UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
PAULO SERGIO FOCHI
DIÁLOGOS COM O TEATRO E OS BEBÊS: Narrativas de um percurso pedagógico e artístico na experiência italiana
SÃO LEOPOLDO 2010
PAULO SERGIO FOCHI
DIÁLOGOS COM O TEATRO E OS BEBÊS: Narrativas de um percurso pedagógico e artístico na experiência italiana
Trabalho
de
Especialização
Conclusão apresentado
de
Curso
como
de
requisito
parcial para a obtenção do título de Especialista em
Educação
Especialização
Infantil, em
pelo
Curso
de
Educação
Infantil
da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Carmen Silveira Barbosa
SÃO LEOPOLDO 2010
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Dedicatória é quando todo amor do mundo resolve se exibir numa frase só1:
À Maria Carmen, Marita e Mário, pessoas que me provocaram a pensar esta pesquisa e me ensinam diariamente um exercício de viver mais sensível.
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FALCÃO, Adriana. Mania de Explicação. São Paulo: Moderna, 2001.
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AGRADECIMENTOS
Pra poder registrar meus agradecimentos, fui procurar no livro de Adriana Falcão, Mania de Explicação, a definição do termo “agradecimento”. Como não foi surpresa, não encontrei, e a razão disso deve ser porque agradecer alguém está no campo das palavras difíceis de serem traduzidas. Mas vou tentar, agradeço... ... à Lica, ou, professora Maria Carmen Silveira Barbosa, orientadora não só deste trabalho, mas de uma forma mais bonita, sensível e poética de estar no mundo, que com carinho e paciência me convidou a esta pesquisa, e que durante o percurso, me permitiu com liberdade a construção deste projeto... ... à Marita Redin, que mais que uma grande coordenadora e professora da especialização em Educação Infantil da Unisinos, me deu o privilégio de ser seu amigo, de dividir experiências e especialmente, de me incentivar constantemente. De me contar com entusiasmo e boniteza sobre as maravilhas de ouvir e olhar a criança. E pela responsabilidade e o incentivo que me deu nesta pesquisa. Sem dúvida nenhuma, uma mestra e uma grande amiga a quem sou eternamente grato... ... ao Mário, pelo amor, companheirismo e força que me dá diariamente, e pela parceria de todas as horas, que além de ter sempre uma palavra de incentivo e alento, me faz acreditar nos novos caminhos que traço na minha vida. Por me apresentar os bastidores do teatro, e por dividir comigo inúmeras reflexões sobre o tema desta pesquisa, e especialmente por tudo de bonito que me ensinou e que hoje são marcas daquelas que carrego para sempre... ... aos professores Euclides Redin e Luciano Bedin, por me sensibilizar a cada aula... ... à minha família, Dani (mana), Fer (mana), Jure (mãe) e Sérgio (pai) por terem deixado as portas e janelas abertas para que eu saísse sem pedir licença...
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...e assim, descobri, porque a palavra agradecimento é tão difícil de ser traduzida. Porque ela fala para as pessoas em tão poucas palavras, tantos beijos e abraços que gostaríamos de dar. Então, pra eles, meu sincero e singelo OBRIGADO!
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RESUMO
Esta pesquisa narra apontamentos das experiências advindas da pedagogia italiana, fruto do que nas últimas décadas vem sendo construído em termos de cultura, escola e educação para crianças pequenas. O enredo é a respeito do teatro para e com bebês, apresentando alguns indicativos a respeito do exercício do bebê se fazer público e de poder ter a experiência numa outra forma comunicativa, a linguagem teatral. Além disso, as especificidades do ator e do espetáculo para crianças pequenas, e a abrangência dos laboratórios e atelier de teatro com bebês, professores e pais. O cenário deste percurso é a região de Bolonha, com o projeto Il nido e il teatro, A creche e o teatro, o grupo La Baracca, companhia de teatro presidida por Roberto Frabetti que desenvolve projetos e espetáculos para crianças e jovens e os Serviços Educativos de Bolonha, representados por Marina Manferrari. Os protagonistas desta pesquisa são Roberto Frabetti e Marina Manferrari, responsáveis pelo desenvolvimento deste projeto desde 1987. Ele ator, diretor, dramaturgo e responsável pelos atelier e oficina de teatro, ela, pedagoga da cidade de Bolonha, responsável pelos projetos de teatro e contação de história nas creches. Além disso, esta pesquisa apresenta a Small Size e Visioni di futuro, visioni di teatro, organização européia e festival de arte-educação vinculados ao grupo de Roberto Frabetti, La Baracca, que fomenta, discute e promove as experiências relacionadas ao tema teatro, arte e cultura para e com os pequenos.
Palavras chaves: bebês, teatro, arte-educação, pedagogia italiana
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LISTA DE ILUSTRAÇÃO FIGURA 1 – Scena: Azzuro...................................................................... 07 FIGURA 2 – Scena: Il viola....................................................................... 08
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 9 1. A PEDAGOGIA ITALIANA: UM PRELÚDIO ......................................... 14 2. PRIMEIROS DIÁLOGOS: UM POUCO SOBRE A CENA E OS ATORES DESTA PESQUISA .................................................................. 19 3. O QUE É TEATRO PARA BEBÊS? ..................................................... 24 3.1 O projeto “Il nido e il teatro”........................................................ 29 3.2 Laboratórios de teatro para professores .................................... 32 3.3 Garatujas teatrais: Ateliers de teatro com as crianças ............... 36 3.4 A experiência teatral com os pais .............................................. 42 4. A REDE “SMALL SIZE” E O FESTIVAL: “VISIONI DI FUTURO, VISIONI DI TEATRO” ............................................................................... 44 DIÁLOGOS FINAIS: CONCLUINDO E RECOMEÇANDO ....................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 50
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APRESENTAÇÃO
O desejo desta pesquisa estava germinando em mim sem que eu mesmo soubesse disso, sim, existia um desejo inconsciente em realizar um encontro entre duas esferas que no percurso da minha vida sempre estiveram - de uma forma ou de outra - muito próximas, a primeira é a artística, e a segunda, que nos últimos 10 anos tem sido razão pela qual caminho e desenvolvo meu percurso de trabalho e acadêmico, a educação da infância. Esse encontro foi tomando forma frente alguns diálogos que aconteciam e, como uma semente plantada, foram nascendo as diversas interrogações que me movimentaram a entrar num campo de pesquisa e reflexões que na medida em que eu imaginava me tornar íntimo, abria-se uma imensidão de possibilidades e novos horizontes a serem contemplados para tentar construir um percurso de pesquisa consistente, talvez Manoel de Barros (2003, p.28) já tenha conseguindo colocar em palavras o que acontece com a gente quando vamos nos tornando mais próximos de algo ou de alguém, “A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas”. Mas a decisão em tornar pesquisa, em tornar um objeto de estudo para alguns anos, ou para muitos anos, se fortaleceu depois de uma conversa com a professora Maria Carmen S. Barbosa, hoje minha orientadora, logo em seguida a sua viagem feita para a Itália onde participou do festival “Visioni di futuro, visioni di teatro” quando trouxe relatos, materiais e sensações a respeito do teatro para bebês. Tudo isso veio de encontro com alguns diálogos já feitos com o ator, diretor e bonequeiro Mário de Ballentti, que foram fundamentais para algumas reflexões que me sensibilizaram em compreender a trajetória da produção de teatro para crianças, ele presidente da CIA Caixa do Elefante de Porto Alegre.
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Diálogos que também compartilhei com minha querida amiga Marita Redin, coordenadora do curso de pós-graduação em Educação Infantil da Unisinos que, muito seguidamente, me convida a conversar sobre arte, sobre estética, sobre o fazer e ver a produção artística para e das crianças, e com um enorme pesar, Esther Beyer, que infelizmente, tão cedo partiu, mas que tanto contribuiu comigo me permitindo refletir outra esfera artística, a música para bebês, que em tão poucos diálogos me possibilitaram enxergar a relação desta linguagem com o teatro. A partir daí, entendi que estava nascendo a possibilidade de criar uma tessitura entre estes dois caminhos, que ainda não tinham se encontrado, e que é nesta construção de diálogos entre o bebê e o teatro que dou meus primeiros passos para um campo investigativo. Embora o teatro para bebês venha se desenvolvendo em diversos países, a escolha da experiência italiana se dá em função de dois elementos: (a) da relação íntima e direta com a pedagogia da escuta para a educação infantil e para o destaque que esta pedagogia oferece as diferentes linguagens das crianças, as Cem, de Loris Malaguzzi e pelo fato da experiência italiana se diferenciar das demais produções teatrais para bebês, pois envolve não somente o produto cultural, mas um universo que caminha através da interação pelos diversos segmentos artísticos, educacionais, urbanos e familiares. Tomo como elemento central o projeto que iniciou na produção cênica para bebês em 1985, na cidade de Bolonha, e que percebeu a importância de envolver professores e pais, desenvolvendo assim um projeto que passa pela formação dos professores das creches, pela visita das crianças no teatro, mas também do teatro visitar as creches, pela experiência dos pequenos e dos muito pequenos fazerem teatro em ateliers e pela possibilidade dos pais dessas crianças entrarem no universo teatral. Por tratar-se de um tema consideravelmente novo, especialmente nos meios acadêmicos, o caminho metodológico melhor identificado para o desenvolvimento desta investigação foi a realização de uma “Pesquisa Exploratória” especialmente
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dedicada a revisão teórica do tema, uma vez que, como afirma Theodorson e Theodorson (1970) a pesquisa exploratória permite ao pesquisador realizar um estudo preliminar quando o principal objetivo é tornar-se familiar a um fenômeno ou temática que se quer investigar, de modo que o estudo que seguirá a esse possa ser realizado com maior compreensão e precisão. A pesquisa exploratória pode utilizar diversas técnicas, geralmente numa amostragem pequena, e permite definir o problema de pesquisa e formular hipóteses mais precisas, também permite escolher a metodologia mais adequada para a pesquisa que virá, clareando sobre as questões que mais precisará dar ênfase e investigação detalhada, alertando inclusive das dificuldades e fragilidades possíveis no fenômeno escolhido. Neste desejo de melhor compreensão do fenômeno “teatro para bebês”, a pesquisa exploratória apresenta-se apropriada para tornar-se um estudo a ser ampliado e aprofundado posteriormente, acreditando-se que essa razão é particularmente relevante uma vez que esta área de conhecimento ainda não apresenta, no Brasil, dados organizados – nem qualitativos nem quantitativos – nos meios educacionais e artísticos. Assim foi que nos últimos meses me dediquei a levantar, mesmo que ainda de forma sumária, a bibliografia sobre este universo ainda pouco discutido aqui no Brasil, e que na Europa, especialmente na Itália, já está em processo de produção de conhecimentos a mais de duas décadas. Durante este levantamento, foi difícil poder delinear o que seria imprescindível escrever e refletir neste primeiro momento, uma vez que a característica da pesquisa é apresentar dados que compõem o percurso do teatro para bebês na Itália. Percebeu-se as diversas possibilidades que este dialogo possibilita, demonstrando um universo desconhecido nos campos da produção artística para bebês.
