POESIA INFANTIL: as crianças pequenas e o texto poético - Ana Carla Assmann Morais

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Ana Carla Assmann Morais

POESIA INFANTIL: as crianças pequenas e o texto poético

São Leopoldo 2010


Ana Carla Assmann Morais

POESIA INFANTIL: as crianças pequenas e o texto poético

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização

apresentado

como

requisito parcial para a obtenção título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Orientador(a): Fronckowiak.

São Leopoldo 2010

Ângela

Cogo


Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada seria possível, pelo discernimento das ideias e da alma, e por toda saúde e paciência necessárias para qualquer empreendimento na vida. Aos meus pais Carlos e Ieda, pelo amor, dedicação, em todos os momentos desta e de outras caminhadas e a minha irmã que sempre me auxiliou. Ao meu marido Alexsandro pelo apoio e incentivo prestado durante todo o percurso.


AGRADECIMENTOS

À minha professora orientadora, Ângela Cogo Fronckowiak, que com sua forma de tratar seus alunos com carinho e respeito, me ajudou a construir essa conquista acadêmica, meu reconhecimento e admiração. À UNISINOS pelo auxílio concedido, fundamental para a concretização desta etapa. À todos que de alguma forma colaboraram para que este trabalho virasse realidade.


RESUMO O presente trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica, que busca analisar os recursos poéticos presentes na poesia infantil que despertam o interesse e a apreciação das crianças pequenas e dos bebês. Tomou-se, como base teórica, os estudiosos Gaston Bachelard, Maria da Glória Bordini, Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Lígia Morrone Averbuck, Maria Carmen Silveira Barbosa, Ângela Cogo Fronckowiak, Sandra Richter, entre outros que evidenciam a importância de as crianças terem contato com a poesia, um gênero literário rico, mas que se torna pobre, quando mal explorado. No decorrer do texto são apresentados os recursos poéticos presentes no gênero, que “aproximam” o jovem leitor do texto. Palavras-chave: crianças pequenas, poesia.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6 2 O QUE É POESIA ..................................................................................................... 8 3 POESIA INFANTIL X POESIA ADULTA ........................................................... 16 4 POESIA NA ESCOLA ............................................................................................. 23 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 28 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 30


6 1 INTRODUÇÃO Desde a década de 70, a literatura infantil tem sido objeto de reflexão de pesquisadores, embora no início, não tenha sido considerada enquanto expressão literária, talvez por ter como público receptor - a criança, julgado menos apto à compreensão literária devido à sua menoridade. No que se refere especificamente à poesia, as investigações são mais raras, se comparadas a outros gêneros. Seja em revistas ou em livros, há escassez de textos que tenham o gênero como foco principal de estudo. Quando dele tratam, enfocam questões referentes à história da poesia ou diferentes possibilidades de trabalhá-la no ambiente escolar. O conteúdo em si, não é discutido, aspecto que, por sinal, possui maior importância. A fim de explorar o aspecto literário nas obras infantis, principalmente, nas obras “indicadas” às crianças pequenas e aos bebês, pensou-se neste estudo, que teve como substrato teórico a apreciação em alguns estudiosos, como, Gaston Bachelard, Maria da Glória Bordini, Regina Zilberman, Nelly Novaes Coelho, entre outros que contribuiram para o desenvolvimento deste texto. A pesquisa restringe-se à poesia infantil, mais especificamente, aquela destinada às crianças pequenas, e que pode ser direcionada aos bebês, que contribuem com diversas formas de se comunicar, antes mesmo da linguagem verbal, já conseguem se expressar, através dos movimentos. E a poesia por tratar-se de um gênero bastante apreciado por eles e pouco explorado na escola de Educação Infantil, instiga a criança pequena, e também o bebê, devido ao aspecto lúdico do texto, o jogo com a palavra, que resulta na interação do pequeno leitor com a obra literária. O estudo é composto por três capítulos teóricos. O primeiro trata da poesia em si, e de suas especificidades. O segundo apresenta e discute o que na poesia é atrativo para o público em questão, que ainda não alfabetizado, sente prazer através da escuta do texto poético. O terceiro traz a discussão do gênero, que é pouco explorado no ambiente escolar. O livro de poesia infantil, devido à natureza do gênero, possui muitas especificidades a serem analisadas, como a linguagem que implica em ampla significação de sobreposição de sentidos, as ilustrações, que auxiliam o entendimento do texto, através do recurso que vai muito além do emancipatório, ou seja, amplia o universo simbólico da relação com o livro, mais do que uma representação da palavra


7 no texto, além dos códigos, que são os arranjos e improvisos, associados ao conteúdo da poesia que requer uma “leitura” mais profunda do receptor, possibilitando ao leitor ainda não alfabetizado, a compreensão do conteúdo do texto. Os bebês por dependerem totalmente dos adultos, porque ainda não se deslocam com autonomia, e também não se comunicam através da linguagem verbal, tornam-se ainda mais suscetíveis ao mundo que os cerca. Uma das razões para que o ambiente escolar, creches, ou escolas de educação infantil sirva de base ao ser que está em plena formação e desenvolvimento, sendo assim, a poesia uma aliada no desenvolvimento da criatividade humana.


