O lado B do sofrimento - Fernando Lyra

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O LADO B DO

SOFRIMENTO



FERNANDO LYRA O LADO B DO

SOFRIMENTO 1ª edição

Curitiba/PR 2020


Fernando Lyra

O lado B do sofrimento Coordenação editorial: Claudio Beckert Jr. Revisão: Josiane Zanon Moreschi Capa: Endrik Rafael Silva Ilustração: Júlia Lyra Hatencia Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sueli Costa CRB-8/5213

Lyra, Fernando O lado B do sofrimento / Fernando Lyra. – Curitiba, PR : Editora Evangélica Esperança, 2020. 128 p. ISBN 978-65-990619-8-1

1. Cristianismo 2. Deus 3. Soberania de Deus 4. Sofrimento 5. Graça de Deus 6. Consolo I. Título. CDD-231

Índices para catálogo sistemático: 1. Deus : Soberania de Deus 231

Salvo indicação, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia na versão Nova Almeida Atualizada © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores.

Editora Evangélica Esperança

Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 Curitiba - PR Fone: (41) 3022-3390 comercial@editoraesperanca.com.br www.editoraesperanca.com.br


Ao homem mais incrível que viveu nesta terra: Jesus Cristo! Meu Deus, meu Rei, meu Senhor e meu Salvador. Ele me amou, me escolheu, me chamou, me aceitou... e me salvou!

À minha querida mana Bernadete Lyra, cujo coração não era seu, mas de todos os que precisassem dela; e à minha querida sobrinha Andréia Lyra, que era como uma frágil flor. Ambas experimentaram uma dimensão mais profunda do sofrimento e hoje experimentam uma dimensão mais profunda da presença de Deus.



Sumário

Prefácio.............................................................................................................9 Introdução...........................................................................................................11 1. Soberania de Deus.....................................................................................15 2. Humildade.........................................................................................25

3. Proximidade................................................................................33

4. Graça....................................................................................................41 5. Desapego.............................................................................................49

6. Santificação...............................................................................................57 7. Dependência.........................................................................................65

8. Maturidade...................................................................................75

9. Ação..........................................................................................83 10. Consolação.......................................................................................91

11. A glória de Deus..........................................................................................99

12. Enfrentando o sofrimento....................................................................107 Conclusão...................................................................................................117

Bibliografia..................................................................................................121



Prefácio

Tenho a subida honra e a grata alegria de prefaciar esta ro-

busta obra, do ilustre ministro do Evangelho, Fernando de Sousa Lyra, O lado B do sofrimento. Faço-o com entusiasmo, e isso por algumas razões:

Primeira, Fernando é um homem de Deus, que não escreve como um teórico, mas como alguém que já lidou com o sofrimento e em sua dinâmica pastoral estende suas mãos àqueles que sofrem. Portanto, não trata desse complexo e momentoso tema como um teólogo de gabinete, mas como um pastor de almas, que caminha junto com suas ovelhas, seja nos campos abundantes ou nos vales áridos da vida.

Segunda, o autor trata de um tema difícil com uma singular desenvoltura. Toma-nos pela mão e nos leva a horizontes ensolarados, onde podemos contemplar o belíssimo cenário do propósito soberano de Deus em nosso sofrimento. Ele não defende a ideia de que o sofrimento é bom em si mesmo. Não gostamos de sofrer. Mas deixa claro que o sofrimento é pedagógico e por meio dele somos aperfeiçoados para alcançar a estatura do Varão perfeito, que aprendeu pelas coisas que sofreu. Terceira, Fernando tem uma visão meridianamente clara acerca dos muitos conceitos distorcidos sobre o sofrimento. E nesse cipoal


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de ideias, ele nos leva pelo caminho seguro da cosmovisão bíblica. Trata da matéria com serenidade e ao mesmo tempo com firmeza granítica. Traz a lume múltiplas passagens bíblicas e dá a elas uma lúcida interpretação. Portanto, o texto que o leitor tem em mãos é de uma riqueza extraordinária. É como um farol na escuridão, como um mapa na jornada da vida.

