A condição urbana - Olivier Mongin

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BOPP BRILHO

Com a globalização, ei-nos projetados para o “pós-cidade”, para o “pós-urbano”. Na Europa, estávamos habituados a ver a cidade como um espaço circunscrito no qual se desenvolve uma vida cultural, social, política, tornando possível uma integração cívica dos indivíduos... Somos agora confrontados de um

As cidades do escritor e do engenheiro urbanista • Antagonismos de Paris e Londres • Nova York, ou a arte do intervalo • A cidade como libertação • A cidade palimpsesto (as Tóquios de Claude Lévi-Strauss) • O transeunte, a mulher e o estranho • O spleen do flâneur: entre solidão e multidão (Baudelaire e Edgar Allan Poe) • O homem suspenso em Chicago: uma exterioridade carente de interioridade (Theodore Dreiser e Saul Bellow) • A polis, teatro do verbo e da ação gloriosa • A república cívica do Renascimento • Uma dinâmica de privatização e de separação • Genealogias do urbanismo (Françoise Choay) • Alberti, Haussmann, Cerdà • Urbanismo e arquitetura: de Thomas More aos CIAM • O arquiteto e as máquinas celibatárias • Roturas do tecido urbano e inversões da relação privadopúblico • A cidade genérica e a apologia do caos (Rem Koolhaas) • A multiplicação das megacidades • A Europa à margem • A indiferença generalizada (Karachi e Calcutá) • Autodestruição e dejeção (Los Angeles e a favela) • O Cairo, uma metrópole sem classe média? • Buenos Aires, a classe média ao abandono •

A CONDIÇÃO URBANA

nasceu em Paris em 1951. Estudou letras e antropologia na Universidade Paris VII e história e filosofia na Sorbonne, nesta última empreendendo o primeiro estudo universitário sobre Lévinas na França. Diretor da revista Esprit desde 1988, é autor de uma trilogia sobre as paixões democráticas: La Peur du vide (1991), La Violence des images (1997) e Éclats de rire (2002), e ainda de Face au scepticisme: Les Mutations du paysage intellectuel (1998), entre vários outros. olivier mongin

Reinstituir a cidade, recriar limites • A refundação megapolitana • A utopia urbana

OLIVIER MONGIN

A CONDIÇÃO URBANA

como enredo coletivo (Alberto Magnaghi)

OLIVIER MONGIN

A cidade na era da globalização

Tradução

Letícia Martins de Andrade

lado com metrópoles gigantescas e sem limites, e de outro com o surgimento de entidades globais, em rede, cortadas de seu ambiente. A reconfiguração que ora ocorre suscita inquietação: iremos assistir ao declínio irremediável dos valores urbanos que acompanharam a história ocidental? Prevalecerão inelutavelmente a fragmentação e o estiramento caótico? Estaremos condenados a lamentar a polis grega, a cidade do Renascimento, a Paris das Luzes, as grandes cidades industriais do século XIX?

Natanael

Relembrando os elementos distintivos que compõem a experiência da urbe, Olivier Mongin assenta os fundamentos de uma reflexão atual sobre a condição urbana. Vivemos numa época na qual a informação se troca de forma imaterial, mais de acordo com os fluxos do que com os lugares: como, nessas condições, refundar e reformular espaços urbanos de acordo com nosso tempo?

ISBN 978-85-7448-174-6

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O livier M Ongin

A condição urbana A cidade na era da globalização

Tradução

Letícia Martins de Andrade

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Título­original:­La Condition urbaine: La ville à l’heure de la mondialisation ©­Éditions­du­Seuil,­2005 ©­Editora­Estação­Liberdade,­2009,­para­esta­tradução Revisão Composição ­ ­ ­

Imagem de capa

Huendel­Viana Johannes­C.­Bergmann/Estação­Liberdade China.­Xangai,­2001.­Linha­do­horizonte­em­Pudong­ ­ ao­amanhecer,­vista­da­estrada­Zhongshan.­©­Thomas­ ­ Hoepker/Magnum/LatinStock

Editores­ Angel­Bojadsen­e­Edilberto­Fernando­Verza CIP­‑BRASIL.­CATALOGAÇÃO­‑NA­‑FONTE Sindicato­Nacional­dos­Editores­de­Livros,­RJ M753c Mongin,­Olivier,­1951‑ ­ A­condição­urbana­:­a­cidade­na­era­da­globalização­/­Olivier­ Mongin­ ;­ tradução­ Letícia­ Martins­ de­ Andrade.­ ‑­ São­ Paulo­ :­ Estação­Liberdade,­2009. ­ 344p. ­ ­ Tradução­de:­La­condition­urbaine­:­la­ville­à­l'heure­de­la­ mondialisation ­ ISBN­978­‑85­‑7448­‑174‑6 ­ ­ 1.­Sociologia­urbana­‑­Países­da­União­Européia.­2.­Cidades­e­ vilas­‑­Países­da­União­Européia­‑­Crescimento.­3.­Política­urbana­ ‑­Países­da­União­Européia­­I.­Título.­ 09­‑5372.­ ­