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2 O QUE É A POESIA

A poesia, assim como os demais gêneros textuais, pode ter vários significados; pode agradar, ou, ao contrário, afastar o leitor do texto. Geralmente é assim: a poesia pode ser amada, ou detestada. E com a criança pode acontecer o mesmo, o pouco contato com esse gênero textual pode resultar na não compreensão e afastamento do pequeno leitor do texto; se o contato em casa, ou no ambiente escolar, for emancipatório, com intuito de explorar o literário, ao final é possível até mesmo detectar pequenos poetas, pois aprenderão a gostar do gênero. Mas, isso dependerá da forma como será discutido. O contato do bebê com o texto literário pode vir muito antes da escola, pois o bebê a partir da 20ª semana de gestação, na barriga da mãe, já faz distinção de sons e pode perfeitamente, escutar sua mãe cantando uma canção, contando uma história, ou uma poesia. A infância em si propõe um ambiente para o enredo poético, diferente da vida adulta, que já não vive a fantasia. Maria da Glória Bordini, na obra Poesia infantil (1986), afirma que a “poesia é brinquedo de criança, e que além do jogo ela deseja também a verdade” (BORDINI, 1986, p.5-8). Após a afirmação Bordini apresenta a preocupação quanto às insatisfações da criança quando os poemas não são realizados artisticamente. Aqui se faz referência àqueles textos que buscam “pregar” a moral na criança, ensinando-lhes boas maneiras, bons hábitos, aproveitando-se da poesia para isso. Porém, a criança não é boba, ela não se deixa enganar pelo texto, e se afasta dele, porque que àquilo não lhe dá prazer. Na poesia infantil, o processo de distanciamento e indicação provoca o eclodir da atitude ficcional, levando a criança a se perceber como sujeito diferente do tu ouvinte, interior ao texto, bem como a captar a impessoalidade do eu que nele fala, afastando-se da tendência de assimilá-lo ao escritor. (BORDINI, 1986, p.33)

Massaud Moisés, em A criação poética (1977), define poesia como “expressão do ‘eu’ por meio de metáforas” (MOISÉS, 1977, p.114); já a teoria aristotélica do fenômeno poético apresenta a poesia como mimese, imitação, que conduz a inevitáveis identificações. Mais tarde seria assimilada pelos termos imaginação ou fantasia.


9 (MOISÉS, 1977, p.17). “O ‘eu’ poético define-se como um ‘eu’ que se auto-expressa para se conhecer e para se comunicar ao leitor.” (MOISÉS, 1977, p.58) Bordini (1986) trata do despautério quanto à produção ficcional infantil, as fórmulas verbais com diminutivos, adjetivações profusas e construções canhestras; a apresentação desavergonhada de absolutos duvidosos e irretorquíveis sobre o real, juntamente com a vontade de ensinar e moralizar através da literatura acabam por destruir a obra literária que, ao invés de proporcionar o prazer, afasta o pequeno leitor da obra poética. A autora afirma que é como se a obra tivesse o dever de “substituir os manuais de ensino e a ação educadora dos pais e professores”. (BORDINI, 1986, p.7) No momento em que a obra passa a ter caráter moralizante ou pedagogizante, perde o brilho de obra literária, perde a fantasia, a imaginação. A autora apresenta a poesia sob três caminhos diferentes. No início como gênero para os pequenos, através da apropriação de criações folclóricas de origem camponesa, depois como estilo poético vigente sobre o dever-ser infantil, e por último, a adaptação, através de cortes, de poemas clássicos, como Os Lusíadas, no Brasil, I-Juca Pirama. Passadas já algumas décadas, temos uma visão e uma produção de poesia diferente da apresentada por Bordini. São raras as obras que ainda trazem o aspecto moral, a intenção de mudar no leitor hábitos e maneiras. Até porque, como já discutido, esses aspectos causam “estranheza” às crianças. A poesia para crianças, geralmente apresenta a rima infantil, que de geração em geração, por intermédio das amas das famílias da alta burguesia, e também no convívio de uma criança com outras, teve seu surgimento em décadas passadas e que vem se disseminando até os dias atuais. O que vivenciamos difere-se dos tempos passados, são poucos os escritores que, ainda vestidos de pedagogos desejam ensinar condutas dentro do texto poético e, os pedagogos que se apropriam da poesia culta, com a finalidade de transmiti-la a seus tutelados de maneira mais conveniente, escrevendo textos insuportáveis ou, moralmente convenientes, assim como, a poesia Griselda, tipo de texto quase que não mais visto cujo contexto, não faz mais parte do repertório poético explorado com as crianças, que indica um bom partido, um cavalheiro, como que, só os homens que seguem a estes padrões, são os indicados para o casamento. Explorar um texto como “Griselda” em sala de aula nos dias de hoje é provocar estranhamento nas crianças, e também nos pais, num cotidiano onde a pedofilia está entre os assuntos mais discutidos na mídia. Vivenciar a poesia “Griselda” no ambiente escolar é boicotar o gênero poético, é causar o desprazer do leitor com o texto.


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Griselda Há em Paris muito cavalheiro e o belo sexo prazenteiro o que mais quer é agradar; vê-se, Mademoiselle, em todo o lado tanto exemplo acabado de vícios que esta história quer contrariar que é sempre bom para o vício evitar, ou para, se já existe, o ver sarado, contraveneno bom tomar. (apud BORDINI, 1986, p.10)

A vocação pedagogizante, muito utilizada em décadas anterior a de 70, inseparável da poesia infantil, como nos versos tanto exemplo acabado, ou ainda, de vícios que esta história quer contrariar, vai, sobretudo abrir mão do folclore, deixando de lado a espontaneidade do texto poético. A oferta de bons textos poéticos nas últimas décadas é outra, os autores não estão preocupados no “conteúdo” que deve ser discutido no texto com as crianças, e sim, se àquilo que estão apreciando, escutando, ou manuseando irá lhes proporcionar prazer-satisfação. Bordini ressalta que é preciso o poeta esquecer-se do seu alvo para obter o efeito poético, caso não tenha como intenção afetar o público confiante e incapaz de defender-se dos apelos morais.