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Desse modo, os diálogos que aqui se estabeleceram iniciam trazendo alguns apontamentos no capitulo 1 sobre a pedagogia italiana, um prelúdio da importância das diversas linguagens, evidenciando um pouco sobre arte, criança e atelier. Em seguida, no capitulo 2 é discorrido sobre alguns diálogos iniciais, importantes para localizar o leitor dentro desta pesquisa. Neste capitulo, são apresentados os atores do meu estudo que estarão circulando nesta pesquisa, Roberto Frabetti e Marina Manferrari, e também sobre o grupo La Baracca, companhia de teatro presidida por Roberto Frabetti e responsável pelo Festival Visioni di futuro, visioni di teatro, o cenário que abre espaço para que aconteça o projeto de teatro para bebês, Bolonha, e algumas indicativos sobre as configurações desta modalidade de linguagem. O capítulo 3, fala especificamente do projeto Il nido e il teatro, iniciando por especificações sobre o que é teatro para bebês, propondo também falar do bebê como um tipo especial de “público” e suas especificidades de se fazer público distante das tantas convenções já estabelecidas. Ainda optou-se por trazer alguns indicativos acerca do como se “fazer ator” diante de produções desse gênero e das implicações e características que circulam o profissional das artes que faz teatro para bebês. E ainda, utilizando-se da experiência de Roberto Frabetti, as duas concepções de produção de espetáculo para bebês, baseadas nos 25 anos de experiência e nas 22 peças produzidas para este público. A conversa desta pesquisa parte para as especificidades do projeto “A creche e o teatro”, que envolve até hoje esferas artísticas e educacionais e tornam possíveis às crianças e aos professores um campo de experiência com seu corpo e com suas linguagens mais íntimas. Nesse sentido, a pesquisa traz a experiência Laboratórios de Teatro para professores, que convida os profissionais dos serviços educativos da cidade a participarem e atuarem como multiplicadoras deste trabalho no cotidiano escolar. Indicará o papel do ator neste processo de formação e da evolução desta modalidade no decorrer dos últimos anos.
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Talvez o maior destaque desta pesquisa, ou, o resultado de todas as outras ações do projeto italiano, são as Garatujas teatrais: que são ateliers de teatro para bebês e crianças pequenas, um momento em que os bebês, através de um ritual de histórias e garatujas gestuais, sonoras e expressivas, põem-se a viver a narração de uma história e experimentar suas linguagens expressivas. Essa é certamente uma ação que foi se constituindo demonstrando como mais importante na medida em que esta pesquisa foi acontecendo, e clareando os entornos destes ateliers. As narrativas de Marina Manferrari puderam contribuir e esboçar um pouco desta atmosfera vital, ou, artística e pedagógica. Outro campo, e o mais recente o projeto italiano, apresentado na pesquisa são os Laboratórios de Teatro com os Pais, envolvendo talvez um dos segmentos da vida criança mais importante e que de um modo geral, costuma ficar esquecido nos projetos educativos. Por fim, no capitulo 4, acreditou-se fundamental falar um pouco sobre o festival de teatro “Visioni di futuro, visioni di teatro” já que é uma das formas de compartilhar com o mundo as tantas ações que Bolonha vem realizando, mas ao mesmo tempo, conhecer os diversos formatos que este segmento vem se configurando em outros lugares do mundo. E a Small Size, uma organização européia que trata de discutir e fomentar sobre a produção cultural para a primeira infância. Concluo recomeçando, rodeado de novas perguntas, mas também das velhas, aquelas que iniciei minha pesquisa. Porém incansavelmente certo da necessidade de se refletir sobre o tema desta pesquisa, cada vez com maior profundidade e discernimento, isso porque implica em traçar novas e fundamentais atitudes em relação ao olhar para a criança e para os projetos educativos e culturais que são elaborados dentro e fora dos ambientes escolares.
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1. A PEDAGOGIA ITALIANA, UM PRELÚDIO
Para podermos falar do projeto de teatro para bebês a luz da experiência italiana, é fundamental contextualizar a educação para crianças pequenas no norte da Itália, em especial, versar sobre a trajetória de Loris Malaguzzi e seus inúmeros companheiros de interlocução de distintas cidades da Itália em sua abordagem educacional de Escuta da voz das crianças e das compreensões das suas Cem Linguagens. A abordagem italiana é uma teia composta pela participação de educadores, famílias, crianças e a sociedade, onde a mais de 30 anos, Milão, Reggio Emília, Pistóia, Parma e Bolonha são sinônimos de excelência em Educação Infantil. Na verdade, o que estas experiência evidenciam, são caminhos percorridos pela sociedade italiana na conquista da educação de qualidade para as crianças, permeada por uma discussão sobre concepções de infâncias e sua importância na elaboração das práticas pedagógicas. Foi numa pequena aldeia próxima de Reggio Emília, chamada Villa Cella, numa primavera de 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, que os cidadãos – talvez no sentido mais puro da palavra – uniram-se para criar uma escola para seus filhos. Uma escola cuja construção foi feita dos vestígios da guerra: a venda dos cavalos abandonados pelos alemães e os tanques de guerra. A proposta de Reggio Emília, no norte da Itália, é o resultado de um movimento de pais que desejavam sobretudo, “uma declaração contra a traição do potencial das crianças, e um alerta de que elas, antes de tudo, precisavam ser levadas a sério”(MALAGUZZI, 1999 p. 67). Este período de envolvimento com a educação das crianças culmina no que atualmente é a Rede de Escolas da Infância e Creches Municipais para crianças da cidade de Reggio Emília. O jovem pedagogo Loris Malaguzzi, que com sua bicicleta, em 1945, foi conhecer o que estava acontecendo no vilarejo de Villa Cella, foi o
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idealizador do projeto educativo e de uma pedagogia própria, que resultou a Pedagogia da Escuta e a Teoria das Cem Linguagens das Crianças, imbricadas numa concepção de criança competente, capaz e portadora de direitos: em nossa abordagem, portanto, afim de progredirmos, fazemos planos e reflexões ligadas aos campos cognitivos, afetivo e simbólico; refinamos as habilidades de comunicação; somos muito ativos na exploração e na criação em grupo, permanecendo abertos a mudanças. Desta forma, enquanto todos os objetivos são compartilhados, o aspecto mais precioso ainda é a satisfação interpessoal (MALAGUZZI, 1999, p. 75).
A Pedagogia italiana, em especial a das escolas de Reggio Emília, nos convida a pensar sobre a forma que nos relacionamos com a criança, considerando que esse relacionamento “influencia o que as motiva e o que aprendem” (MALAGUZZI, 1999, p. 77). O sistema de relacionamento em nossas escolas é real e simbólico simultaneamente. Nesse sistema, cada pessoa tem um relacionamento formal – em seu papel – com as outras. Os papéis de adultos e crianças são complementares: fazem perguntas uns aos outros, ouvem e respondem (MALAGUZZI, 1999, p. 79).
Refletir sobre esse relacionamento que a considera competente, capaz de elaborar teorias provisórias e de estabelecer relações com o tempo e o espaço é acreditar numa criança cidadã, rica pelos seus saberes, que produz e consome cultura, diferente da criança sugerida por algumas teorias do desenvolvimento que a consideram apenas como um “vir a ser” ou alguém a quem “falta” algo para ser um adulto. A pedagogia de Loris Malaguzzi está pautada na imaginação ao invés de inteligência, “a imaginação é extremamente importante, porque leva ter imagens múltiplas, o que significa que um objeto pode adquirir uma pluralidade de significados” (MALAGUZZI, 1999, p.63), e ainda acrescenta que acreditamos na corrente evolutiva das novas ciências, sustentada pelo neurocientista americano Edleman, pelo biólogo francês Sanjeux e por Levi Montalcini, quando se referem a quadros de sinergia dos neurônios e das sinapses... Sanjeux fala em “resposta sinfônica” do cérebro... É uma teoria que favorece as noções de “solidariedade do cérebro”, em que cada parte está relacionada com as outras... Eis o motivo pelo qual a apoiamos. [...] A imaginação absorve tudo, o cognitivo, o expressivo, o sentimento, a
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lembrança, as escolhas que nos pertencem... Temos que destruir a imagem simplificada de um objeto, temos que complicar o mundo... a imaginação é arte e ciência, pois multiplica os significados de um objeto, de um acontecimento, de uma palavra (MALAGUZZI, 1999, p. 63)
Contudo, é a partir de uma forma simples de pensar que Malaguzzi (1999 p. 61), talvez traduza o cerne dessa proposta pedagógica, “um pensamento simples e confortador veio em meu auxílio: que as coisas relativas às crianças e para as crianças somente são aprendidas através das próprias crianças”. Essa lógica, nem um pouco comum em meados da década de 50 e 60, indicam a dimensão social e o princípio fundamental da proposta, isto é valorizar a criança como construtora de conhecimento, cada uma individualmente e não em termos gerais. Seu ambiente deve ser preparado de modo a interligar o campo cognitivo com os campos do relacionamento e da afetividade. Portanto, deve haver também conexão entre o desenvolvimento e a aprendizagem, entre as diferentes linguagens simbólicas, entre o pensamento e a ação e entre a autonomia individual e interpessoal. Valores devem ser colocados em contatos, em processos comunicativos e na construção de uma ampla rede de intercâmbios recíprocos entre as crianças e entre elas e os adultos (MALAGUZZI, 1999, p. 77).
Todas essas considerações nos remetem a pensar sobre a rede que se estabelece a atmosfera do universo educacional infantil, desde a organização dos espaços, a escolha dos projetos educativos, o tempo que dispensamos a cada situação e as experiências que realizamos com as crianças, “perceber que escutar as crianças é tanto necessário quanto prático” (MALAGUZZI, 1999, p. 83). Como o próprio Malaguzzi afirma, essa tarefa não é fácil e nem pequena. Conseguir perceber essa ampla rede na sua dimensão envolve um conhecimento aprofundado sobre alguns elementos básicos do cotidiano infantil, “a fim de transformar esse conhecimento em 100 linguagens e 100 diálogos com as crianças” (MALAGUZZI, 1999, p.83). A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar.