CDD:­307.76 CDU:­316.334.56

Esta­obra,­publicada­no­âmbito­do­Ano­da­França­no­Brasil­e­do­programa­de­participação­à­publicação­Carlos­Drum‑ mond­de­Andrade,­contou­com­o­apoio­do­Ministério­francês­das­Relações­Exteriores.­ “França.Br­ 2009”­ Ano­ da­ França­ no­ Brasil/2009­ é­ organizada­ no­ Brasil­ pelo­ Comissariado­ geral­ brasileiro,­ pelo­ Ministério­da­Cultura­e­pelo­Ministério­das­Relações­Exteriores;­na­França,­pelo­Comissariado­geral­francês,­pelo­ Ministério­das­Relações­exteriores­e­européias,­pelo­Ministério­da­Cultura­e­da­Comunicação­e­por­Culturesfrance. Cet­ouvrage,­publié­dans­le­cadre­de­l’Année­de­la­France­au­Brésil­et­du­Programme­d’Aide­à­la­Publication­Carlos­ Drummond­de­Andrade,­bénéficie­du­soutien­du­Ministère­français­des­Affaires­Etrangères.­ «­França.Br­2009­»­l’Année­de­la­France­au­Brésil­est­organisée­: En­France­:­par­le­Commissariat­général­français, le­Ministère­des­Affaires­étrangères­et­européennes,­le­Ministère­de­ la­Culture­et­de­la­Communication­et­Culturesfrance. Au­Brésil­:­par­le­Commissariat­général­brésilien,­le­Ministère­de­la­Culture­et­le­Ministère­des­Relations­Extérieures.

Todos os direitos reservados à Editora­Estação­Liberdade­Ltda. Rua­Dona­Elisa,­116­|­01155­‑030­|­São­Paulo­‑SP Tel.:­(11)­3661­2881­|­Fax:­(11)­3825­4239 www.estacaoliberdade.com.br

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Sumário

INTRODUÇÃO Entre dois mundos, entre duas condições urbanas

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priMeira parte

A CONDIÇÃO URBANA I A CIDADE, UM “AMBIENTE SOB TENSÃO”

Prelúdio I. UM TIpO‑IDEAL DA CIDADE OU AS CONDIÇõES DA ExpERIêNCIA URBANA As cidades do escritor e do engenheiro urbanista A cidade, teatro da vita activa II. A ExpERIêNCIA CORpORAL OU A “CONfIgURAÇÃO” DA CIDADE Corpos múltiplos (Claudel) Antagonismos de paris e Londres Nova York, ou a arte do intervalo A cidade, ambiente sob tensão (a Nantes de Julien Gracq) O paradoxo urbano: um espaço finito que torna possíveis trajetórias infinitas Espaço mental, cosa mentale A cidade como libertação

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Tecidos narrativos Um espaço que contém tempo A cidade palimpsesto (as Tóquios de Claude Lévi‑Strauss) III. A ExpERIêNCIA púBLICA OU A CIDADE “COLOCADA EM CENA” Mostrar‑se em público O transeunte, a mulher e o estranho O spleen do flâneur: entre solidão e multidão (Baudelaire e Edgar Allan poe) Qual exteriorização? As passagens, o Império, Haussmann: uma magia transitória A cidade potencialmente solidária (Jules Romains) O homem em suspenso em Chicago: uma exterioridade carente de interioridade (Theodore Dreiser e Saul Bellow) A circulação como valor IV. A ExpERIêNCIA pOLíTICA OU A res publica A polis, teatro do verbo e da ação gloriosa A emergência da cidade europeia e a emancipação comunal A república cívica do Renascimento: a reivindicação de igualdade e a cultura do conflito A dupla polarização do Estado e da rede Colocar em relação um fora e um dentro ou a cidade‑refúgio V. URBANISMO, CIRCULAÇÃO E pREVALêNCIA DOS fLUxOS Uma dinâmica de privatização e de separação genealogias do urbanismo (françoise Choay) Alberti, Haussmann, Cerdà

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Urbanismo e arquitetura: de Thomas More aos CIAM O arquiteto e as máquinas celibatárias, ou a ilusão artística Circulação e zoneamento Roturas do tecido urbano e inversões da relação privado‑público Da passagem à “rua em anel” Os lugares e os fluxos: a inversão da relação

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segunda parte

A CONDIÇÃO URBANA II A pÓS‑CIDADE OU AS METAMORfOSES DO URBANO

Prelúdio I. A RECONfIgURAÇÃO DOS TERRITÓRIOS Ambiguidades do urbano A terceira globalização Um futuro multifacetado Os baldios da sociedade industrial Uma dupla ilimitação II. UM URBANO gENERALIzADO E SEM LIMITES. VARIAÇõES SOBRE O CAOS O paradoxo do urbano generalizado Um espaço ilimitado que possibilita práticas limitadas e segmentadas A cidade genérica e a apologia do caos (Rem Koolhaas) A era das cidades gigantes A multiplicação das megacidades