O Pato O pato perto da porta o pato perto da pia o pato longe da pata o pato pia que pia O pato longe da porta o pato longe da pia o pato perto da pata é um apto que nem pia. (apud AGUIAR, 1995, p.40)

O prazer da estranheza na repetição do /p/ no poema O Pato de Elias José é a brincadeira da poesia, é esse jogo, também interativo, gratuito, simulador, que busca rearranjar o real dentro de um esquema mental, físico, às vezes corporal, fônico. E é isso que encontramos na maioria dos textos poéticos atuais, o arranjo poético, que desperta o interesse por parte das crianças, muito mais aos bebês, que ainda não alfabetizados “precisam” desses aspectos para que a poesia para eles, seja atrativa. Outra questão levantada pela autora é a de que a poesia diferencia-se dos outros usos artísticos de


11 linguagem, por possuir caráter de organicidade. Essa organicidade presente tanto na poesia infantil, quanto na adulta se dá através de diversas maneiras: distribuição espacial necessária das palavras no verso através do ritmo ou pelos sentidos do termo; escolha pela lei da economia artística; extensão do metro dos versos e do número de versos por estrofe; seqüenciação de versos e estrofes. Resumindo, conforme Bordini, o poema tem um começo, um ponto zero (meio) e o último que exige um paradeiro final. Vale discutir aqui, a afirmação de Maria Carmen Barbosa, que “para muitos bebês estar na creche é uma oportunidade de viver com adultos e crianças”, isso porque no ambiente escolar há possibilidades de serem vivenciadas diversas experiências cognitivas e relacionais, pois escola é onde os pequenos convivem no primeiro “ambiente de educação coletiva de um ser humano”. Por isso a necessidade de nós, profissionais da educação estarmos sempre alinhados, atualizados, para receber esses pequenos seres, que depositam toda a confiança em nós educadores. Na obra O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? (2005), organizada por Ieda de Oliveira, Leo Cunha apresenta um capítulo sobre Poesia e Humor para crianças. Ele aponta duas correntes principais, presentes no gênero poesia. A primeira corrente é aquela que, na maioria das vezes, é identificada como sinônimo de qualidade na poesia infantil. Como a poesia de Cecília Meireles, cheia de lirismo, delicadeza, expressividade, olhar reflexivo e filosófico sobre o ser humano, a natureza e as coisas do mundo. O Menino Azul O menino quer um burrinho para passear. Um burrinho manso, que não corra nem pule, mas que saiba conversar. O menino quer um burrinho que saiba dizer o nome dos rios, das montanhas, das flores, - de tudo o que aparecer. O menino quer um burrinho que saiba inventar histórias bonitas com pessoas e bichos e com barquinhos no mar. E os dois sairão pelo mundo que é como um jardim apenas mais largo e talvez mais comprido


12 e que não tenha fim. (Quem souber de um burrinho desses, pode escrever para Rua das Casas, Número das Portas, ao Menino Azul que não sabe ler.)” (MEIRELES, 2002, p.31-32)

Cunha chama esta categoria de autor de poeta poético, pois apresenta a obra que traz elementos na maioria atribuídos a poesia. O autor deixa claro que não tem nada contra essa linha poética, até mesmo se inclui neste grupo, o que quer dizer é que este tipo de obra já adquiriu selo de qualidade, já se consagrou. Mas o autor enfatiza a outra corrente, que no seu ponto de vista é menos valorizada do que deveria, é o contraste da primeira, mas não necessariamente o contrário, visto que alguns poetas transitam entre as duas. Esta segunda visão afasta-se da visão predominante sobre o que é um texto poético; “é uma poesia menos lírica, menos profunda”. (OLIVEIRA, 2005, p.80) No poema Convite é perceptível que não se trata de poesia lírica, muito menos profunda. Trata-se de um texto interativo, que conversa com o leitor a partir de coisas que fazem parte da sua realidade, como bola, pião, brincadeira. Convite Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião, de tanto brincar se gastam As palavras não: quanto mais se brinca com elas, mais novas ficam. Como a água do rio, que é água sempre nova. Como cada dia que é sempre um novo dia. Vamos brincar de poesia? (PAES, 1990, p.2)


13 A marca dessa segunda corrente é o uso freqüente e central da brincadeira, ou do humor, tendo esse último aspecto, diversas possibilidades de manifestar-se. Leo Cunha apresenta três formas em que o humor pode surgir, todas separadamente. Primeiro o humor no jogo de palavras aquele que se alimenta com bobagens, com brincadeiras, é a atividade natural que se faz com prazer e por prazer. No poema de Caparelli aparecem rimas acerca da palavra violino, dando movimento ao texto, que resulta em uma brincadeira com o som das palavras rimadas, assim como o movimento do corpo das crianças, em específico, o corpo dos bebês. Só os encontramos imóveis na hora de dormir. Afinando Violino Toco lino viofino toco vio fonolino vio toco linofino toco fino violino. (CAPARELLI, 1989, p.57)

O humor no jogo das idéias surge da brincadeira com as idéias e conceitos; é a criação de poemas que parodiam ditados populares, provérbios, anúncios, ou outros textos, onde a graça surge da subversão das expectativas da confusão dos sentidos já estabelecidos. Anúncio de Zoornal I Troca-se galho d`árvore novo em folha, vista pra mata por um cacho de banana da terra, nanica ou prata. (CAPARELLI, 1988, p.11)

O humor na reinvenção do cotidiano é explorado através das situações mais simples e banais que a criança encontra em seu dia-a dia; situações de espanto, invenção, elementos que são muito próprios ao universo infantil. Freqüentemente o poeta procura enxergar uma situação na qual a criança se encontraria, diferente de voltar a ser criança.