Quarta, o autor não apenas descreve os vários propósitos do sofrimento, mas conclui de maneira magistral, deixando claro que o fim último da nossa vida é glorificar a Deus. Uma vez que Deus é soberano e nada o apanha de surpresa nem ameaça seu poder, ao permitir-nos passar pelo vale das provações ele sempre trabalha em nós e por nós, para o nosso bem. O sofrimento em nossa vida não vem para nos destruir, mas para tonificar as musculaturas de nossa alma. Saímos dessas provas mais quebrantados e mais parecidos com Jesus. Espero que o leitor leia com atenção cada página deste livro e seja profundamente abençoado como eu fui ao ler em primeira mão essa preciosa obra. Boa leitura!

Hernandes Dias Lopes


Introdução

“A maioria de nós irá um dia enfrentar uma dor severa. Estou convencido de que a atitude que cultivarmos antecipadamente pode muito bem determinar como o sofrimento irá afetar-nos quando realmente vier.” (Dr. Paul Brand)1

A sociedade ocidental evita a qualquer custo o sofrimento. Ela res-

gatou a vivência da filosofia hedonista (cerca de 400 a.C.) que acreditava que a finalidade principal da vida era a busca do prazer e a diminuição da dor. Sendo assim, o sofrimento é visto como um ultraje à vida humana. Parece haver no inconsciente coletivo ocidental a ideia de que é proibido sofrer ou sentir dor. Basta ver o grande esforço da medicina em amenizar toda forma de dor ou incômodo aos pacientes hospitalares. Dr. Paul Brand – cirurgião inglês que atuou na Inglaterra, Índia e Estados Unidos – relata que, enquanto na Índia seus pacientes esperavam o sofrimento e aprenderam a não temê-lo, nos EUA os pacientes eram muito menos preparados para lidar com o sofrimento e muito mais traumatizados por ele. O alívio da dor nos Estados Unidos sustenta uma indústria que movimenta muitos bilhões de dólares por ano, e os comerciais de televisão anunciam remédios 1

Phillip Yancey e Paul Brand, A Dádiva da dor, pg. 12.


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cada vez melhores e mais rápidos para curar a dor. Um slogan até afirmava objetivamente: “Não tenho tempo para a dor”.2

Essa visão ocidental a respeito do sofrimento levanta enormes discussões existenciais e religiosas. Por exemplo, o questionamento mais comum à fé bíblica tem sido o fato de que, se Deus é bom, por que existe tanto sofrimento no mundo? De fato, não temos respostas para todo tipo de sofrimento. No entanto, de modo geral, a Bíblia nos ensina que a humanidade se corrompeu. O que isso significa? Deus criou o ser humano perfeito e deu a ele o livre arbítrio. No uso de sua liberdade o ser humano optou por viver independentemente de seu Criador, e, por sua rebeldia, colheu suas consequências. Assim, ao desobedecer a Deus ele criou um conflito interno, consigo mesmo (Gn 3.7 e 10); externo, com Deus (Gn 3.8); e na horizontalidade com o próximo e com a natureza (Gn 3.12 e 3.17s).

A partir daí a humanidade entrou em um processo de corrupção e violência, e todos, sem exceção, em cada recanto deste planeta, sofrem as consequências disso. Prova disso é que qualquer pessoa enfrenta seus conflitos, seja vivendo sozinha ou em comunidade. O mal está presente no ser humano e no mundo, e ele atinge a todos sem distinção de raça, cor, gênero ou idade. Portanto, ninguém está isento de ser atingido pelo sofrimento. Podemos comparar a humanidade corrompida com uma massa de pão na qual foi adicionado fermento. Essa massa crescerá por inteiro e não haverá um pedaço dela, por menor que seja, que não receberá a ação do fermento. Certamente cada parte dessa massa vai crescer. Portanto, entender que fazemos parte de uma humanidade frágil e corrompida, de certa forma já explica o questionamento sobre por que sofremos, uma vez que o sofrimento é inerente a toda a humanidade decorrente de sua própria corrupção.