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A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem), mas roubaramlhe noventa e nove. A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem,roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança diz: ao contrário, as cem existem (MALAGUZZI, 1999).
Nessa abordagem, como já foi afirmado, o local que se escolhe e se organiza para a realização das atividades é parte do projeto educativo. Por isso, também foi investido a criação dos ateliers, um espaço para o uso e combinação das diferentes linguagens, um lugar que provoca complexas relações e que oferece um amplo repertório de ferramentas para o pensamento. O atelier protegeu-nos não apenas de longas palestras e teorias didáticas de nosso tempo (quase que a única preparação recebida por jovens professores), mas também das crenças comportamentalistas (behavioristas) da cultura que nos cerca, reduzindo a mente humana a uma espécie de “recipiente” a ser enchido (MALAGUZZI, 1999, p. 84).
Na verdade, é um local aonde as diferentes linguagens das crianças podem ser exploradas por elas, um espaço onde diferentes técnicas, modalidades e materiais são escolhidos pelas crianças ou sugeridos pelos professores para a construção e a documentação da atmosfera das experiências infantis. O atelier supõe uma transgressão física: segundo a ideia de RODARI, seria “...um diálogo que interrompe a assim chamada normalidade educativa”. Malaguzzi já tinha comentado: há muita normalidade na escola. O atelier convida as crianças e os adultos a experimentar, a provocar, a procurar, a brincar com a loucura (HOYUELOS, 1998, p. 7 apud FARIAS; RICHTER 2009, p. 108).
Nesse contexto, evidenciamos o conceito de arte trazido pelos italianos, “arte como possibilidade de mais linguagens e, portanto, como possibilidade, pelas várias linguagens, das diversas formas de ver o mundo” (PIAZZA, 1999, p.64). É uma tentativa de permitir a criança à difícil tarefa de ver o mundo por diversos ângulos, de vislumbrar diferentes horizontes, de autorizar e incentivar a escolha, de “dizer também aquilo que você não vê [...] queremos que as nossas crianças narrem de formas diferentes” (PIAZZA, 1999, p.64).
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Se
para
Reggio
Emília
os
ateliers
assumem
uma
dimensão
de
problematização especialmente do que é visual, das artes visuais, em Bolonha percebemos uma outra dimensão do atelier, um espaço também para as artes, para as linguagens, para a problematização e para a potencialização das diversas formas de se expressar e de se relacionar com o mundo, mas um atelier que não só contempla a imagem do que se vê, mas o que o corpo pode fazer com aquilo, o que os sons podem acrescentar e gerar um clímax: um atelier de teatro. Apesar das inúmeras questões que poderiam ser ainda acrescentadas para destacar os fatores que colocam em evidencia a pedagogia italiana, chegamos a um ponto em que conseguimos entrelaçar os dois campos de pesquisa, educativo e artístico, e talvez justificar, as razões que também entrelaçam esta pedagogia com o projeto Il teatro e il nido ou “O teatro e a creche”: ambos caminham rumo a potencialização das diversas formas de uma criança se comunicar. Malaguzzi e Bachelard permitem compreender que cada criança aprende a alcançar maior complexidade na sua experiência linguageira através do exercício continuado do corpo operante sobre o mundo. É através da experiência lúdica com materiais e ferramentas diversificadoras que podemos explorar diferentes possibilidades de manipular e transformar materialidades (Bachelard utiliza o termo materialidade para abordar não somente alguma substância, mas tudo o que esta sendo formado e transformado pelo humano. Se o pedreiro trabalha com pedras, o filósofo lida com pensamentos, o matemático com conceitos, o músico com sons e formas de tempo, o psicólogo com estados afetivos). Convém advertir que manipular algo nunca é mero “mexer” com as mãos. Manipular, desde a infância, é extrair valores da dinâmica do encontro tensivo do corpo com a plasticidade do mundo; é dar forma – transformar; agregar à coisa um pensamento (imagens, sensações, lembranças, palavras) (FARIAS; RICHTER 2009, p. 109).
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2. PRIMEIROS DIÁLOGOS: UM POUCO SOBRE A CENA E OS ATORES DESTA PESQUISA
O lugar do teatro [...] condensa a realidade de ver, sentir, ouvir, tocar e a abstração absoluta de fantasiar, fugir e se perder [...]: os perto e os longe se encontram, porque o teatro é acima disso, um encontro de olhares, vozes, imaginação, sonhos, emoções, palavras, dimensões, mundos. Um encontro que precisa da disponibilidade de entrar em contato com o outro [...]. Um contato imediato e verdadeiro esta é a peculiaridade da experiência 2 teatral.
A experiência que se pretende apresentar é parte integrante de um projeto muito amplo em Bolonha e que a mais de 20 anos envolve o serviço educativo para a primeira infância e grupos de teatros que estejam interessados em refletir a experiência de atuar para e com crianças pequenas e bebês. Se trata de um percurso de pesquisa nascido para aproximar as crianças das creches com as formas comunicativas da linguagem teatral, um projeto que, antes de tudo, surge para investigar a possível relação entre bebês e crianças muito pequenas e a linguagem teatral. Este projeto está ligado a abordagem italiana para a educação infantil firmada na região italiana da Emilia Romagna. Desde a década de 60, pedagogos e pesquisadores como Lóris Malaguzzi contribuíram significativamente para uma mudança nas práticas educativas e na organização de espaços e tempos das escolas de educação infantil para que elas atendessem as “cem linguagens da criança”, deslocando-as para experiências artísticas desde cedo.
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M. Bernardi, Il tappeto dell’altrove, in E. Beseghi (a. c. di), Infanzia e racconto. Il livro, le figure, le voce, lo
sguardo. BUP, Bologna 2003, p.43 – 45 In: FRABETTI, Roberto; MANFERRARI, Marina. Um alfabeto di 21 lettere: Appunti da um percorso tra il nido e il teatro. Bologna: Pendragon, 2006. p. 86.
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Assim como em Reggio Emilia, as artes visuais tornaram-se parte fundamental do trabalho nas escolas da infância, centrando os projetos educativos nos atelier, o cenário que se apresenta neste projeto, é de uma outra forma expressiva, que também passa por atelier, a linguagem teatral, esta experiência, como já foi citado anteriormente, nasce na cidade de Bolonha, e para esta pesquisa torna-se o recorte central deste estudo. Aqui podemos destacar os dois atores desta pesquisa - ator não no sentido de quem atua no teatro, mas ator no sentido de quem faz parte desta história sobre teatro para bebês em Bolonha, de um lado Roberto Frabetti e do outro, Marina Manferrari. Em 1987, quando tudo começou, Marina era a educadora, e ao encontrar-se com Roberto Frabetti, iniciou sua jornada dentro do projeto teatro para bebês. Ela representa a esfera educativa do projeto, ou seja, os serviços educativos de Bolonha contribuindo, desde o começo, com apontamentos sobre as crianças pequenas, trazendo para a cena as especificidades sobre o universo dos bebês. Manferrari (2009) comenta que muitas das experiências dos serviços educativos de Bolonha emergiram em virtude do contexto, outros porém, surgem da necessidade de se ampliar o conhecimento sobre as formas comunicativas das crianças. Atualmente, Marina é pedagoga, coordenadora do projeto de Leitura e do projeto “A creche e o teatro” da rede municipal de educação infantil de Bologna. Do outro lado, está Roberto Frabetti, ator, diretor e dramaturgo. Em 1976, ele participou da fundação da companhia de teatro La Baracca Produzioni teatrali – situada no teatro Testoni Ragazzi de Bolonha, uma grupo que atua no campo do teatro para crianças e adolescentes. Desde 1987, ele participa da concepção e da coordenação do projeto “Il nido e il teatro”, com a colaboração dos pedagogos e professores da Comunidade de Bolonha. Hoje, também coordena a rede Small Size, rede européia voltada para a difusão e desenvolvimento de espetáculos artísticos para infância, um projeto
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financiado pela Comissão Européia e é o curador artístico do festival Visioni di futuro, visioni di teatro, festival internacional de teatro de arte e cultural para a primeira infância de Bolonha. Frabetti já escreveu 44 peças de teatro para crianças de diferentes faixas etárias, seus espetáculos foram apresentados na Itália e no exterior. Muitos de seus textos foram traduzidos na Alemanha, Áustria, Suíça, Espanha e França. Roberto atua também nos laboratórios e atelier de teatro para professores e crianças nas creches e centros de pais e crianças. Já escreveu diversos livros, muitos deles em parceria com Marina Manferrari. É notável seu destaque presidindo a companhia La Baracca, demonstrando uma nova forma de arte para crianças pequenas, baseada num trabalho criativo e imaginativo. Portanto, com estes atores, Roberto e Marina, no cenário de Bolonha, é que justifica-se a razão desta escolha neste percurso de pesquisa, onde está pautada a relevante importância que o grupo La Baracca, na cidade de Bolonha, assume frente ao assunto de teatro para e com bebês. A companhia La Baracca, até 1987, era um grupo de teatro que sempre teve como público crianças e adolescentes, sua carreira artística para este público sempre foi um ato voluntário. Mas, após a visita de crianças muito pequenas algumas que nem falavam e nem andavam - ao teatro, Roberto Frabetti e Valéria Frabetti3 perceberam a possibilidade de iniciar um novo projeto para um público até então não pensado: crianças pequenas, de 0 a 3 anos. Em seguida, encontramos um público de crianças muito pequenas, e algo aconteceu. O que aconteceu foi que começamos a compreender a importância "dos olhos e da pele". E embarcamos em uma aventura para descobrir novos caminhos, de encontros com as crianças, educadores, artistas, pais, estudantes, entusiastas da infância, pessoas de diferentes países (FRABETTI, V., 2010).
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Valeria Frabetti é irmã de Roberto Frabetti, médica e atriz. Atua junto a Companhia La Baracca e trabalho dentro do projeto A creche e o teatro.