14 O Ar (O Vento) Estou vivo mas nã tenho corpo Por isso é que eu não tenho forma Peso eu também não tenho Não tenho cor. Quando sou fraco, me chamo brisa e se assovio, isso é comum. Quando sou forte, me chamo vento, Quando sou cheiro, me chamo pum!. (MORAES, 1991, p.30 )

Utilizar esse jogo de humor parece ser inofensivo, inocente e é realmente uma das armas do recurso conforme Leo Cunha; é justamente apresentar, por trás da despretensão e da irreverência, uma visão crítica, um olhar de estranhamento, uma nova forma de pensar o mundo e revelar seus absurdos, suas contradições, suas injustiças. Esse jogo, em vários momentos da história, foi combatido pela Igreja, por poderosos de plantão, que achavam o recurso perigoso, subversivo, irresponsável, indesejável. O autor ressalta que o humor que não é claramente crítico tem sua importância e seu valor, pois ele é “capaz de despertar no leitor o gosto pelas palavras, o prazer de lidar de forma lúdica com os sons, ritmos, e as formas das letras e palavras”. (apud OLIVEIRA, 2005, p.88) Ao se tratar de poesia destinada à crianças pequenas e também aos bebês, recursos como este são indispensáveis, uma vez que, a leitura será realizada por um adulto, o qual utilizará toda uma entonação de voz diferenciada, uma dramatização, para que o texto seja atrativo para o público. Para os bebês, o texto precisa interagir de outra forma, diferente do texto para as crianças já alfabetizadas, cujo conteúdo já entedem, os bebês não têm tanta bagagem e necessitam ser estimulados com outros efeitos. Na obra Territórios da leitura (2006), Zila escreve que “Poesia é a voz de fazer nascimentos”, a autora trata o ganho do leitor no contato com a literatura, sem especificar se esta confirmou as expectativas ou se abalou convicções. “Fica invariavelmente um saldo do conhecimento acerca de si mesmo e do mundo, uma perspectiva inusitada ou uma forma diferente de ele se autoconceber e de interagir com a realidade”. (RÊGO, 2006, p.210) Rêgo descreve o papel da leitura da poesia na formação da subjetividade dos adolescentes através de uma pesquisa realizada com adolescentes da periferia, onde carências de toda a ordem se acumulam. Portanto ler para estes indivíduos torna-se uma maneira de resistirem e de se elaborarem, vencendo certos determinismos que tendem a marcá-los. Confessa a autora que a pesquisa


15 realizada enveredou por este caminho no intuito de descobrir o papel da leitura da poesia na formação da subjetividade dos adolescentes, numa época complicada cujo ato de ler é cada vez mais raro entre este público. A formação do jovem e do seu mundo é fruto de um processo de autoconhecimento,

que

envolve

apreensão

de

fatos

exteriores,

tomada

de

posicionamento, é uma busca incessante e infinita para todo ser humano. Durante o período da adolescência, relata Rêgo, que a leitura da literatura e, em especial do texto poético, pode ser a construção de um caminho aberto para o convertimento, uma grande chance no processo de autoconhecimento e de buscas para a formação de leitores como meio de desenvolvimento dos indivíduos, e da sociedade. A pesquisa, realizada pela autora, no período de três meses, com alunos do último ano do ensino fundamental, de uma escola da rede pública de Porto Alegre, resultou em um trabalho interessante; não foram poucos os elementos dos textos poéticos que, lidos no primeiro momento, mobilizaram os leitores. A partir dos dados coletados foi constatado que os jovens partiram de uma descrição de si mesmos, acerca das características, comportamentos, estado de ânimo e hábitos. Em alguns casos, foram confirmadas características e sentimentos, em outros, surpreenderam-se diante do que descobriram. A constituição do mundo interior do sujeito é fruto de um processo de conscientização de si mesmo, da sua contingência pessoal, assim como dos circunstanciais que o cercam. Ele envolve um movimento de autoconhecimento, ou de apreensão de fatos exteriores e de tomada de posicionamento frente a esses. (RÊGO, 2006, p. 210-211)


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3 POESIA INFANTIL X POESIA ADULTA

A poesia infantil se distingue da poesia para adultos justamente por sustentar no seu discurso poético o jogo com as palavras seja nas brincadeiras rimadas, na invenção de adivinhas ou em cantigas ritmadas que dão vazão à vitalidade típica do ser humano em início de jornada. Gaston Bachelard discute essas experiências vivenciadas por ele quando criança, de sair do texto e de se encontrar num mundo que é só dela, de que ninguém mais pode viver aquilo, como necessidade do leitor encontrar “um não-eu que permite viver minha confiança de estar no mundo”. Essa experiência única é perdida na fase adulta, não por completa, mas a frieza e o amadurecimento nos fazem fazer parte de um mundo onde não é mais permitido o devaneio. Reviver a infância e se deixar levar ao devaneio poderão oportunizar a compreensão de muitas coisas em nossas vidas, porque é na infância aonde desencadeia tudo o que seremos como adultos. Mas somos cobrados para viver o real, aquele que não o vive é julgado pela sociedade, como se viver a imaginação fosse errado. “Há devaneios de infância que surgem como o brilho de um fogo. O poeta reencontra a infância contando-a com um verbo de fogo. Verbo em fogo. Direi o que foi minha infância. Desaninhávamos a lua rubra no fundo dos bosques”. (apud BACHELARD, 1996, p. 94)

Para as crianças a lua pode de ser encontrada em meio à floresta, assim como, quando criança acreditamos em Papai Noel e Coelho da Páscoa. Portanto, há muitas diferenças se comparadas, a produção adulta com a infantil, uma vez que na sociedade adulta o foco é outro, ou seja, a realidade é outra, não que o adulto não seja capaz de imaginar “coisas” como as crianças, mas na infância algumas características e aspectos acompanham as crianças, nos quais na fase adulta deixam de existir. Maria da Glória Bordini (1986) escreve que, quando a poesia se destina à criança, possui um traço que a diferencia da poesia para adultos e que está presente no “tecido melódico”, no aspecto fônico composto por aliterações e assonâncias, anáforas e rimas, estribilhos, recursos onomatopáicos, acentos e metros variados. Portanto, toda