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A Europa à margem Cidades informes e caóticas A indiferença generalizada (Karachi e Calcutá) Autodestruição e dejeção (Los Angeles e a favela) Urbicidas: pressões de fora e de dentro III. O ARqUIpéLAgO MEgALOpOLITANO MUNDIAL E A ExpLOSÃO DAS METRÓpOLES O global e suas cidades Uma economia de arquipélago A cidade global O urban sprawl e os avatares da metrópole Devires metropolitanos nos Estados Unidos e alhures IV. CONVERgêNCIAS E DIVERgêNCIAS URBANAS. MUDANÇAS DE ESCALA E DE VELOCIDADE Desigualdades territoriais Demanda de segurança, demanda de Estado? Do enredo da exclusão à cidade de três velocidades Buenos Aires e Cairo, quais convergências urbanas? O Cairo, uma metrópole sem classe média? Buenos Aires, da classe média ao abandono

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terceira parte

A condição urbana III O imperativo democrático

Prelúdio I. O RETORNO DOS LUgARES Do global ao local Lugares, não lugares e cidade virtual

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II. pOR UMA CULTURA URBANA DOS LIMITES

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Em busca da experiência urbana “Ter lugar para ser” ou a capacidade de resistência dos corpos patrimônio e nova cultura urbana

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Derivas arquiteturais e urbanismo de projeto Rítmicas urbanas ou como abrir a matéria (Christian de portzamparc e Henri gaudin) O urbanista, o arquiteto e a vida pública Exigências políticas Reinstituir a cidade, recriar limites Estados Unidos: entre incorporação e metropolitics Os imperativos da conurbação A refundação megapolitana (da megacidade) permanência das cidades europeias

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III. RECRIAR COMUNIDADES pOLíTICAS. DA LUTA DE CLASSES à LUTA DOS LUgARES Lições de uma comparação frança‑América A dupla exigência do acesso e da mobilidade A utopia urbana como enredo coletivo (Alberto Magnaghi) Recolocações em movimento “periféricas”. A renovatio urbanis de Bernardo Secchi

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CONCLUSÃO No meio da cidade e entre dois mundos

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Referências bibliográficas Agradecimentos índice de pessoas citadas índice de cidades e de alguns bairros citados

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Aos habitantes de Argis e de Saint‑Rambert‑en‑Bugey, duas “cidades em anel”, situadas no vale do Albarine, no Departamento do Ain.

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INTRODUÇÃO

Entre dois mundos, entre duas condições urbanas

A­cidade­de­Bilbao,­no­País­Basco­espanhol,­metamorfoseada­gra‑ ças­ao­museu­construído­ao­longo­da­Bidasoa,­na­zona­portuária,­por­ Frank­Gehry;­Praga­e­São­Petersburgo­visitadas­por­enxames­de­turistas­ a­partir­da­queda­do­regime­comunista;­Berlim­prestes­a­substituir­ Manhattan;­as­paisagens­urbanas­redesenhadas­por­Michel­Courajoud­­ no­ parque­ Sausset­ em­ Paris;­ os­ planejamentos­ urbanos­ de­ Bruno­ Fortier­e­Alexandre­Chemetoff­em­Nantes;­o­parque­André­‑Citroën,­ concebido­por­Gilles­Clément­ao­longo­do­Sena;­áreas­urbanas­em­ vias­de­metamorfose­no­13o­arrondissement parisiense­ e­ em­muitas­ cidades­ francesas­ ou­ europeias.­Todos­ esses­ exemplos,­ entre­ tantos­ outros,­mostram­que­a­cultura­urbana­está­na­ordem­do­dia­após­ter­ sido­longamente­ignorada­e­que­o­respeito­ao­patrimônio­progressiva‑ mente­se­impôs.­Mais­ainda,­Bernard­Lassus­dá­forma­às­imediações­das­ estradas,­e­engenheiros­elaboram­façanhas­ao­mesmo­tempo­industriais­ e­estéticas,­como­o­viaduto­gigante­de­Millau.­As­polêmicas­que­tratam­ dos­danos­do­urbanismo­progressista­parecem­um­tanto­arcaicas­e­não­ duram­muito.­Na­França,­e­de­modo­geral­na­Europa,­a­preocupação­com­ o­urbano­e­com­a­paisagem­se­recompôs:­eis­no­que­se­crê!­Ou­melhor,­ eis­no­que­se­quer­crer! Tanto­do­ponto­de­vista­francês­quanto­europeu,­a­lucidez­não­é­ muito­corrente.­E­com­toda­razão:­na­França,­a­defesa­da­escala­local,­ a­que­corresponde­ao­planejamento­das­zonas­rurais,­continua­a­ser­ uma­exigência­prioritária,­enquanto­o­desenvolvimento­das­redes­e­a­ dinâmica­dos­fluxos­são­privilegiados­em­escala­territorial.­Engraçado­ um­país­como­a­França:­nele­redescobrem­‑se­as­cidades,­canta­‑se­o­amor­ a­elas,­a­começar­por­Paris,­a­cidade­‑capital­do­século­XIX­industrial­ juntamente­com­Londres,­ao­evocar­Baudelaire­ou­ler­Walter­Benjamin;­

