CARLA SIMONE BITELLO - A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE: O PAPEL DOS EDUCADOR

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL CARLA SIMONE BITELLO

A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE: O PAPEL DOS EDUCADORES

São Leopoldo

2010


CARLA SIMONE BITELLO

A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE: O PAPEL DOS EDUCADORES

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Orientadora: Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli

São Leopoldo

2010


A todas as crianças, dedico este trabalho. Por elas iniciei este curso de especialização, onde aprendi muitas coisas. Que esses novos aprendizados possam contribuir proporcionando mais qualidade às nossas vidas.


AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo privilégio de realizar esse Curso de Especialização em Educação Infantil e por me capacitar a realizar um trabalho como este; ao meu marido e incentivador, Luciano Bitello, pelo companheirismo e compreensão, convivendo nesses últimos meses com a minha presença/ausência; a minha filha Nicole, meu presente divino e principal inspiração para estudar o desenvolvimento infantil; aos meus irmãos em Cristo pelas orações; a todos os meus professores e mestres, em especial, minha orientadora a Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli, pela liberdade que me deu de expressar meus pensamentos, respeitando meu tempo no processo de aprendizagem; a Unisinos que me proporcionou um aprendizado numa dimensão humanista-cristã, desde a graduação, no curso de Educação Física.


RESUMO

Este trabalho apresenta, de forma resumida, a história da infância e da educação infantil no Brasil. A seguir, aborda a temática qualidade de vida, considerando diferentes indicadores sociais. Na sequência, o texto traz uma breve reflexão sobre o estilo de vida das crianças na sociedade pós-moderna. Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto e, através de revisão bibliográfica, são identificadas algumas prioridades para uma educação humanizadora e que contribua na promoção da qualidade de vida e bem-estar social. As considerações finais referem-se às questões abordadas relativas à qualidade de vida no período da infância na atual conjuntura.

Palavras – chave: Infância – Sociedade Pós-Moderna – Qualidade de Vida – Educadores


ABSTRACT

This paper presents, in a condensed format, the history of early childhood and early childhood education in Brazil. Next, it broaches the theme of quality of life, taking into consideration different social indicators. Following, the text brings a brief reflection on the post-modern society life-style of the children. In continuity, the role of the educators in this context is focused on and, by way of a biographical revision, some priorities are identified for a humanized education that will contribute towards the quality of life and well-being of society. The final considerations refer to the broached themes relative to the quality of life during the period of early childhood in current conjuncture.

Key – words: Early childhood – Post-Modern Society – Quality of Life – Educators.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07 1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA ................................................................................. 09 1.1 Contextualização do Processo Histórico da Educação Infantil no Brasil ........ 10 2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA..... 16 2.1 Qualidade de Vida .......................................................................................... 16 2.1.1Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida .......................................... 17 2.1.2 Saúde e Estilo de Vida .......................................................................... 26 3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA ............................................................................ 29 3.1 O Papel do Estado ......................................................................................... 30 3.2 O Papel da Família......................................................................................... 31 3.3 O Papel da Escola.......................................................................................... 36 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 48 OBRAS CONSULTADAS .................................................................................... 52


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INTRODUÇÃO

O entusiasmo naquilo que se faz é ponto de partida para a concretização de projetos em todos os segmentos da sociedade. A partir deste pressuposto iniciei esta monografia para o Curso de Especialização em Educação Infantil.

A participação nas aulas, seminários, encontros, debates e, através da leitura de livros, ao longo deste curso de pós-graduação, levaram-me a refletir e questionar a qualidade de vida na infância atualmente. Da mesma forma, quando compartilhava com as pessoas que estava realizando tal curso, geralmente ouvia nostálgicas respostas em relação à infância, recordações quanto aos tipos de brincadeiras e espaços onde as praticavam, a questão da segurança, o relacionamento e a postura das crianças diante de pais e professores, sempre afirmando que, há anos atrás, as crianças viviam melhor. A partir dessas conversas, constatei a necessidade de buscar na história da infância algumas respostas: o período da infância era, de fato, melhor antigamente? Como era a qualidade de vida das crianças? É pior nos dias atuais?

Dessa forma, inicio com uma breve revisão bibliográfica da história da infância, utilizando, principalmente, as informações trazidas por Ariès, autor diversas vezes mencionado durante este curso de especialização. Seguindo com uma explanação do processo histórico da educação infantil no Brasil, através dos estudos de Del Priori, Rosemberg, entre outros. A partir da análise conjuntural abordo a temática


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Qualidade de Vida, considerando diferentes indicadores sociais, sugeridos por Tubino, autor de grande contribuição na área da Educação Física, onde tenho minha formação inicial, refletindo sobre o estilo de vida e sua influência na saúde e bem-estar das crianças atualmente.

Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto, considerando educadores todos aqueles que além da família contribuem no complexo e dialético processo de desenvolvimento humano, sabendo da importância da infância, período este, crucial na formação de indivíduos afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e socialmente integrados para uma sociedade saudável.

A metodologia utilizada é na perspectiva sociocrítica, nesse paradigma segundo Bravo & Eisman (1998) a finalidade da ciência é contribuir para a transformação da realidade enquanto que a investigação é o meio que possibilita aos indivíduos analisar essa mesma realidade através da reflexão (teórico-prática), elemento fundamental para a produção da cultura científica. Essa investigação constrói-se a partir das necessidades naturais da espécie humana e depende das condições históricas e sociais. Analisando todos os fenômenos do ponto de vista teórico e prático, forma a teoria e prática um todo inseparável.

A união da análise da realidade, juntamente, com a revisão bibliográfica, baseada nos autores estudados durante o curso, como a educadora Reichert, o psiquiatra Cury, o filósofo Santin, o pedagogo Redin foram decisivos na elucidação do tema.

Sem a pretensão de esgotar o estudo sobre este assunto, este trabalho constitui um esforço inicial de reflexão sobre as questões apresentadas que estão diretamente relacionadas à qualidade de vida e bem-estar social nos primeiros anos de vida do ser humano na atual conjuntura. A execução do mesmo se constitui em desafio que não se encerra na conclusão deste.


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1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA

Marconi e Presotto afirmam que “para compreender a cultura humana deve-se conhecer as fazes pelas quais a humanidade se transformou” (1985, p.87). A partir desta premissa, das informações fornecidas pela sociologia e história da infância, entende-se que as nossas ações não dependem apenas de um esforço pessoal, mas estão fortemente relacionadas à sociedade como um todo, ou seja, as nossas ações são condicionadas por aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais de nosso tempo.

Conforme Ariès (1978), somente entre os séculos XIII e XVII que a criança aparece como categoria social. De acordo com este autor, não por falta de afeição, mas provavelmente, não houvesse lugar para a infância. Ou seja, não existia um sentimento de infância, que corresponde à consciência da particularidade infantil e distingue a criança do adulto. Por isso, criança ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes, assim que conseguia viver sem a constante dependência da mãe ou de sua ama.

Na Idade Média, a terra era a principal riqueza e a sociedade estava dividida entre os donos da terra (senhores feudais) e os que viviam e trabalhavam na terra (os servos). Nesse período, como o lugar de trabalho era o mesmo de moradia, não havia uma preocupação com a guarda das crianças. Todos, os mais velhos, adultos e crianças maiores, participavam dessa tarefa.

Quando a sociedade deixa de ser feudalista e passa a ser capitalista, o que se torna valorizado é o capital, que compra tudo, inclusive a terra, as ferramentas e a força de trabalho. A sociedade então fica dividida entre os donos do capital e dos instrumentos de trabalho (os burgueses) e os donos da força de trabalho (os assalariados). Nessa organização social, o lugar de trabalho é separado do lugar de moradia e o lugar da criança modificado nas relações com os adultos.


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Com a Revolução Industrial e o aumento da demanda de trabalhadores, o setor feminino foi absorvido de forma mais significativa, somadas às questões levantadas pelo movimento feminista, como a conquista de uma nova identidade e de igualdade de direitos perante os homens, ampliando para além da maternidade e das tarefas domésticas as funções da mulher na sociedade.

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e conseqüente afastamento de casa, o cuidado das crianças passa a ser feito por terceiros, uma vez que a possibilidade de auxílio dos familiares e vizinhos se reduz nos centros urbanos, embora isso ainda seja visto nas periferias.

Desta forma, percebemos através dos estudos sobre o modo como as sociedades se organizavam e produziam que o cuidado e a educação da criança pequena era uma responsabilidade de toda a comunidade (e em alguns grupos ainda é, como no caso dos indígenas, ciganos, MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que atuavam complementando a ação dos pais. Contudo, diante de todas essas modificações socioeconômicas, tornou-se comum pelo menos no mundo Ocidental essa prática chamada por Reichert (2008) de educação terceirizada. Na sequência, será feito uma breve revisão da história da educação infantil no Brasil.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

DO

PROCESSO

HISTÓRICO DA

EDUCAÇÃO

INFANTIL NO BRASIL

As primeiras instituições de atendimento à infância, no Brasil, se concentraram no amparo aos órfãos e abandonados. Foram as chamadas “Casa dos Expostos”, ou, como era popularmente conhecida, “Rodas dos Expostos”. Administradas pelas Santas Casas, para receber crianças abandonadas, procurando diminuir a mortalidade infantil por abandono. A primeira Roda, criada no Brasil, foi em Salvador, na Bahia, no ano de 1726. A segunda foi em 1738, no Rio de Janeiro, que


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funcionou até 1935; a terceira, em Recife no ano de 1789. Em São Paulo, a Roda existiu de 1835 a 1948. (DEL PRIORI, 1996)

O sistema a Roda dos Expostos foi inventado na Europa medieval e servia para garantir o anonimato do expositor e estimulá-lo a levar o bebê que não desejava para a roda ao invés de abandoná-lo nos bosques, lixos, portas de casas de famílias ou igrejas. No Brasil, esse tipo de instituição existiu até 1950, quando foi fechada a última Roda dos Expostos.