17 essa bagagem cultural vem sendo cultivada pelo povo para tranqüilizar e entreter crianças fazê-las dormir ou transmitir o afeto dos pais. Trata-se do acervo folclórico trazido pelas gerações passadas que compreendem os brincos, os acalantos, os travalínguas, as canções de roda, as parlendas, as adivinhas. Todas essas categorias apresentam grande valor à literatura, permitindo o autoconhecimento e o estreitamento das relações pais-filhos ou criança-criança; e a despreocupação com o sentido é o que abre as portas para o mundo da linguagem, das descobertas, das fortes emoções, e faz com que a criança cresça e compreenda o seu mundo, tornando-a independente dos pais, fortalecendo-a para no futuro viver fora do ninho da família. A poesia para crianças que não atende ao problema da representação imaginária, através dos deslocamentos dos sentidos verbais, priva seu leitor desse efeito estético por excelência e, por conseguinte, de uma modalidade de conhecimento mais significativa para ele – porque menos abstrata – que a puramente reflexiva. (BORDINI, 1986, p.31)

Nos textos para os bebês, o esquema rítmico é mais sincopado e simples, para crianças já alfabetizadas também há presença do ritmo, mas como já sabem ler, apresentam o esquema rítmico e outros aspectos como o encantatório, devido à repetição de padrões ou à dinâmica das palavras utilizadas. A poesia infantil ressalta a palavra através das combinações no verso e na estrofe. Predominam as frases em ordem direta, acomodando inversões por conseqüência do ritmo ou da rima. Salienta-se o emprego figurado da palavra através das metáforas e metonímias nas adivinhas. Essas características são responsáveis pela adaptação e acomodação dos meios expressivos de compreensão da criança, que se modificam em diferentes fases da infância. Referente à estrofe, predomina a quadra seguida de estrofe longa que normalmente é única, facilitando a memorização. A poesia infantil ao mesmo tempo em que se compromete com o público, pela adequação vocabular e efeitos poéticos, deixa de lado algumas regras e padrões característicos do gênero, uma vez que se desapega da formalidade. A poesia adulta desata o existente e o reata de outra forma para o prazer e a reflexão. A infantil está a caminho dessa mesma insanidade desaquietadora e risonha que abre espaço para o novo e para os novos, num mundo que resiste a eles o quanto pode. (BORDINI, 1986, p.67)

Dentre os poetas brasileiros que escrevem ou já escreveram poesia para o público infantil é necessário citar, na virada do século, Olavo Bilac e sua poesia cívico-


18 ufanista; a partir do Modernismo, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Vinícius de Moraes e Mario Quintana, na década de 70 em diante, Beré Lucas, Sidônio Muralha, Odylo Costa Filho, Elias José, Sérgio Capareli, Elza Beatriz, José Eduardo Degrazia e Maria Dinorah, todos exploram, ou já exploraram, ajustando suas potencialidades para servir um texto estético adequado para o público infantil. Esta geração mais recente de escritores discute com temas do cotidiano infantil através da adoção por parte do autor, da idéia compartilhada com os pequenos leitores, daquilo que não é convencional. Maria Dinorah exemplifica, nos seus textos, a atitude infantil a partir de uma circunstância do seu cotidiano. Qual criança que nunca caiu levou um tombo? Impossível, ainda mais, se pensarmos na fase em que estão aprendendo a andar de bicicletas, sem a ajuda das rodinhas. O tombo é uma circunstância comum na vida dos pequenos que até provoca o riso no momento. Como podemos ler no texto Henrique ri que se rola. Tombo A rua ri de meu tombo. Henrique ri que se rola. João se rola de rir. Levanto meio sem jeito e rio riso sem graça, enquanto de tanto riso se sacode toda a praça!. (apud BORDINI, 1986, p.58)

Beré Lucas apresenta os conteúdos existenciais infantis sob o ângulo do sujeito representado. Bang-Bang chapéu de papel cavalo de pau esporas tilintam olhar muito mau


19 passos seguros artista total gesto ligeiro momento fatal arma que cospe fogo infernal corpo que tomba bandido banal.

(apud BORDINI, 1986, p.58-59) Elias José utiliza-se da relação infância e natureza, onde a figura do animal assume a postura rebelde e nada convencional. Grilo Grilado O grilo coitado anda grilado e eu sei o que há. Salta pra aqui, salta pra li. Cri-cri pra cá, cri-cri pra lá. O grilo coitado anda grilado e não quer contar. No fundo não ilude, é só reparar em sua atitude ara se desconfiar. O grilo coitado anda grilado e quer um analista e quer um doutor. Seu grilo, eu sei: o seu grilo é um grilo de amor. (apud BORDINI, 1986, p.59-60)

Sidônio Muralha recupera e retrabalha com as formas populares consagradas pela criança, marcadas pela sonoridade, dando ênfase às representações.


20 Historieta Era uma vez uma cabrinha montês que tinha tinha um rabinho curtinho e quando saltava o rabinho abanava e girava girava o rabinho curtinho... Por isso eu chamava chamava a cabrinha a cabrinha montês. - Rabinho, rabinho de ventoinha... E a cabrinha gostava e o rabinho girava e toda gente chamava chamava a cabrinha rabinho, rabinho de ventoinha. Era uma vez, era uma vez uma cabrinha montês. (apud BORDINI, 1986, p.59-61)

Na poesia de Cecília Meireles é nítido o lirismo, característico da autora e também do período que foi escrito: anos 60. Há um arranjo de palavras, toda uma construção que enfoca o belo. No último andar é mais bonito. O Último Andar No último andar é mais bonito: do último andar se vê o mar. É lá que eu quero morar O último andar é muito longe: custa-se muito a chegar. Mas é lá que eu quero morar. Todo o céu fica a noite inteira Sobre o último andar. É lá que eu quero morar. Quando faz lua, no terraço fica todo o luar.