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nele­também­se­celebram­as­virtudes­de­uma­“rurbanização”1­à­fran‑ cesa,­essa­alquimia­na­qual­o­rural­e­o­urbano­encontram­um­“bom”­ equilíbrio.­Mas­isso­sob­o­risco­de­esquecer­que­a­cidade­cedeu­espaço,­ tanto­na­França­como­em­outros­lugares,­a­uma­dinâmica­metropoli‑ tana­e­que­a­fragmentação­dos­territórios­cria­uma­hierarquia­entre­os­ espaços­urbanos,­o­que­destrói­o­espírito­igualitário­da­lei­republicana.­ Entramos­no­mundo­da­“pós­‑cidade”,­aquele­no­qual­as­entidades­on‑ tem­circunscritas­a­lugares­autônomos­doravante­dependem­de­fatores­ exógenos,­a­começar­pelos­fluxos­tecnológicos,­pelas­telecomunicações­ e­pelos­transportes…­O­bom­equilíbrio­entre­os­lugares­e­os­fluxos­ tornou­‑se­muito­ilusório. É­este­o­paradoxo­francês:­eis­um­país­de­duas­faces­que­conserva­ comportamentos­rurais­mesmo­que­o­Estado­e­seus­engenheiros­estejam­ na­vanguarda­das­transformações­que­afetam­os­fluxos,­as­redes­de­trans‑ porte­(TGV),­as­telecomunicações­e,­consequentemente,­os­territórios­ dentro­do­contexto­pós­‑industrial,­que­é­o­nosso.­O­desen­volvimento­ territorial­francês,­que­antes­de­tudo­é­uma­obra­de­engenheiros­a­serviço­ do­Estado,­apoia­‑se­em­grandes­corporações­que­valorizam­o­poder­da­ técnica­e­das­cifras.­Assim,­a­corporação­[dos­engenheiros]­de­Ponts­et­ Chaussées 2­decide­soberanamente­a­propósito­do­território,­das­pontes,­ das­pavimentações,­das­estradas,­dos­viadutos,­bem­como­a­propósito­do­ controle­dos­fluxos­e­dos­grandes­eixos­de­circulação.­Mas,­ao­mesmo­ tempo,­o­número­de­comunas3­continua­inflacionário,­uma­vez­que­ ­ 1.­ Processo­de­modificação­das­atividades­desenvolvidas­nas­áreas­rurais,­que­absorvem­e­ integram­atividades­antes­tipicamente­urbanas­relativas­ao­lazer,­ao­turismo­e­mesmo­ à­indústria.­[N.T.] ­ 2.­ Os­ termos­ podem­ ser­ traduzidos,­ aproximadamente,­ por­ serviços­ de­ “pontes­ e­ pavimentações”,­“pontes­e­vias”,­“pontes­e­estradas”,­etc.­Na­França,­a­corporação­ dos­Ingénieurs­des­Ponts­et­Chaussées­(IPC)­constitui­um­corpo­técnico­de­nível­ superior­no­serviço­público­atuante­em­todo­o­domínio­do­urbanismo.­A­história­ dessa­corporação­remonta­a­1716,­com­a­reunião­de­engenheiros­civis­para­a­criação­ de­uma­rede­viária­no­país.­Anos­mais­tarde,­em­1747,­foi­criada­a­École­Nationale­ des­Ponts­et­Chaussées­(ENPC),­que­garantiu­a­formação­e­o­recrutamento­desses­ engenheiros.­[N.T.] ­ 3.­ No­original:­comune; optamos­pela­tradução­“comuna”,­uma­vez­que­a­palavra­guarda­ um­sentido­muito­específico­dentro­da­cultura­francesa,­não­correspondendo­perfei‑ tamente­ao­nosso­“município”.­A­“comuna”­é­a­mais­baixa­divisão­administrativa­do­ território­da­França,­conduzida­pelo­maire­juntamente­com­um­Conselho­municipal­

