que surgira, como decidi rever o livro que tinha escrito sobre Fátima e incluir nele estas outras aparições…

No local das aparições, em frente ao altar de vidro dentro do qual está uma enorme drusa de cristais de quartzo. 105


O DILEMA… E, POR FIM, A DECISÃO Depois que o livro ficou pronto, surgiu o dilema… Um dilema já antigo que tinha a ver com a divulgação de alguns dos livros que tinha escrito. A ideia de entrar no circuito livreiro sempre tinha sido excluída. O meu objetivo sempre foi pôr o meu trabalho à disposição de todos de forma gratuita, o que só me parecia possível através da Internet. Ponderando no entanto sobre o elevado custo que os livros teriam para quem os quisesse impressos com alguma qualidade, principalmente se muitas das suas páginas fossem a cores, como era o caso da maior parte deles, levou-me a equacionar outros meios que pudessem ser mais práticos e benéficos em termos de custo para quem os quisesse ter neste formato. Eu própria mandei imprimir com alguma qualidade cada livro que escrevi numa boa loja de fotocópias e pude avaliar o exorbitante preço a que ficaram. Contactei por isso, a partir desse ano, algumas editoras para poder estudar o problema e poder tomar, por fim, uma decisão. Apesar de terem sido poucas as editoras contactadas, deu para ver que as condições que ofereciam não satisfaziam os meus intentos. Umas porque, não trazendo despesas para o autor no caso da obra ser aceite, demoravam mais de um ano a dar uma resposta. Outras porque os custos para o autor eram para mim incomportáveis, além de que a divulgação era apenas feita através da Internet, com a agravante de eu não poder pôr os livros em formato e-book no site que estava a ser criado, nem que fosse apenas para leitura online. Postos todos os elementos nos pratos da balança, vi-os oscilar por algum tempo. Terminado, porém, esse movimento de “vai-vem”, o prato da balança onde colocara a minha intenção inicial ganhou peso suficiente para sair vitorioso, não me trazendo sequer alguma inquietação em relação ao futuro. A decisão, finalmente, estava tomada… Os livros ficariam em formato e-book no site, com a possibilidade de download gratuito em formato pdf! … Será este o ponto final na história deste percurso? Sinceramente não sei. A Associação que fundei, entretanto, foi encerrada oficialmente. Contudo, há ainda outros projetos em curso. A ver vamos, então, as respostas que o futuro poderá trazer… 106


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