21 É lá que eu quero morar. Os passarinhos lá se escondem, para ninguém os maltratar: no último andar. De lá avista o mundo inteiro: tudo parece perto, no ar. É lá que eu quero morar: no último andar. (MEIRELES, 2002, p.35)

Ligia Cademartori (1986), em O que é literatura infantil, escreve que o texto infantil tem como destinatário estipulado a criança. É escrito para criança e lido pela criança, mas, conforme apresenta a autora, é escrito, empresariado, divulgado e comprado pelo adulto, ou seja, “todas as diferenças, tensões e intenções da relação adulto/criança manifestam-se, também na literatura infantil”. (CADEMARTORI, 1986, p.21) A partir dessa reflexão da autora pode-se afirmar que a literatura infantil compõe-se não só de elementos de formação conceitual, mas também de emancipação, de experiência, de independência dentro da sociedade. Se a dependência infantil e a ausência de um padrão inato de comportamento são questões que se interpenetram, configurando a posição da criança na relação com o adulto, a literatura surge como um meio de superação da dependência e da carência por possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento. (CADEMARTORI, 1986, p.23)

Regina Zilberman (1994), em A literatura infantil na escola, afirma que a produção de uma teoria da literatura infantil deve evitar a circunscrição à ótica adulta, uma vez que são as crianças os destinatários e são elas que dão nome ao gênero, que é tão somente o beneficiário e o objeto de manipulação. A autora apresenta duas dificuldades a partir do destinatário. A primeira é a transitoriedade do leitor que abrange tudo aquilo que é produzido para pessoas de até 12 anos mais ou menos, que quer dizer que a literatura precisa se modificar de acordo com a evolução da criança até perdê-la definitivamente. Esse fenômeno é automático por parte do leitor que vai se distanciando do produto a ele oferecido à medida que esse não o agrada mais. A condição passageira do leitor é aceita pela literatura que precisa adequar-se às diversidades de interesses de produção e recepção, além de estar atualizado diante das mudanças da arte literária como um todo.


22 A segunda dificuldade diz respeito à unidirecionalidade, uma vez que é produzida apenas do adulto para a criança, e não o contrário. É esse fator que determina a preocupação com os ensinamentos de normas e hábitos de leitura e reproduz o conflito etário de tipo social: a oposição adulto x criança; opressor x oprimido; produtor x consumidor que resulta no abandono da adolescência, pois não há mais absorção da literatura infantil. É sob esses aspectos que a literatura destinada ao público infantil acaba sendo uma espécie de traição, uma vez que trabalha com sentimentos e prazer dos leitores, direcionados a uma realidade que, por melhor e mais adequada que seja, não foram escolhidas por eles. Por isso, o valor literário tão-somente emergirá da renúncia ao normativo, o que implica o abandono do ponto de vista adulto, a ampliação do horizonte temático de representação e a incorporação de uma linguagem renovadora, atenta ao discurso da vanguarda, às modalidades da paródia, enfim, acompanhando a evolução da arte literária, que se dá sempre como ruptura e não como obediência. (ZILBERMAN, 1994, p.40)

Examinando o universo infantil nota-se que sua ligação original com o mundo se dá por intermédio da audição e da recepção de imagens visuais, e das relações interpessoais discutidas por Maria Carmen Barbosa (2000, p.02): o olhar, o abraço, o ritmo corporal, o balanço corporal, o movimento, o brincar e o jogar, a linguagem. O primeiro contato do bebê com o ambiente escolar deve ser um momento prazeroso, já que separar-se tão pequeno de sua mãe lhe causou um estranhamento. Assim deve ser o primeiro contato com o texto escrito, que normalmente se dá por intermédio da escola, ou creche, que possibilita à criança o acesso a outras modalidades culturais de modo independente, libertando-a aos poucos do adulto que até então era a voz única de transmissão do conhecimento. Daí em diante, o livro infantil atua como propulsor de uma postura inquiridora e inconformada com os padrões imputados.


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4 POESIA NA ESCOLA

No capítulo 2 O que é poesia levantou-se brevemente a discussão de que o bebê antes mesmo de nascer, por volta da 20ª semana de gestação já é capaz de escutar sons do mundo que ainda não é o seu. A autora Gloria Pondé (1982, p.118) complementa essa afirmação no texto Poesia e Folclore para criança, aonde afirma que o gosto pela poesia acompanha “o homem desde o berço, na mais tenra infância”. O gosto pela poesia pode seguir duas direções, através do folclore, ou pelas formas mais tradicionais. A partir dessas duas vertentes, diversos estilos poéticos poderão surgir, tudo dependerá da liberdade de criação em que o bebê estiver inserido. Para autora, “a poesia seria um dos meios da criança escapar do domínio adulto, centrado na razão, e na linearidade, para atingir os outros processos de leitura do mundo”. Ou seja, a poesia neste sentido sendo uma das formas de experimentar outras realidades. Lígia Morrone Averbuck (1993, p.64), em Poesia e Infância inicia o texto fazendo-se as seguintes perguntas: “Existirá uma poesia para as crianças? O trabalho escolar pode criar o gosto pela poesia? Que relações existem entre as histórias infantis, os poemas e as crianças?”. Com certeza essas perguntas afloram não só para a autora, mas para todos os professores que exploram a poesia em sala de aula, em diferentes faixas etárias. E na maioria das vezes, por mais que se faça a reflexão acerca do assunto, a poesia acaba sendo “apresentada” para a criança de forma não “adequada”. A autora contribui, afirmando que deveria ser na escola o ambiente da “inventividade”, mas que ao contrário, é o onde se anulam as possibilidades de criação e inovação, onde a “imaginação” das crianças vem sendo sufocada. Para autora, a escola, além da sociedade, também participa desse sufocamento, ao invés de estimular a criança desde a pré-escola, o que seria o seu papel. A poesia perde espaço para as áreas, ditas “sérias do conhecimento”, e ao longo da caminhada escolar a tendência é diminuir, cada vez mais, até banir com a possibilidade de viver a poesia. O professor que ocupa seu tempo, explorando a poesia em sala de aula é cobrado por não estar “passando conteúdo” aos seus alunos. Deveria de saber ele, que o tempo gasto com a poesia, com a arte, contribui para o desenvolvimento da personalidade humana. Talvez se gastássemos mais nosso tempo, lendo poesias para nossos bebês, estes chegariam ao Ensino Fundamental com uma visão de mundo melhor.