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12­ milhões­ de­ habitantes­ vivem­ em­ 31­ mil­ comunas­ de­ menos­ de­­ 5­mil­habitantes.­“Em­plena­Europa,­a­França­ainda­oferece­a­imagem­ de­um­país­predominantemente­rural,­fragmentado­em­36.565­comu‑ nas­cuja­metade­tem­menos­de­ 380­ habitantes.”4­ No­ entanto,­ essa­ realidade­não­corresponde­à­escolha­de­uma­“civilização­campestre”,­ como­a­que­é­reivindicada­pela­maioria­dos­americanos,­por­exemplo.­ Daí­esse­movimento­pendular­entre­a­paixão­por­uma­vida­urbana­no­ campo,­o­que­se­chama­“rurbanização”,­por­um­lado,­e,­por­outro,­ um­desenvolvimento­territorial­que­implica­um­controle­dos­fluxos­ pelos­técnicos.­Esse­desequilíbrio­permite­a­serviços­públicos­ainda­ muito­centralizados,­como­a­EDF­[Électricité­de­France],­a­Gaz­de­ France,­a­SNCF­[Société­Nationale­des­Chémins­de­Fer­Français],­­ os­PTT­[Postes,­Télégraphes­et­Téléphones],­“poluir­os­espaços­menos­ importantes,­urbanos­e­rurais,­com­equipamentos­concebidos­apenas­sob­­ o­ponto­de­vista­da­sua­eficácia,­sem­que­jamais­se­tome­a­medida­de­sua­ inserção­no­espaço”.5­Assim­se­explicam,­no­rastro­do­haussmannismo,­ a­preponderância­da­figura­do­engenheiro­urbanista,­o­caos­estético­e­ humano­dos­anos­da­primeira­reconstrução,­a­do­pós­‑guerra­(1945‑ ‑1950),­e­a­da­segunda­reconstrução­(1950­‑1980),­que­impôs­o­reino­ dos­“blocos”­destinados­a­acolher­em­“células”­a­habitação­social.­Daí­ o­sentimento­de­um­desastre­arquitetural­em­relação­ao­qual­as­realiza‑ ções­artísticas­contemporâneas­são­um­magro­prêmio­de­consolação.6 (municipalité)­e­pertencente­a­um­Departamento­(dirigido­pelo­préfet de Région)­que,­ por­sua­vez,­se­subordina­ao­primeiro­‑ministro.­[N.T.] ­ 4.­ Atlas des Franciliens,­t.­I:­Territoire et population,­Paris,­INSEE/AURIF,­2000,­p.­42. ­ 5.­ Françoise­Choay,­“Six­Thèses­en­guise­de­contribution­à­une­réflexion­sur­les­échelles­ d’aménagement­et­le­destin­des­villes”,­in­La Maîtrise de la ville,­Paris:­École­des­ Hautes­Etudes­en­Sciences­Sociales,­1994,­p.­226. ­ 6.­ Sobre­o­desejo­de­fazer­tábula­rasa­que­reina­no­pós­‑guerra­imediato,­são­significativas­ as­palavras­de­Eugène­Claudius­‑Petit,­ministro­da­Reconstrução­e­do­Urbanismo­de­ 1948­a­1953:­“Será­que­a­França­simplesmente­por­falta­de­ousadia­deve­se­transfor‑ mar­numa­espécie­de­grande­museu­para­turistas­estrangeiros?­Será­que­se­continuará­ de­ acordo­ com­ as­ ideias­ que­Vichy­ estabeleceu,­ e­ manteremos­ nossas­ aldeias­ da­ Champagne­como­aldeias­de­bonecas­para­turistas­carentes­de­domingo…?”­Entre­ a­musealização­das­aldeias­e­o­progressismo­arquitetural­privilegiado­pelo­ministro,­ não­havia,­na­época,­um­caminho­alternativo?­Palavras­transcritas­de­Urbanisme, le XX e Siecle: De la Ville à l’Urbain, De 1900 a 1999: Chronique Urbanistique et Architecturale,­n.­309,­nov./dez.­1999.

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No­entanto,­pode­‑se­por­outro­lado­refutar,­a­cultura­urbana­não­é­uma­ palavra­vã,­os­franceses­mudaram­seus­hábitos­em­termos­de­urbanismo­e­de­ arquitetura,­as­cidades­europeias­permanecem­uma­referência­importante­ e­muitos­países­europeus,­a­começar­pela­Alemanha,­pelos­Países­Baixos­ e­pela­Itália,­gozam­de­uma­tradição­urbana­e­patrimonial­antiga.­Mas­os­ países­europeus­se­iludem,­também­eles,­quando­se­drapejam­em­valores­ que­seriam­inscritos­na­história­para­toda­a­eternidade,­prestes­a­tornar­‑se­­ um­modelo­para­o­mundo­inteiro.­Que­o­fato­de­esses­valores­possuírem­um­­ significado­profundo­e­uma­dimensão­universal­não­impeça­de­constatar­ que­o­futuro­do­urbano­se­enuncia­hoje­ao­modo­do­“pós­‑urbano”.­Ceder­ à­tentação­da­cidade­‑museu­equivale­a­colocar­de­lado­as­mutações­do­ur‑ bano­em­escala­mundial,­as­evoluções­de­longo­curso,­qualquer­que­seja­sua­ denominação:­a­do­“urbano­generalizado”­ou­a­da­“cidade­genérica”.­Maus­ espíritos,­não­necessariamente­catastrofistas,­se­recusam­a­deixar­‑se­seduzir­ pela­ideia­de­um­renascimento­das­cidades­europeias­e­tocam­as­sirenes­de­ alarme.­Mais­que­celebrar­um­patrimônio­urbano­de­exceção,­eles­convi‑ dam­a­registrar­as­metamorfoses­do­urbano­na­escala­do­território­francês,­ da­Europa­e­do­planeta.­Exemplo­bem­conhecido,­espírito­provocador,­o­ arquiteto­Rem­Koolhaas­zomba­das­cidades­‑museus,­das­cidades­europeias­ de­vocação­turística.­E­ele­não­está­completamente­errado. Os­fatos­estão­aí,­as­cifras­também,­ambos­temíveis,­impiedosos.­ Enquanto­se­enumeram­175­cidades­com­mais­de­um­milhão­de­habi‑ tantes,­treze­das­maiores­aglomerações­do­planeta­se­encontram­hoje­na­ Ásia,­África­ou­América­Latina.­Das­33­megalópoles­anunciadas­para­ 2015,­27­pertencerão­aos­países­menos­desenvolvidos,­e­Tóquio­será­a­ única­cidade­rica­a­figurar­na­lista­das­dez­maiores.­Num­contexto­como­ esse,­o­modelo­da­cidade­europeia,­concebida­como­uma­aglomeração­ que­reúne­e­integra,­está­se­fragilizando­e­marginalizando.­O­espaço­ci‑ tadino­de­ontem,­seja­qual­for­o­trabalho­de­costura­dos­arquitetos­e­dos­ urbanistas,­perde­terreno­em­benefício­de­uma­metropolização­que­é­um­ fator­de­dispersão,­de­fragmentação­e­de­multipolarização.­No­decorrer­do­­ século­XX,­passou­‑se­progressivamente­da­cidade­ao­urbano7,­de­entidades­ ­ 7.­ De la Ville à l’urbain:­assim­se­intitula­o­número­já­citado­da­revista­Urbanisme,­que­ apresenta­de­maneira­significativa­as­figuras­de­Cerdà,­Sitte,­Howard­Sellier,­Prost,­ Le­Corbusier,­Wright,­Mumford,­Delouvrier,­Koolhaas,­e­começa­com­uma­longa­