A Casa dos Expostos introduziu, ainda no Brasil Colônia, uma concepção de atendimento que procurava conciliar a educação com o trabalho. [...] desde cedo, essas crianças eram treinadas para diferentes ofícios, através do trabalho em oficinas cujas produções eram destinadas a subsidiar o atendimento prestado pela Santa Casa da Misericórdia, além de ajudar a manter as necessidades da própria Casa. (VASCONCELLOS, 2005, p. 80)

Nesse tipo de atendimento a criança perdia seu vínculo com a família de origem, passando a morar na instituição até a maioridade, ou então, quando outra família a escolhia para adoção. Muitas vezes, essa adoção não tinha um caráter afetivo, isto é, a criança não se tornava filha da nova família, mas sim, uma criada para servir.

A Educação Infantil no Brasil, baseada no estilo europeu, tem origem em dois modelos institucionais, com funções diferentes. Distinguindo-se dois tipos: a creche, inicialmente ligada à preocupação de guarda de crianças pobres, filhas de mulheres que trabalhavam fora e o jardim de infância ou pré-escola, vinculado ao sistema de ensino, marcado por preocupações com aspectos educacionais, atendendo crianças de classe média e alta. (SUSIN, 2009)

Araújo (2004) esclarece que a creche no Brasil surge, entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, a partir da iniciativa de empresas, com o intuito de atender aos filhos de seus funcionários. Nesse período, quando surgem as primeiras fábricas é também o início da atividade de trabalhadoras domésticas em substituição aos trabalhadores escravos, com o término da escravatura. Desta


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maneira, são criadas creches empresariais (ligadas a fábricas) e filantrópicas, para atender as crianças filhas de operários e trabalhadoras domésticas. Esse atendimento não era visto como um direito da população, mas uma boa ação da elite (grupos religiosos, médicos-higienistas e jurídico-policiais) preocupada em controlar os trabalhadores e evitar a “desordem social”. A pré-escola data do final do século XIX. A primeira a ser criada é iniciativa de uma escola particular paulista, em 1875. Em 1896, é fundado o primeiro Jardim de Infância da rede pública, também em São Paulo. Nos anos 20 e 30, com o Movimento Escolanovista e as Reformas Educacionais, temos a disseminação de Jardins de Infância por vários estados brasileiros.

No campo de política nacional para a infância, somente em 1930 será criado o Departamento Nacional da Criança – DNCr responsável por centralizar o atendimento à infância no país e subordinado ao Ministério da Educação e Saúde Pública. A primeira lei nacional a prever a necessidade de atendimento a crianças pequenas é a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-lei n. 5.452 de 1º de maio de 1943, que determinava para os estabelecimentos onde trabalhassem pelo menos 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, ter local apropriado onde fosse permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os filhos no período de amamentação (artigo 389, parágrafo primeiro). Entretanto não havia mecanismos de controle e fiscalização para garantir esse direito. Outro fator agravante era de que o direito era das mulheres trabalhadoras e não das crianças, provocando flutuação na oferta do serviço por este estar vinculado à inserção da mão-de-obra feminina na atividade econômica. Apenas garantia o direito ao aleitamento materno para o bebê, filho de mãe trabalhadora, empregada em empresa dentro dessas condições, não havendo menção ao atendimento às crianças na faixa etária após o período de amamentação e anterior à idade escolar.

Somente nos anos 70 é que vão ocorrer maiores transformações nos grandes centros urbanos, a luta por creche vai ganhar força, sendo também, a fase de respostas mais efetivas por parte do Estado. Contudo, as ações governamentais eram feitas com mínimos investimentos, utilizando espaços precários e pessoal


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desqualificado, atendendo inadequadamente a um número de crianças bem inferior a totalidade existente. De acordo com Kramer (1987), no ano de 1974, é criado o Projeto Casulo pela extinta Legião Brasileira de Assistência – LBA, sendo o primeiro programa brasileiro de Educação Infantil de massa. O Projeto Casulo se fez utilizando a mão-de-obra, muitas vezes voluntária, e espaços da comunidade. A escolha do pessoal não foi feita segundo critérios de qualificação profissional, mas aproveitando a população local, oferecendo baixa ou nenhuma remuneração.

Rosemberg (1985) informa que, através da iniciativa da ONU (Organização da Nações Unidas), o ano de 1975 foi decretado o Ano Internacional da Mulher, onde foi criado, em São Paulo, o “Movimento de Luta por Creches”, em 1979, numa resolução tomada no Primeiro Congresso da Mulher Paulista. Já no Rio de Janeiro, é criado, pelo Centro da Mulher Brasileira, o “Grupo Creche”, e se realizou o “Primeiro Encontro de Creches”. O movimento por creche, na década de 70, se consolida nas grandes cidades do país, tendo expressão no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Recife. A creche torna-se uma necessidade, principalmente, para segmentos da população de baixa renda e aparece como ponto comum de reivindicação de várias associações junto às autoridades públicas. Há assim, um esforço de mobilização e organização da população em algumas entidades e associações de bairro para pressionar o Estado a criar alternativas para prestar tal serviço.

O movimento por creche deixa de ser somente vinculado ao trabalho feminino e torna uma reivindicação de Educação Infantil, isto é, passa a fazer parte das reivindicações de sindicatos de trabalhadores e associações de moradores por atendimento a crianças na faixa etária de 0 à 6 anos em equipamentos educacionais. A exigência por definição de políticas públicas, que considere essas crianças como sujeitos que se educam desde a mais tenra idade, vai constar nos discursos de mobilização especialmente das entidades de bairro. A proposta de uma política educacional para crianças pequenas se estrutura, somando a este movimento alguns segmentos que trabalham em creches e pesquisadores voltados para questões sobre a criança nesta faixa etária, trazendo a discussão sobre a


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importância de um trabalho educativo também para as crianças em idade anterior a obrigatoriedade escolar.

Os anos 80 são, marcadamente, os anos de construção de uma política nacional de Educação Infantil, culminando na conquista do direito à educação em creches e pré-escolas para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, a partir da Constituição Federal promulgada em 1988, onde os termos do artigo constitucional n. 208, que diz que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”

(BRASIL,1988),

caracteriza

a

creche

como

um

equipamento,

primordialmente, educacional. Na década de 80, há criação e expansão de algumas redes de educação infantil – públicas, privadas e comunitárias. Nessa expansão permanece a divisão entre pré-escola e creche, a primeira ligada a Educação, a segunda, ao Bem-estar e a Saúde.

Na década de 90, observou-se um aumento das conquistas no plano das políticas educacionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n. 8069 de 1990, vem reafirmar o direito das crianças à creche e a pré-escola. Além de tratar de questões que dizem respeito aos direitos das crianças relacionados à ação das instituições educacionais e de atendimento à infância. Nesta década ainda, tivemos a Conferência Mundial de Educação para Todos, na qual se reafirmou a contribuição da Educação Infantil no processo educacional dos povos, destacando em particular, como esse segmento educacional participa como fator que contribui para o fim do analfabetismo.

Em 1996, é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDB (lei n. 9394/96), quando então se define que a creche e a pré-escola fazem parte do segmento da Educação Infantil. Define a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, portanto, estando vinculada ao sistema de ensino, deixando de ser considerada assistência social. Passa também a exigir a formação docente, em nível médio ou superior. Ao incluir a Educação Infantil na Educação Básica a LDB estabelece duas modalidades, segundo a faixa etária – creches (para


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crianças entre zero e três anos) e pré-escola (para crianças entre 4 e 6 anos) - , e determina que ambas estejam sob responsabilidade dos municípios.

No ano de 1998, o Conselho Nacional de Educação formula as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabelecendo os princípios norteadores para os currículos a serem criados pelos sistemas de ensino e seus estabelecimentos. Em 2001, foi realizado o primeiro Censo Escolar de Educação Infantil.

Para melhorar a qualidade da Educação Infantil, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação passa a exigir fiscalização periódica desses estabelecimentos, por parte dos municípios. Entre as exigências, além da obrigatoriedade de diploma de nível médio para os professores, para outros profissionais como cozinheiro, porteiro e faxineiro, pelo menos o ensino fundamental completo.

Realizado em 2001, o primeiro Censo Escolar de Educação Infantil, que incluiu também as escolas clandestinas (que funcionam sem autorização oficial e como não há fiscalização nesses locais, na maioria deles, as crianças são atendidas por leigos), apontou que grande parte dos municípios brasileiros mantém escolas de Educação Infantil. De acordo com o Censo Escolar, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do total de escolas, apenas 14% ofereciam oficinas de arte e 17% possuíam sala de música. Quanto às creches, 9% tinham enfermaria à disposição dos alunos, 24% possuíam fraldário e 15% lactário. Com uma média de 19 alunos por turma para creches e 21,3 para préescola. Sendo mais de dez mil escolas infantis filantrópicas ou comunitárias.

Para o próximo capítulo, serão analisados diversos indicadores coletivos que têm relevante influência no estilo e na qualidade de vida da infância, no atual contexto.


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2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA

No amanhecer do terceiro milênio, a realidade social demonstra que os seres humanos ainda vivem sob o signo da mais profunda desigualdade, que não só separa países em desenvolvidos e subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas que divide e segrega os habitantes de um mesmo país ou de determinada comunidade.

A proposta de conquista do bem-estar para todos – com as pessoas tendo direito a uma existência longa e saudável e a uma qualidade de vida compatível com as aquisições científicas e tecnológicas da humanidade – continua sendo uma utopia. Haja vista que, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), dos 4,6 bilhões de indivíduos dos países em desenvolvimento: 2,4 bilhões vivem sem saneamento básico; 1,5 bilhão vivem sem eletricidade; 968 milhões não têm acesso a fontes de água tratada; 796 milhões são analfabetos; 60 milhões são crianças que não frequentam escola primária. Mesmo nos países desenvolvidos existem oito milhões de subnutridos. Inconformada, com essa realidade social, concordo com Minà quando diz “concentrar riqueza nas mãos de poucos ou permitir que não mais de 350 pessoas possuam 48% dos recursos do planeta [...] e defender estes privilégios [...] é simplesmente imoral.” (MINÀ, 2003, p.21)

2.1 QUALIDADE DE VIDA

O termo Qualidade de Vida tem sido amplamente discutido entre diversos grupos interdisciplinares, entre eles sociólogos, antropólogos, educadores, profissionais da área da saúde, entretanto não se tem um entendimento claro, nem uma definição precisa do termo.