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“Não se trata, portanto, de que a escola assuma a responsabilidade de “fazer poetas”, mas desenvolver no aluno (leitor) sua habilidade para sentir a poesia, apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo”. (AVERBUCK,

1993, p. 67)

Nelly Novaes Coelho (1997) afirma, na obra Literatura infantil, que a poesia é essencial para o encontro do homem consigo mesmo e com os outros e que, para as crianças, torna-se uma importante oportunidade para vivenciar o gênero, sendo um ótimo instrumento didático, se utilizado por alguém preparado para extrair desse instrumento suas riquezas. Conforme a autora, desde a pré-escola os textos poéticos podem ser vivenciados e discutidos em sala de aula, porque são excelentes meios para a educação sensorial da criança, da sensibilidade e da capacidade de pensar, de ouvir, de falar e de escrever. Coelho diz que é válido insistir no fato de que a poesia para os pequenos leitores vai além das rimas e ritmos e que deve nascer de um olhar inaugural. “Poesia é arte: é beleza descoberta em algo; é um sentido especial que o mundo adquire de repente; é uma forma peculiar de atenção que, com simplicidade e verdade, vai até a raiz das coisas para revelá-las de uma nova maneira”. (COELHO, 1997, p.228) A poesia culta é um gênero de difícil agrado dos leitores em geral, e não é um gênero textual valorizado, procurado pela maioria dos leitores se comparado a qualquer outro texto. Aqueles que procuram o gênero poético são porque realmente gostam; por ser um texto que se caracteriza pela expressão da subjetividade, a poesia acaba por afastar o leitor que não está interessado em interpretar, ou fazer a leitura intertextual. Daí a importância dos brinquedos de roda, das cirandas que, através de brincadeiras, estimulam a sensibilidade dos pequenos. “... conclui-se que a poesia para crianças deve atuar, basicamente, sobre os seus sentidos e emoções. Os poemas que se expressarem por fórmulas verbais/sonoras, repetitivas ou reiterativas (refrões, aliterações, paralelismos, rimas finais ou internas, etc.) são os que mais diretamente as trairão. Os significados transmitidos, em geral, vêm em segundo lugar”. (COELHO, 1997, p. 201)

A poesia infantil brasileira nascida em fins do século XIX e nos primeiros anos do nosso século surge aliada com a tarefa educativa da escola, formar no aluno o futuro cidadão e o indivíduo de bons sentimentos. Comum até os anos 30/40, a memorização


25 de poemas que eram impostos aos alunos pelos professores, ridicularizavam as crianças nas aulas de leitura, ou, em datas festivas. Hoje, sabe-se que a poesia é um texto expressivo e que necessita ser visto sob outro ponto de vista, sob o olhar pessoal de quem está lendo e que não deve ser imposto à criança. Coelho afirma que ainda costuma aparecer, nas produções mais recentes, alguns clichês poéticos na poesia da natureza, forma descritiva criada pelo Romantismo, para expressar as relações essenciais existentes entre o homem e a natureza. Esse esquema estereotipado que mascara a poeticidade está marcado nos poemas que reforçam a educação das aparências e da necessidade de prêmios de boas ações que hoje não são mais apoiados. Além dos clichês na poesia da natureza e nos poemas de regras de educação, existem ainda aqueles que visam divertir, ou emocionar o leitor infantil, utilizando uma linguagem infantilizada com o intuito de contribuir na comunicação. O correto não é recusar toda e qualquer poesia tradicional, porque nem sempre os esquemas repetitivos são negativos. Existem alguns textos poéticos do passado que permeiam o ludismo, permanecendo vivos para os leitores de hoje. A autora adverte que a literatura não se restringe somente ao poema; pode aparecer em diversas linguagens poéticas ou literárias; através dos poemas, da Literatura Infantil, das histórias, dos mitos, das lendas, dos contos, do teatro, das fábulas, dos textos criados pela imaginação. Ligia Cademartori (1986) comenta sobre a importância da literatura nos primeiros anos, vinculada à questão escolar, que desempenha um papel no desenvolvimento lingüístico e intelectual do homem. “A leitura de textos poéticos à criança em fase de alfabetização, não só aproxima ao livro como fonte de conhecimento e prazer, como exerce papel importante na formação da expressão verbal.” (CADEMARTORI, 1986, p.71) Tanto a poesia, quanto à narrativa, afirma a autora, oferecem aos pequenos leitores, em fase de alfabetização, a chance de experimentar, de descobrir novos efeitos de sentidos e possibilidades de conhecer o mundo, tendo como suporte o livro. Esse primeiro contato com a literatura não exige que a criança já esteja alfabetizada, pois ela traz consigo uma bagagem infantil de narrativas orais, clássicas e populares, versos e travalínguas, adivinhas, entre outras manifestações folclóricas, ricas em ludismo sonoro e semântico que não podem ser desconsiderados, ou considerados fúteis, porque pode resultar em um choque no desenvolvimento lingüístico, pois no momento em que a criança leva para a sala de aula tudo aquilo que aprendeu fora da escola, ela está


26 compartilhando o seu conhecimento. Quando essa bagagem não é valorizada, a criança acha que tudo aquilo que ela aprendeu está errado, o que pode prejudicar no seu desenvolvimento escolar. A bagagem discutida anteriormente refere-se às cantigas de ninar, cantigas de roda, parlendas, rimas, ditos instrutivos do tipo Palminhas de Guiné, Dedo Mindinho, recurso cultural escasso no sistema de ensino da língua por deixar de trabalhar essas questões. Primeiramente quando as crianças freqüentavam a escola, aprendiam canções, brincavam com objetos como pé-de-lata, vai-e-vem, brincavam de pique-esconde, pegapega. Hoje essas brincadeiras foram substituídas por bonecos superpoderosos, minigames, cartinhas, computadores, não criticando os brinquedos atuais e sim, trazendo as outras possibilidades de bincadeiras, cada uma no seu tempo na história. O importante para a criança é também experimentar as outras possibilidades do brincar, não é porque ela faz parte da atual realidade que vivemos, que ela não possa brincar também, de bincadeiras e brinquedos que seus pais brincavam. A alfabetização de crianças, nas escolas de primeiro grau, geralmente inicia a relação da criança com a língua escrita por via de um descentramento, ou seja, à criança são apresentadas palavras que pouco ou nada têm a ver com suas vivências e necessidades de expressão. (CADEMARTORI, 1986, p.85)