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E neste caminho, o grupo teatral pesquisa, produz e desenvolve um amplo projeto de teatro para e com bebês na cidade de Bolonha. Novas visões surgem a cada produção que se faz, “um teatro de suor e admiração” (FRABETTI, V., 2010) Nessa ocasião de encontro entre o La Baracca com os pequenos, Roberto Frabetti pode conhecer Marina Manferrari, educadora naquela época da creche que visitou o teatro. Desse primeiro encontro entre os dois, nasce o desejo – e um desejo cheio de perguntas, com pouquíssimas respostas – de começar um projeto de produção de espetáculos culturais para bebês. O retrato desse encontro é uma marca do projeto até hoje, o encontro entre diferentes profissionais – pedagogos e artistas – para a pesquisa e a investigação desta linguagem. Houve, o apoio dos educadores e pedagogos, que estavam realmente em contato com as crianças e então apoiaram nosso projeto e nos ajudaram a conhecer um pouco sobre elas, mas isso não foi suficiente para ..." dar um start ". O que efetivamente possibilitou o star foi nosso trabalho de campo, e o contato constante com esse público imprevisível é que nos deu a força e a vontade de continuar a aprender e sonhar. A força e os sonhos são os alicerces deste projeto de vinte anos de pesquisa (FRABETTI, V., 2010).
O cenário que se configurou para o La Baracca foi um verdadeiro jogo de "dar e receber", exigindo que os atores abrissem mão de suas certezas para criar novos horizontes. Na medida em que o tempo foi passando, a companhia foi percebendo que as crianças muito novas se comunicam com os atores de uma outra forma, com seus olhos e seus corpos, foi por isso, para tê-los perto deles, que descobriram a necessidade de aprender a fazer as narrativas também com os olhos, pois eles falam com seu corpo e você precisa ser capaz de decifrar a linguagem do corpo, ouvir sua respiração, interpretar o movimento de uma mão, um começo de uma risada, que você não planeja dentro do ritmo de seu tempo teatral. As crianças, por vezes, podem perturbar o conceito de tempo do teatro, ou, melhor dizendo, o conceito de tempo e do fim do tempo (FRABETTI, V., 2010).
Por isso é que o grupo, a cada espetáculo, cria uma espécie de “estudo de caso” para decifrar alguns códigos que, até então, pareciam indecifráveis: o tempo, o ritmo, a quantidade de narrativas, o som, as cores, a luz, o formato do teatro, enfim, a atmosfera teatral para os pequenos.
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Considera-se, portanto, a necessidade de sublinhar que os contextos do projeto “A creche e o teatro” permitem alcançarem tamanha dimensão. O que de antemão fica evidente é a percepção clara a essa outra perspectiva de criança que não a torna abreviada, muito menos o que se produz para ela e com ela, e sim, uma prática que observa na própria criança o que é específico dela, ou, como já foi citado, “as coisas relativas às crianças e para as crianças, somente são aprendidas através das próprias crianças” (MALAGUZZI, 1999, p. 61), reforçando a crença de que desde muito pequenas, as crianças são moldadas pela experiência, mas também dão forma a ela. FRABETTI (2010) propõem que para compreender as relações entre a linguagem teatral, a pedagogia e as crianças pequenas é preciso tecer algumas distinções para falar das ações da companhia atualmente: Primeira distinção: 1) fazendo teatro para crianças e os jovens; 2) fazendo teatro com as crianças e os jovens. Segunda distinção: Fazer teatro para 1) crianças de 0 a 3 anos; 2) crianças de 3 a 6 anos; 3) crianças em idade escolar de ensino fundamental – anos iniciais (6-11 anos); 4) para adolescentes; 5) para jovens. Terceira distinção: Fazer teatro com 1) crianças de 0 a 3 anos; 2) crianças de 3 a 6 anos; 3) crianças em idade escolar Primária (6-11 anos); 4) para adolescentes; 5) para jovens. Quarta distinção que mais lhe interessa: 1) os aspectos pedagógico e sociais; 2) os aspectos artísticos e culturais
Dentre essas distinções, esta pesquisa optou por abordar questões referentes ao teatro para bebês de 0 a 3 anos, o teatro com bebês de 0 a 3 anos (Garatujas teatrais) e os aspectos pedagógicos, sociais, artísticos e culturais da abordagem desta faixa etária, envolvendo então os serviços educativos, a creche, professores, artistas, pais e crianças.
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3. O QUE É TEATRO PARA BEBÊS?
Eu vi as crianças da creche pela primeira vez no teatro numa manhã de 1986. No nosso teatro se apresentava Pigiami4, do Teatro dell’Angolo. Caminhava pela sala, me preparando pra assistir o espetáculo e observava as duzentas crianças da Escola Infantil (de três a cinco anos) pronta pra fazer o seu papel, ser o público. Eu gostava de observá-los acomodando-se nas poltronas. Mas não esperava que pudessem ser tão pequenos assim. Tão pequenos que o melhor era sentar duas crianças em cada poltrona dobráveis pra evitar que virassem sanduíches (FRABETTI; MANFERRARI, 2006, p. 91).
Do encontro entre um artista e uma pedagoga, a praticamente 25 anos atrás, surge um projeto eles, Roberto Frabetti e Marina Manferrari, criam um percurso de pesquisa nascido para aproximar os bebês e as crianças pequenas com as formas comunicativas da linguagem teatral, tudo isso, dentro de uma concepção de criança que ao longo dos últimos anos, tem se modificado e permitido à elas a ocupar maior espaço social. Diferente das demais produções para crianças onde apenas se apresenta um produto final, que na melhor das hipóteses levou em consideração as suas especificidades etárias, o projeto italiano destaca-se:
Por considerar a criança, mesmo o bebê, como sujeito capaz e que tem suas especificidades;
Pelo teatro como proposta processual que envolve desde a produção de peças para crianças menores e que se estende ao campo educacional;
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Optou-se por deixar os nomes dos espetáculos em Italiano e grifá-los em itálico.
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E por considerar que a linguagem teatral atravesse o espaço das creches, envolvendo as educadoras, as crianças e seus pais, um projeto que entrelaça, portanto, esferas educativas e artísticas.
Frabetti, no livro “Um alfabeto de 21 letras: Notas de um caminho entre a creche e o teatro” traz os relatos da primeira situação que provocou a investir na produção de espetáculos teatrais para as crianças da creche, público de zero a três anos. É difícil contar a pesquisa artística feita no decorrer daqueles anos. Iniciamos com muito cuidado, seguindo todas as instruções que nos eram fornecidas. Porque no fundo, nenhum de nós sabia como se devia fazer. Ou o que poderia fazer sentido. Até aquele momento, não tínhamos visto espetáculos dedicados para as crianças da creche. Dúvidas e preocupações eram muito presentes (FRABETTI; MANFERRARI, 2006, p. 91).
O relato da experiência de Frabetti diz de algumas percepções prévias sobre o que é fazer teatro teatro pra crianças pequenas e que envolve alguns aspectos como: dar menos ênfase na linguagem oral, e sublinhar ações do campo sensorial como a visão, utilizar o som não lingüístico e também possibilitar o toque. Nesta concepção reside também uma outra capacidade, percebida por Frabetti no decorrer de suas experiências, que o que é considerado, muitas vezes, como uma dificuldade - desta platéia - em compreender uma narrativa longa com base na linguagem oral se esvai perto da imensa capacidade em responder a arte completamente abstrata, com ações da mesma forma sensorial. Ou seja, a resposta do público bebê funciona muito mais como um jogo de negociação entre o espetáculo e a platéia – de dar e receber - do que exatamente um código com condicionante social, de aplausos fruto das provocações visuais. A ida das crianças no teatro é também um fator que deve ser considerado no âmbito de discussão desta pesquisa, isso porque como diz YOUNG (2009, p. 43) “o expectador é substituído por um “participante” em uma relação com os artistas e seus trabalhos” e nesse exercício de participação da criança, os pais acabam sendo o outro tipo de expectador, aquele que percebe a obra, mas que incluí na obra as
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“atuações” dos seus filhos. Exatamente pelo fato das crianças interagirem com o espetáculo, no contexto para os pais, fazem parte do conjunto da obra. E esse papel dos pais não é apenas uma visão romântica, é fator fundamental para o engajamento da criança no contexto artístico. “O que é interessante é que o teatro não é feito apenas para crianças, mas para crianças com adultos” (YOUNG, 2009, p. 43). A parte realizada pelos adultos tem a princípio duas razões iniciais podem indicar alguns pontos de reflexão: primeiro porque a forma com que os pais autorizam ou não seus filhos durante a peça permite as crianças experiências diferentes, como por exemplo, os pais mais inseguros, acabam não sabendo exatamente o que fazer com seu filho, se permanecem com ele em seu colo, ou se autorizam que este participe e se engaje na apresentação. A segunda é a relação que os pais estabelecem com o espetáculo, e contribuem com os atores, seja nas vocalizações (“ohh”, “ãhhh”), seja no foco que darão com os olhos. Isso tudo, é um potencializador para o engajamento das crianças no espetáculo. Este autor também acrescenta que “a forma como os atores envolvem os pais – ou não, como pode ser o caso – e a resposta dos pais a esse convite é a interessante dimensão do teatro para as crianças menores de três anos”. Nesse aspecto, da relação do ator com o público bebê, Frabetti (2006) acrescenta que, na verdade, o que primeiro um ator deve procurar encontrar é o olhar, se este for encontrado, o diálogo que se estabelece é quase espontâneo e, sucessivamente, já como uma consequência natural, o movimento e a voz, verbal ou não. Talvez porque, evolutivamente, o olhar é o primeiro modo de relação que a criança aprende. Desde o nascimento, a capacidade de percepção da visão torna a interação com a mãe possível, praticamente um jogo de expressões, de pequenas alterações dos olhos: movimento de pupila, contração da pálpebra, e assim por diante, é o momento em que a voz ainda é um código paralelo, mas o campo visual já é capaz de enviar e receber mensagens (DONATI, 2006, p. 16), Barbosa (2010, p.2) destaca sobre a relação dos bebês nos ambientes coletivos, as crianças pequenas relacionam-se intensamente através do olhar. É preciso olhar para as crianças, sustentar o seu olhar, acompanhar os diferentes olhares e ao mesmo tempo mostrar para estas crianças as coisas
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bonitas do mundo. Muitas vezes acompanhando o olhar é preciso que dê uma palavra ou faça uma expressão.