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Tubino (2002) lembra-nos da frase do pensador espanhol que disse: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias” (GASSET apud Tubino, 2002, p.263), constatando que a premissa fundamental da interpretação de qualidade de vida é “a harmonia do eu com as suas circunstâncias” (TUBINO, 2002, p.263), deixando implícito que as circunstâncias individuais estarão sempre inter-relacionadas com as circunstâncias coletivas que as envolvem. Assim, este autor faz uma relação de fatores coletivos e individuais interligados da qualidade de vida.

Seguindo os passos de Tubino (2002) que, para melhor explanação do tema, operacionalizou o termo qualidade de vida, faço uma breve contextualização dos fatores interligados da qualidade de vida individual que, segundo o autor, são: os indicadores coletivos da qualidade de vida, a saúde e o estilo de vida. Conforme Tubino, esses fatores interagem entre si e, de forma alguma, devem ser consideradas de maneira isolada.

2.1.1 Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida

De acordo com Tubino (2002), para tratarmos dos indicadores coletivos de qualidade de vida, devemos consultar índices consensualmente aceitos, como: os indicadores mundiais de qualidade de vida, o índice de desenvolvimento humano (IDH), o índice de pobreza humana, o índice de qualidade de vida, os vários índices socioeconômicos, o acesso a serviços e bens, os indicadores coletivos de educação, os indicadores de violência. Dedicarei maior atenção aos indicadores que, a meu ver, são de maior relevância no que diz respeito à infância, que é o objetivo deste trabalho.

2.1.1.1 Os Indicadores Mundiais de Qualidade de Vida

Conforme Tubino (2002) os indicadores mundiais de qualidade de vida são, essencialmente, coletivos e estabelecidos pelos grandes organismos internacionais ligados à ONU (Organização das Nações Unidas), sendo os mais conhecidos: o de desnutrição em crianças, mortalidade infantil, expectativa de vida e alfabetização de adultos. A seguir, serão analisados alguns destes indicadores:


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a)Desnutrição em crianças

A falta de acesso a uma alimentação equilibrada torna a criança suscetível a doenças e aumenta, em duas vezes, o risco de mortalidade na infância. Em geral, a desnutrição infantil é conseqüência da desnutrição da mãe, da amamentação deficiente e da pobreza.

Segundo os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), atualmente, cerca de 200 milhões de crianças sofrem de deficiência alimentar e este número pode afetar 1 bilhão de crianças em todo o mundo, dentro de 20 anos, caso nenhuma séria campanha para melhoria da alimentação seja iniciada brevemente. Também informa que a Comissão sobre os Desafios da Nutrição para o século XXI afirma sobre a importância de diversificação de culturas e a divulgação do consumo de cereais, frutas e verduras. Outro dado relevante é que, a cada ano, 500 mil crianças tornam-se parcial ou totalmente cegas por causa de deficiência de vitamina A, causada pela fome. Esta aumenta ainda a incidência de doenças na infância (sarampo, diarréia, transtornos respiratórios), a taxa de mortalidade em decorrência dessas doenças e o retardo no crescimento e no desenvolvimento.

Quanto à desnutrição materna, o Fundo das Nações Unidas (UNICEF) afirma que um quarto das crianças, nos países em desenvolvimento, tem o crescimento retardado ainda durante a gestação, por causa da subnutrição das mães. Em países desenvolvidos, a má nutrição precoce, seguida de ganho de peso, pode levar à obesidade, causa de doenças como a diabete.

As profundas desigualdades do nosso país carregam problemas do Primeiro Mundo, como o crescimento do número de obesos, sem ter resolvido os causados pelo subdesenvolvimento. No Brasil, os dados do Ministério da Saúde mostram que a desnutrição infantil reduziu de 13,5% (1996) para 6,8% (2006). Mesmo assim, o índice está longe do ideal, sendo as principais carências alimentares a falta de ferro (50% das crianças) e vitamina A (30%).


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Para combater o problema, o Governo Federal lançou, em 2001, o Programa Bolsa Alimentação. A meta era diminuir, até 2003, as carências nutricionais de 800 mil gestantes e mães que estejam amamentando, além das carências de 2,7 milhões de crianças até seis anos que pertencessem a famílias com renda mensal inferior a meio salário mínimo per capita. O valor da bolsa era entre 15 e 45 reais por família. Cerca de 50% das crianças e 43,6% das mulheres, atendidas pelo Bolsa-Alimentação, residem na região nordeste do Brasil. Em 2003, o Governo Federal lançou o Programa Fome Zero que é composto por um conjunto de ações que estão sendo implementados gradativamente. O objetivo é promover medidas para garantir segurança alimentar e nutricional a todos os brasileiros.

Vamos criar as condições para que todas as pessoas no nosso país possam comer decentemente três vezes ao dia, todos os dias, sem precisar de doações de ninguém. O Brasil não pode mais continuar convivendo com tanta desigualdade. Precisamos vencer a fome, a miséria e a exclusão social. Nossa guerra não é para matar ninguém, é para salvar vidas. Luiz Inácio Lula da Silva

Acredito que estas são medidas muito importantes, juntamente com tantas outras iniciativas, governamentais ou não, de acabar com a fome e a miséria, entretanto, é importante ressaltar o que canta a banda nacional Titãs “... a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

b)Mortalidade Infantil:

Essa taxa indica o número de crianças que morrem antes de completar um ano a cada mil nascidas vivas. Elevadas taxas, nesse segmento, refletem não só as condições socioeconômicas e de saúde da mãe, bem como a inadequada assistência pré-natal, ao parto e ao recém nascido. A taxa de mortalidade infantil é um dos mais significativos indicadores para atestar a qualidade de vida de um povo, pois os principais fatores para a sua redução são a expansão do saneamento básico, o acompanhamento médico da mulher desde o início da gestação, o atendimento hospitalar ao recém-nascido, uma boa alimentação para o bebê e a melhoria da educação materna, cujo resultado é uma melhor qualidade nos cuidados dispensados à criança.


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No Brasil, os dados divulgados em 2008 pelo IBGE, indicam declínio da taxa de mortalidade infantil. Passou de 33,5 crianças mortas por mil nascidas vivas para 23,3 entre 1998 e 2008. O estado que revelou menor índice (13,5) foi o Rio Grande do Sul e o índice mais elevado (50) foi no estado de Alagoas.

A mortalidade infantil vem reduzindo no mundo, mas ainda é um problema humanitário grave nas regiões mais pobres. Atualmente, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a taxa de mortalidade infantil no mundo é de 46 crianças até um ano para cada mil nascidas vivas. De 1990 a 2009, registra-se uma queda da mortalidade infantil no planeta de 65 crianças até um ano para cada mil nascidas para 46 por mil. Houve melhora, mas apesar disso, continuam a ocorrer enormes disparidades regionais. Enquanto nos países desenvolvidos, a taxa é de seis óbitos para mil nascimentos, no Afeganistão ela alcança 154. Infecções respiratórias, diarréia, sarampo e malária são algumas das principais causas da mortalidade infantil. Também são responsáveis por grande número de mortes os problemas relacionados com a gestação ou o parto, como tétano neonatal, septicemia e AIDS. A maioria desses óbitos poderia ser evitada com medidas públicas simples, como o planejamento familiar, acompanhamento de pré-natal, melhoria da nutrição e vacinação.

c)Expectativa de Vida:

Este indicador representa o número médio de anos de vida que se espera que uma pessoa viva, desde o momento do nascimento, se as condições de mortalidade do ano de referência continuarem constantes.

O progresso da medicina e o crescente acesso a recursos básicos como água tratada e redes de esgoto, aumentaram a expectativa de vida no planeta. Em média, uma criança que vem ao mundo hoje tem a expectativa de viver 20 anos mais que as nascidas na década de cinquenta. A utilização de novas tecnologias (informática, biotecnologia) e o investimento em pesquisa científica também são considerados fatores essenciais para a promoção do desenvolvimento humano.


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No Brasil, conforme dados do IBGE, pode-se dizer que os maiores avanços, ocorreram nos períodos 1950/1960 e 1970/1980, em decorrência da redução significativa das doenças infecciosas. No primeiro período, a introdução dos antibióticos e de medidas preventivas de saúde pública teve um impacto positivo sobre a mortalidade infantil e feminina em idade fértil. No segundo, a expansão do saneamento básico, principalmente da rede de água nos grandes centros urbanos, foi decisiva na diminuição das mortes de crianças por doenças diarréicas. Sabe-se que a falta de rede de esgoto e de água tratada facilita o surgimento de doenças infecciosas e parasitárias, como cólera, malária, hanseníase e diarréia. Na década 1990, no Brasil, esses importantes avanços nas condições de saneamento básico, são os principais responsáveis pela queda de 35% da mortalidade infantil e queda de 50% nas mortes provocadas por diarréia.