Para Ligia Cademartori (1986), a postura da escola hoje veicula a alienação do sujeito falante no processo ensino-aprendizagem que resulta no descentramento da criança na aprendizagem da língua. Regina Zilberman (1994) afirma que a escola tem papel duplo: introduzir a criança na vida adulta e, ao mesmo tempo, protegê-la dos perigos do mundo exterior, tarefa difícil que abrange o mais alto nível de responsabilidade para a escola. A literatura, por sua vez, é outro instrumento utilizado para a multiplicação das normas da sociedade. Pode até substituir o adulto, até com mais eficiência, quando o leitor está fora do ambiente escolar, ou, quando se encontra desligado das ordens dos mais velhos. Segundo a autora, a obra literária ainda pode representar o mundo adulto, através do narrador, situação comum, principalmente quando a produção literária é destinada aos meninos, comprovado pela falta de inocência do gênero, que pode resultar em um problema se o livro for apresentado somente na escola, pois na intuição de passar aos meninos a imagem que a sociedade quer que assumam, cria indivíduos modelos, de certa forma manipulados por aquilo que lhes foi imposto.


27 Além disso, a escola e a literatura podem provar sua importância quando se tornarem, para a criança, espaço para pensar e discutir sobre sua condição pessoal, pois ambas dividem um aspecto em comum: a missão de formar o indivíduo. A literatura por meio da ficção apresenta uma realidade que vai ao encontro do cotidiano do leitor, resultando na comunicação texto-destinatário. A escola tem a função de resumir, enxugar, transformar as diversas disciplinas em realidade, inserindo-as na sociedade e apresentando-as ao estudante. A questão da seleção de textos depende do professor, no entanto, é indispensável que essa relação se guie pelo verdadeiro valor da qualidade estética, pois se trata de arte literária; sem menosprezar os pequenos, os textos devem ter a mesma qualidade daqueles destinados aos adultos.


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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratar de crianças pequenas e também de bebês, nos faz voltar a nossa mais remota infância e afirmar que, agora com postura de profissional da educação, tudo o que nela vivenciamos reflete hoje em nossas atitudes, em nossas opiniões, na forma com a qual nos comunicamos com o mundo, e com os outros. E esta reflexão da infância que vivenciamos, permite que olhemos o ambiente escolar que estamos oferecendo às nossas crianças, de outra forma. Será justo oferecer às crianças, que depositam toda a sua confiança no educador, um ambiente, onde só o cuidar basta? Devemos nos posicionar frente a esses pequenos e pensar que, para eles, somos como a âncora de um navio, que precisa de apoio, pois ali, naquele momento, não tem pai e nem mãe, apenas os profissionais, e que o pequeno ser irá se guiar por eles. A partir do estudo entendeu-se que a poesia é fundamental para o desenvolvimento da criança, em especial, ao bebê. Ela possibilita, através do brincar, do escutar, do linguajar, do criar, a experiência única de comunicação com o mundo. Através do ambiente escolar passamos a proporcionar às nossas crianças uma infância rica, diversificada, capaz de oferecer experiências lúdicas e de múltiplas linguagens, o que favorece na construção do modo de ver o mundo e a vida. Falar de poesia infantil é falar de cultura, de folclore, de imaginário, de contos e de criança. Ativam-se as lembranças mais profundas de uma infância que passou, mas que se faz presente no nosso dia-a-dia ao entrar-se em contato com as o texto poético e com o ambiente que nos cerca. A poesia, como define Massaud Moisés, “é a expressão do ‘eu’ por meio de metáforas”. Uma obra de arte literária é um objeto intencional que provoca determinados efeitos em seus leitores. Tal fato mostra-se como um aspecto relevante do objeto cultural livro destinado à criança. Todos os aspectos que a compõem, apresentados por Maria da Glória Bordini como a musicalidade, as rimas, as assonâncias e aliterações, o jogo de palavras e as brincadeiras propostas pelo texto, ‘convidam’ o leitor para uma viagem no mundo da imaginação. Além de saciar o mundo imaginário da criança, a poesia possibilita, devido às suas características, o entendimento do mundo real, que é tão complicado para a cabeça dos pequenos. As marcas da oralidade são apresentadas através da retomada de estruturas sonoras como o travalínguas, as adivinhas, cuja ênfase recai na sonoridade. O discurso


29 direto, mais concreto e, portanto, mais facilmente percebido do que o indireto predomina. O tom coloquial também se evidencia através do arranjo de palavras e da infração das regras gramaticais. A existência do neologismo denota a liberdade, visto que surge a invenção de um termo para dar conta da situação em que o falante não encontra ou não conhece uma palavra que contemple com precisão tal fato. O livro de poesia infantil pode ser considerado um brinquedo se comparados os aspectos lúdicos apresentados nos diferentes veículos, tanto pela interação entre ilustração e palavras, como pelos recursos sonoros e pela combinação lexical e sintática. O divertimento pela estrutura está presente nos textos infantis, já que eles tentam recuperá-lo por tratar-se de uma estratégia apreciada pela criança. Acredita-se que a poesia se trabalhada sob o viés do mundo infantil, permite ao pequeno leitor plena interação com a obra. Já que nela estão presentes os mais variados aspectos lúdicos, seja no jogo com as palavras, nas rimas, na repetição dos sons, nas assonâncias e nas aliterações que contribuem para com a imaginação do jovem leitor.


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