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circunscritas­a­metrópoles.­No­instante­em­que­a­cidade­controlava­os­ fluxos,­ei­‑la­apanhada­em­sua­rede­(network),­condenada­a­se­adaptar,­a­ se­desmembrar,­a­se­estender­em­maior­ou­menor­medida;­no­instante­ em­que­correspondia­a­uma­cultura­dos­limites,­ei­‑la­condenada­a­se­ ramificar­sobre­um­espaço­ilimitado,­aquele­dos­fluxos­e­das­redes,­ que­não­controlava.­“É­evidente­que­as­redes­têm­o­futuro­diante­de­ si­e­que­abrem­campos­tão­ricos­quanto­imprevisíveis­à­criatividade­ humana.­Seu­funcionamento­já­transformou­a­expressão­arquitetônica­ e­ a­ organização­ espacial­ do­ conjunto­ das­ nossas­ instituições.” 8­ Por­ outro­lado,­o­futuro­do­urbano­não­está­somente,­ou­melhor,­não­está­ mais,­na­Europa,­e­sim­nos­países­não­europeus­onde­megacidades­de­ todo­tipo,­sob­a­pressão­do­número,­se­estendem­de­uma­maneira­fre‑ quentemente­disforme.­A­cidade­“informe”­sucede­frequentemente­à­ cidade,­cara­a­Julien­Gracq,­que­possui­uma­“forma”.­Ei­‑nos­finalmente­ bem­defasados,­pois­um­urbano­generalizado­e­sem­limites­sucedeu­a­ uma­cultura­urbana­dos­limites.­Ei­‑nos,­portanto,­entre­dois­mundos. “Entre­dois­mundos”:­aí­está­uma­expressão­para­ser­entendida­em­ vários­sentidos.­Primeiramente:­entre­duas­condições­urbanas,­entre­o­ mundo­da­cidade­(aquela­que­significa­“mundo”)­e­aquela­do­urbano­ generalizado­(que­não­significa­mais­“mundo”­ao­passo­que­pretende­ estar­na­escala­do­mundo).­Depois:­entre­um­mundo­europeu­ainda­ dinamizado­por­valores­urbanos­e­mundos­não­europeus­onde­a­urbs­ e­a­civitas­não­têm­mais­muito­a­ver­juntas. 9­Nesse­contexto,­um­dos­ objetivos­desta­obra­é­descrever­um­estado­dos­lugares­e­operar­ajustes­ semânticos.­Ildefons­Cerdà,­o­primeiro­teórico­do­urbanismo,­escrevia­ em­1867:­“Vou­iniciar­o­leitor­no­estudo­de­uma­maneira­completa‑ mente­nova,­intacta­e­virgem.­Como­tudo­ali­era­novo,­foi­preciso­que­ eu­buscasse­e­inventasse­palavras­novas­para­exprimir­ideias­novas­cuja­ entrevista­com­Françoise­Choay,­cujos­trabalhos­são­um­dos­fios­condutores­desta­ obra­(Le XXe siècle: De la Ville à l’urbain,­op. cit.­Cf.­também­Urbanisme:­Tendances 2030,­jan./fev.­2004). ­ 8.­ Françoise­Choay,­“Patrimoine­urbain­et­cyberespace”,­in­La Pierre d’Angle,­n.­21­‑22,­ 1997. ­ 9.­ A­distinção­entre­urbs­(a­forma­urbana­e­arquitetural)­e­civitas­(as­relações­humanas­ e­as­ligações­políticas)­remonta­a­La Cité antique­(1864),­de­Fustel­de­Coulanges.