2 Ibidem.


Introdução

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Assim, não importam nossas precauções, quanto nos esforçamos para ter uma vida boa nem quanto nos empenhamos para ser saudáveis, para ficar ricos, para viver bem com familiares e amigos, para ser bemsucedidos na profissão – inevitavelmente, algo arruinará isso. Não há dinheiro, poder, nem planejamento capazes de impedir que o luto, uma doença terrível, uma traição, um desastre financeiro ou uma infinidade de outros problemas entrem em sua vida. A vida humana é inevitavelmente frágil e sujeita a forças que estão além do nosso poder de controlá-las. A vida é trágica.3

Ora, se o sofrimento é inevitável, então a solução é olharmos para ele sob outra perspectiva. Existe um ditado muito conhecido e verdadeiro que diz que “há males que vêm para o bem”. O sofrimento não é de todo mau e pode ser usado também para o bem. Basta olharmos na perspectiva da educação de filhos. Como pai, quando eu corrijo minhas filhas com uma reprimenda, um castigo ou uma disciplina, inflijo sobre elas algum tipo de sofrimento, mas com a convicção de que esse sofrimento lhes causará o bem.

Este livro tem a ver com esta perspectiva: enxergar as coisas boas que podemos experimentar por meio do sofrimento, especialmente aqueles que vivem sob a ótica da fé bíblica. João Calvino, um dos líderes da Reforma Protestante do século 16, disse: “Tudo quanto sobrevém aos cristãos é de tal forma controlado por Deus, que o resultado final revela que aquilo que o mundo tem por nocivo, para o cristão é benção”.4 Deus é tão bom que nos dá alegria não somente apesar do sofrimento, mas até através dele. Isso é maravilhoso e pode parecer incompreensível, mas é uma das grandes belezas da fé bíblica. O sofrimento está no cerne da fé cristã. Foi pelo sofrimento que Cristo se tornou igual a nós e nos redimiu; e 3 4

Timothy Keller, Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento, pg. 13. João Calvino, Romanos, pg. 293.


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é pelo sofrimento que nos tornamos parecidos com ele. Por isso, o sofrimento pode ter em si, um propósito e uma utilidade.

O sofrimento pode edificar ou destruir. Tanto em um caso quanto no outro o fato é que nunca seremos os mesmos, pois ele nos transforma. Sendo assim, a vida torna-se mais leve e mais plena quando aprendemos a conviver com o sofrimento e nos permitimos ser moldados beneficamente por ele. É o que apresentaremos aqui nesta leitura a cada capítulo. Espero que este livro o ajude nisso!


1 Soberania de Deus É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem para fazer o que hoje estamos vendo, isto é, salvar a vida de muita gente. (Gênesis 50.20 – NTLH)

Parece não soar bem em nossos dias pós-modernos falar a res-

peito do governo de Deus sobre os seres humanos. A sociedade pós-moderna é avessa à autoridade, e isso é claramente perceptível com a perda de força das instituições tradicionais como a família, a escola e o governo.

Em nossa sociedade humanista cujo deus é o ser humano e cujo profeta é o livre arbítrio, falar sobre um Deus que governa cada detalhe do Universo e sabe inclusive quantos fios de cabelo temos em nossa cabeça, é um completo absurdo! Para alguns, Deus é uma invenção da mente humana, para outros Deus é alguém muito distante e ocupado que se preocupa somente com as grandes questões mundiais e não tem tempo para relacionar-se particularmente com cada pessoa.


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Um dos lemas mais valorizados hoje é a liberdade e por consequência a valorização da diversidade e das escolhas. Portanto, dizer que por Deus foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles ainda existia (Sl 139.16), se torna algo completamente inconcebível! Muitos irão dizer que este é um pensamento da Idade Média. Ninguém aceita mais a ideia de um Deus impositivo e inflexível que determina o futuro, afinal, onde ficaria o livre arbítrio? Onde ficaria a liberdade, considerada tanto pelos filósofos quanto por Hollywood como a mais sublime virtude da humanidade? O mais intrigante, contudo, é que falar sobre a soberania de Deus torna-se um desafio até mesmo no contexto cristão moderno, infectado por uma teologia positivista que coloca o ser humano no centro e o faz protagonista do seu próprio futuro. É muito comum hoje nas igrejas o apelo pelo “condicionamento” de Deus por atitudes humanas, tais como campanhas de oração, de jejuns, de ofertas específicas, de ofertas de milagres, entre outras, além do que se compra como “sagrado” para alcançar o milagre. Essa prática religiosa coloca o cristão como agente do milagre e faz de Deus refém das atitudes humanas. A história do pecado é basicamente uma questão de glória. A essência do pecado nada mais é do que buscar a própria glória em vez de buscar a glória de Deus. O alvo do pecador é a celebração da sua fama. Desde as tribos mais primitivas, com seus coloridos exuberantes, suas pinturas hierárquicas e seus penachos de cores diversas, até os membros “civilizados” das universidades, dos tribunais, dos concílios religiosos e das reuniões de diplomatas com seus fraques, togas, becas e batinas enfeitadas, há sempre uma busca pela singularidade da glória humana. Todos estes exuberantes procedimentos visam sublinhar de modo característico a individualidade e a honra a que estamos expostos. Esta tendência de enaltecimento ou reconhecimento das pessoas é muito comum nas igrejas atuais.5