Herans (2009, p. 29) acrescenta que “quando trabalhamos para os menores, os situamos em um universo sensível e simbólico que atravessa sua necessidade de jogo e exploração, [...] o que permite realizar uma experiência de dominação da realidade.” Ao contrário do que se imaginou inicialmente, um espetáculo para crianças pequenas não deve, necessariamente, ter um tempo de duração tão pequeno, nem mesmo contar com tão poucas falas (narrativas ou não), e apenas lidar com cores e músicas suaves, como foi feito com a primeira experiência do grupo La Baracca, “Acqua5”, onde foi apresentado apenas para 5 creches com grupos muito restrito de expectadores, cerca de 20 crianças. Após esta pequena turnê, a experiência com o espetáculo permitiu sublinhar que as crianças das creches não eram tão frágeis assim, conduzindo-os a experimentar uma abordagem totalmente diferente em seu segundo espetáculo, “Sogno d’aria6”, um espetáculo mais longo, com uma narrativa maior e que, principalmente, como o próprio Roberto Frabetti (2006) nos conta, firmou-se definitivamente o percurso do trabalho do grupo para a produção de espetáculos infantis, especialmente porque as crianças sensibilizam o trabalho do ator, emocionam e exigem um caminho de trabalho diferente e em constante reelaboração. Os espetáculos seguintes do La Baracca caminharam por outras possibilidades como: dança, teatro de sombra, narrações surreais, histórias com poucas ou muitas falas, divertidas ou românticas, com cenários e adereços abstratos ou brinquedos. De lá, 1986, até aqui, são mais de 22 espetáculos para bebês.
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Água (1987) é o primeiro espetáculo do grupo La Baracca para bebês. O espetáculo teve duração de cerca de 20 minutos, com uma intensidade narrativa muito baixa / curta, investido muito mais em trilha sonora / música, com cenário e adereços bastante delicados e com predominância de elementos do cotidiano, num ambiente suave. Foi produzido para aproximadamente 20 crianças por apresentação e foi apresentado num espaço circular. O espetáculo contava a história de uma gota que escapou de uma torneira para viajar pelo mundo através do sistema hidráulico. 6 Sonhas de ar (1988), segundo espetáculo do grupo, é completamente diferente do anterior. Frontal, barulhento, para um público bem maior, com duração de mais de 40 minutos, com uma narrativa mais longa. Uma história simples de um sonho que tudo pode acontecer.
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Para Frabetti (2006), existem, basicamente, dois tipos de espetáculos direcionado aos bebês: O primeiro modelo, parecido com o espetáculo “Sogno d’aria”: intenso e divertido, feito por um ator. Rico em falas e com contos surreais. “Histórias diferentes, mas que basicamente quer afirmar um conceito: o grande prazer de um adulto em estar lá, contando histórias para aquelas crianças naquele momento” (FRABETTI; MANFERRARI, 2006. p. 95). E, o segundo modo de produção de espetáculos, mais recente e que iniciou com “I colori dell’acqua”. Estes são espetáculos onde a imagem, a musica, os movimentos ficam em primeiro plano e “a palavra fica em segundo plano” (FRABETTI; MANFERRARI, 2006. p. 95).
Figura 01 – Scena: Azzurro Fonte: FRABETTI, 2010
Figura 02 – Scena: Il viola Fonte: FRABETTI, 2010
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Na verdade, fazer teatro para crianças envolve uma intensa qualidade de envolvimento humano, é certamente uma tentativa de superar as barreiras da idade e estabelecer um novo contato – consciente – com um público diferente, “um público que talvez tem menos convenções do que os outros, porque dificilmente aplaude ou ri quando deve, mas que é capaz de surpreender com seu silêncio inesperado e improvisando com tantos beijos que nos são presenteados” (FRABETTI; MANFERRARI, 2006, p. 94).
3.1 O projeto “Il nido e il teatro”
Lhe estão aparecendo asas. Serão asas de avião, o maior dos pássaros brancos; Voa na distância sobre nuvens cinza. Tem a asa de gafanhoto. É audaz como uma águia. E tem os olhos 7 e o coração de um homem.
No cenário deste projeto, temos de um lado a companhia La Baracca que gerencia o teatro publico de Bolonha denominado Testoni Ragazzi –, grupo de teatro que tornou-se um centro de pesquisa e produção teatral para crianças e jovens, dirigido por Roberto Frabetti. Do outro lado, está a Cidade de Bolonha, composta por uma rica rede de serviços para a infância que dá a garantia da continuidade e desenvolvimento do projeto. Para exemplificar, apontamos alguns elementos do cenário italiano para contextualizar esta experiência:
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História utilizada no Atelier idealizado e conduzido por Tiziana Baldanza, educadora da creche “Grosso”, e Maria Scazza, educadora da creche “Alda Negri IN FRABETTI E MANFERRARI, 2006, p. 10.
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Cerca de 375.000 habitantes da nossa cidade (Bolonha); São 59 creches associadas, dessas 3 em concessão; São 2.795 crianças de 0 à 3 anos que frequentam, do qual 135 locais fazem parte das creches privadas autorizadas, 128 locais na “sessão primavera” e 20 locais nos “pequenos grupos educativos” associados; Cerca de 800 profissionais (educadores e colaboradores) que trabalham cuidado diariamente das crianças e relacionando-se constantemente com as suas famílias; 10 centros para Crianças e seus Pais; Uma equipe de coordenação pedagógica responsável pela qualidade dos serviços educativos e da formação dos profissionais. (MANFERRARI; 2009, p.145).
Quanto à experiência do grupo La Baracca, os dados também trazem informações importantes: São 22 espetáculos que desde 1987 até hoje, o grupo tem produzido especificamente para as creches; São 20.289 crianças das creches de Bolonha que nestes anos fizeram parte; 163 educadoras que participaram do laboratório de formação junto ao teatro de forma permanente. (MANFERRARI, 2009, p.146).
Os números apresentados demonstram uma realidade onde, nos últimos anos, educadoras de praticamente toda rede de creches e pré-escolas tem aderido as diversas modalidades do projeto Il nido e il teatro, “acompanhando as crianças nessa fruição dos espetáculos, participando das ocasiões colocadas a disposição de maneira permanente, acolhendo artistas na própria creche, e especialmente, viabilizando esta preciosa troca de saberes que permitiu essa experiência acontecer de forma tão positiva”. (MANFERRARI, 2006, p.3).
A razão pela qual a Itália optou por realizar o projeto em conjunto com as escolas deriva da crença de que essas escolas para crianças pequenas têm um papel importante a desempenhar, realizando abordagens artísticas e potencializando processos criativos, mas que também, acabam atuando como mediadoras culturais. Ao mesmo tempo, tudo isso foi possível graças à estrutura de trabalho para a primeira infância em Bolonha. Esse contexto deu a possibilidade que pedagogos e
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artistas tivessem a oportunidade de trocar conhecimentos e permitir que o projeto se desenvolvesse. E especialmente, a concretização de um projeto formado por um grupo de trabalho integrado, com profunda interlocução entre artistas, educadores e pedagogos. É um projeto investigativo para apontar um programa desenhado especificamente para crianças muito pequenas, de até 3 anos. Atualmente, as principais vias de trabalho do projeto “Il nido e Il teatro” são as produções de espetáculos, os laboratórios teatrais com os professores e os laboratórios teatrais com as crianças (que segundo Frabetti (2006, p. 4) “para distinguir do primeiro, chamaremos de atelier”). São três vias de trabalhos diferentes sempre mostrando a relação de proximidade entre a arte com a pedagogia, dando espaço para um vasto campo de pesquisa e desenvolvimento. Sendo assim, hoje o projeto conta com as seguintes modalidades: I laboratori teatrali, ou, Laboratórios teatrais; Laboratori teatrali autogestivo, ou, Laboratório teatral autônomo; Atelier com i bambini, ou, Atelier de teatro com as crianças; Além dessas modalidades, o projeto mais recente é a criação de um espaço que oferece aos pais breves momentos laboratoriais, para que eles possam viver e compartilhar a mesma experiência oferecida ao filho. L’esperienza condivisa com i genitori, ou, A experiência compatilhada com os pais. A seguir, serão apresentados alguns princípios referente a cada modalidade, sendo que o “Laboratório teatral autônomo” será discorrido dentro do capítulo “Laboratórios teatrais” por tratar de uma evolução desta experiência.
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3.2 Laboratórios de teatro para professores
Também as coisas que parecem imóveis, imutáveis tem uma pequena história pra contar. Uma pedra num dia encontrou uma onda e se deixou balançar suave como uma gota de água. Muitas gotas se levantam e viram fios luminosos transparente cristais de gelo. Nuvens brancas se perseguem. Pedra e vento se envolvem se transformam e se distanciam. Barulhos e silêncios. É um jogo... 8 Pedra, água e vento.
Praticamente desde o surgimento do projeto com os espetáculos para os bebês, no início da década de 80, surgiu um espaço de formação para as educadoras da rede com a finalidade de oferecer a elas a descoberta da teatralidade de cada uma, “dessa forma, esse espaço cresceu como um lugar de idealização, de troca e de confiança entre diversos profissionais, mas ligados por uma ideia em comum” (FRABETTI; MANFERRARI, 2009, p.146). Esse trabalho com as educadoras nasce da percepção de que as crianças, compondo grande parte do seu tempo dentro do espaço da creche, constroem suas formas de comunicação e relação com o mundo, sendo desta forma imprescindível para as educadoras disponibilizarem e agirem interlocutivamente - não somente de forma oral, mas também corporal - nesse jogo de comunicação e relação, talvez justificando assim a necessidade da experiência de formação na atmosfera do teatro.
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História utilizada no Atelier teatral idealizado e conduzido por Maurizia Querciagrossa, educadora da creche “Vígano”, e Grazia Ghedini, educadora da creche, parte do turno, Centro da criança e dos pais “Piccole Invenzioni” IN FRABETTI E MANFERRARI, 2006, p. 12.
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O papel do ator – do artista – nesse trabalho laboratorial é antes de mais nada, sofisticar no professor de crianças pequenas a atenção para as outras formas de expressão. Não é uma atuação externa – de consultores artísticos -, mas sim, um trabalho em conjunto, disponibilizando aos professores suas habilidades e seus conhecimentos para a construção de novas experiências. Essa demanda do professor de crianças pequenas demonstra o quanto inacabada estão as competências necessárias para uma atuação que atenda a todas as necessidades das crianças da creche, ou como diria Farias e Richter (2009), estamos inventando a profissão docente infantil, “na verdade, temos uma profissão que está sendo inventada: a docência na educação infantil exige integrar a ciência, a arte e a técnica, portanto, superando o tecnicismo pedagógico e o cientificismo sem cair no praticismo” (FARIAS; RICHTER, 2009, p. 106). O exercício docente para o bebê se diferencia de todas as outras modalidades de educação, especialmente porque estamos diante de um exercício pedagógico que deve ser pautado nos encontros e nas relações, Barbosa (2010, p.6) fala que os adultos são responsáveis pela educação dos bebês, mas para compreendê-los é preciso estar com eles, observar, “escutar suas vozes”, acompanhar os seus corpos. O professor acolhe, sustenta e desafia as crianças para que elas participem de um percurso de vida compartilhado. Continuamente, o professor precisa observar e realizar intervenções, avaliar, e adequar sua proposta às necessidades, desejos e potencialidades do grupo de crianças e de cada uma delas em particular.