Izquierdo (2002) informa que, no início do século XX, a expectativa de vida, na Europa ou nos Estados Unidos, era menos de cinquenta anos, no Brasil menos de quarenta. No início dos anos 70, a expectativa de vida no Brasil mal alcançava os 53 anos. Atualmente, segundo pesquisa realizada pelo IBGE, a média brasileira passou de 70 anos (1999) para 73,2 anos (2009), sendo a expectativa de vida dos homens 69, 4 anos, enquanto das mulheres é de 77 anos. Os países que tem maior expectativa de vida são Japão, França, Suíça e Itália, já os com menor expectativa são Zimbábue e Afeganistão com uma média de 44 anos.

d)Alfabetização de adultos:

Em nenhuma época da história um percentual tão grande de habitantes do planeta teve, como agora, acesso à educação. No entanto, os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento ainda se debatem com o desafio de erradicar o analfabetismo e aumentar a escolaridade média de seus habitantes. Sabe-se que o aumento do nível educacional, especialmente em mulheres, tem efeito positivo e importante, como proteção ambiental e saúde, inclusive reduzindo a taxa de mortalidade infantil. Entre os países da África Subsaariana, Botsuana, Quênia e Namíbia que possuem bom nível de escolaridade feminina, apresentam as menores taxas de mortalidade infantil.


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No Brasil, a taxa de analfabetismo caiu 1,8 ponto percentual nos últimos cinco anos e registrou 9,7% em 2009. Na região Nordeste, reconhecida historicamente por ter o maior número de iletrados do país, a taxa caiu de 22,4% (2004) para 18,7% (2009). De acordo com as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram contabilizadas 14,1 milhões de pessoas que não sabiam ler ou escrever em 2009.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), o número de adultos analfabetos do planeta caiu de 876 milhões, em 2000, para 796 milhões, em 2010. As mulheres continuam sendo a maioria, cerca de 530 milhões, representando dois terços do total de analfabetos. A UNESCO tem o objetivo de melhorar em 50% a taxa de alfabetização dos adultos, principalmente mulheres, entre 2002 e 2015.

2.1.1.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

Para medir o grau de desenvolvimento social e comparar a qualidade de vida de diferentes populações, o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a partir do ano de 1990, criou um indicador chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de uma média que leva em conta três fatores (um econômico e dois sociais): o Produto Interno Bruto (PIB) per capita (calculado com base na paridade de poder de compra, PPC); o grau de escolaridade das pessoas (indicador educacional); e a expectativa de vida (indicador de saúde).

O IDH é um número sempre entre 0 e 1. Quanto mais se aproxima de 1, supostamente maior é o bem-estar. Países ricos têm IDH próximos de 1; nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, mais perto de 0. Os países com IDH mais elevado são Noruega, Austrália, Islândia, Canadá e Suécia. E os de menor IDH, Serra Leoa, Níger e Afeganistão.

O Brasil entrou em 2007 no patamar de alto desenvolvimento humano, no entanto, ainda fica atrás dos vizinhos Chile, Argentina e Uruguai. No relatório da ONU, divulgado em 2009, com dados de 2007, o Brasil, com índice de 0,813, está


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em 75º lugar em um ranking de 182 nações. Apesar de ainda se encontrar distante do IDH de países desenvolvidos, adicionou 0,90 ponto em seu IDH desde 1990 que era de 0,723. Isso se deve principalmente à melhora na educação e ao aumento da longevidade da população do país.

Apresentando grande potencial econômico, tornando-se, recentemente, a oitava maior economia do mundo, o Brasil, com certeza, tem condições de melhorar esses indicadores, se houver uma melhor distribuição da renda, com maior participação dos mais pobres no total da renda e da riqueza gerada. Entretanto, a erradicação da pobreza de um país, não se dá apenas a partir da transferência de renda para os mais pobres, seja por meios de programas de renda mínima, da expansão do crédito para os pequenos empreendedores ou, ainda, por meio da reforma agrária. Faz-se necessária a expansão das políticas sociais de educação, saúde, habitação e saneamento básico.

2.1.1.3 Outros indicadores

Destaco, ainda, alguns aspectos coletivos mencionados por Tubino (2002), que também, considero importantes para análise de qualidade de vida, como a qualidade da água, do ar, condições de habitação/moradia e os indicadores de violência.

a)Qualidade da água

A poluição das águas – causada pelo lançamento de efluentes industriais e agrícolas e esgotos domésticos, além de resíduos sólidos diversos – compromete a qualidade das águas superficiais e subterrâneas em vários pontos do planeta.

A falta de água para o consumo humano anuncia-se como o principal problema ambiental do século. Do total dos recursos hídricos do planeta 97,5% é constituído por água salgada, apenas 2,5% corresponde à água doce e, deste volume, só uma pequena parte se encontra acessível. A luta pela água já provoca conflitos internos em alguns países e deverá acirrar disputas entre as nações. O Brasil possui a maior reserva de água doce do planeta, embora grande parte esteja na Amazônia, longe


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das principais regiões consumidoras. A preservação da água, com políticas de economia de consumo, é considerada uma das principais formas de evitar a escassez.

b)Qualidade do ar:

De acordo com as informações fornecidas pelo site do Instituto do Ambiente, a qualidade do ar é o termo que se usa, normalmente, para traduzir o grau de poluição no ar que respiramos. Sendo a poluição do ar provocada por uma mistura de substâncias químicas, lançadas no ar ou resultantes de reações químicas que alteram o que seria a constituição natural da atmosfera.

O Instituto do Ambiente alerta que a poluição do ar tem vindo a ser a causa de um conjunto de problemas como a degradação da qualidade do ar, exposição humana e dos ecossistemas a substâncias tóxicas, danos na saúde humana, danos nos ecossistemas e patrimônio construído, acidificação deterioração da camada de ozônio estratosférico e as alterações climáticas que se traduzem, entre muitos outros efeitos, no aquecimento global do planeta com todas as repercussões daí resultantes. Entre os efeitos na saúde humana, referem-se os problemas em nível dos sistemas respiratório e, cardiovascular.

A quantidade de resíduos tóxicos lançados pelo tráfego excessivo de veículos e pela atividade industrial afeta a qualidade do ar, prejudicando as condições de saúde da população, especialmente a dos centros urbanos. Um investimento maior no transporte coletivo e na conscientização em massa, provavelmente traria resultados positivos imediatos no que se refere à qualidade do ar.

c)Habitação e moradia:

O planeta passa por acelerado processo de urbanização. Abandonando o campo e suas carências, as pessoas procuram as áreas urbanas em busca de trabalho, educação e melhores condições de vida. A consequência disso é o inchaço das


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cidades, com suas graves decorrências econômicas e sociais – problema particularmente sensível nas nações em desenvolvimento, em função da rapidez do processo de urbanização.

Nesses centros urbanos hipertrofiados, há cada vez mais gente e menos emprego, o acesso aos serviços públicos torna-se progressivamente difícil e aumenta a pobreza, enquanto diminui a qualidade de vida. Às famílias restam-lhes viver em situação informal, morando em favelas, cortiços ou loteamentos clandestinos, desprovidos de benfeitorias básicas ou em situação de risco. Já no mundo desenvolvido, além do baixíssimo crescimento populacional, as cidades já atingiram um patamar básico de urbanização, portanto, não se constata o mesmo inchaço.

No Brasil, uma parcela expressiva da população brasileira vive em domicílios precários, reflexo de um problema nacional conhecido como déficit habitacional. Entretanto, programas de financiamento habitacional do governo federal, têm propiciado um aumento significativo (37% em relação a dez anos atrás) do número de domicílios próprios, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001, divulgada pelo IBGE. Com relação aos serviços essenciais, verificou-se uma expansão em todos eles, quando comparados com os índices de 1991 e 2000, correspondentes aos dois últimos censos:

- Água potável (de 70,7% a 77,8%); - Esgoto/ fossa séptica (de 52,4% a 62,2%); - Coleta de lixo (de 63,8% a 79%); - Iluminação elétrica (de 86,9 a 93%).

d)Violência

Indispensáveis em qualquer análise de qualidade de vida, os indicadores de violência têm piorado no mundo inteiro. No Brasil, a violência é mais intensa nas grandes cidades e nas áreas metropolitanas.


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As causas da violência urbana são muitas, mas é possível destacar fatores que incentivam seu crescimento. Entre eles estão a desigualdade social, o desemprego, a exclusão ou marginalização, o uso de drogas e álcool, o mercado de armas, as organizações criminosas e a cultura da violência. Por outro lado, a ausência ou debilidade da polícia, do Judiciário, do sistema penitenciário, de infra-estrutura urbana e de serviços públicos essenciais contra a violência também contribui para que a sociedade se torne violenta.

A violência estende-se também no universo infantil. Podemos identificá-la nos desenhos infantis, na maioria dos jogos de vídeo game, até a antiga e inocente pipa têm se transformado em um brinquedo assassino e fazendo vítimas diversos motoboys, ciclistas e pessoas distraídas, quando passado o chamado “cerol” (mistura de cola e pó de vidro) na linha. É a disseminação da cultura da violência que banaliza a vida e o bom senso, fazendo suas vítimas e influenciando comportamentos desde a mais tenra infância.

2.1.2 Saúde e Estilo de Vida

Na concepção da Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é “um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.” (MOREIRA; SIMÕES 2002, p.266)

Analisando os principais indicadores nacionais de saúde, observam-se, nos últimos anos, significativos avanços nesta área, em especial, a redução na mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida ao nascer, como citado anteriormente. Entretanto, a crescente urbanização tem mudado o estilo de vida das crianças brasileiras, facilitando o aparecimento de fatores de risco para as doenças cardiovasculares, conseqüentes da alimentação rica em gordura, estresse, sedentarismo, entre outros. Já males comuns dos países pobres ainda fazem vítimas nas regiões mais carentes.

Através da história da humanidade, verificamos que a vida humana foi tornando-se progressivamente sedentária, principalmente, a partir da Revolução Industrial, com a tecnologia avançando de forma impressionante até os dias atuais.


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Observou-se significativa transformação de uma sociedade acostumada aos trabalhos pesados, com uma estrutura basicamente rural e fisicamente ativa, numa população de cidadãos urbanos e suburbanos com pouca ou nenhuma oportunidade para o envolvimento em atividades físicas.