5

Glênio Fonseca Paranaguá, Cruz credo, o credo da Cruz, pg. 106.


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No entanto, a meu ver, não existe uma verdade bíblica mais reconfortante do que a soberania de Deus. Prefiro saber e crer que a minha vida está nas mãos de Deus e não nas minhas, porque eu sou falho, limitado e impotente. Sou infectado pelo vírus do egoísmo, da cobiça e da vaidade. Habito em um corpo corruptível, fico velho, doente e com o tempo tudo escapa de minhas mãos. Sou infectado também pelo vírus da mentira, da infidelidade e da aparência, portanto sou inconstante. Deus não! Deus é o oposto disso tudo. Ele é Santo e Fiel, portanto é constante. Ele não muda, é confiável. O que prometeu certamente cumprirá. Ele é grande, é o Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, e, principalmente... Ele é o Deus Pai. Aliás, ele é o Aba, o pai na forma mais carinhosa, próxima, familiar. Você prefere ter sua vida em suas mãos ou nas mãos de Deus? Talvez tenhamos aprendido que a onipotência, a onipresença e a onisciência de Deus têm tão somente a função de nos vigiar. Talvez tenhamos aprendido desde a tenra infância a enxergar Deus como um policial a nossa espreita. Principalmente aqueles que frequentaram uma igreja desde a infância aprenderam logo nos primeiros anos a cantar: Cuidado olhinho o que vê, Cuidado boquinha o que fala, Cuidado mãozinha o que pega, Cuidado pezinho onde pisa, O Salvador do céu está olhando pra você”.

Introjetamos que essa soberania de Deus é castradora, corretiva e até mesmo opressiva.

No entanto, um dos aspectos mais sublimes da soberania de Deus é que ela é amorosa. Perceba uma coisa quando o salmista diz:


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Ó Senhor Deus, tu me examinas e me conheces. Sabes tudo o que eu faço e, de longe, conheces todos os meus pensamentos. Tu me vês quando estou trabalhando e quando estou descansando; tu sabes tudo o que eu faço. Antes mesmo que eu fale, tu já sabes o que vou dizer. Estás em volta de mim, por todos os lados, e me proteges com o teu poder. Eu não consigo entender como tu me conheces tão bem; o teu conhecimento é profundo demais para mim (Sl 139.1-6 – NTLH).

Ele está completamente estupefato com o cuidado protetivo de Deus! Portanto, a soberania de Deus não é para vigiar, punir ou castigar, mas para cuidar! Deus nos criou à sua imagem e semelhança e tem por nós o mais alto apreço entre todas as coisas criadas.

Quando olhamos para a soberania de Deus na perspectiva do seu amor, entendemos então que o governo dele sobre a nossa vida é altamente benéfico. Deus não é coercitivo, mas amorosamente condutivo. Pense em um pai que guia uma criança de 2 anos. Ora ele permite que ela ande por certos lugares, ora bloqueia seu caminho e muda os rumos dos seus passos. Neste sentido podemos interagir com a vontade de Deus com sensibilidade e humildade ou com desdém e soberba. Logicamente que os resultados dessa interação serão diferentes, mesmo porque a soberania de Deus não anula a lei da semeadura, ou seja, colheremos aquilo que plantarmos. O amor de Deus não é autoritário, mas é cuidadoso. O que muitos pensam ser imposição, na verdade é cuidado. Certa vez uma menina de 12 anos disse aos pais que iria sair com seu namoradinho. Ela havia sido criada com muita liberdade. Tomou banho, se aprontou e se despediu dos pais. Passados alguns minutos os pais a escutaram chorando na frente da casa e acharam que o namorado havia dado um fora nela. Mas, aos prantos, aquela menina disse: “Vocês nunca dizem não para mim!” Na verdade, ela não se sentia amada por seus