Sobretudo, a atuação do professor de educação infantil envolve um nível de envolvimento bastante peculiar, ALVAREZ (1992, p.71 apud ONGARI, 2010, p. 34), afirma que “as crianças que são mantidas nos braços, que são dialogadas, que são observadas, não somente são induzidas a consciência do mundo humano fora de si, mas também são suportadas no conhecimento de sua existência.” Ou seja, as relações de segurança e acolhimento que a educadora estabelece com o bebê tornam-se especiais para o resta de suas vidas.
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Não somente as relações que estabelecem, mas toda a intervenção adulta é um fator importante no desenvolvimento das crianças, Walter Benjamin (apud FARIAS; RICHTER, 2009, p. 111) diz que o professor de crianças é como um diretor de teatro: convida a criança para sentir, pensar e agir concomitantemente, sem separar a cabeça do corpo, cria as condições para que cada uma se articule com o coletivo divertindose, partilhando sensações, comunicando-se.
Essa especificidade da ação docente para o trabalho com os bebês torna o laboratório teatral fundamental para a efetivação do projeto, em especial por acreditar que a escola se configura como uma instituição de ensino num ambiente de socialização. Provavelmente, para o professor participante desta experiência, os horizontes da comunicação não verbal se estendem, a disponibilidade da relação com o outro, é potencializada, e a trajetória que se instaura é de proximidade e qualidade educacional. Sobretudo, a adesão para os laboratórios é de forma livre, o educador adere se quiser, talvez por envolver a ação do corpo, envolva algo de tamanha intimidade, em que não pode ser obrigatório, é uma opção por também ser uma entrega do educador a participar para efetivamente compor o trabalho de formação. De qualquer forma Frabetti e Manferrari (2006, 2009) narram das particularidades que envolvem este trabalho junto com os educadores, onde muitos participam, e mesmo aqueles que apenas passam pela formação, e logo se distanciam, existe um grande grupo professores que “compartilham de uma mesma paixão e mantiveram uma presença constante” (FRABETTI; MANFERRAI, 2009, p. 147.) A experiência dos Laboratórios Teatrais, desde 2002 tem ganhado novos encaminhamentos. O que antes era parte de um espaço restrito dentro das creches que tinham educadoras participantes dos laboratórios, hoje ganha maior vazão, atendendo novos espaços e multiplicando esta experiência. No ano letivo de 2002/2003, iniciou-se a chamada “Evolução da Experiência”, até então, os laboratórios eram aberto a toda rede, porém só aquela
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educadora que se sentisse predisposta ao trabalho ingressava e realizava esse exercício dentro do seu espaço escolar. Até aí, somente as criança que freqüentavam as creches destas educadoras é que tinham a oportunidade desta experiência. A partir daí, notou-se que poderia ser ampliada esse projeto, levando essa experiência a outros espaços e a outras creches que não tivessem educadoras participando dos Laboratórios Teatrais. Uma nova fase se configura, oportunizando a um número maior de crianças e educadoras o contato com a linguagem teatral, para que seus poderes (dos educadores) – a espera de serem expressos através da solicitação das mãos, do raciocínio lógico, da surpresa, da escuta, do encantamento, do interesse, da atenção, do movimento – não fiquem acorrentados às limitações de imaginar e perceber um único real: o escolarizado (FARIAS; RICHTER, 2009, p. 109, grifo nosso).
O projeto se estende também para a oportunidade dessas educadoras apresentarem seus trabalhos na Bélgica e num festival em Bolonha, numa ocasião de um encontro sobre arte e a primeira infância, Visioni di futuro, visioni di teatro, onde encontram um espaço de confronto entre as realidades artísticas e educativas da Itália e Bélgica. Menos de dois anos depois deste marco evolutivo, surge a necessidade de subir um novo degrau, um espaço autônomo ou, autogerido das educadoras em realizar um trabalho autônomo com as crianças dentro dos ateliers de teatro.Conforme Frabetti; Manferrari (2006, p. 8), o trabalho de formação autônoma de laboratório teatral oferecido as educadoras tinha o “objetivo de produção de novas propostas de atelier teatral para as crianças da creche”. Um
laboratório
bem
estruturado
antes
de
tudo
com
reconhecimento de um nível de formação adquirido que necessita um espaço e tempo de projeção e confronto para continuar a traduzir-se em prática educativa. Mas intenso também como lugar de autoformação e de pesquisa, com uma distribuição maior e mais complexa para evoluir a experiência (FRABETTI; MANFERRARI, 2006, p.8).
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Na verdade, este espaço tornou-se um local privilegiado entre as crianças e o educador nos campos da arte e da pedagogia, mas especialmente porque dali iriam emergir as garatujas de gestos, de sons, enfim, de expressividade da criança pequena. Sem sombra de dúvidas, reflexões que não minimizem, desrespeitem ou simplifiquem as crianças surgem nestes momentos de formação, revelando um reconhecimento
da
linguagem
que
perpassa
o
universo
de
símbolos
e
representações do nosso universo real e imaginário, ou ainda como diria Frabetti (2006), permeando nossas relações com “artisticidade”, esta, segundo ele, é uma maneira de ampliar e aprofundar uma pedagogia para a infância. É importante destacar que os Laboratórios Teatrais para os professores são um espaço aberto, em constante evolução – como as que já foram descritas neste trabalho - que ao longo dos anos tem criado uma competência particular de estabelecer e ampliar a relação educativa com as crianças, oportunizando momentos de narrativas cada vez mais sofisticadas. Essa conjugação de fatores, mantendo este espaço de formação como parte crucial do projeto, despertou a necessidade de um novo projeto, um novo laboratório, pautada particularmente naquelas “garatujas” de expressividade percebidas nas crianças, os ateliers teatrais dedicados às crianças.
3.3 Garatujas teatrais: Ateliers de teatro com as crianças
Para início desta viagem não precisam barcos, não precisa ser exímios nadadores para navegar, basta um pouco de fantasia. Sons de água, gotas, gorgulhos, poças. Ondas que se unem ondas recortadas ondas imóveis ondas impetuosas ondas vaporosas das ilhas. Cavalos, poças.
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Sons de água, de mar, de conchas que se movem, dançam, voam, dançam, voam, e se movem. Voam e viram adivinhações... Depois se mostram, se repousam e tornam-se tartarugas lentíssimas. Sons de água, de mar, de peixes Os peixes não fazem barulhos... Mas as baleias sim. As baleias cantam quando estão enamoradas cantam enquanto nadam,cantam... Esta é uma história de água do mar, esta é a história das baleias que querem cantar 9 e esta história contar.
Como tradicionalmente já é conhecido na pedagogia italiana, os atelier são espaços que nasceram para romper a cultura escolar, um local que permite as crianças e aos adultos o uso das diversas linguagens, dando espaço para novas experiências: tocar, explorar, reelaborar, misturar, reinventar e modificar os materiais que lhes são oferecido. O ateliê nasceu para introduzir na escola uma cultura diferente, que ajudasse a fazer brotar as linguagens e movimentar as formas de pensar. Dentro de uma dinâmica de formação de magistério, ou seja, de escola da palavra, com o atelierista entrou uma figura de ruptura, proveniente da escola da imagem, portadora de conhecimentos e de consciência técnica a respeito dos materiais (GIOVANNI PIAZZA apud RABITTI, 1999, p. 80).
Desta tradição do uso do atelier, a evolução da experiência com professores deu início a uma nova abordagem do projeto “A creche e o teatro”, configurando um espaço de atelier de teatro para as crianças. Um lugar que permite as crianças que frequentam as creches de experimentar a linguagem teatral, onde o adulto oferece
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História utilizada no Atelier teatral idealizado e conduzido por Barbara Lelli e Silvia Raimondi, educadoras da creche e da Escola Infantil, parte do turno, Centro da criança e dos pais “Il Monello” IN FRABETTI E MANFERRARI, 2006, p. 13.
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uma narrativa e através dela propõem-se a descoberta do uso de gestos teatrais, movimentos, olhares, palavras, sons e o contato com diversos materiais. As crianças entram nos jogos teatrais para explorar e tocar, reelaborando imediatamente, se desejarem, o que receberam. Um lugar de fazer e fazer juntos, um momento de relação interpessoal e de colaboração construtiva. O adulto se coloca a frente das crianças disponível a se comunicar com eles, os encoraja e os mantém sem precisar forçar e sem dirigir muito, mas com a intenção de manter o clima e atmosfera da comunicação teatral (FRABETTI; MANFERRARI, 2006, p.6).
Portanto, os ateliers tornam-se um bom caminho para ajudar às crianças a expressar aquilo que são, as suas emoções e suas formas de comunicação. “Não se trata de ensinar teatro, mas de promover uma memória profunda no corpo sensível”10, pois este corpo é o ponto de partida para o trabalho expressivo, é um processo de “metamorfose” do corpo do homem que deixa de ser simplesmente um organismo biológico para metamorfosear-se em “corpo humano”, cheio de significações e intencionalidades: este é o lugar da existência humana, da singularização. Sem dúvida, é uma etapa do projeto bastante complexa, pois envolve não somente as intervenções realizadas, mas as expectativas que se tem sobre o bebê e a criança pequena. É um momento que exige muita capacidade de observação, atenção em propor o jogo teatral, mas de deixar o espaço livre, e de retornar ao jogo, de propor este momento sem exatamente controlá-lo, é uma intervenção, que como diz Frabetti (2000), requer delicadeza com as crianças e entrosamento com os adultos. O atelier de teatral parte da crença de uma forma plural da criança se comunicar com o mundo, de dizer algo de si em um ambiente que lhe convide mas
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Fala de Roberto Frabetti no Festival Visioni di teatro, visioni di futuro – 2010, em Bologna.