Os elevadores e as escadas rolantes substituíram as distâncias e as escadas. A caminhada até o mercado da esquina foi substituída pela curta jornada motorizada até o hipermercado localizado no shopping center da vizinhança. Os carros abrem seus vidros elétricos através de um botão, dispensando a manivela que os abria de forma manual. Também não precisamos nos deslocar para abrir um portão de garagem, ligar o aparelho de rádio, televisão ou ar condicionado, basta apertarmos o botão do controle remoto.

A gurizada trocou a pelada no campinho de terra improvisado do bairro, pelo jogo de futebol no vídeo game, o jogo de tacos, o carrinho de lomba perderam espaço para o Nintendo e o PlayStation III, as brincadeiras de rua e os encontros com a turma estão reduzindo-se aos sites de relacionamento e muitas horas sentados em frente ao computador.

Vamos, assim, estabelecendo um conjunto de elementos que caracterizam renomados modos de pensar e viver que distinguem um novo grupo social, um novo tipo coletivo que De Masi (2000) chama de “tipo digital”, formado por pessoas que pensam mais ou menos do mesmo modo. Essa identificação, como que um distintivo, ocorre via computador, correio eletrônico e Internet. Tais pessoas estão substituindo a geração “massa mídia”, que por sua vez, substituiu a geração das “linhas de montagem”.

Se olharmos ao nosso redor, não é difícil concluir que, sob o ponto de vista da conservação dos esforços e energias humanas, a vida está se tornando cada vez mais fácil. Mas será que essa “facilidade” pode ser considerada como uma vida melhor? Em que pode resultar este sedentarismo de crianças e adultos da vida moderna? Este estilo de vida sedentário não contribui para o surgimento de um outro conjunto de problemas? É isso evidência de qualidade de vida?


28 A ciência evolui tanto que fez com que o homem contemporâneo fosse vítima de muitas de suas descobertas. Se por um lado o desenvolvimento informacional criou referências, facilitou e trouxe mais conforto às pessoas, [...] por outro lado, trouxeram à tona mais e mais doenças de âmbito psicossomático e biológico. (SABA, 1998, p.80)

Cury (2007) prevê que a indústria farmacêutica mais poderosa, deste século, será a dos psicotrópicos. Afinal, em um mundo em que reina o consumo, a competição predatória, o individualismo e paranóias como o de ser, à todo custo, o “número um” em tudo, gerando estresse e ansiedade até nos mais saudáveis. Este psiquiatra afirma, ainda, que no caos em que se encontra a qualidade de vida, os medicamentos psicotrópicos surgem como grande aliviador das misérias psíquicas, embora não atuem nas causas nem conduzam o ser humano a administrar seus pensamentos e a gerenciar suas emoções.

Faz-se necessário lembrar que as funções corporais e os sistemas orgânicos se harmonizam e, a quebra dessa harmonia, mesmo que de maneira simples, provocará alterações e até sofrimentos ao nosso organismo. Torna-se evidente que esse estilo de vida pós-moderno representa uma ameaça à qualidade de vida.

A preocupação com a prevenção e os cuidados com a saúde deveriam iniciar na família, seguida pela escola que também deve abraçar esta causa, incluindo no currículo conteúdos pertinentes a uma educação global, do corpo humano e dos seres vivos como um todo. Hábitos saudáveis de vida devem ser iniciados na infância, sabendo que inúmeras doenças poderiam facilmente ser evitadas ou ter seus sintomas protelados, se fossem adotadas medidas simples de prevenção, além disso, atuar na prevenção é muito mais inteligente e barato. Desta forma, o assunto abordado a seguir, será justamente, a contribuição dos educadores na promoção da qualidade de vida da infância.


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3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA “Nós somos o que fazemos, sobretudo, o que fazemos para mudarmos o que somos.” Eduardo Galleano

Inicio este capítulo, esclarecendo o que entendo por sociedade pós-moderna, citando Santos: Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando por convenção, se encerra o modernismo (1900 – 1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar na filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência+tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural. (2004, p.08)

Esse autor acrescenta que, inserindo-se no cotidiano das pessoas com a tecnologia eletrônica de massa e individual, saturando com informações, diversões e serviços, a

pós-modernidade

caracteriza-se

também

pelo

consumismo

exagerado,

individualismo, vazio existencial, ausência de valores e de sentido para a vida. Neste contexto, lidar com educação, em especial a educação infantil, trata-se de um grande desafio, neste início de século, para os educadores.

Lembrando que, educação é um direito de todos, garantido pela Constituição de 1988 (cap. III, seção I) e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Já que, é dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade garantir este direito fundamental, é principalmente a contribuição destes, na educação infantil, que intenciono abordar neste capítulo.


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3.1 O PAPEL DO ESTADO

Quanto ao papel do Estado, no que se refere à Legislação, pode-se dizer que estamos muito bem amparados, temos a Constituição Federal, a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, temos o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras. Recordo aqui, as aulas nesta pós-graduação com o Prof. Dr. Euclides Redin, quando afirmava que, política pública “é a arte de estabelecer prioridades”, enfatizando que a Constituição Federal determina que os direitos da criança sejam atendidos com “absoluta prioridade”, ou seja, nada deve ser mais urgente, nem outro interesse da administração pública pode estar à frente. Entretanto, sabemos que na prática a realidade é muito diferente, percebe-se isso, diante de alguns indicadores coletivos, analisados no capítulo anterior, e de determinados exemplos que serão mencionados no decorrer deste texto.

Mas de que educação, afinal, está se falando? Daquela das três palavrinhas mágicas: “Por favor, com licença e muito obrigado”? Lembrando que não são três palavras, enfim, citei este exemplo que é bastante utilizado no dia-a-dia das instituições de ensino. No entanto, é evidente que educação é bem mais do que isso.

Concordando com Vygotski ao afirmar que “o desenvolvimento humano é um processo dialético complexo” (NEGRINI, 2002) considero educadores todos aqueles que contribuem na formação do indivíduo, ou seja, os pais, a família e familiares, os vizinhos, a escola com seus professores e colaboradores, os políticos através das decisões nas políticas públicas, os meios de comunicação (televisão, rádio, internet...), os pastores, padres, o motorista do ônibus, o atendente do mercado, enfim, a sociedade como um todo, como esclarece Redin ...a educação não é função exclusiva da creche, da pré-escola e da escola. Aprende-se em casa, na rua, no mercado, no centro de saúde, na igreja, na praça, na feira, nas lojas de comércio, nas reuniões, nos lugares de trabalho. (REDIN, 2007, p.31)


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Diante da complexidade do tema e da importância desta etapa tão especial da existência humana que é a infância, período este, crucial na formação de indivíduos afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e socialmente integrados para uma sociedade saudável, destacarei algumas alternativas trazidas por diferentes estudiosos do comportamento humano e da educação infantil. Para Negrine,

... uma provisão ambiental positiva na infância constitui-se em fator determinante no comportamento futuro do indivíduo, uma vez que as mazelas que carregamos da educação primária que recebemos determinam, de certa forma, nossa maneira de ser e estar no mundo quando atingimos a idade adulta. (NEGRINE, 1998, p.136)

Baseada nesta afirmação e nos estudos fornecidos pela Neurociência, divulgados pela OMS (Organização Mundial de Saúde), sobre a importância do contato afetivo, nos primeiros meses de vida, de um recém-nascido, na formação inicial do cérebro, no número de sinapses, que são especialmente estimuladas pelos afetos, é que elogio, os admiráveis exemplos de países como a Noruega e a Suécia, onde além da licença maternidade de um ano e dois anos, respectivamente, ainda há um período considerável de licença paternidade, como é o caso da Noruega (de pelo menos dez semanas), para que o pai possa dar um suporte neste delicado período. Acredito que muitas atitudes desesperadas e casos de abandono de recém-nascidos seriam amenizados se todas as mães tivessem um apoio adequado, tanto financeiro quanto psicológico.

Sabemos que, aqui no Brasil estamos bem distantes disso, culturalmente, em especial, entretanto já é uma grande conquista a ampliação facultativa da licença maternidade de quatro para seis meses. A seguir, será abordado sobre a influência da família no complexo processo de desenvolvimento humano e a importância da afetividade dos pais e da maternagem “suficientemente boa”, termo utilizado por Winnicott (1988), na formação emocional da criança.

3.2 O PAPEL DA FAMÍLIA


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Como visto no primeiro capítulo, com a inserção da mulher, no mercado de trabalho, tornou-se comum pelo menos no mundo Ocidental o cuidado das crianças ser feito por terceiros, prática chamada por Reichert (2008) de educação terceirizada.

Assim, diariamente, bebês e crianças, deixam suas camas quentinhas, bem cedo da manhã, entram no transporte escolar rumo às instituições de educação infantil, onde chegam aproximadamente às 6h e permanecem por lá em torno de 812h. Acredito que para qualquer indíviduo, ficar doze horas no mesmo ambiente, seja trabalho ou escola, é muito desgastante. Saindo, por volta das 18h e após enfrentar entediante trânsito congestionado, muitas vezes, ao chegar em seus “lares”, precisam lidar com pais estressados que não sabem lidar com as suas frustações, descarregando-as nos filhos. Parece exagerado este exemplo, mas infelizmente essa é a realidade diária de milhares de crianças.

O livro Infância A Idade Sagrada, escrito pela terapeuta e educadora Evânia Reichert (2008), traz um alerta sobre a importância da afetividade durante a infância inicial, e esta nem sempre está presente nas instituições, seja pela grande rotatividade ou pela ausência de afeto dos cuidadores. E reforça sobre a indispensável presença da mãe para o bom desenvolvimento emocional do recémnascido.

