Baixo calão - Réjean Ducharme

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Réjean Ducharme fundo, nada saiu, nenhuma palavra que tenha minha voz, sua voz, nenhuma palavra para nos nomear nem a um nem ao outro, estavam todas ocupadas. Destruí tudo e adormeci em meus destroços. Mas hoje de manhã a página estava em branco.

Tradução de Ignacio Antonio Neis e Michel Peterson

Réjean Ducharme

Nascido em 1941 em Saint-Félix-de-Valois, província de Quebec, Réjean Ducharme é autor de romances, peças de teatro, roteiros de filmes e de letras de músicas de Robert Charlebois, o mais conhecido cantor do Canadá francês. A maioria de suas obras literárias foi publicada pela editora francesa Gallimard, entre elas os romances L’avalée des avalés (1966, Prêmio Governador Geral do Canadá), Le nez qui voque (1967, Prêmio Literário da Província de Quebec), L’ hiver de force (1973, Prêmio Bélgica-Canadá), Les enfantômes (1976, Prêmio Quebec-Paris). Pelo conjunto de sua obra recebeu o Grande Prêmio Nacional das Letras do Ministério da Cultura Francês (1999), entre outros. Seus livros publicados nas décadas de 1960 e 1970, em particular, obtiveram grande destaque, inserindo-se no contexto e ao mesmo tempo alimentando a Revolução Tranqüila, o movimento que renovou os alicerces da conservadora e católica sociedade franco-canadense. Ducharme foi uma das principais vozes literárias desse movimento. Após a publicação de Les enfatômes, o escritor permaneceu em silêncio por um período de catorze anos, surpreendendo seus leitores com o lançamento de Dévadé, em 1990, e Va savoir, em 1994. Baixo calão é seu último romance publicado. Apesar de todo o seu sucesso no universo literário e cultural, Réjean Ducharme adotou uma postura reclusa e intimista, raramente aparecendo em público.

baixo Calão

Voltei a raspar, a arranhar, a ralar a noite até o

b aixo

C al ão

Johnny, o narrador, leva uma vida infernal entre sua companheira, a combativa Exa Torrent, e amiga de todas as horas que ele chama de sua Tarazinha. Esta por sinal é a mulher de seu irmão adotivo Julien. Johnny também estabelece uma relação com Pope, garçonete naquele tipo de bar onde o pessoal de sexo feminino se agita e roça na frente dos clientes. Enquanto ocorre essa dança da morte, Johnny mantém a duras penas um diário. O que conta o autor destes escritos, em quem Johnny vê um outro ele mesmo, é uma vida comparável à sua, à de Exa, de Tarazinha, de Julien, de Pope... Ninguém ficará surpreso se essas duas histórias acabarem por se entrelaçar. Numa e noutra revela-se a arte de Réjean Ducharme, seu gosto pelo desvario, seu canto desesperançoso e seu estilo inimitável. Uma Montreal gélida e crua se descortina na obra de um autor que vive em reclusão autoimposta, e que há algum tempo vem sendo aclamado como o grande valor literário do Canadá francês. Os tradutores Ignacio A. Neis e Michel Peterson tiveram de se desdobrar para fazer aterrissar em português os saltos-mortais formalistas de Baixo calão. No posfácio, Michel Peterson recoloca nos trilhos o autor e o seu ambiente cultural descarrilado, a irrequieta minoria francófona do imenso continente norte-americano. E deixa de lado quaisquer panos quentes: “Se Réjean Ducharme fornece um mito tão potente ao fetichismo do naufrágio, isso é, no meu entender, porque o Quebec esqueceu o desejo, recalca a desterritorialização da língua.” O que não é pouco.


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