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pais. A liberdade que os pais achavam que era amor, na verdade, para a menina, era desamor. A história de José, filho de Jacó, narrada entre os capítulos 37 e 50 de Gênesis, é um belo exemplo dessa soberania amorosa de Deus. José, o preferido pelo pai entre seus irmãos, ganhou a inveja e o ciúme deles. Certo dia, estando todos eles no campo, distantes da casa do pai, resolveram dar cabo da vida de José. Porém, alimentados pelo temor, não o mataram, mas o venderam como escravo a uma caravana de mercadores que seguia para o Egito. Ao pai disseram que José havia sido devorado por um animal selvagem. Chegando ao Egito, depois de passar por incríveis revezes, José tornou-se vice-governador, ficando abaixo apenas de Faraó, o rei.

Mais tarde houve um grande período de fome na terra de Israel e os irmãos de José foram enviados por Jacó para o Egito a fim de comprar alimentos. Nessa época, o administrador geral do Egito era José. Agora, ele tinha tudo para armar uma grande vingança a seus irmãos, mas aconteceu algo muito interessante. Ele os perdoou, reencontrou seu pai, e teve a oportunidade de socorrer e suprir sua numerosa família israelita. Já no final da narrativa bíblica José disse: É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem para fazer o que hoje estamos vendo, isto é, salvar a vida de muita gente (Gn 50.20 – NTLH). Por que José não se vingou de seus irmãos? Não tenho dúvidas de que ele agiu dessa maneira porque entendeu que tudo de ruim que lhe acontecera, na verdade, fazia parte de um maravilhoso plano de Deus. Quando temos o entendimento da ação soberana de Deus agindo no mundo, passamos a enxergar a vida na perspectiva da meta narrativa histórica. Não enxergamos apenas o “aqui e agora”, mas olhamos o “aqui e agora” dentro de uma grande narrativa histórica, a que chamamos de “História da Salvação”. Sendo assim, a Bíblia


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tem apenas uma história, enxertada de diversos dramas e tramas, e com eventos complexos, mas que servem tão somente para compor a história da salvação. Deus usa todos os eventos históricos, pequenos ou grandes, particulares ou públicos, para cumprir seus eternos decretos divinos na meta narrativa histórica. A história da humanidade – e, de fato, minha própria história individual de fé – está incluída dentro do grande drama da história do universo.6

O ateísta crê que Deus não existe. O deísta crê que Deus criou o Universo, fixou as leis que o regem e virou as costas para ele, e, sendo assim, o mundo caminha por si mesmo. Mas nós, os teístas, cremos que Deus, além de criar e regular as leis naturais, continua conduzindo a história do mundo, continua interagindo com os serem humanos. Para Calvino, a providência divina estava inseparavelmente ligada à criação, sendo em si mesma um tipo de continuação do processo criativo. Portanto, não há como falar de sofrimento sem o olharmos sob a perspectiva da soberania divina. Não há como dissociar a “minha história” da “história de Deus”. A Confissão de Fé de Westminster, baseada na Bíblia, descreve brilhantemente a grandiosidade de Deus, mas, ao mesmo tempo, sua proximidade: Deus é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânime, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam... (Cap. 2, I).

6

Phillip Yancey, Decepcionado com Deus, pg. 180.


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Saiba, ao mesmo tempo em que Deus está conduzindo a história do mundo, ele também está conduzindo a sua história. Ao mesmo tempo em que Deus está preocupado com a fome, a miséria e as guerras no mundo, ele também se preocupa com o “pão nosso de cada dia”, como Jesus nos ensinou a orar. O profeta Isaías disse: Pois o Altíssimo, o Santo Deus, o Deus que vive para sempre, diz: “Eu moro num lugar alto e sagrado, mas moro também com os humildes e os aflitos, para dar esperança aos humildes e aos aflitos, novas forças” (Is 57.15 – NTLH).