Às vezes, penso que, este recurso de deixar os pequenos, com poucos meses ou dias de vida, com pessoas estranhas nas instituições de educação infantil, poderia ser comparada, com aquelas mães francesas do período medieval, que não podiam

descuidar-se

da

vida

social

e

para

estarem,

descansadas

e

apresentavelmente bem diante do marido e da sociedade, deixavam seus filhos com amas de leite. Heywood (2004) revela que havia uma indiferença em relação à infância, devido às altas taxas de mortalidade infantil da época, resultando em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Em especial, os bebês abaixo de dois anos, sofriam absurdo descaso, por exemplo, deixando-os durante horas em suas próprias fezes e urina, além do abandono em grande escala. Uma vez que os pais não costumavam investir muito tempo e energia em um ser com tanta


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probabilidade de morrer. Outro recurso eram as amas-de-leite, que eram contratadas para “cuidar” dos bebês, porém isso nem sempre era bem feito.

Já na sociedade atual, a prioridade, é a vida profissional, a carreira, o consumismo, o individualismo egoísta, e, evidentemente, a necessidade. Afinal, para sobrevivermos na sociedade de consumo, precisamos de dinheiro, resultante do trabalho. Em uma aula neste curso de especialização, falávamos sobre a quantidade de tempo da licença maternidade na Suécia e surgiu o comentário no grupo: “imagina, dois anos fora do mercado de trabalho, nem consegue retomar a vida profissional, depois disso.” Logo pensei que este país é o que mais investe em lazer e qualidade de vida da população e não é a toa que têm uns dos melhores IDH do mundo, como foi analisado no segundo capítulo deste texto.

É comum ouvirmos pais afirmarem: “ele (bebê) já acostumou, aliás precisa acostumar com a correria, esse é o nosso ritmo e a vida é assim mesmo”, mães que dizem “ah, na escolinha é muito bom, tem nutricionista, eu não preciso perder tempo me envolvendo com almoço” ou “eu que não vou deixar da minha academia para ficar em casa cuidando de filho, ele já toma banho e janta na escolinha, eu só busco e coloco na cama”. Há relatos que nem a fralda se dão o trabalho de trocar, a criança chega, na escolinha, com a mesma na manhã seguinte. Outro dia, conheci um menino, que sabia que os domingos, não era dia de tomar banho, pois era o único dia que a empregada doméstica não frequentava a sua casa. Ainda temos exemplos de pais que para ocupar o “tempo ocioso” dos filhos, colocam-os em diversos cursos, enchendo-os de atividades, como no exemplo abaixo, publicado num artigo do jornal do DCE/Unisinos:

Como ser velho aos 22 anos. Pedrinho tinha cinco anos, fazia natação, inglês e aulas de computação tudo programado previamente por seus zelosos pais, que acreditavam assim, estarem preparando melhor seu filho para o mercado de trabalho. Brincar, quando desse. Pedro está com 22 anos, se sente velho, cansado e sem desejos na vida. Como? – perguntam os zelosos pais – pois sempre disseram o que seria melhor para ele. Nossa sociedade nos diz que precisamos ter para ser. Quanto mais qualificações tivermos mesmo sem aprofundarmos nenhuma, melhor sucedidos e felizes seremos. Isso nos torna vazios, sem capacidade de desejarmos por nós mesmos e, quando nos damos conta, somos algo


34 produzido por outras pessoas. Quem sabe estamos esquecendo do que gostamos [...]. Talvez, se resgatarmos isso, possamos nos sentir jovens aos 70,80,90... (KARAM, 2003)

Reichert entende que parece essencial repensarmos sobre o modo de vida da atual sociedade, um verdadeiro simulacro (usando as palavras de Jean Baudrillard em Simulacros e Simulação). “Este mundo simulado nos desconecta da transformação pessoal que ocorre ao nos tornarmos mães, pais ou, então, apenas cidadãos comprometidos com o aspecto psicoafetivo de seu grupo social e das próximas gerações.” (2008, p.76)

Izquierdo (2003) ao afirmar que uma das principais características da sociedade de hoje é a correria das pessoas, questiona a velocidade com que nos são apresentadas as informações, como se tivéssemos que responder a tudo com a mesma urgência, parecendo não haver prioridades, ou seja, tudo é “para ontem”. Já na obra Tempo de Viver, este médico dedicado ao estudo das Neurociências, chama a sociedade atual de “sociedade anestésica”, pois “nos fazem acreditar em valores que, na realidade, não existem” (2002, p.19), onde ter é mais importante do que ser e o “o objetivo dos que dominam essa sociedade é o domínio absoluto. Querem que, correndo e obedecendo a normas inúteis ou impossíveis, não paremos para pensar em como modificá-la.” (2002, p.28) Esclarece, ainda, que:

A palavra anestesia quer dizer, etimologicamente, falta de sentidos, falta de sensações, de percepções. Os donos dessa sociedade não nos deixam ver o mundo tal qual realmente é, nem nos dão tempo para pensar a respeito, para descobrir se é isso o que queremos [...]. Seu método de domínio consiste em nos fazer acreditar que devemos correr, correr e correr. Que não há tempo para nada. [...] Quanto menos pensarmos melhor. (IZQUIERDO, 2002, p.30)

De Masi descreve uma metáfora que considero muito apropriada, porque nos permite refletir sobre esse ritmo frenético dessa sociedade, que é imposto nas crianças desde cedo, um ritmo que não é delas, aliás, entendo que não é de ninguém, nem crianças, nem adultos, não é humanamente saudável.


35 Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão ou será morta. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais do que a gazela ou morrerá de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela: é melhor que comece a correr. (2000, p. 31)

Conforme Reichert (2008), há pouco mais de um século, a subjetividade humana ganhou o campo da psicologia e passou a revelar dados essenciais sobre a criança e sua relação com pais e educadores. Entretanto, destaca a autora, a perda da sabedoria materna e paterna – que sabe com suas entranhas como agir e reagir com seus filhos – é a marca deste tempo em que a culpa e a insegurança acompanham os pais em suas ações ou em suas omissões, em função dos inúmeros afazeres, somados aos dias estressantes e de pouco convívio com os filhos. Esse último, sendo muito utilizado como desculpa, para pais agirem de forma permissiva e deixando a função de educar com a escola.

Um dos grandes impasses na vida de homens e mulheres, na atualidade, é o fato de muitos deixarem de se apoderar da sua condição de pais e assim não conseguem mais sentir e nem saber como conduzir a educação dos filhos. Augusto Cury, psiquiatra, pesquisador do funcionamento da mente humana e construção da inteligência, também demonstra sua preocupação, no que diz respeito ao relacionamento entre pais e filhos, afirmando sobre a importância do diálogo na família, dos pais separarem um tempo semanal para conversar sobre diferentes assuntos, estimulando os filhos a desenvolverem o hábito de questionar, elaborar perguntas, reforçando os laços familiares:

A qualidade das experiências que tivemos na infância determina as características que teremos quando adultos, tais como descontração, segurança, sensibilidade, ansiedade. Podemos não ter consciência de nossas misérias do passado, mas elas infectam o nosso presente. Também podemos não ter consciência dos prazeres que tivemos, mas eles irrigam nossa capacidade de pensar. Se tivemos uma infância regada com alegria, brincadeiras, criatividade e com alto grau de socialização, certamente temos grandes possibilidades de ter uma personalidade tranqüila, que contempla o belo e que aprecia o convívio social. Se, ao contrário, tivemos uma infância saturada com experiências punitivas, sem afetividade, desprovida de apoio, carente de elogios e restrita de amigos, então, temos grandes possibilidades de ter uma personalidade rígida, pouco sociável, insatisfeita, com baixa auto-estima e com humor basal triste. (CURY, 2007, p. 136)


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Sempre é válido salientar, a importância dos pais, no envolvimento em todos os aspectos, em relação aos seus filhos, de estar e brincar juntos, de investir tempo no lazer em família, da parceria de confeccionar brinquedos juntos, das refeições em família, enfim, de se relacionar, hábitos que, infelizmente, estão tornando-se pouco comuns na sociedade atual e como acrescenta Reichert “a criação de filhos necessita passar por uma revisão profunda, em especial, no modo como se estabelecem os vínculos psicoafetivos entre adultos e crianças durante a infância inicial.” (2008, p.24)

Nunca tivemos tanto conteúdo sobre desenvolvimento infantil como agora, entretanto, tais conhecimentos necessitam sair no universo acadêmico e fazer parte da vida das pessoas nas mais diferentes classes sociais. Trata-se, portanto, de mais um desafio para este início de século.

3.3 O PAPEL DA ESCOLA

No início deste ano de 2010 li uma charge do Calvin em que ele, na sala de aula, questionado pela professora se havia alguma dúvida, respondeu, perguntando qual é o sentido da vida. A professora (provavelmente surpresa e, não raro, despreparada para o inusitado) de imediato responde: “- Eu me referia à alguma dúvida em relação ao conteúdo visto na aula de hoje.” E Calvin, visivelmente desapontado revela que achava que primeiramente aprenderiam sobre esta questão e todo o restante ficaria para depois. Esta ilustração convida-nos a refletir sobre a definição de prioridades na educação. Sobre o que realmente é importante e o que desperta o interesse dos alunos.

Para De Masi (2000), o século XX, foi o século do trabalho e, desta forma, a vida das pessoas foi construída em torno disso. O homem trabalhador representou um ideal, fora disso era considerado preguiçoso e era mal visto na sociedade. Assim, fomos desde a infância educados para o trabalho. A educação, impregnada pela cultura do trabalho, dedica seu conteúdo na preparação para o mesmo. Seguindo neste ritmo, instituições de educação infantil reduzem o tempo de pátio e


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de brincadeiras e acrescentam aulas de computação, idiomas estrangeiros, entre outras atividades que preparam para o vestibular e conseqüentemente, para o trabalho. Entretanto, sabe-se que a educação necessita ir além.

Segundo Santin (1999), há três áreas fundamentais neste milênio. Aponta, a informática, pois segundo ele, somente quem domina a tecnologia da informação conseguirá manter-se à frente dos avanços científicos. A ecologia, afinal o homem necessita compreender a natureza e respeitá-la, para o bem do planeta. E a Educação Física, afirmando que quem não souber viver sua realidade corporal, que é a natureza e a ecologia em cada ser humano, terá dificuldades de usufruir um alto nível de qualidade de vida.