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explicação­não­se­encontrava­em­nenhum­léxico.”10­Sem­nos­tomarmos­ de­modo­algum­por­Cerdà­(os­tempos­mudaram­muito),­é­preciso­ reencontrar­um­sentido­para­as­palavras.­De­que­falamos­realmente?­ A­qual­condição­urbana­fazemos­referência?­À­condição­urbana­en‑ tendida­como­experiência­específica­e­multidimensional,­a­condição­ urbana­entendida­em­sentido­primário,­a­experiência­urbana­da­qual­os­ escritores­falam­tão­bem;­ou­então­à­condição­urbana­que­corresponde­ à­época­contemporânea,­à­condição­urbana­entendida­em­sentido­se‑ cundário,­aquela­que­nem­sempre­se­lembra­da­civilização­urbana­e­dá­ lugar­a­uma­vertigem­semântica­na­qual­os­termos­“metrópole 11,­mega‑ cidade12,­megalópole13,­cidade­‑mundo,­cidade­global,­metápolis14”,­ se­confundem…­De­fato,­“a­palavra­‘cidade’­serve­hoje­para­designar­ indistintamente­entidades­históricas­e­físicas­tão­díspares­quanto­a­ cidade­pré­‑industrial,­as­metrópoles­da­era­industrial,­as­conurbações,­ as­aglomerações­de­pelo­menos­10­milhões­de­habitantes,­as­‘cidades­ novas’­e­as­pequenas­comunas­de­mais­de­2­mil­habitantes.­Da­mesma­ maneira,­Le­Corbusier­não­emprega­o­termo­‘Cidade­Radiosa’­senão­ por­abuso­de­linguagem.”15­Para­ler­a­literatura­que­emana­dos­meios­ ­ 10.­ São­essas­as­palavras­introdutórias­à­sua­Teoria general de la urbanización­(1867),­reed.­ Madri,­1969;­trad.:­La Théorie générale de l’urbanisation,­org.­A.­Lopez­de­Aberasturi,­ Paris:­Seuil,­1979.­Em­La Ville franchisée­(Paris:­Villete,­2004,­p.­25­‑27),­David­ Mangin­aproveita­a­oportunidade­para­se­deter­sobre­problemas­de­vocabulário. ­ 11.­ Metrópole­é­uma­cidade­central­(em­termos­econômicos,­políticos­e­culturais)­dentro­ de­uma­área­urbana­formada­por­várias­cidades­unidas­entre­si,­conurbadas­ou­liga‑ das­por­fluxos­de­pessoas­e­serviços.­Em­termos­conceituais,­“metrópole”­tem­maior­ articulação­com­a­dinâmica­econômica,­o­que­a­diferenciaria­de­“megacidade”.­[N.T.] ­ 12.­ No­original:­mégapole.­Megacidade­é­uma­cidade­com­mais­de­10­milhões­de­habi‑ tantes­(segundo­definição­da­ONU),­de­destaque­no­contexto­mundial­em­razão­de­ suas­grandes­dimensões­e­de­seu­acelerado­ritmo­de­crescimento­demográfico.­Em­ termos­conceituais,­essa­denominação­seria­mais­adequada­ao­contexto­de­países­ em­desenvolvimento,­sugerindo,­inclusive,­tensões­sociais­e­caos­urbano.­No­Brasil,­ apenas­São­Paulo­e­Rio­de­Janeiro­são­consideradas­megacidades.­[N.T.] ­ 13.­ Megalópole­é­uma­grande­área­urbana­formada­por­múltiplas­aglomerações,­portanto­ polinuclear,­cujos­subúrbios,­muito­distendidos,­acabam­por­se­unir.­[N.T.] ­ 14.­ Metápolis­são­grandes­conurbações,­em­extensas­áreas,­descontínuas,­heterogêneas­ e­multipolarizadas.­[N.T.] ­ 15.­ Françoise­Choay,­“Post­‑urbain”,­in­Françoise­Choay­e­Pierre­Merlin­(Orgs.),­Diction‑ naire de l’urbanisme et de l’aménagement,­Paris:­PUF,­1996.