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que não obrigue-a, é próximo do que diz Souto (apud WIERNER & LIDSTONE, 1972, p.7),
se ensinarmos às crianças a expressarem seus sentimentos e sensações através do próprio corpo, estamos proporcionando o instrumento ideal para comunicar-se com o mundo exterior que vai progressivamente descobrindo e a perceber, em sua própria matéria o que esse mundo e esses seres, entre os quais se desenvolve, significa pra ele.
Trata-se de uma reflexão a cerca das outras linguagens, não somente a linguagem oral a qual tanto se valoriza, marginalizando os bebês que ainda não a dominam.
Suely Amaral Mello, ao comentar sobre a fala de Roberto Frabetti no 15 COLE – Seminário de Linguagens na Educação Infantil de 2005, aponta reflexões importantes em relação ao teatro como linguagem:
ao final do nosso IV Seminário, no 15º Cole, em 2005 – nessa mesma condição de ouvidora [...] O segundo destaque diz respeito à relação dos pequenos e pequenininhos com a cultura elaborada. O Roberto Frabetti mostrou como, ao mesmo tempo, se provoca nas crianças a linguagem teatral e já se apresenta a elas o mais elaborado nessa linguagem. Outros relatos nas apresentações de trabalho apontaram essa inserção profunda das crianças pequenas nas formas mais elaboradas de diferentes linguagens. Do ponto de vista teórico, este é um ponto que se marca a nosso favor, pois desmontamos, com ele, uma importante armadilha: a da experiência cultural restrita a que submetemos nossas crianças pequenas e pequenininhas. Como lembra Vygotsky, a criança inicia e realiza seu aprendizado da linguagem oral ao conviver com as formas mais elaboradas da linguagem oral, participando no meio social em que está inserida. Nunca imaginamos separar a criança que se inicia nas formas primitivas da linguagem oral do convívio dos falantes mais desenvolvidos. Segundo Vygotsky, é essa referência da linguagem oral mais desenvolvida que permite que a criança se aproprie ao máximo da linguagem oral de sua coletividade. Creio que podemos, a partir desses dois estímulos – o do Frabetti e o do Vygotsky -, refletir: Por que não fazemos isso em relação a outras linguagens? Por que não apresentamos as formas mais elaboradas de desenho à criança que está começando a desenhar? Por que não apresentamos as formas mais elaboradas da escultura à criança que começa a manusear a argila ou a massa de modelar? E da pintura, da dança, etc.? Conhecer o mais elaborado como forma de expressão dos outros, como um alerta para novas invenções. Desse ponto de vista, a
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experiência do outro é referência de como o outro reinventa as práticas e de como, também nós, podemos reinventar nossas práticas todos os dias (MELLO, 2005, p.3).
As primeiras atividades nos atelier são baseadas principalmente em estimulações sensoriais, onde o papel da criança apóia-se muito mais no campo da fruição, em seguida, é encaminhado para uma fase mais indutiva, na qual o adulto provoca, com determinadas propostas, a estimulação da interação entre pares, entre crianças e adultos e entre crianças e objetos. Aos poucos, das possibilidades mais livres, baseadas mais em desafios abertos com objetos e pessoas, os atelier são conduzidos a um trabalho mais direto, utilizando narrativas produzidas em parceria com as crianças e da pesquisa de gestualidade possível, criando assim, como diria Roberto Frabetti, pequenas “garatujas
teatrais”:
precursoras
de
sinais,
incentivando
e
apoiando
a
intencionalidade comunicativa”, se inicia com pequenos gestos, simples, como observar a própria mão que executa uma ação, para conseguir mostrar aos outros seus próprios movimentos. A história narrada é simples, feitas de sugestões que se adaptam as propostas das crianças, fornecendo ideias reproduzíveis para interação com o adulto e com as outras crianças. Alguns são atraídos pelo movimento e reproduzem empenhados durante a condução da história, olhares mais atentos, não se movem, os pequenos precisam de espaço e tempo e que este espaço e tempo não seja forçado. As garatujas em seguida são um sinal gráfico, com suas etapas e suas transformações: a sala vazia é como uma folha branca e os 11 movimentos do corpo são a escrita (FRABETTI, 2010 ).
O ritual do atelier está divididos em três momentos: a entrada com massagem, a sala vazia e o momento da despedida ou saudação de saída. A educadora convida às crianças que repitam as suas ações de massagem de pés e corpo e eles são livres para aceitar, fazer contato com seu corpo, que será o protagonista da ação. Entram com calma, sentam, perguntam se estão prontos para ouvir uma história. Despedem-se em círculo, para fortalecer vínculo com o lugar e agradecer o espaço que lhes
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Informações retiradas de mensagem pessoal recebidas de Roberto Frabetti.
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acolheu, dizendo seu próprio nome e saltando juntos gritando DASSA (FRABETTI, 2010).
De acordo com Frabetti (2000, 2006, 2009), o atelier serve como um vasto campo de pesquisa para identificar alguns elementos que, com o tempo, percebeuse comum entre as crianças e que serão abaixo descritos: Espelhamento: a criança repete quase que simultaneamente os gestos propostos pelos educadores durante a narração, mesmo na primeira vez, como se estivesse diante de um espelho. Imitação: Durante a fase seguinte da interação a criança repete o gesto do adulto (ou outra criança). Importante porque pode surgir uma variação pessoal com a proposta, algumas ações são individuais e outras são criadas por três ou mais crianças. Garatuja teatral: uma criança faz um novo gesto, pessoal, e original criando movimentos inéditos através da reformulação do gesto proposto por outro. Alfabeto gestual: quando a criança repete o mesmo gesto de sua criação para identificar sempre as mesmas ações. Àlgumas vezes eles se tornam patrimônio de todo o grupo. Exercício: é um momento caracterizado da ação do grupo. As crianças fazem gestos guiados pela palavra do adulto que conduz as ações. O jogo teatral acompanha-os através de sugestões e imagens que lhe estimulam a mover-se no espaço experimentando com seu próprio corpo as várias sugestões. (FRABETTI, 2010)
Estes cinco itens revelam a disponibilidade das crianças em permitir-se experimentar uma linguagem - que diferente do que muitos possam pensar - está muito próxima de si. Está na verdade próxima de suas emoções, pois sua receptividade, seu desejo de se colocar a prova, de imitar o adulto ou seus pares, de observar-se, de refletir sobre si, de pesquisar sons e gestos, de criar novos repertórios gestuais, estão carregados de uma expressividade que advem não somente de uma educação pelo ver, mas também pelo ouvir e pelo fazer, criando uma marca, uma garatuja, que explora o espaço e que nesse espaço deixa uma marca de si.
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3.4 A experiência teatral com os pais
Fios que se escorrer entre os dedos e contam histórias. Fios de luz se entrelaçam da terra ao céu. Eis a estrela que te acompanha sempre e quando se levanta a lua acende a noite. A luz desenha as ondas do mar e o mar fica prateado. Fios que vibram e se propagam como ondas. Nasce uma concha entre as rochas do mar acordam também as estrelas marinhas. 12 Um baleote ganha espaço e segue uma vela. A vela segura o vento e quando nasce o sol nos presenteia as cores pinta e colore tudo ao redor. Um raio de sol ilumina a montanha 13 Ilumina também as montanhas mais altas.
Depois de envolver crianças, artistas e educadores no projeto, nos últimos anos percebeu a necessidade de um envolvimento mais próximo com os pais. De acordo com Frabetti (2010), “sempre houve um grande cuidado em informar as famílias sobre as atividades dos laboratórios oferecidas aos seus filhos, todavia foi sempre difícil contar sobre uma experiência que não é traduzível em palavras”. Nesses laboratórios, as crianças passaram a criar pequenas “atuações”, e para os pais, essa ação torna-se parte do laboratório, requerendo a ele uma atenção especial aos sinais do seu filho. Perceber esses sinais é parte do trabalho deste laboratório com os pais, as “atuações” dos bebês demonstram um lado artístico,
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Baleote é a denominação do filho da baleia. História utilizada no Atelier teatral idealizado e conduzido por Goretta Quilotti, educadora da creche, parte do turno, do Centro da criança e dos pais “Zucchero Filato” IN FRABETTI E MANFERRARI, 2006, p. 9. 13
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uma espontaneidade e imaginação que se torna evidentemente matéria prima dos laboratórios. Os laboratórios com pais acontecem de duas formas: em algumas creches o trabalho foi dirigido somente aos pais, sem a presença dos filhos, nos centros de crianças e pais, a proposta é compartilhada entre adultos e crianças. Aqui vale destacar as palavras de Yong (2009 p. 48), há muitos espaços potenciais no triângulo formado entre pais, crianças e atores. Muitos pais disseram que tinham que trabalhar duro para “ler” a situação, para descobrir o que esperado deles, quanta liberdade poderiam dar aos filhos (MANFERRARI; 2009, p.150).
Essa exigência de leitura é um convite a pais e crianças estabelecerem vínculos cada vez maiores, onde um precisa permitir ao outro um jogo “podemos brincar juntos se tu jogares comigo”, uma narrativa de muitas histórias entre crianças e seus pais. É uma forma sofisticada dos pais tentarem compreender o universo infantil e oportunizar momentos expressivos da mais alta qualidade. É importante destacar que existe uma certa tradição na pedagogia italiana em comprometer os familiares a participar num alto nível de comprometimento da educação de seus filhos. A escola constantemente realiza ações de convite às famílias, dividindo as responsabilidades e ao mesmo tempo, exigindo dos professores “o hábito de questionar suas certezas [...] e estar disponíveis, devem assumir um estilo crítico em relação às pesquisas e um conhecimento continuamente atualizado sobre as crianças” (MALAGUZZI, 1999, p. 80). É importante que os pais possam perceber as dimensões do trabalho com as crianças, e especialmente, ter a compreensão da qualidade da relação entre adulto e criança dentro dos laboratórios e atelier de teatro.