Para este autor, a educação, em sua essência, deve evidenciar a importância do aperfeiçoamento da condição humana, assumida na totalidade de sua existência, implicando na obtenção de conhecimentos e valores que orientem o viver individual e coletivo, buscando convencer que o importante é saber viver e saber viver coloca em primeiro lugar o respeito à vida.

O respeito à vida cabe não somente aos seres humanos, mas também a todo ecossistema. Portanto, faz-se necessário provocar uma reflexão profunda sobre a responsabilidade das mais diferentes áreas, de aperfeiçoar a condição humana, especialmente,

no

momento

em

que

se

fala

de

multi-pluri-inter-

transdisciplinariedade, chamado pelo pensador francês Edgar Morin de Era da Complexidade. (MOREIRA; SIMÕES, 2002).

A educação deve ter como referencial primeiro a vida e, desta forma, seu desafio pedagógico é descobrir como a vida pode ser vivida com dignidade, equilíbrio e prazer.

Trata-se da educação mais importante, prioritária e única indispensável à vida humana, é a sabedoria de viver ou a ciência da vida humana. Aprender a saber viver é o que se deveria fazer ao longo da vida. Posso não saber matemática, química ou física; história, economia ou psicologia e continuo vivendo, se não aprender a viver, não saberei viver a vida [...]. Poderei usá-la, explorá-la, mas jamais cultivá-la, isto é vivê-la. (SANTIN, 1999 p.20)


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Como canta a banda brasileira Titãs: “É preciso ter cuidado, para mais tarde não sofrer. É preciso saber viver, é preciso saber viver... saber viver... saber viver...”

Para Cury (2007), educar não é apenas informar, e sim, formar pensadores. Na opinião deste autor as crianças são bombardeadas de informações, no entanto, perdem sua melhor oportunidade de desenvolver as funções mais profundas da inteligência, como a capacidade de pensar e refletir sobre si mesmas; a capacidade de analisar seus comportamentos, perceber suas conseqüências; a capacidade de se colocar no lugar do outro; a capacidade de se autocriticar, reconhecer seus limites e dar respostas maduras para as suas frustrações, em função da carência de interiorização educacional.

O austríaco Wilhelm Reich desenvolveu projetos voltados a educar o educador que tinha início com gestantes conscientizando pais e educadores sobre a delicadeza do período inicial da existência humana. Reconhecido como o pai das psicoterapias corporais, Reich entendia que o ser humano nasce emocionalmente saudável, com suas potencialidades latentes para posterior desenvolvimento. Contudo, com a convivência familiar e social sofre ação neurótica já na fase inicial de sua existência, interferindo sobre a estrutura em formação, constituindo assim as estruturas de caráter e os modos defensivos e programados de pensar, sentir e agir. Na abordagem reichiana a neurose é uma doença de massa, produzida pelo contexto social, que, além de tratada deve ser prevenida. (Reichert, 2008)

Claudio Naranjo, seguidor de Reich, coordena um projeto voltado ao professorado, propondo uma conscientização do educador. Também Negrini (1998), desenvolve uma proposta de terapias corporais, voltado aos profissionais que trabalham com educação infantil. Este autor entende, que nossa maneira de ser e estar no mundo está impregnada das experiências da nossa educação primária, e que isso possivelmente refletirá na prática pedagógica. Por exemplo, aqueles professores que tem chiliques ao ver um aluno derrubar no chão sobras do lápis recém apontado, ou que não conseguem colocar as mãos em argila, pois sentem nojo, ou não trabalham com tinta ou recortes porque “dá muita bagunça e sujeira”,


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possivelmente, vivenciaram no passado experiências negativas com um adulto com alto nível de neurose por limpeza, por exemplo. Atitudes neuróticas como estas, e tantos outros exemplos, são facilmente identificadas no cotidiano das instituições de educação. Por isso a importância do trabalho de tratamento e prevenção da neurose incluídos nos cursos de licenciatura, magistério e todos os que pretendem trabalhar com educação, em especial, a educação infantil.

Ainda sobre formação de professores, acredito também, que os currículos dos cursos de licenciatura, além da ciências com suas teorias, deveriam ser enriquecidos com disciplinas relacionadas às artes, a música, dança, poesia, literatura, enfim, quem escolher trabalhar com educação, principalmente educação infantil, que é o que se está falando aqui, necessita dominar, ou ao menos ter algum conhecimento nessas áreas. Afinal, como é possível ensinar algo que nunca foi vivenciado ou se teve contato?

Enfatizo essas áreas de conhecimento, pois elas despertam a imaginação e a criatividade da criança, indispensáveis nessa fase da vida. A carência de trabalhar a imaginação é que tem levado muitos adultos vivenciarem isso tardiamente. Pode-se citar o exemplo do sucesso entre muitos adultos da “second life” (segunda vida). Há relatos de muitas pessoas, estudantes, universitários e profissionais de diferentes áreas, que se sentem mais livres e felizes na sua vida inventada. Esses aficionados por seus avatares passam horas, muitas vezes, mais tempo em sua vida virtual. Se é virtual, não é real, entretanto, se esquecem disso. Recentemente, foi noticiado no mundo inteiro, o caso de um casal que passava tantas horas conectados, em frente ao computador, que esqueceram de cuidar do seu bebê e o mesmo veio a falecer, em função da falta de cuidados e negligência dos pais.

Esse é o cúmulo da falta de compromisso, aliás, parece que nada mais tem grande significado na vida das pessoas, os relacionamentos, os objetos, os eletrônicos, tudo é temporário, é passageiro e descartável. Sobre relacionamentos, cada vez mais superficiais, ouve-se com freqüência “se não der certo a gente vê depois”, o “ficar” ao invés do namoro, perdeu espaço para o “peguete” entre os jovens. “Peguete” é um relacionamento onde se fica com uma pessoa, mas está livre para ficar com outra daqui um pouco, na tarde ou dia seguinte. Diferentemente


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do “ficar” que é quando se permanece com o mesmo parceiro por um tempo mais prolongado: uma semana, um mês e não fica com mais ninguém. Essa banalização de tudo, que dos objetos passou para os relacionamentos e para o cotidiano necessita uma reflexão maior que não é objetivo deste estudo. Entretanto, identifico essa superficialidade no cotidiano da educação infantil.

Nos desenhos animados que estão cada vez mais curtos; não há grandes investimentos de conteúdo nas programações, também parece não se ter mais paciência para algo mais consistente. Nas instituições de ensino infantil, as rotinas são breves, os projetos são, geralmente, tão rápidos quanto o personagem “The Flash” e se investe pouco tempo em cada atividade. Geralmente em torno de meia hora ou até quinze minutos. Será que uma criança consegue experimentar, vivenciar, brincar, imaginar ou criar alguma coisa em quinze minutos? Ninguém consegue, e sinceramente não entendo porque pensam que com as crianças têm que ser assim. Quando elas estão no ápice da interação com a atividade, ouve-se três palmas da professora dizendo: acabou o tempo, guardem o desenho que agora tem aula de música (mas porque não dá para continuar desenhando enquanto ouve a música, ou canta?), ou então, vamos guardar a tinta ou argila, lavar as mãos que agora tem inglês. Por que não pode ser junto? Por que não aprender inglês enquanto manuseia a argila? Por que fragmentam as coisas dessa forma como se o processo de conhecimento fosse em gavetinhas? “Agora vamos fechar a gaveta da capoeira para abrir a gavetinha da matemática.” Sem falar no tempo para brincar, cada vez menor, quando há, para atividades lúdicas. A afirmação de Henry Ford nunca foi tão levada à sério como agora: “Quando trabalhamos, devemos trabalhar. Quando brincamos, devemos brincar. De nada adianta tentar misturar as duas coisas. [...] Quando o trabalho acaba, então pode vir a diversão, mas não antes.” (FORD apud DE MASI, 2000, p. 124).

Infelizmente, muitas instituições privadas, se deixam persuadir por muitos pais que não querem que os filhos brinquem na escolinha, justificando que ali é lugar para aprender, que brincar pode ser em casa. Entendo que este também é papel da escola, de informar a família que, muitas vezes, desconhece as teorias dos


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estudiosos do desenvolvimento humano. Também não deve se constranger diante de pais que, porque tem um bom poder aquisitivo, fazem cara feia ou falam grosseiramente, acham que podem ditar o que deve ou não ser feito. A participação da família e da comunidade é, certamente, importante na construção de um espaço democrático com um projeto pedagógico construído coletivamente. Já quanto às atividades lúdicas, a escola precisa saber e informar sobre a importância do brincar como

elemento

pedagógico

e

o

quanto

é

indispensável para

o

pleno

desenvolvimento da criança.

Gostaria de esclarecer que todas as observações e/ou críticas colocadas neste trabalho, não são feitas às pessoas, mas sim ao sistema que tenta modelar desde a mais tenra infância e quando nos damos conta somos algo totalmente moldados. Toda nossa forma de ser, pensar e agir, vestir vai sendo, aos poucos, manipulada por um sistema que pretende permanecer assim, pois desta forma continua no domínio quem está.

O italiano Gianni Rodari (1982) afirma que os setores mais poderosos da sociedade não têm nenhuma intenção de privilegiar a imaginação e a criatividade, uma vez que as pessoas aprenderiam a pensar, tornando-se isso uma ameaça a ordem social estabelecida e vantajosa para estes. Esse autor entende que o pensamento criativo seria a arma mais eficaz de transformação do mundo: “Para mudá-la [a sociedade] são necessários homens criativos que saibam usar a sua imaginação. ...desenvolvamos... a criatividade de todos para mudar o mundo.” (Rodari, 1982, p.10)

O filósofo pernambucano Leôncio Bausbaum (1977) afirma que o ser humano nasce livre, entretanto pelo sistema se aliena, e esta “alienação do ponto de vista econômico social, é a perda da consciência de si... sua vontade é esmagada pela consciência de outro... perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão...” (1977, p.18) Este autor conta-nos, ainda, a estória de um comercial de TV, referente à propaganda dos produtos de um determinado frigorífico que consistia em um desenho animado em que um porquinho, pulando corda, dizia a um boi: preciso ficar forte e sadio; vou ser salsicha. E o boi respondia: Eu também, ora!