Todo e qualquer sofrimento que enfrentamos nesta vida deve ser entendido, enfrentado e superado através dessa perspectiva, a da soberania divina. Ora, se Deus nos ama, nos trata como filhos e nos acompanha em todos os momentos; então o sofrimento que nos pegou de surpresa e assola nossa vida não é um acidente, uma má sorte, ou até mesmo o destino. Tudo que enfrentamos nessa vida, seja consequência do nosso pecado, das nossas más escolhas, ou mesmo aquilo que chamamos de “fatalidade”, ainda assim está dentro do plano maior de Deus para a nossa vida. Calvino, ao discorrer sobre a providência divina, disse: “... por trás do sofrimento que experimentamos, que em si mesmo não é bom, mas mau, em sua justiça, sabedoria e amor Deus permanece o Pai que prometeu que nunca nos deixaria ou abandonaria.”7

Deus sabe e permite tudo o que está se passando conosco; e, por nos amar, conduzirá nossa vida em todos os momentos. Ele fará até mesmo com que o mal que enfrentamos, de alguma forma, se transforme em bem. Um homem nesta Terra que viveu de perto essa verdade foi o apóstolo Paulo, e depois de várias experiências de sofrimento, chegou à seguinte conclusão: Pois sabemos que todas

7

Timothy George, Teologia dos reformadores, pg. 209.


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as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu plano (Rm 8.28 – NTLH). Paulo tinha plena consciência de que Deus é atemporal, não está preso ao tempo. Assim sendo, Deus enxerga a nossa existência como um todo e não somente o momento presente. Todos aqueles que amam Deus e que mantêm um relacionamento com ele, são conduzidos a experimentar esse plano amoroso e completo, que inclui alegrias e tristezas, mas que no final coopera para o seu bem.

Todo e qualquer sofrimento que enfrentamos está inserido em uma história maior, em uma história de amor, na história de Deus. É importante que você saiba disso e, sendo assim, descubra qual o propósito do momento que você passa hoje dentro da grande história da salvação. A fé bíblica nos ensina que o sofrimento, diferentemente do fatalismo, é, de fato, avassalador, é real e quase sempre injusto. Porém, não estamos sozinhos nessa caminhada. Se o enfrentarmos de maneira correta podemos experimentar uma nova, maior e melhor dimensão existencial e espiritual em nossa vida. É bem verdade que, em nossa limitação humana, jamais entenderemos como algumas experiências nesta vida poderão ter contribuído para algum bem. No entanto, todos os dias Jesus continua nos dizendo: “Por acaso não é verdade que dois passarinhos são vendidos por algumas moedinhas? Porém nenhum deles cai no chão se o Pai de vocês não deixar que isso aconteça. Quanto a vocês, até os fios dos seus cabelos estão todos contados. Portanto, não tenham medo, pois vocês valem mais do que muitos passarinhos” (Mt 10.29-31 – NTLH).

Atribulados, sim! Desamparados, não!


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Aplicação pessoal: 1. Que visão você tem de Deus? Talvez você pense em Deus como um velho ranzinza de barba branca. Ou como um “policial celeste” pronto a puni-lo pelos seus pecados. Mas você pode considerá-lo como um pai, de quem você pode se aproximar com confiança no momento que desejar.

2. Saiba que toda grandeza e poder que Deus tem são usados por ele para protegê-lo e abençoá-lo. Como um pai guia uma criança pequena, ele usa da sua força e da sua autoridade para guiá-lo pelo melhor caminho, mesmo que você não entenda dessa maneira. 3. Lembre-se, a sua história encontra-se na grande história de salvação do Deus que governa a História. Não foque sua vida apenas no presente, mas entenda o presente momento à luz de uma história maior, a história do amor de Deus por você! Assim, você poderá encontrar o belo no feio e o bem no mau.

Oração: “Senhor, eu sou tão pequeno, frágil e limitado que não consigo prever ou enxergar um palmo adiante do meu nariz. Por graça, segura em minhas mãos e me conduz pelo melhor caminho, e neste trecho, dá-me paciência e fé para crer que, na tua bondosa soberania, tu tens o melhor para mim! Por Jesus Cristo, assim seja!”



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