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4. A REDE “SMALL SIZE” E O FESTIVAL “VISIONI DI FUTURO, VISIONI DI TEATRO”
A Small Size é uma Rede Europeia criada para a difusão das performances artísticas destinadas a primeira infância (0-6 anos), que oferece uma estrutura através da qual viabiliza o encontro, o compartilhamento de experiências e o conhecimento
de
projetos
artísticos
de
promoção
cultural
para
crianças
pequenas.Um dos objetivos da Small Size é tornar a Europa um território de ampla investigação e referência na promoção de atividades culturais para a primeira infância. Em função disso, doze países estão sendo apoiados para a pesquisa e o desenvolvimento de projetos culturais para esta faixa etária14. Através de sua rede, a Small Size visa promover a consciência da importância dos espetáculos artísticos para a infância com objetivos que incluem o aumento do potencial criativo das crianças, juntamente com a compartilhamento de diferentes tradições culturais europeias. Outro objetivo é o aumento de número de crianças pequenas acessando a espetáculos e projetos artísticos. Em função disso, a rede entende este panorama por modalidades:
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Esta rede é coordenada pelo grupo La Baracca – Testoni Ragazzi e tem como colaboradores: Acción Educativa - Madri, Espanha; Annantalo Arts Center - Helsinque, Finlândia; Baboró International Festival - Galway, Irlanda; LGL Lutkovno Gledalisce Ljubljana - Ljubljana, Eslovênia; Helios Theater - Hamm, Alemanha; Kolibri Theatre - Budapeste, Hungria; Polka Theatre - Londres, Reino Unido; Teatrul Ion Creanga - Bucareste, Romênia; Théâtre de La Guimbarde - Charleroi, Bélgica; Toihaus - Salzburgo, Áustria; Ville de Limoges - Limoges, França. Além disso, três micro redes nacionais aprofundam a cooperação: no Reino Unido: Theatre Hullaballo (Darlington), Sticky Fingers (Newry) e Starcatchers (Edimburgo), coordenado pelo Polka Theatre. Na Espanha: Teatro Paraiso (Vitoria-Gasteiz), coordenado por Acción Educativa. Na França: Théâtre O’Navio (Limoges), coordenado por Ville de Limoges (SMALL SIZE, 2010).
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Modalidade de profissionais (artistas, pesquisadores e professores); Modalidade de produtos artísticos; Modalidade de idéias (teorias no campo educativo, cultural e artístico) (SMALL SIZE, 2010).
Na segunda modalidade, a de produtos artísticos, existe um papel importante, pois os parceiros viabilizam diversas produções, co-produções e realizações artísticas para crianças pequenas, e apóiam produções por outras companhias européias. É evidente que um dos objetivos desta rede é fomentar projetos e eventos que apóiem o desenvolvimento de programas de formação e educação para os educadores dos primeiros anos, de artistas, afim de produzir um novo público e da ampliação de oportunidades para a investigação. Dentre as categorias dos projetos fomentados encontram-se o teatro, a dança, as artes visuais, a música, restaurações culturais e museus. Outro campo de atuação da Small Size, e talvez um dos mais importantes, está no trabalho dirigido aos professores que atuam em creches e escolas de infâncias. Este trabalho de formação docente tem o objetivo de sofisticar as habilidades e os conhecimentos destes profissionais nos campos artísticos a fim de que estes possam despertar o gosto e o querer pela arte nas crianças desde cedo. Esta atividade realizada em parceria entre esferas educativas e artísticas é vital para a rede Small Size, uma vez que é ele que pode garantir a troca de conhecimentos e o registro em publicações ou outros recursos multimídia. A Small Size acredita na ideia de que crianças pequenas são “grandes cidadãos” – big citizens – e como tal, sujeitos de direitos. Este reconhecimento na verdade, é um atravessamento de todas as concepções de infâncias e crianças que ao longos dos anos vem se construindo.Além disso, outra justificativa é a observação de que as crianças têm um desejo natural para o que é artístico, inclusive para fazer parte dos processos artísticos, e essa relação com a arte nutre a inteligência emocional ajudando a desenvolver sua sensibilidade. Cada artista, assim como cada parceiro da Small Size, tem uma habilidade específica que pode ser compartilhada em rede. Neste contexto, esse trabalho que pode ser desenvolvido inicialmente individualmente, ao tornar-se parte de contexto
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maior possibilita o desenvolvimento de um referencial teórico prático sobre a produção artística para a primeira infância. É um jogo de ideias e experiências que não podem ser desperdiçadas. Visioni di Futuro, visioni di teatro, ou simplesmente Visioni é um dos festivais da Small Size que perpetua a promoção e o intercâmbio entre artistas, educadores, professores, pedagogos que trabalham com a primeira infância. O festival que acontece em Bolonha desde 2005, se configura como um núcleo da rede europeia que fomenta o intercâmbio entre os diversos profissionais que atuam no desenvolvimento educacional e cultural de crianças pequenas. É um local de pensamentos em movimento, um lugar feito de muitos lugares, um território de encontro que promove o registro, a troca, o compartilhamento e a divulgação do que está sendo produzido para a criança na área das artes teatrais, e nos últimos anos, de outras linguagens artísticas. O nome do festival advém da idéia do visionário, “uma pessoa que é audaciosa, altamente especulativa, com idéias até então impraticáveis; um sonhador” (LIVRETO, 2010, p.3). Este é uma definição do dicionário muito útil para jogar com a nossa imaginação. Vamos imaginar que "alguém" acredita que há ainda muitos aspectos para explorar no mundo das relações entre adultos e crianças, a relação entre pais e filhos, aqueles entre as crianças e professores, a idéia de escola, infância, cultura ... e finalmente (porque não?), a ideia de arte para crianças (LIVRETO, 2010).
O festival é um grande evento que atrai não somente crianças e famílias, mas também pesquisadores, professores, artistas e o público que decide descobrir mais detalhem sobre a produção cultural para crianças. Em geral, o evento conta com as apresentações dos espetáculos, mostras, exposições da documentação dos diversos projetos espalhados pela rede, oficinas para as crianças, oficinas para pais e crianças, oficinas para professores, conferências e debates sobre o tema, rotas artísticas e instalações.
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O projeto do festival vem se ampliando a cada ano, desde 2010 Visioni percebeu a possibilidade de integrar outras áreas para serem exploradas, como: artes visuais, dança, música, multimídia, literatura..., pois acredita que nessa diversidade de experiências resida a perspectiva do compartilhamento sobre novas formas de relacionamento entre arte e criança. Temos certeza que esses novos desdobramentos da arte possam ser o ponto de partida para novas e interessantes sugestões, importantes para ampliar a nossa investigação e foco em aspectos particulares da relação entre arte e crianças pequenas. Trata-se de nos abrir para mundos artísticos diferentes dos nossos, e nós queremos explorá-los guiado por aqueles que os conhecem muito bem: outras pessoas, pesquisadores e artistas que pudessem experimentar a mágica relação que é criada na interação com as crianças (LIVRETO, 2010).
O desdobramento artístico de 2010 foi as Artes Visuais, onde as crianças puderam se aproximar de instalações artísticas e mini rotas expressivas. O tema também foi discutido nas conferências e oficinas com professores de creches e escolas da infância. O objetivo era de guiar os diversos profissionais na sua jornada através das artes visuais, na possibilidade de descobrir novos territórios de expressão e outras formas de sofisticar o relacionamento da criança. Nesta ocasião, o projeto teve a colaboração do MamBO, o Museu de Arte Moderna de Bolonha, o que significou muito pois duas diferentes organizações artísticas ativas na mesma cidade estão compartilhando uma experiência muito significativa. E o que se espera realmente é que este relacionamento possa fortalecer com tempo e quem sabe, possa também lançar as bases para a criação de uma rede envolvendo todas as organizações da cidade com foco na arte e na educação. (LIVRETO, 2010).
Para 2011, o desdobramento será a dança e ao completar sete anos, Visioni manterá o foco em diversas atividades: shows, estudos, oficinas da Small Size para os artistas internacionais, conferências e diversas oficinas para professores e crianças.
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DIÁLOGOS FINAIS: CONCLUINDO E RECOMEÇANDO
O trabalho desta pesquisa exploratória nos campos da produção do teatro para e com bebês em Bolonha indicam novas investigações importantes para o meio educacional e cultural. Traz a clareza dos aspectos que constantemente envolvem as esferas educacionais e artísticas, especialmente no que diz respeito às diversas linguagens da criança. Indica algumas possibilidades de se fazer arte na escola, oportunizando um universo abrangente e rico de estímulos. Demonstra ainda, a qualidade da relação que estabelece entre crianças e adultos, exigindo do professor, dos pais ou do artista um refinamento nas formas de ver e ouvir a criança. Aponta também sobre as formas de relação entre as próprias crianças, indicando caminhos importantes do papel do outro na elaboração das narrativas de mundo. Concluo recomeçando, na certeza de que este estudo abre uma porta num vasto campo de pesquisa para as configurações do trabalho educativo com crianças pequenas, percebendo novos movimentos em prol da primeira infância, sinalizando possibilidades mais ricas para a criança, e sabendo que também através destas percepções aparecem concepções e modelos de infâncias. Suely Amaral Mello, ao comentar a fala de Roberto Frabetti, Maria Carmen Barbosa e de Cecília Goulart e da Marina Manferrai no COLE de 2005, aponta aspectos importante para esta reflexão: Roberto Frabetti denunciou várias armadilhas que temos armado em relação às crianças pequenininhas. Ao falar do teatro como forma de relação entre os seres humanos de todas as idades, ao mostrar como as crianças pequenas e pequenininhas vivem o teatro com todas as percepções, prescindindo da linguagem oral – ajuda-nos a quebrar a maior de todas as armadilhas na educação infantil: a de que a criança pequena não está pronta para aprender. A Maria Carmen Barbosa e a Cecília Goulart nos desafiaram a quebrar outra armadilha perversa presente na educação infantil: o consenso de que a linguagem escrita é a linguagem fundamental. Nos lembram, como diz Roland Barthes, que a gente escreve o desejo da
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gente ... e quando propomos experiências maravilhadoras e significativas em múltiplas linguagens, esse desejo não acaba nunca. [...] A Marina Manferrari reforçou a necessidade de uma concepção de criança que não minimize, desrespeite, infantilize, adultize ou simplifique a criança. É melhor assumir que não a conhecemos e observá-la, escutá-la e aprender a conhecê-la (MELLO, 2005, p. 2).
Espero
com
este
trabalho
estar
compartilhando
com
educadores,
pedagogos, pesquisadores, artistas e pais, caminhos que considerei instigante. Caminhos que me provocam diariamente a refletir meu papel de professor de educação infantil e que suscitam um estranhamento interno, conduzindo a desnaturalizar o cotidiano que oferecemos aos bebês. Desejo que assim como esta pesquisa, outras possam surgir para criticar, sugerir e dialogar com os apontamentos feitos aqui, a fim de repensar práticas e perceber a necessidade permanente de construir, coletivamente – unindo esferas diversas -, um projeto educativo para e com as crianças.
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