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Assim, se esse porco fosse um ser humano teríamos um exemplo típico de alienação absoluta: prepara-se para ser comido e, pelo que se via no desenho, com muita satisfação, pois havia sido criado, alimentado, engordado, para o fim específico de ser abatido, frito, assado e comido como cachorro quente ou qualquer outra forma de culinária.

Com esta metáfora do comercial, é possível comparar com muitas pessoas que se deixam engordar para serem “devoradas”. Conforme Bausbaum pode-se ousar dizer que, no mundo de hoje, podemos encontrar pessoas de dois tipos: as que já são ou que serão salsichas e, as que comem as salsichas. Afirma, inclusive, que existe uma categoria intermediária entre as duas citadas acima: “a dos pais, professores, intelectuais, sacerdotes, políticos, que preparam as salsichas para aqueles que as comem.” (1977, p.39) A estes cabe o papel de ensinar que assim é o certo, honrado e muito justo.

O italiano Domenico De Masi (2000) elucida que, atualmente, a maioria das pessoas investe todas as energias na carreira, passando grande parte do dia no local de trabalho e, durante finais de semana e feriados, sentem-se culpados e têm dor de cabeça se não levam para fazer em casa qualquer tarefa que preserve o mesmo clima de tensão dos dias normais, inclusive perdem o prazer pelo divertimento e pela vida em família.

A falsa afirmação de que o mundo é assim mesmo e que assim deve ser, faz com que as pessoas se sintam obrigadas a reproduzi-lo, pois sua subsistência depende disso. Somos, desde a infância, modelados para acreditar que as coisas são assim, que esse é o sistema; que devemos aceitá-lo e reproduzi-lo sem questionamento, precisamos nos acostumar e, para tanto, devemos entrar no ritmo o mais cedo possível.

Faz-se necessário um profundo repensar sobre o processo educacional, em crise, há algum tempo. Os alunos precisam ser preparados para a vida e não para o mero acúmulo de informações. Como escreve Redin: “Talvez deva ser a escola o espaço privilegiado para a elaboração de existência humana, hoje, mais do que nunca dramática.” e, acrescenta:


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Não temos claro, mas o que sabemos é que onde ela [escola] está e para onde está indo não se sustenta mais. A existência humana e os processos que garantem sua sobrevivência estão radicalmente mudados: vivemos possivelmente uma nova era – em alguns aspectos melhor; em outros, pior que a anterior que vemos se esvair. Novos tempos exigem novos paradigmas que serão construídos na refrega do cotidiano no qual lutamos para sobreviver. (REDIN, 2003, p. 83)

Também é insustentável a carga horária que muitos professores precisam se submeter, em função dos baixos salários, para sobreviverem com o mínimo de dignidade. Mais uma vez Redin incentiva:

Junto com a nossa luta pela melhoria da qualidade de vida de todo o povo brasileiro, se insere a luta pela melhoria na qualidade de vida dos educadores e das suas condições de trabalho e a luta pela transformação do espaço e do tempo de escola em espaço e tempo de alegria, de prazer e de bem-querer. (REDIN, 2003, p.52)

Para tanto, teremos que seguir o já conhecido e libertador conselho, do nosso saudoso educador Paulo Freire (1987), de remar contra a correnteza, possibilitando, desta forma, as utopias possíveis.


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CONCLUSÃO

Vocês viram a minha infância por aí? Estou procurando pelo mundo de onde venho Porque eu tenho procurado No "achados e perdidos" do meu coração Ninguém me entende Eles vêem isso como estranhas excentricidades Porque eu continuo brincando como uma criança Mas me perdoem As pessoas dizem que eu não estou passando bem Por eu amar coisas tão simples Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci Você tem visto minha infância? Procuro pela beleza da fantasia em minha juventude Como histórias de piratas e sonhos de aventureiros De conquistas e reis nos seus tronos As pessoas dizem que eu sou estranho assim Por eu amar coisas tão simples Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci Antes de me julgar Tente me amar A juventude dolorosa que eu tive Olhe dentro do seu coração, e então, responda: Você tem visto minha infância?

(MICHAEL JACKSON)


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Acredito que esta pergunta feita por este grande astro da música pop é a pergunta que deveríamos fazer as nós mesmos: Estamos nós vendo e atentos à infância? Ou ela tem passado despercebida? Estamos proporcionando qualidade de vida e bem-estar às nossas crianças?

Refletir sobre a infância, as crianças no mundo inteiro, em todos os continentes: nas grandes metrópoles, nas áreas rurais, as indígenas, as ciganas e de povos nômades, as que possuem recursos materiais, mas precisam lidar com a ausência dos pais, em função do excesso de trabalho para manter determinado padrão de vida, as crianças de situação econômica desfavorável, que tem que cuidar dos irmãos menores para os pais trabalhar, as pedintes no semáforo e vítimas do trabalho infantil, de exploração sexual, as que sofrem todo tipo de abuso: violência física, sexual ou psicológica; vítimas de maus-tratos ou abandono; as que vivem nas ruas, as de orfanato e casas de passagem que sonham com uma família; filhos(as) de usuários de drogas; as crianças viciadas em drogas e entorpecentes, as inúmeras crianças dos morros ou de periferia iniciadas no crime, algumas já manejando armas, utilizadas como “aviãozinho” pelos traficantes, as meninas afegãs e dos países que praticam a circunscisão feminina, as órfãs vítimas de guerras, de pais aidéticos, as vítimas da opressão do rendimento no esporte ou outras competições por vaidade dos pais, àquelas que são diariamente arrancadas da cama antes de clarear o dia e passam doze horas ou mais nas escolinhas ou com alguma “cuidadora”,

as crianças sobrecarregadas, estressadas ou até

deprimidas; e muitas outras que gostaria de mencionar... Essas e várias outras situações foram determinantes na escolha do tema desta monografia.

Ao questionar a qualidade de vida e bem-estar social das crianças na atualidade, nota-se, após algumas leituras e observações, que em alguns aspectos têm melhorado como a expectativa de vida ao nascer; a taxas de mortalidade e desnutrição infantil vêm reduzindo, aumento do nível de escolaridade , acesso à saneamento básico, acesso à informação e as novas tecnologias, tudo isso têm contribuído na melhoria da qualidade de vida das crianças. Por outro lado, com os índices de violência, de divórcio, aumento do número de pessoas que vivem


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sozinhas,

observa-se

um

aumento

na

dificuldade

de

convivência,

dos

relacionamentos interpessoais e intrapessoal, lotando consultórios de psicólogos e psiquiatras.

Percebe-se também que, infelizmente, a “absoluta prioridade” dos direitos da criança, parece não fazer parte na vida de muitas, como em exemplos já citados, com sofrimento iniciando-se cedo, alguns desde a fecundação, como é o caso de fetos vítimas de mães viciadas em drogas, inclui-se aqui, as drogas lícitas como álcool e cigarro. Ou vítimas de pais viciados em trabalho, cuja prioridade, é a vida profissional, a carreira, o dinheiro e o consumo.

As crianças, filhas de pais

ausentes, vítimas de uma rotina de correria e estresse típica do cotidiano pósmoderno, onde tempo é dinheiro, e, curiosamente, apesar da expectativa de vida ter aumentado e dos avanços tecnológicos facilitarem em muitos aspectos, a sensação é de cada vez ter menos tempo. Entretanto sabemos da indispensável presença dos pais e, principalmente da mãe nos primeiros anos de vida para o bom desenvolvimento emocional do ser humano.

Encontrei trabalhos muito interessantes sobre a educação infantil na Suécia, da pesquisadora Lenira Haddad e outro sobre creches e pré-escolas no Hemisfério Norte de Fúlvia Rosemberg e Maria Malta Campos (orgs), cujas obras estão referenciadas nas obras consultadas. Destaco também o exemplo de Reggio Emília, e da Escola da Ponte em Portugal, entre outros. Acredito que podemos aprender com modelos que têm dado certo, revelados em índices socioeconômicos que demonstram qualidade de vida e bem-estar social da população.

Necessitamos um profundo repensar sobre que indivíduos e que sociedade queremos. Compartilho meu desejo de viver em um mundo de igualdade de condições, um lugar onde a pobreza e a miséria perderam o lugar para a generosidade; onde o “ter” perdeu espaço para o “ser”; em uma sociedade saudável,

ecologicamente

sustentável,

com

pessoas

comprometidas

e

participativas, agentes transformadores. Para tanto, acredito que precisamos revolucionar nossas ações sociais rompendo com as barreiras do conformismo que dita: isso é assim mesmo e assim tem que continuar.


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Como Cury (2007) também entendo que a educação necessita passar por uma revolução. Não há mais como conviver com essa incapacidade de se interiorizar, de refletir sobre si mesmo, sobre seus medos, de como lidar com as frustrações e crescer com elas. Como que o crack virou uma epidemia? Porque tantos jovens têm recorrido às drogas? Ao fanatismo pelo futebol, por algum ídolo do cinema, da música ou dos esportes? As coleções doentias de todo tipo de objetos e quinquilharias e outras fugas e esquisitices? O que podemos fazer para melhorar, para acrescentar mais satisfação, alegria, bem-estar e qualidade de vida à população?

Certamente inicia com um nascimento humanizado e de qualidade, seguido de um ambiente adequado, com pais afetivos, com uma educação de qualidade num espaço educativo e acolhedor, com profissionais qualificados e bem remunerados, com uma participação mais ativa e uma cobrança maior de toda a sociedade no estabelecimento de prioridades nas políticas públicas e no investimento do dinheiro público, para um país e um mundo melhor, de paz e justiça social, consequentemente, com mais crianças felizes.


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