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da­arquitetura,­do­urbanismo,­da­geografia,­ da­ administração­ e­ de­ outros­ainda,­as­palavras,­a­começar­por­“cidade”,­“lugar”­e­“urbano”,­ recobrem­realidades­as­mais­contrastadas,­até­mesmo­contraditórias.­ Mas­essa­imprecisão­semântica­não­é­privilégio­de­pensadores,­atores­e­ produtores­do­urbano.­Eis­porque,­para­além­da­batalha­das­palavras,­ cujos­efeitos­não­são­secundários,­uma­vez­que­ela­condiciona­a­própria­ possibilidade­de­discussões­e­de­decisões­lúcidas­e­fecundas,­este­livro­ igualmente­ambiciona­entender­o­que­pode­advir­da­condição­urbana­ em­um­contexto­em­que­a­cidade­não­é­mais­a­referência­primordial. Em­suma,­da­constatação­implacável­de­que­os­fluxos­se­sobrepõem­ aos­lugares,­por­que­concluir­espontaneamente­que­é­necessário­curvar‑ ‑se­às­duras­leis­da­globalização­urbana­ou­sonhar­com­o­ciberespaço,­ com­territórios­que­não­têm­mais­limites?­Não­seria­mais­útil­refletir­ sobre­a­natureza­da­experiência­urbana­como­tal,­mesmo­se­em­parte­nós­ já­a­perdemos,­para­decompô­‑la,­para­perceber­todas­as­suas­dimensões,­ para­entender­como­ela­pode­devolver­“formas”­e­“limites”­a­um­mundo­ pós­‑urbano­carente­de­formas­e­de­limites?­Se­não­se­trata­de­criar­a­ “boa­cidade”,­a­boa­metrópole,­a­boa­cidade­global,­se­desenhar­à­mesa­ a­utopia­urbana­de­amanhã­é­algo­destituído­de­interesse,­uma­experiên‑ cia­urbana­digna­desse­nome­não­perdeu­todo­o­sentido,­e­“o­amor­às­ cidades”­não­está­obsoleto.16­Daí­o­interesse­em­confrontar­essas­duas­ “condições­urbanas”,­no­primeiro­e­no­segundo­sentido:­“a­experiência­ urbana”­e­o­estado­atual­do­urbano.­Não­se­tornou­a­primeira­um­luxo,­ uma­nostalgia,­um­vestígio?­Hoje­a­cidade­desposa­formas­extremas:­ ou­ela­se­estende­sem­limites,­se­desdobra­como­a­megacidade,­ou­ela­ se­contrai,­recolhe­‑se­sobre­si­mesma­para­melhor­se­conectar­às­redes­ mundiais­do­sucesso,­como­a­cidade­global,­que­é­um­dos­motores­ disso,­o­nó­principal.­Ora,­se­o­urbano­oscila­entre­“desdobramento”­e­ “retraimento”,­a­experiência­urbana­se­caracteriza­por­sua­capacidade­de­ produzir­“dobras”,­dobras­entre­dentro­e­fora,­entre­privado­e­público,­ entre­interior­e­exterior.­Ou­seja,­“ambientes­sob­tensão”,­“zonas­de­

­ 16.­ Bruno­Fortier,­L’Amour des villes,­Bruxelas:­Institut­Français­d’Architecture/Mardaga,­ 1994.

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BOPP BRILHO

Com a globalização, ei-nos projetados para o “pós-cidade”, para o “pós-urbano”. Na Europa, estávamos habituados a ver a cidade como um espaço circunscrito no qual se desenvolve uma vida cultural, social, política, tornando possível uma integração cívica dos indivíduos... Somos agora confrontados de um

As cidades do escritor e do engenheiro urbanista • Antagonismos de Paris e Londres • Nova York, ou a arte do intervalo • A cidade como libertação • A cidade palimpsesto (as Tóquios de Claude Lévi-Strauss) • O transeunte, a mulher e o estranho • O spleen do flâneur: entre solidão e multidão (Baudelaire e Edgar Allan Poe) • O homem suspenso em Chicago: uma exterioridade carente de interioridade (Theodore Dreiser e Saul Bellow) • A polis, teatro do verbo e da ação gloriosa • A república cívica do Renascimento • Uma dinâmica de privatização e de separação • Genealogias do urbanismo (Françoise Choay) • Alberti, Haussmann, Cerdà • Urbanismo e arquitetura: de Thomas More aos CIAM • O arquiteto e as máquinas celibatárias • Roturas do tecido urbano e inversões da relação privadopúblico • A cidade genérica e a apologia do caos (Rem Koolhaas) • A multiplicação das megacidades • A Europa à margem • A indiferença generalizada (Karachi e Calcutá) • Autodestruição e dejeção (Los Angeles e a favela) • O Cairo, uma metrópole sem classe média? • Buenos Aires, a classe média ao abandono •

A CONDIÇÃO URBANA

nasceu em Paris em 1951. Estudou letras e antropologia na Universidade Paris VII e história e filosofia na Sorbonne, nesta última empreendendo o primeiro estudo universitário sobre Lévinas na França. Diretor da revista Esprit desde 1988, é autor de uma trilogia sobre as paixões democráticas: La Peur du vide (1991), La Violence des images (1997) e Éclats de rire (2002), e ainda de Face au scepticisme: Les Mutations du paysage intellectuel (1998), entre vários outros. olivier mongin

Reinstituir a cidade, recriar limites • A refundação megapolitana • A utopia urbana

OLIVIER MONGIN

A CONDIÇÃO URBANA

como enredo coletivo (Alberto Magnaghi)

OLIVIER MONGIN

A cidade na era da globalização

Tradução

Letícia Martins de Andrade

lado com metrópoles gigantescas e sem limites, e de outro com o surgimento de entidades globais, em rede, cortadas de seu ambiente. A reconfiguração que ora ocorre suscita inquietação: iremos assistir ao declínio irremediável dos valores urbanos que acompanharam a história ocidental? Prevalecerão inelutavelmente a fragmentação e o estiramento caótico? Estaremos condenados a lamentar a polis grega, a cidade do Renascimento, a Paris das Luzes, as grandes cidades industriais do século XIX?

Natanael

Relembrando os elementos distintivos que compõem a experiência da urbe, Olivier Mongin assenta os fundamentos de uma reflexão atual sobre a condição urbana. Vivemos numa época na qual a informação se troca de forma imaterial, mais de acordo com os fluxos do que com os lugares: como, nessas condições, refundar e reformular espaços urbanos de acordo com nosso tempo?

ISBN 978-85-7448-174-6

9 788574 481746

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